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Título original: Saremo giudicati dall'amore © Edizioni San Paolo - Cinisello (MI) - Italy

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A547e
Amorth, Gabriele
O exorcista explica o mal e suas armadilhas / Gabriele Amorth ; tradução Armando
Braio ; colaboração Stefano Stimamiglio . _ 3 ed. – Rio de Janeiro: Petra, 2016.

Tradução de: Saremo giudicati dall’amore ISBN 9788582780893


1. Catolicismo. 2. Igreja Católica. 3. Cristianismo I. Stefano Stimamiglio. II. Título.

16-36506

CDD: 282.09
CDU: 282
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1
A vitória de Cristo sobre o pecado e a morte

CAPÍTULO 2
Satanás e os anjos caídos

CAPÍTULO 3
O culto a Satanás e suas manifestações

CAPÍTULO 4
A ação extraordinária de Satanás: possessão, vexação, obsessão e infestação

CAPÍTULO 5
Corpo a corpo com Satanás: o exorcismo

CAPÍTULO 6
Os outros meios de luta contra os demônios

CAPÍTULO 7
Princípios de escatologia cristã: morte, juízo, Paraíso, Purgatório, Inferno
INTRODUÇÃO

“No ocaso da vida, seremos julgados pelo amor.” Com esta fulgurante expressão, São
João da Cruz, grande místico carmelita do século XVI, quis exprimir teologicamente a
mesma realidade misteriosa que Jesus, pouco antes de oferecer a sua vida pela redenção
dos homens, expôs aos seus discípulos. Ao fazê-lo, traçou um extraordinário e
apocalíptico quadro do último juízo de Deus no que diz respeito à história e à existência
individuais, tal como está “retratado”, de forma grandiosa, pelo apóstolo Mateus, no
capítulo 25 de seu Evangelho: “Em verdade, eu vos declaro: todas as vezes que fizestes
isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” (v. 40).
É o amor, portanto, o fundamento da sentença que se pronunciará sobre a nossa vida.
Mais ainda, quando comparecermos perante Deus, será o que a nós caberá exprimir,
diante da verdade nua e crua de nossa realidade. Eis o cerne da vida cristã: caridade,
misericórdia, acolhimento. No declínio de nossa vida, só permanecerá o acréscimo de
amor que tivermos sabido imprimir a cada coisa que fizemos.
Há também o reverso da medalha: além de sermos julgados quanto ao amor, seremos
julgados pelo Amor, isto é, por Deus. Ao anunciar o Jubileu Extraordinário da
Misericórdia, o Papa Francisco procurou exprimir à Igreja inteira, e mais propriamente a
todo o mundo, esta assombrosa verdade, jamais enunciada por inteiro: o julgamento que
nos aguarda é um julgamento de misericórdia. “A misericórdia será sempre maior do que
qualquer pecado, e ninguém pode colocar um limite ao amor de Deus que perdoa.”1 A
todos os homens é comunicada a esperança, segundo a qual não existe pecado nem
condição de vida tão deplorável ou falha humana tão irremediável que não possam ser
encobertos plenamente pelo amor de Deus. Há uma condição exclusiva para isso: que se
manifeste o arrependimento no pecador e o desejo de perdão.
Por ocasião do feliz evento do Ano Jubilar, também desejo fazer minha essa
mensagem repassada de confiante espera, propondo-a novamente, sob a ótica dos que
(como eu) exercem na Igreja o ministério de exorcista, isto é, da batalha face a face com o
Diabo, para erradicar a ação extraordinária deste na vida dos homens. O inimigo da raça
humana, que se rebelou contra Deus e almeja levar todo ser criado à perdição e à
