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Informagio ¢ Comunicagio JAIRNILSON STLVA PAIM 0 Que E o Sus Copyright © 2009 dos autores “Todos os direitos desta edigfo reservados 2 FRINDAGO OSBALDO CUZ. BOITCRA ISBN: 978.85-7541-1858 Capa projeto grin Carta Rio Edtonagio Rohon Lina Revitio Ana Maria Birnardes Cogaro ma fone laste de Comricaioe Infonmagio inte e Teno em Sade Fioersz Bibra de Sade Pobica 1 Pus ri, imsoa Sa gue €0SUS,/ Jamison Sha Prim, - Rio de Jeni: Bator Fer, 28, 148 p (Clio Temas em Sud) 1. Sistema Unio de Satie. 2. Reforma dos Serigs de Swide 3, Sstemaé de Side. 4. Din & Sade 1. To. cop - 3621068 > A Vionice Carvalho da Siva, tia Nice, «que nfo acreditava mito no SUS hep a Tens CZs PRS. ee 210 Que Tinnayos Antes 90 SUS? E preciso saber o que existia antes do SUS para que possamos avalié-lo, valorizé-lo ¢ apetfeigoé-lo. I necessério conhecermos tum pouco da histéria da organizacio sanitéria no Brasil para compreendermos por que o SUS representa uma conquista do povo brasileiro, Hste conhecimento deve contsibuir para siio reproduzitmos 0 passadoe para que sejamos cxpazes de avaliat, 1 cada momento, o que conseguimos de avango, bem como as ainda existentes ameacas de retrocesso, Assim educatemos, per- manentemente, 0s novos sujeitos que faro avancar a Reforma Sanititia Brasileira (RSB) e construiremos um sistema de satide mais digno para a nossa populacio, ORGANIZAGAO SANTTARIA DO BRASIL na COLONIA £ NO ImPéRIO Quando o Brasil era uma coldnia de Portugal, sua organizacio sanitria espelhava a da metrépole: Os servigos de sade das tropas militares subordinavam-se a0 ciurgiao-mor dos Bxércitos de Portugal. Jéo fisico-mor, dsetamente ou por meio de seus Os problemas de higiene eram de responsabilidade das autorida- des locais, Assim, as cémaras tnunicipais se preocupavam com a sujeira das cidades, a fiscalizagio dos partos ¢ 0 cométcio de alimentos. E desde aquela época os moradotes das cidades soli- citavam a presenca de médicos, mediante cartas o tei, apesar da ificuldade de serem encontrados profissionais dspostos a mi- gratem para o Brasil A primeira Santa Casa suggiu em 1543, quando Bris Cubss fandou, em Santos, Irmandade da Misericdrdia eo Hospital de Todos 0s Sa js, foram-criadas as santas cases de Olin- cha, Bahia, Rio de 10 Paulo, Assim, a assisténcia aos pobres ficava por conta da catidade ctst, que abrigava in-~ igentes, visjantes e doentes:Jé os.militares eram recolhidos e ccidados pels familias reas. Posteriormente, ram atendidos pot cirurgides-militares em hospitais das itmandades das santas casa, cabendo 20 governo da Col6nin o pagamento de uma taxa ama. do Impétio e, com os amarela no Rio de Janeiro fol criada, em 1850, a Junta de Higie- ne Piblica Una nova reforma dos servigos senittios foi efetuada du- zante o Impétio, com a criagio da Inspetoria Geral de Higiene, da Inspetoria Geral de Satide dos Portos e de umn Conselho Su- perlor de Sade Pablica, Nessa ocasiio, foram adotadas as pri- rmeiras medidas voltadas para a higiene escolar e para'a protecio de criangas e adotescentes no trabalho das fbricas. agio comunititia organizava-se, no adas a cada a cada episédio de sade relevante ou por intetmédio da cimara de vereadotes, Mas oand a sas se compliava, a opeio era pela concentragig das decisées no goretno central. Assim, a0 final do Impétio, era radimentar ¢ centralizada a organizacio sanitiria brasileira, inca- paz de responder is ar a assistncia aos doentes, sem discriminagio, As pessoas que dispunham de re- cursos era cuidadas pos médicos particulates, enquanto os in- dligentes eram atendidos peas casas de miseric6rdi, pela carida- dee pela filantropia, Com a ptoclamacio da Republica, a responsabilidade pelas agbes de sade passou a ser atribuida aos estados. No ambito federal, foram reunidos os servigos de saide texrestres ¢ maft- , mos na Diretoria Geral de Sazide Pablica (1897), que tinha por finalidade atuat onde néio cabia a intervencio dos govetnos es- taduais, como eta 0 ¢2s0 da vigilincia sanitiria nos portos, Du- rante a passagem do século XIX pata o XX, inicio da industria- lizagio do Brasil, a satide despontava como questio social, ou scja, como um problema que nio se restringia ao individuo, exi- gindo respostas da sociedade e do poder pibico, A sabe & 0 PODER POBLICO NO