destruição, deseja com volúpia extrema que todos percam a esperança de amar e de
regozijar-se — agora e em cada momento da nossa vida, inclusive no instante final —
com a misericórdia do Deus-Amor, que se encarnou em Cristo Jesus e que, mediante sua
morte e ressurreição, readmitiu-nos no caminho da salvação, mesmo após o pecado
original haver provocado a total ruptura de nossa comunhão com o Criador. Por meio da
ação ordinária de Satanás, que é a tentação, e por meio da ação extraordinária, que
constitui o objeto especifico deste livro, o Diabo tenta destruir a confiança, depositada
em cada homem e mulher, de amar e ser amado.
Este texto, que redigi com a colaboração do Pe. Stefano Stimamiglio, subchefe de
redação do semanário Credere e meu confrade na Pia Sociedade de São Paulo, onde hoje
exerce a função de secretário-geral, teve origem no desejo de preencher o vazio dos
corações com a esperança que encontra fundamento na rocha da Palavra de Deus, que
nem as piores tempestades ou o transbordamento dos rios, nem o violento furor dos
ventos (cada qual imagine a figura que lhe aprouver, por mais terrível e dramática que
seja) conseguem derrubar (cf. Mateus 7,25). Isso põe em relevo um assunto muito tratado
nos últimos anos — já era mais do que tempo, diga-se de passagem! — pelos jornalistas:
possessão, vexação, obsessão e infestação diabólica.
O material colhido por ocasião de nossos encontros — como fruto de várias
entrevistas que propiciaram que inaugurássemos a sessão Diálogos sobre a outra vida, da
Credere, que se manteve de abril de 2013 até agosto de 2014, ano em que encerrou as
atividades — é inequivocamente mais amplo e guarnece esse tema com outros aspectos
de nossa doutrina, o que permite situá-lo numa perspectiva bem ajustada. De fato, o
encadeamento lógico desse material, na sucessão de números do supracitado semanário
da revista, foi realizado com o objetivo de apresentar, numa linguagem simples, mas sem
simplismos, as noções básicas sobre o obscuro conjunto de fenômenos ligados a Satanás.
Tudo para que o leitor pudesse dispor das coordenadas gerais sobre o tema, e conhecer
também os respectivos remédios espirituais, permitindo que esse estudo se insira na
perspectiva necessária do juízo final de Deus sobre os homens e sobre a história,
iluminada pela obra salvadora de Cristo. Nisso reside a sua originalidade, isto é, no
intento de proporcionar um compêndio essencial sobre a matéria, tornando-a acessível ao
grande público.
Tomando como ponto de partida os ensinamentos centrais a respeito da vitória de
Cristo sobre o pecado, pretendo discorrer a seguir sobre a doutrina católica com relação
aos anjos caídos, passando depois a analisar os fundamentos do satanismo, bem como as
inumeráveis manifestações de culto demoníaco. Também analiso as consequências
espirituais que podem proceder daí, assim como, em contraposição, os remédios
adequados contra o mal. Por fim, pretendo expor algumas noções básicas da escatologia
cristã. Trata-se de um percurso que, tendo início no sacrifício de Cristo, percorre as vias
tenebrosas da atuação de Satanás, retomando, em seguida, a solução salvadora —
motivos de grande esperança para todos, especialmente para os que sofrem as graves
consequências dos males de feitiçaria, pessoas que sinto serem meus amigos e
companheiros de trajetória.
Nota

1 Cf. Misericordiae vultus (bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia), n° 3.


CAPÍTULO 1
A VITÓRIA DE CRISTO SOBRE O PECADO E A MORTE

Encarnação e Ressurreição: a Vida destrói a morte


Antes de entrar no assunto principal do livro, desejaria esclarecer algumas verdades
fundamentais que dizem respeito à nossa fé e que servem de “bagagem” indispensável
para enfrentar o exaustivo itinerário, em meio ao complexo (e nunca suficientemente
esclarecido) tema dos males da feitiçaria. Antes de discorrer sobre tais males e sobre o seu
autor, o Diabo, e também para desinflar desde logo a tentação do sensacionalismo, é
importante estabelecer duas premissas fundamentais, que concernem à pessoa de Jesus
Cristo, Mestre, Salvador, Libertador.
A primeira consideração que proponho diz respeito ao sentido profundo da
Encarnação do Filho de Deus. Para cada homem e cada mulher de nosso tempo, qual o
significado do nascimento de Jesus Cristo, o Salvador, da Virgem Maria, por obra do
Espírito Santo, acontecimento que se desenrolou numa noite, há mais de dois mil anos,
em Belém, minúsculo e desconhecido lugarejo, não muito distante de Jerusalém? Trata-
se de um evento específico da história da humanidade, e que nos enche de esperança.
Cumpre-nos dirigir o nosso olhar para esse Menino, sabendo que é o Filho de Deus que
nasce no meio dos homens para extirpar-lhes o pecado, o egoísmo, a morte, o poder do
Diabo. Somente com os olhos da fé saberemos ver quem é que está deitado naquela
pobre manjedoura: o Profeta esperado pelos gentios, o Messias que, ensinando nos
caminhos da Palestina, curando os doentes, consolando os aflitos, pregando a Boa-nova
do Reino de Deus e expulsando os demônios, de forma perfeita e completa, revelará a
face misericordiosa do Pai.
Entretanto, o nascimento de Jesus ainda não reúne tudo, se fizermos abstração do
segundo momento fundamental da história do Filho do Homem: a sua morte e
Ressurreição, que é o que celebramos a cada ano por ocasião da Páscoa. A Ressurreição
de Cristo é causa de salvação eterna para as almas que estavam mortas antes de sua vinda,
assim como para todos os que viviam naquela época e também para os que viriam depois.
A Ressurreição de Cristo abre-nos as portas do Paraíso. Com uma condição, porém: que
essa salvação seja aceita livremente por cada homem. Deus não obriga ninguém a aceitar
a salvação, mas, em qualquer momento, está sempre pronto a acolher-nos.
No início do Evangelho de São Marcos encontram-se quatro frases que sintetizam
toda a obra do Senhor, conferindo substância e sentido à nossa existência: “Cumpriu-se o
tempo”, “o Reino de Deus está próximo”, “convertei-vos” e “crede no evangelho”
(Marcos 1,15). Mediante essa análise, assimilaremos melhor o sentido da Encarnação e da
Ressurreição de Jesus.
A primeira frase significa que o tempo de espera está concluído: a partir do momento
em que nasce, Jesus torna-se, também no tempo, o centro de toda a história da
humanidade.
Eis, por sua vez, o sentido da segunda: a porta de entrada no Céu, que havia sido
fechada pelo pecado, a partir de agora, em virtude da glorificação de Cristo em sua
Ressurreição, encontra-se aberta. O seu Reino, de justiça e de paz, para sempre chegou
até nós.
É oportuno recordar que, na acepção do Antigo Testamento, aos mortos era
reservado um destino especial: o sheol,2 espécie de “cova comum” para a qual os judeus
supunham que iriam as almas dos indivíduos depois da morte. Concebia-se o sheol como
um lugar triste, sombrio, uma espécie de sobrevivência diminuída após a morte, que,
entretanto, não era capaz de libertar o homem dos mais nefastos efeitos desta, além de tal
ideia ser contrária à ordem da Criação: a exclusão da comunhão perfeita com Deus e com
os homens. Precisamente é o contrário que se dá: graças ao Advento de Cristo e à sua
Ressurreição, completou-se a Revelação: as portas do Paraíso abriram-se de par em par e
a luz fulgurante de Cristo Ressuscitado adentrou a morada de cada um dos redimidos.
A terceira frase, por sua vez, revela-nos que, para termos o gozo da bem-aventurança
eterna, devemos mudar de forma radical nosso modo de pensar e também a nossa vida.
Somos chamados a uma constante metanoia, a uma “conversão”, reformulação das
prioridades da vida, para que essa realidade possa cumprir-se plenamente ainda em nossa
existência.