INfcrO DA RepGBLica Maito antes da existéncia do SUS, 2 orgunizagio dos servigos de satide no Brasil era bastante confusa e complicada. Havia uma espécie de niositma de aide, com cexta omissio do poder pi- blico, Prevalecia, na chamada Replica Velha (1889-1930), uma concepgfo liberal de Estado de que s6 cabia a este intervic nas Lar @] simuagdes em que. individvo sozinho ow a iniciativa privada no fosse capaz de responder. Havia desconfiangas em selacio & des- centtalizagio, vista por certos segmentos como algo negativo, quando os estados eram reconhecidos como o las da oligarqein. Cada parte que compunha a organizacio sanitsia no esta- belecia relagdes com as ontras, atuando de forma estanque e com propésitos bastante diversos, 8s vezes fazendo as mesias coises Esta duplicacio de esforgos desperdigava recursos, sesutando em dificuldades para resolver os problemas de sade da popula- io que se utbanizava, 20 tempo em que aumentava 0 mximero de indistrias, Bstendo-sitoma foi formado ao longo do século * XX, tendo como matca principal a separagio entre as agbes de sate piblica e a assisttncia médico-hospitalat [As epidemias de febre amarcla, peste ¢ vatola, no inicio do século passado, comprometeram a economia agtoexportadora, impondo a0 poder péblico o saneamento dos portos, a adosio de medidas sanitétias nas cidades, o combate a vetores ¢ a vaci- agio obtigatéria. A realizacto de campanhas sanititias ¢ a re~ fotmna dos.6rgios federsis marcaram a sade piiblica brasileira naquela época. Aliés, desde a década de 1910, ocozzen um mo- vvimento pela mudanga na organizacio sanitétia,liderado por médicos ¢ contando com a ptesenga de autoridades politcas € intelectuzis. A importincia desse movimento foi reconhecida com a criagio do Departamento Nacional de Satide Piblica (DNSP) c de uma estrutura permanente de servigos de saéde piiblica em éreas rurais. as epidemias e doengas endéinicas,além das campa- has sanitérias liderndas por Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Enmilio Ribas, Belisisio Penta e Bartos Barreto, entre outros,” foram ctiados os cédigos sanitarios. Houve também a implanta- io de instituigdes cienttficas voltadas para a pesquisa biomédica, influenciando na formagio de uma comunidade cientifica e n0 estabelecimento de politicas de satide. Entretanto, as agées eram episéicas evoltadas para deena especifcas, como a febre amatel,o amarelio (ancilostomose),a tuberculose, 2 Jepra (hansenfase) ou mesmo a vacinagio contra a varfola. Naquela época nioexistia um Ministétio da Satide. A satide era tratada mais como caso de policia do que como ques- tio social. E 0 orgio que cuidava da satide pblica vinculava-se 20 Ministétio da Justca e Negécios Interiotes. A realzacio de campanhas lembrava uma operacio militar, e muitas das ages realizadas inspiravam-se no que se denomina policia sanitéria, ‘Na segunda década do século KX, algumas iniciativas foram tomadas em relagio aos servigos médicos de empresas. Havin fabticas em So Paulo que ofereciam servicos médicos aos tra- balhadores, descontando para tal saltios, }é na década seguinte, foi eriado o DNSP por Carlos Chagas, esponsabilizan- do-se pela profilaia, propaganda sanitéta, saneamento, higiene dustrial, vigilincia sanitéria e controle de endemias. Nesse pe eve inicio a previdéncia social no Brasil, por meio das caixas de aposentadoria ¢ pensées (CAPS), apés a aprovagio da [ei El6i Chaves (1923). Desse modo, os trabalhadotes vinculados 4 essas caixas passavam a tet acesso a alguma assisténcia médica, DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA POBLICO DE SAUDE O sistema piblico de satide no Brasil nascew por trés vias: saiide pablica, medicina previdenciftia e medicina do trabalho, Apesat de a reforma proposta por Carlos Chagas contemplar a re No caso da sade pala, as celticas dtigidas 3s catmpanhas sanititase as resist formados nos Estados Unidos (Universi de Johns Hopkins), ‘aexemplo de Geraldo de Paula Souza, em Sio Paulo, contribuiram para mudanga de énfase: da coereo pata a persuasio, Coincidentemente ou ni em 6rgios ou servigos responsiveis pela febre amarela,tuberculose,lepa, i zacio saniticia, lém da criagio do Secvigo Especial de Saside Piblica (esp), resultado de um convaio entre os governos brasileito ¢ norte-americano no periodo da II Guerra