Por fim, a quarta explica-nos como deve ser realizada concretamente tal conversão:
viver o evangelho. Nele encontramos tudo quanto nos é necessário. Sim, no evangelho,
que pode ser resumido naquilo que Jesus ordena a seus discípulos: “Assim como eu vos
amei, vos ameis também uns aos outros” (João 13,34).
Que atitude deve enraizar-se em nós, com vistas a tomarmos seriamente essa
resolução como responsabilidade de cada um? Respondo com o simples relato de um
episódio pessoal.
Durante 26 anos, de 1942 a 1968, recebi a incumbência de me encontrar
regularmente, em San Giovanni Rotondo, com São Pio de Pietrelcina. Os frades
cultivam o hábito de afixar em suas celas um letreiro com escritos tirados da Bíblia. No
tocante ao Padre Pio, eis a máxima que escolheu: “A grandeza humana vem sempre
associada à tristeza.” Para mim está claro o sentido: devemos ter humildade, muita
humildade, assim como Cristo a teve em sua vida. É como São Paulo a define, sem meias
palavras: “esvaziamento” (cf. Filipenses 2,7). Corresponde ao Seu fazer-se homem — a
Ele, Jesus Cristo, que era Deus — e ao Seu morrer na cruz, rejeitado pelos homens.
Após esse anúncio ter sido roubado de sua cela, afixou outro: “Maria é toda a razão
da minha esperança.” Se Maria, que é a Mãe de Jesus, é a nossa esperança, qualquer
pessoa — desde que esteja sofrendo, que esteja sozinha, que se ache triste e no extremo
de suas forças — pode dirigir o olhar em direção ao Natal do Senhor e à Sua Páscoa da
Ressurreição com um coração repleto de esperança.
A morte de Cristo projeta uma forte luz sobre a nossa morte. Ao fazer-se homem, o
Filho de Deus quis aceitar na sua totalidade a condição dos seres humanos. Segundo
narra o livro dos Gênesis, Deus criou o homem numa condição de imortalidade. No
paraíso terrestre, o homem fora sujeito apenas à proibição de comer da árvore do bem e
do mal. Obviamente, para que pudesse ser mais bem compreendido, o autor bíblico usa
uma linguagem metafórica: com efeito, esse relato não deve ser interpretado em seu
sentido literal.
A mensagem deve ser entendida na profundidade de sua acepção teológica: tratava-
se, para o homem, de uma prova de obediência e de reconhecimento do poder de Deus e
do senhorio divino sobre toda a obra da Criação. Assim como faz conosco, também com
Adão e Eva Satanás utilizou dois artifícios para desviá-los do seu caminho.
Inicialmente, levou-os a renegar o que Deus lhes impusera. Para isso, a serpente
disse a Eva: “Vós de nenhum modo morrereis!” (cf. Gênesis 3,4). Do mesmo modo age
conosco, induzindo-nos a duvidar da existência do pecado, do Inferno, do Paraíso e da
vida eterna. É o que acontece, por exemplo, para falarmos dos dias de hoje, quando
promove a ideia de que o aborto e a eutanásia seriam sinais de progresso da humanidade.
O segundo artifício é o de fazer o mal tomar a aparência de bem, isto é, apresentá-lo
como um proveito, uma vantagem de que a pessoa não se deve privar. Com efeito, a
serpente prossegue: “Mas Deus sabe que, em qualquer dia que comerdes dele, se abrirão
os vossos olhos, e sereis como deuses, conhecendo o bem e o mal” (Gênesis 3,5). Em
resumo, o Diabo fez com que o mal se mostrasse simpático, atraente, agradável aos
sentidos.
À luz dessa situação, Jesus aceita, ao se encarnar, as consequências extremas dessa
culpa original, cujo efeito último é a morte: “Mas não comas da árvore da ciência do bem
e do mal; porque, em qualquer dia que comeres dela morrerás indubitavelmente”
(Gênesis 2,17). Foi essa a advertência de Deus quando colocou o homem no jardim do
Éden. O Filho do Homem, encarnando-Se, aceitou — enquanto homem, e somente
enquanto homem, uma vez que a sua natureza divina não estava sujeita a tais limitações
— a condição de mortalidade e todos os limites próprios da natureza humana: fome,
sede, sono, sensibilidade à dor. Para salvar-nos, Ele aceitou as consequências extremas da
morte, a fim de destruí-la com Sua Ressurreição. Foi essa realidade que levou São Paulo
a exclamar, questionando: “Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu
aguilhão?” (1 Coríntios 15,55). A morte foi derrotada por Jesus! Pela salvação eterna,
por essa grande consolação dada a todos os homens, Deus lhes enxugará todas as
lágrimas (cf. Apocalipse 21,4), e é certo que disso não estarão excluídos — bem ao
contrário! — os que sofrem de males espirituais. Esta é a Boa-nova para os nossos caros
irmãos que muito padecem.