Mundial, , segundo alguns, para a exploracio da borracha na Amazénia, Apés a ctiaglo do Ministério da Satide, 0 combate a certas ddengas passou ser realizado por servigos especificos e centra- izidos. Entretaato, a intetvengio sob-a forma de campanhas persis em relago & erradicaso da mulitia, a0 combate & me berculose (atlzando abreugrafia ea vacina BCG oa) ¢& vaci- nagio contra a variola. © Sesp transformoise em fandagio (Fsesp) ¢, no governo do presidente Juscelino Kubitschek, foi csiado o Departamento Nacional de Endemias Rutuis (NER), que, na década de 1960, foi substituido pela Supetintendéncia de Campanhes (Sucam). Alguns estodiosos denominam a sate piblica dessa época sanitarismo canpantista (com nfase em cam- paahas)€ savin deendete (todelo mexicano da Fee, ‘mbora estudos mais recentes apontem ceras altefagies pelas qizis © modelo norte-americano passou quando adaptado para a realidade brasileira, Este tipo de sade pila no tinha qualquer integracko com 4 medina prodeniriaimplantada nos Tastitutos de Aposentado- sae Pensées (LAPS), nem com a sae do traalbador. Separava, artificialm ai Assim, « organizagio dos servigos de saide no Brasil antes do SUS vivia em mundos separados: de um lado, as acées volea- xs para 2 prevencio, o ambiente ¢ a coletividade, conhecidas como sade pibles, de outto, a saide do trabalhador,insesida no Ministésio do Trabalho; ¢ ainda, as aces curativa eindividuais, integrando a medina previdenciéria es modalidades deassisténcia médica liberal, flantropicae, progressivamente, empresa. Enquanto isso, as condigées de sadde da populacko se modi- ficavam. Do predominio das doers de pobreza (tubercilose, [3 desnuttiglo, verminoses, doencas sexualmente transmissiveis € coutras doencas infecciosas e parasitiias),alcancamos a chamada ‘morbidade madera (doencas do coragio, neoplasias, acidentes € violéncias). Houve uma reducio da mortaidade e da natalidade, mento da populagio, Progressivamen- te, ocorreram o decréscimo da mortalidade por doengas infec- ciosas e parasitiias e o crescimento das doencas crénicas e de- generativas,além dos traumas, desenvolvimento industrial observado tio governo JK influiu nos ramos farmactatico e de equipamesitos,fortalecen- doaexpansio ia médico-hospitalix em detsimento da satide publica, Este processo foi aprofundado na segunda metade da década de 1960, coma politica de compra de servi- 08 diagndsticos e terapéuticos no setor privado pela previdén- cia sociale comm a criagio da modalidade medicna de grap junto ‘a grandes empresas, a exemplo da indistria automobilistica, Se no final da década de 1940 cerca de 80% dos recursos federais ram gastos em satide piblica e 20¥% com a assisténcia médica individual, em 1964 esta disttbuiglo jé era exatamente o con. criti, A medina de grpo consttula um tipo de empresa médi-} ‘ca que prestava servigos a uma grande empresa industrial ou de servigo, mediante pré-pagamento, contando inicialmente com um estimulo do governo, que dispensava parte das con- tuibuigées da previdéncia social. Enquafito isso, os primeiros governos militares teduziram, ainda mais os recursos destina- dos a sade piblica. Este modelo médico-assistencial apresentou grande cresci- mento na década de 1970, contrastando com a deterioracio das, ccondigbes de sade da populacio e coma contengio das agdes desaide publice. O orgamento do Ministétio de Sade antes de 1975 nio alcangava nem 1% dos recursos piblicos da dre fede- ral-A epidemia de meningite naquels época simbolizava a crise sanitsia, provocando a criagio de respostas para enfrenti-la. ‘A mortalidade infantil, cojas taxes reduzitam-se entre as décadas de 1940 ¢ 1960, soften uma ascensio, juntainente com 0 au- mento de casos de tuberculose, maliti, doenga de Chagas & scidentes de trabalho, entre outros, Justamente no momento er «que economia do pls crescia a uma taxa média de 10% ao ano, o pais enfrentava uma séria crise na sade, Jaa medcna provdenirateve inicio com 2s caxas de sposen- tuoriae pensées, passando por cert expansio.a partir de 1930, quando estas foram substtudas por vitios IAPs: Assim, era cciado um institato para cada categoria de trabalhadores: comer- ciiios (APO), bancivios (APB), industrtios (ip), martimos (APM), servidores do Estado (Ipase), trabelhadotes de trans- pottes e catpas (apetec) etc. Com excegZo do Ipase, todos os insttutos foram unifcados em 1966 no Instituto Nacional de Previdéncia Social (NPS), Somente os brasileros que estivessem vinculados ao metcado formal de trabalho e com carteeeassina- datnham acesso&assistéacia médica da ptevidéncia soctl. Aos demais restavam poucas opcGes: pagas pelos servigos médicos ¢ hospitalates ou buscar atendimento em ins trpicas, postos e hospitais de estados ow municipios. Como o diteito & saide nfo estava vinculado @ condicio da cidadania,cabia 20s individuos a responsebildade de resolver os seus problemas de doonga e acidentes, bem como os de seus familiares, Embora a assisténcia médica, hospitalare farmactutica es- tivesse incluida desde a instalagio dos primeitos insttutos, 0 £33 financiamento dessas atividades dependia da sobra de recursos do ano anterior que nfo fossem gastos com os aposentados, vitivas 6rfios. Assim, a satde no era uma prioridade, mesmo » pata os trabalhadores urbanos com cattelta de trabalho assina- dae seus familiares. Ao conteétio, as prioridades eram outras. A capitalizagio obtida com as contribuigdes previdencitias dos trabalhadotes permitia que os recursos fossemdesviados pata investimentos na economia, Com recursos oritndos dos institutos, foram construidas a Siderdrgica Nacional na dita- “dara Vargas; a ponte Rio-Nitee6i, a Transamazdnica ¢ a Usina de Itzipu no perfodo militar; e nos momentos de democracia * “9s recutsos da previdéncia foram utilizados na construgio de Brasilia (fempos de JK) ¢ no pagamento da divida aos bancos (goveraos FHC e Like). Desde a passagem da década de 1940 para a de 1950, 2 as- sisténcia médico-hospitalarcresceu e ampliaram-se os servicos 1médicos pr6prios dos IAPs, além dos convéalose contratos da Brevidéncia com os hospitais particulareé @ beneficentes. A pritica médica passava por profundas transformagies, de sorte que'o éxercicio liberal da medicina ia sendo substituido por ‘vinculos empregaticios dos médlicos com o poder pablico e com empresas, Desenvolvia-s, por conseguinte, a medicina empre- satial e teenolégica. Entre disigentes ¢ burocratas dos institutos, prevaleceu a opgio de comprar servigos médico-hospitalares do setor privado para os segurados da previdéncia ao invés de investi em servi- 0s proprios, de modo a ampliar a infiaestratura piblica de servigos de side, Esta politic, conhecida como priatga, fi intensifcada nos governos militares, Nio era s6-pet ima qué a prvatizago associava-se & cosrupcio, Epidemias de cesarianas, jaternagoes de mendigos em hospitais psiquidtricos pasticula- ses, “‘irurgias ginecol6gicas” em homens e outros absutdos eram pagos pela previdéncia socal, por meio de um mecanis- mo de pagamento baseado nas Unidades de Servigos (Us). Quanto maior o valor da US, mais o procedimento era produ: zido, Se um parto normal valia menos US que uma cesariana, édicos hospitais evitavam a realizagio de pattos normais, Dai que um dos grandes sanitaristas brasileitos, Carlos Genti- Je de Melo, sémpre denunciava que a US era um fator incon- ssolivel de corrupeio. DESENVOLVINENTO DO SISTEMA DE SAUDE PRIVADO Ao lado da saiide pablica, da medicina previdenciériae da saiide do * nabalbador como componentes da politica estata, manteve-se ao longo do sécilo passado a medina ler, caracteizada por uma ampla autonomia do profissional, Neste caso, 0 médico definia o prego da consulta, estabelecia 0 hordrio e as condigdes de atendimento no seu consultério particular e tik a proprie- dade € 2 posse dos instrumentos de trabalho, Todavia, com a amplagio da utlizagio de equipamentos ¢ de meios de diag- néstico ¢ tratamento, inclusive o aumento exponiencial dos custos da assisténcia, o médico viu reduzida a sua autonomia, seja por se tornar empregado de organizagdes estatais ou pei vadas, seja por atender, mesmo em seus consultérios patticu- Jares, pacientes de convénios ou planos de sade com tegras estabelecidas, Em ambos os casos, perdia o controle da sua clentela, deixando de fixar o prego das consultas e de definir 0s procedimentos 2 realizat. Nessas citcunstincias, submetia-se 4 uma atonomia atipica, de modo que o exescicio da medicine liberal foi sendo substituido pela medicna empresrial Poucos sio 0s médicos, atualmente, que vivern apenas da medicina liberal, dispensando o emprego piblico ou