As consequências da vitória de Cristo


Aprofundemos e desdobremos o que foi enunciado, baseando-nos agora no mistério da
Paixão, morte e Ressurreição do Senhor. Esta nos obtém três vitórias contra as três
formas de condenação sofridas por Adão e Eva, após o pecado original. A primeira é a
condenação à morte; a segunda diz respeito ao nosso corpo, que se desfará (“porque és
pó e em pó te hás de tornar” [Gênesis 3,19]); a terceira configura-se no fechamento das
portas do Paraíso.
Acima de tudo, Jesus obtém-nos a vitória sobre a morte, porque o nosso corpo,
imediatamente após haver fechado os olhos para este mundo, ao invés de se encaminhar
para a atmosfera sombria do sheol, é destinado à ressurreição. É inegável que podemos
ressurgir para a vida ou para a morte, isto é, para o Paraíso — certamente com uma
“passagem” pelo Purgatório — ou para o Inferno. A esse respeito, é claríssima a
afirmação de Jesus, do alto da cruz, ao Bom Ladrão: “Em verdade te digo: hoje estarás
comigo no Paraíso” (Lucas 23,43). Isso demonstra que não devemos ter medo da morte,
porque esta é somente um patamar rumo ao Além de paz, concórdia e amor, que nos
espera, para que nos seja concedida uma vida sem fim.
De fato, eis a vitória sobre a segunda condenação. Constituído de alma e corpo, o
homem não pode viver somente com a alma separada do corpo. Corpo e alma são
destinados a recompor-se no final dos tempos, isto é, no momento do Juízo Final. Santo
Tomás de Aquino — a meu ver, o maior dentre os teólogos cristãos — afirma que não é
apenas pela fé que cremos na unidade entre corpo e alma, pois, ainda que baseados
apenas na razão natural (ou seja, pelo mero raciocínio lógico) é impossível conceber
corpo e alma separados um do outro.
Quando nos reportamos aos santos — que já desfrutam da felicidade no Paraíso,
embora os respectivos corpos ainda não estejam unidos às almas, visto que isso somente
acontecerá no fim dos tempos — podemos ter certeza de que, mesmo sem os corpos, já
gozam da bem-aventurança, embora somente venham a alcançar a suma beatitude
quando ambos, corpo e alma, estiverem unidos. Pode-se afirmar o mesmo em relação a
cada um de nós, quando, pela misericórdia de Deus, chegarmos ao Paraíso. Em poucas
palavras, somente quando a completa união entre corpo e alma for reconstituída,
acabando o ciclo do tempo, existirá realmente a plenitude de vida. Por enquanto (para
nos exprimirmos em termos bem acessíveis), os santos desfrutam do grau de felicidade
que cada alma é capaz de “conter”. Em relação aos condenados, pode-se fazer a mesma
afirmação, evidentemente, no sentido oposto.
Por fim, no que concerne à terceira condenação, podemos sustentar que Jesus, graças
à Sua Ressurreição, reabriu as portas do Paraíso que estavam cerradas e lacradas, em
consequência do pecado original. Eis a mensagem fundamental da Páscoa, verdade, por
assim dizer, que nos faz exultar pela nossa fé: nossa vida não é destinada ao vazio, mas à
glória e à felicidade eternas, em companhia de Maria, dos santos e da Santíssima
Trindade.
Dar sentido ao sofrimento
Entretanto, cada pessoa, nesta vida, defronta-se com a experiência da dor e da angústia.
Como, então, deve encarar a vida eterna aquele que sofre no corpo e no espírito? Deus
criou a todos para o amor e a felicidade, mas também determinou que seja cumprida essa
meta por meio de um caminho de liberdade, sem coação. Para cada um, Deus estabeleceu
uma prova.
Também os anjos, criaturas como nós, foram submetidos a esse teste. Conhecemos o
resultado: uma parte revoltou-se contra Deus e não quis reconhecer a autoridade divina,
ou seja, submeter-se unicamente a Ele. Tais anjos caíram, isto é, foram condenados
definitivamente. Outra parte preferiu obedecer a Deus, escolhendo o Paraíso.
Também o homem sobre a terra está sujeito à prova da fidelidade às leis de Deus.
Isso ocorre de forma eminente durante a época do sofrimento, que, como bem sabemos,
não poupa a ninguém: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua
cruz todos os dias, e siga-me”, disse Jesus (Lucas 9,23). Recorda-nos o Magistério da
Igreja que “a vitória messiânica sobre a doença (aliás, como sobre todos os demais
sofrimentos humanos) não se realiza unicamente pela supressão [dela], graças a curas
milagrosas, mas também com o sofrimento voluntário e inocente de Cristo na Sua