convénios com empresas de planos de saéde. Tanto a medicina liberal quanto @ medicina empresarial submetem-se 3 Idgica do mercado, especialmente quando a de- manda é condicionada pelo poder de compra do cliente, ema vez "de determinade pela natutera da necessidade ou do sofrimento do piciente. Trata-se, portanto, de uma relagio comercial de compre ¢ vends de servigos, na qual o consuntidor aio dispbe de informatées suficientes para fazer escolhas. Ou sea, os pro- cediimentos ¢ tatamentos sio indicados ou decididos pelo pro- Autor, 0 médico. Nesse sentido, os economistas definem o setor saide como ttn mercado impefte. A ‘nica regulacio proposta | para tal mercado limitava-se a0 cédligo de ética médica, cxjo ccumprimento era controlado pelo Conselho Federal de Medicina (CEM), pot meio dos conselhos regionais (CRM). Pasalclamente 4 medicina liberal e empresacal, permanecia a snaicna lantipca,cuja origens remontarn ao século XVI, como vimos, coma instalagio da Santa Casa de Misericéndia em Santos « postetiotmente, em Salvador, Em todo o pais, existem inéme- 0s hospitais reconhecidos como Blantzdpicos, com uma quan- tidade expressiva de leitos. Além da liberaco de impostos e da beragio de contribuigées concedida pelo Estado (rentincia fis- cal) esses estabelecimentos recebem subsdios dretos e indietos, investimentos piblicos ¢ pagamento por servigos prestados Até 4 Consttigio de 1988, s pessoas vinculadas a previdéncia socal ‘ssistidas por tas estabelecimentos tinham os servos pagos pelo ete etre nse en ERE Instnoto Nacional de Assisténcia Médica da Previdéncia Social Daf em diante, todos os atendi- smentos fornecidos peas insttuigdesfilants6picastém sido pagos © pelo SUS. Assim, desde 1988 no hé mais indigentes, nem servi- gos gatsitos prestados por caridade. Todos os servigos de sade * prestados por essas institugdes so remunefados pelo SUS e financiados pela sociedade, por meio de impostos ditetos eindi- set0s, além de contribuigdes, Finalmente, no interior da medina empresarial foram se diver- sificando os negécios Desde a década de 1940, exist a Caixa de Assisténcia dos Funcionsios do Banco do Brasil (Cassi), que posibiltavaaassistéaca médica dessestrabalhadorese fami es, independenteménte do atendimento no IAPB. Outros segmentos de trabalhadores dispunham de algo parecido, A Associacio dos Empregados do Comércio da Bahia, por exem- plo, assegurava aos seus sécios e familiares consultas médicas ¢ alguns exames complementares, desde que contribuissem com uma taxa mensal ou integrassem a categoria de séioremido, Ini ciativas semelhantes foram transformadas, recentemente, na modalidade assistencial do setor de satide suplementar denomi- nada planas de antes, c Na década de 1960, algumas grandes empresas contrataram setvigos da medizina de gripe, evitando que seus trabalhadores Procurassem a assisténcix médica da previdéncia social e, em contrapastide, sendo dispensadas de pagar parte de suas contr- buigdes previdenciias. Nessa época também surgiram as ohe- ‘ations médeas, combatendo 0 que a Associacio Médice Brasileira demunciava como “empresariamento da medicina”. Apesar das lutas ideolbgicas, as emperatnas médcas passaram a fancionar de ‘modo equivalente ao da medicna de grupo ta 7 Na passagem da década de 1970 para a de 1980, foram se desenvolvendo as empresas de seguro saide, vendendo distintos planos de saiide no mercado. Essas modalidades de medicina éempresaral — zutogestio, medicina de grupo, cooperativas dicas ¢ seguro saide ~ constituiram o Sistema de Ascistén Médica Suplementiva (Sams), conhecido como setor de sade suplementar, espagé de ctescimento da iniciativa privada’ no Brasil, Todas essas modilidades sto baseacas no pré-pagamento, 20 contrévio da medicina liberal, que se cstacteriza pelo paga- mento do prdptio bolso no momento da ptestagio do servico, compondo o chamado Sistema de Desembolso Diteto (SDD). A CRIS DO SISTEMA DE SAUDE O sistema de satide brasileiro tendia, cada vex mais, a se as- semelhar com a medicina americana. Havin uma moliplicidade de insttuigées organizagdes — statis e privadas —prestadoras de servigos de sade, muitas vezes ditjgidas a urna mesma cien- tela, deixando milhées de pessoas excluidas da atengio, ow rece- bendo servigos de baixa qualidade. Um estudo censurado pelo overno militar darante a V Conferéncia Nacional de Saiide, em 1975, indicava, 96a atea federal, 71 dxpios desenvolvendo ages de saide. Sea estes forem acrescidos os organisms estaduais ¢ ‘onicipas,além dos servigos privados liberas, empresatais e filante6picos,téma-se uma ideia do tamanho do desafio da ceot- Banizacio do sistema de satide no Brasil a parti do SUS, O mencionado estudo, realizado no intetiot do entio Minis- ‘ério da Previdéncia e Assisténcia Social (MPAS), descrevia 0 sistema de satde brasileiro daquela época com seis caracterist- 2s: insufciente; mal dstibufdo; descoordenado; inadedqiado; ET ES eR ERE ER TRE A, SENN ec jneficiente; ineficaz. Bsse estudo certamente encontrou dificul- dade de explicitar mais quatro adjetivos que caractetizariam aquele niosistema, antorititio, centralizado, corrupto e injusta. Naquele ano de 1975 foi sancionad a lei 6.229, que criaya 0 Sisima Nacional de Sade definia 2s competéncias dos seus com- ponentes. Houve certo reforco no orgamento do Ministétio da Sxide e foram implantados programas de extensio de cobertu- foi também organizado o Sistema de Vigilincia Fpidemiologica (ei 6.259/75), separado da vigilincia saniixia, Divetsos programas especiais de controle de doengas ede aten- io a grupos priortitios, como o materno-infantil; foram im- plementados no periodo, No ambito da medicina previdenciéta, {cj ctiado, em 1977, o Inamps,incorporando o Ipase que, junto com 0 Funturl ¢ 2 Legiio Brasileira de Assisténcia (BA), su- cedea o INPS, oferecendo servigos de satide para amplos con- tingentes da populzco, Anreceoentes 0 RSB & po SUS Justamente para enftentar aquele decilogo de problemas ¢ democratizar a saide no Brasil, foi organizado um movimento social, composto por segmentos populares, estudantes, pesqu- sadores eprofissiomais de side, que propos a Reforma Sanitétia 4 implantagio do SUS. InsttigBes académicas e sociedades clentifcas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Giénca ($BPC), 0 Centro Brasileiro de Estudos de Snide (Cebes) € a Associagéo Brasileira de Pés-Graduacio em Satide Coletiva (Abrasco),entdades comunititias, profissionsisesindicai,cons- tindsam wm movimento social na segunda metide da década de 1970, defendendo 2 democratizacio da sade ea reestruturacio do sistema de servigos, Trata-se do movimento da RSB, também conhecido como movimento sanitisio ou movimento pela de- mocratizagio da saide, Ao aptesentat 0 documento A guest demorrética na drea da 1 exquemitico, que o Brasil exibiu uma protego social incipicne, sade, 90 1 Simpésio de Politica Nacional de Saide da Comissio de Satide de Cimata dos Deputados, em 1979, 0 Cebes formulou, pela primeira vez, a proposta do SUS, jstificando um coajunto de principios e diretrizes para a sua criaglo, Desse modo, tanto a RSB quanto 0 SUS nasceram da sociedade, e nfo de governos ou partidos. Embora tal proposta s6 tena sido incorporada & Constituigio da Repiiblica nove anos depois, é possfvel come- morar ptesentemente és década do SUS, Durante a VIII Conferéncia Nacional de Said, realizada em 1986, foratn sistematizados e debatidos por quase citico mil participantes diversos estudos e proposigdes para a RSB, O rela- inspiron o capitulo “Sade” da Consttuigio, desdobrando-se, posteriormente, nas leis orgiinicas da saide (8.080/90 e 8.142/90), que permitiram a implantagio do SUS. | ‘Na medida em que essas propostas nasceram da sociedade e al- ‘aacaram o poder piblico, mediante agio de movimentos sociais | 5 i : € 2 ctiagio de dispositivos legis, € possivel afirmar que o SUS ‘epresenta uma conquista do povo brasileiro. Enquanto se debatia a legislagio do SUS no Congresso Na- ional, foram adotadas medidas visando a integsacio das agdes | 4 unificacao dos servigos de satide, mediante convénios entre i (0 governos federal estadual e municipal, com mplantacio dos programas como se fossem pontes capazes de failitaratravessia. | para outra margem do rio, ou seja,o SUS, Batre essasinidatvas, | podem ser mencionadas as Aries Integradas de Sade (AIS) ¢ 08 Siveos Unificados¢ Desentralzades de Sade Suck), seconhecidos como uma esata ponte para o SUS, Considerando desenvolvimento histrico da organizacio sustsa que anteceden 0 SUS, podemos afrmas, de um modo uma espécie de asisteniaim exctusivo ou modelo residual itéa década de 1920. A partic