Paixão, e dando a cada homem a possibilidade de se associar à mesma”.3 Esse é um ponto
central: unido ao sofrimento de Cristo, o sofrimento humano torna-se fonte de salvação.
“Realizando a Redenção mediante o sofrimento, Cristo elevou ao mesmo tempo o
sofrimento humano ao nível de Redenção. Por isso, todos os homens, com o seu
sofrimento, podem se tornar também participantes do sofrimento redentor de Cristo.”4
A dor, sobretudo a de um inocente, é um mistério que supera a nossa capacidade de
compreensão. O que sofre (seja padecendo em razão de doenças, seja em razão de males
espirituais, tais como a possessão diabólica), quando unido a Cristo, eleva-se a um nível
superior, o que o torna capaz, pela fé, de cultivar a esperança. No entanto, há mais: as
provações dos que sofrem são uma verdadeira e específica “vocação”, um chamado “para
participar do crescimento do Reino de Deus numa nova modalidade, ainda mais preciosa.
As palavras do apóstolo Paulo podem tornar-se o programa de cada um dos que sofrem,
sendo, desde logo, lampejos que fazem resplandecer, aos olhos de cada um, o significado
da graça que se manifesta nessas diversas situações: “Eu que agora me alegro nos
sofrimentos por vós, e que completo na minha carne o que falta ao sofrimento de Cristo
pelo seu corpo que é a Igreja” (Colossenses 1,24).5 Reportar-se à vontade de Deus no
sofrimento é a única via a ser percorrida. É um mistério que verifico todos os dias em
meu ministério de cura das enfermidades espirituais e físicas de muitos irmãos e irmãs, os
quais oferecem seus sofrimentos pela salvação do mundo.
Procurando exprimir esses conceitos teológicos em linguagem corrente, devo
afirmar que, sem sofrimento, ninguém consegue nada. Impõe-se, de certo modo, no que
diz respeito ao Paraíso, saber “conquistá-lo”. Entendamos bem: tudo é graça, o Paraíso
nunca poderá ser conquistado “por nossos méritos”. Somente Cristo é quem pode
“conquistá-lo” para cada um de nós, por meio da via estreita da sua morte na cruz, que se
conclui na alegria da Ressurreição. O que nos compete, então, fazer? Aceitá-lo, por meio
da prova da existência. E isso é válido para todos. Por exemplo, ao ler a vida dos santos,
comprovamos que alguns passaram por sofrimentos extraordinários. É bom que o
afirmemos desde já: não é isso que o Senhor espera, necessariamente, de cada um. No
entanto, todos enfrentamos as nossas tribulações, fadigas comuns e extraordinárias. Ser
provado no corpo e no espírito, entregando-se totalmente a Deus, essa é uma verdadeira
e indiscutível prova de fé, pois, em tais casos, o amor e a fidelidade ao Senhor são
gratuitos, não nos proporcionando nenhuma vantagem pessoal. Em suma, o amor por
Deus não tem outra razão de ser... senão o próprio amor! Por ventura, também não
ocorre o mesmo com o amor humano?
Bernardo de Claraval exprimiu um comentário luminoso sobre isso: “O amor
subsiste por si mesmo, agrada por si mesmo e por causa de si mesmo. Ele próprio é para
si mesmo o mérito e o prêmio. O amor não busca outro motivo nem outro fruto fora de
si; o seu fruto consiste na sua prática. Amo porque amo; amo para amar.”6
Por conseguinte, somos chamados a amar a Deus e a nele crer em meio às fadigas da
vida, sobretudo se reconhecermos que as coisas temporais nos proporcionam força e
auxílio para visar ao mais alto, um dia após o outro. Menciono o exemplo de São Paulo
quando fala de um “espinho na carne” (cf. 2 Coríntios 12,7). Não sabemos exatamente a
que sofrimento se referia; faz alusão a um “anjo de Satanás” que o perseguia. Podemos
deduzir que se tratava de um sofrimento físico provocado pela ação demoníaca, e não
dizia respeito a causas naturais. “Em três ocasiões pedi ao Senhor que o afastasse de
mim”, afirma, às raias do desespero. Entretanto, Deus não o livra: “A ti basta minha
graça”, responde-lhe o Senhor. São Paulo morreu com aquele “espinho da carne”, uma
vez que a virtude se manifesta e se aprofunda exatamente por meio do sofrimento,
mediante o qual comprovamos a virtude e a aperfeiçoamos. A experiência do apóstolo
atesta-nos que, por intermédio do sofrimento, aprendemos a amar a Deus, a nos
aperfeiçoar no amor. O sofrimento, é o caso de reiterar, quando oferecido pela salvação
das almas, pela conversão dos pecadores, a título de reparação, torna-se, desta maneira,
um instrumento de verdadeira colaboração com a ação divina para a redenção de toda a
humanidade.