dos anos 1930, adotou o seguro socal para os tabalhadores urbanos e, depois da Consttuigéo dé 1988, vera téntando implantar 2 snide soca, a partic da qual foi concebido 0 SUS. Na tealidade, porém, ainda se vé no Brasil andl uma mistura dos teés tipos de protecio social (esidual, seguro sociale segurdade soca), com consequéncias negativas pata 0 desenvolvimento do SUS e para a consolidacao.de uma cidadania plena, Emborao dircto a sate tena sido dfundido internacional- mente, desde a eriagto da Organizagio Mundial da Sade (OMS), em 1948, somente quarenta anos depois o Brasil feconheceu formalmente a satide como direito social. Como referido.ante- siormente, antes de 1988 somente os trabalhadores com catteita de trabalho assinadae em dia com as contibuiges papas &pre- vidéocia social tinham gatantido por lei o ditto & assisténcia adic, atcavés das servigos prestados pelo Inamps, 3A Criacio & A InpLenentacko po SUS A proposta do SUS esté vinculada a uma idcia central: todas aspessoas tem direito a sade. Este dtcitoestéligado & condigio de cidadania. Nio depende do “mérito” de pager previdéncia social (eguro social metitocritico), nem de provat condigio de pobteza.(assisténcia do sistema de protecio), nem do poder F aguistivo (mercado capitalists), muito menos da catidade (flan- } wopia). Com base na concepcio de seguridade sual, 0 SUS supe ama sociedade solidétia e democritica, movida por valores de igualdade e de equidade, sem disctiminagées ou privilégios. =O SUS wa Constrturcio Com a Constinigio da Repiiblica dé 1988, a saéde passou a ser teconhecida como um diseito soca, ou sea, inerente 4 con- Aisi de cidado, cabendo 20 poder pitbico a obtigacio de ga ranticlo: A said & dirto de todos e deer do Estado (Art, 196). Essa conquista politica e social pode ser atribuida a diversas lutas e «sforgos empreendidos pelo movimento da Reforma Saniticia, centre 1976 ¢ 1988, Pela primeira veo na histéria do Brasil, foi promulgada uma Constituigio que reconhece a sade como di- teito social, dispondo de ima sero especifica e contando com cinco astigos destinados & sade. No artigo 196, mencionado anteriormente, destaca-se que o dever do Estado setia garantido mediante polticas econdmicis bs socizis que visem & redugio do risco de doenga e de outros ‘agravos ¢ zo acesso universal eigualititio as acdes e setvicos para a promogao, protecao € recuperacio, Assim, antes de fazer alusio as agdes e servigos de safide, a Carta Magna aponta as politcas econdmicas e sociais como in- tervengdes fundamentais para ‘a garantia do direito a satide, Questies como a produgio a distsibuiglo da tiqueza e da da, emprego, salto, acesso 3 tera para plantar e moras, ambien- te, entre outs, inftuem sobre’ satide dos individuos e das co- smunidades, embota integrem as poltaseronimict. A educacio, cultura, esporte, lazer, séguranca piblica previdenciae asistén- cia social sio capazes de teduzir 0 sisco as doengas e a agravos, compondo as poltias sais, Agtavos dizem respeito a quadros que niio representam, de ‘modo obrigatétio, uma doenga classicamente definida, como em, acidentes, envenenamentos, dentre outros. Violéncia é 0 evento representado a partir dé gGes realizadas por individuos, grupos, classes, nagSes, que ocasiona danos fsicos, emocionais, morais c/ouespitiuais a sipréprio oua outros. Acidente é 0 evento no intefcionale evitivel, causadot delesdesfisicas ¢/ou emocionais, no Ambito doméstico ou em outros ambientes sociais, conto 0 do trabalho, do trinsito, da escola, dos esportes e do lazer. 1B importante tealeat que 6 depois de indicar a relevancia das politicas econdmicas e sociais paa odireto & saide a Constitu- (io faz referéncia & garantia do areso universal eiguaitrio ds aydes eserviges para a promogi proteio ¢ reeperagao, Muitas dessas ages € servigos sio responsabilidades intransfetiveis do sistema de satide, mas nio € possivel desconhecer 0 impacto das polices ceonimias e socais sobre as condigoes de saide da populacio. 0 que significa acess0 universe? Significa a possibilidade de todos 0s brasleitos poderem alcancar uma agio ou servigo de * Wide de que necesstem sem qualquer barteia de acessibilidade, séja legal econdmica, Fisica ou cultural. Acesso universal, repe- tindo, € para todos — ticos e pobres, homens e mulhetes, velhos triangas, nordestinos e sulistas, negtos e brancos, moradores dacidade ¢ do campo, indios e quilombolas, analfabetos € letra- dos, independentenrente de raca, etia ou opczo sexual 0 que quer dizer aso iualtrio? Quer diner. acesso igual para todos, sem qualquer discriminacio ou preconceito, Quer dizet que a igualdade é um valor importante para a satide de todos. Tova, em situagdes que ocottem grandes desigualdades, como 0 acesso aos servicos de saide, atender igualmente os desiguais poderia tesultar na manutencio das desigualdades, impedindo atingir igualdade. Com vistas sobretudo i disttibui- cio de recursos, cresce em importincia a nocio de equidade, que admite a possbilidade de atender desigualmente os que sio desiguais, priorizando os que mais necessitam para poder alean- ara igualdade. O que sio agées e servigos pata promoria patio e resxperagio cha sade? Promover sade significa fomentas, cultivar, estimolat, por intermédio de medidas gerais e inespectficas a saide e a qualidade de vida das pessoas e das comunidades, Portanto, promoco em saiide no tem o mesmo sentido das promogdes do coméscio, Nesta tlkimas 0 objetivo fundamental é estimular vendas e para isso pode-se recorrer a vérias estra ganda, liquidacio, “queima de estoques”, prémios ch promosio da sade, importam boas condigées de vida, educagioy atividade fsica, lazer, paz, alimentacio, atte, culara, [4s diversio, entretenimento e ambiente saudavel, entre outras. Supde atuar sobre as “‘causas das causas”, ou seja, os determinantes, cultivando 0 bem-estar e a qualidade de vida. Ja (protagera sade significa reduzir ou eliminat siscos, por meio de ages especificas, como vacinagio, combate a insetos transmis- sores de doengas, uso de cintos de seguranga nos veiculo, ds- tribuigio de canisinba para a prevengio de doengas sexualmente transmissiveis, bem como o controle da qualidade da gua, ali menos, medicamentos e tecnologias médica Essas shedidas sfo baseadas em conhecimentos cientificos que pecmitem identifica fatores de risco ¢ dé protecto. Diante da insuficiéncia desses conhecimentos em cettas situagbes, a exemplo dos efeitos dos alimentos geneticamente modificados (transgénicos) sobre. sade humana e o meio ambient, paises mais desenvelvidos tém adotado o principio da precauzi, Preferem utilizar alternativas na produgio a submetet a populacio a riscos desconhecidos. Rest- ‘Perara satide requer diagnéstico precoce, tratamento oportuno ¢ limitagio do dano (doenga ov agravo), evitando complicacdes ou sequelas. A atengio & sade na comunidade ea asssténica médi- caambulatoria, hospitalar e domiclia represeatam as principais medidas para a recupetacio da sade. © css snivercal igual ds ages e seas para. promogio, prove e resperog, tl como previsto pela Catta Magna permi- te, portanto, desenvolver uma atengio integral & sade. Em vez se limitar a uma assist8ncia médica curativa, 0 dtcito sade no Brasil estende-se & prevenglo de doencas, ao controle de tiscos . € 4 promogio da saiide, Assim, as agdes e'servigos de satide sio de selevincia pablica, Entretanto, a Consttuigio da Repiblica estabelecew que, a assisténca & snide é ive iniciativa privada, cabendo ao poder ppblico disor ns tras dak, sobre sua relamontatin cago controle, devendo sua execusio ser feta diretamente ou através de terceiras 4 tantbém, por pessoa fsica ou juridica de direito privado, ‘Para muitos fica aimpressio de que a Constituigdo no definiy sea suide deve ser considerada um bem paiblico ou wm servigo a set comprado no mercado, Na realidade,essa ambiguidade resultou dos embates e acordos politicos no ptocesso constituin- te, Representa 0 que foi possfvel conquistar naquele momento pelos deputados que defendiam a crizgio do SUS, embota vesse ater consequéncas problemiticas depois, Segundo a Constituicio, as agées servigos piblicos que compdem o SUS seriam com. plementados mediante contrato com servigos privados que, fesss casos deveriam funcionar como se piblicos fossem. Assim, 0 SUS seria organizado a partic de uma rede regionalizada hie- ranquizada de servigos de sade, com estabelecimentos pblicos e privados contratados, sob a égjde do dizeto piblico, Sabendo agora que 0 SUS ¢ integrado por um conjunto de agdes€ servigos piblicos de said, cabe esclarecer 0 que é uma

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