Os sinais do amor de Deus


De que modo, então, a misericórdia divina se manifesta para os que sofrem — em
particular para os que sofrem vexações demoníacas? Eis a resposta: por meio da
comunhão íntima com Jesus, que experimentamos de modo particular na oração e, no
mais alto grau, ao recebermos os sacramentos, que são os sinais sensíveis do amor de
Deus para conosco.
A pessoa que enfrenta perturbações espirituais padece de uma forma muito especial
de sofrimento. No caso das enfermidades de ordem física, podemos fazer análises
clínicas, descobrir as causas, obter um diagnóstico e, muitas vezes, encontrar os remédios
que se fazem necessários, ainda que por meio de sucessivas tentativas. No caso dos
transtornos que atormentam o corpo, as explicações médicas podem ajudar a pessoa a
enfrentar melhor o sofrimento, propiciando-lhes acompanhar diretamente o tratamento,
tanto nos casos de melhora como nos de agravamento da situação.
No caso dos sofrimentos causados pelos demônios, nenhuma explicação humana, ou
cientificamente comprovada, existe. Adentramos no terreno do invisível: nunca
deparamos com dois casos idênticos, tendo cada qual a sua história, o que torna difícil,
para não dizer impossível, saber como se desenrolarão as coisas. O que é certo é que o
sofrimento interior é sempre muito grande, não poucas vezes incompreensível, ao menos
para aqueles que se acham ao redor da pessoa atingida, de parentes ou de amigos. Por
isso, com frequência, essa situação provoca uma grande frustração e sentimento de
solidão naquele que sofre. Nos casos de tormentos causados pelo ataque demoníaco — é
importante enfatizar —, encontramo-nos diante de um desígnio misterioso de
sofrimento: só podemos encará-lo por meio do total abandono à vontade de Deus. É
indispensável recorrer a Ele, sabendo que não existe nenhum meio humano para a cura,
apenas os meios sobrenaturais, e tomando conhecimento, pela fé, de que a própria vida,
mesmo numa situação paradoxal como esta, está “escondida com Cristo em Deus”
(Colossenses 3,3).
Os “remédios de Deus”, autênticos instrumentos da graça, tornam-se, desse modo,
sinais tangíveis que alimentam a fé e a esperança, mesmo em face das situações
aparentemente mais inexplicáveis. Muitas pessoas que, ao longo de muitos anos, sofrem
de males espirituais confirmam, a cada dia, a observação acima.
Notas

2 Cf., p. ex., Jó 3,17-19; 10,21; 17,13-16.

3 Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução sobre as orações para alcançar de Deus a cura, n° 1.

4 Cf. João Paulo II, Carta Apostólica Salvifici doloris, n° 19.

5 Cf. Instrução sobre as orações para alcançar de Deus a cura, cit., n° 1.

6 Cf. São Bernardo, Discurso sobre o Cântico dos Cânticos (Disc. 83, 4-6).
CAPÍTULO 2
SATANÁS E OS ANJOS CAÍDOS

O orgulho de Lúcifer e de seus seguidores


Entramos agora na análise dos males espirituais, dedicando este capítulo à identidade de
Satanás e de seus ajudantes, os demônios. Procedamos de forma ordenada. Em seu
infinito poder, Deus criou miríades e miríades de anjos, um número espantoso,
incalculável. O Salmo 146 afirma que Deus conhece os nomes das estrelas, e chama cada
uma nominalmente. O mesmo pode ser dito a respeito dos anjos: Deus conhece o nome
de cada um.
Certo dia, durante um exorcismo, o Pe. Candido Amantini — sacerdote da
congregação dos passionistas e meu grande mestre, que exerceu o ministério do
exorcismo na Escada Santa, em Roma, de 1961 a 1992, e cujo processo de beatificação foi
aberto a 13 de julho de 2012 — interpelou um demônio: “Quantos são?” O demônio
respondeu: “Somos tantos que, se nos tornássemos visíveis, encobriríamos o sol.” Nessa
oportunidade, o demônio forneceu uma indicação que, sendo corroborada pela Bíblia,
nada justifica que a ponhamos em dúvida.
Deus criou os anjos predestinando-os ao Paraíso, à bem-aventurança eterna. São
seres inteligentíssimos, com conhecimentos imensamente superiores aos do homem. Em
consequência, o Paraíso não é a contemplação passiva e estática de Deus. O próprio
Deus criou tudo em movimento, tanto em relação às coisas visíveis (basta pensar no
exemplo dos astros) quanto às invisíveis. Mesmo os anjos, criados para louvar a Deus,
estão em incessante movimento.
Um grande número dentre eles caiu por ter se rebelado contra Deus. Como
aconteceu isso? Para que pudesse admitir os anjos no Paraíso, Deus sujeitou-os a uma
prova de obediência e humildade, da qual só conhecemos a forma, mas não o conteúdo.
O pecado dos anjos caídos foi um pecado de orgulho e desobediência. O mais formoso
dentre todos os anjos, Satanás, tendo consciência de ser extremamente inteligente,
rebelou-se ante a ideia de se sujeitar a qualquer criatura. Esqueceu-se, porém, de que
também ele era uma criatura de Deus. Muitos outros anjos acompanharam-no nessa
insensatez de onipotência, insurgindo-se contra a ideia de depender do Criador,
julgando-se orgulhosamente mais fortes e belos do que Ele próprio. Por presunção e
soberba — isto é, querendo ser como Deus! —, quiseram ser independentes. Ou melhor,
mais do que Ele. E com isso sentiram orgulho, a tal ponto que jamais voltaram atrás
nessa escolha.
Faço notar, de passagem, que o mesmo acontece com o homem, particularmente
numa época como a nossa, na qual muitíssimos parecem ter se esquecido de Deus. O
delírio de onipotência, que frequentemente atinge os homens de nossa época, parece-me
estar contido nessa perspectiva dramática de autonomia, de completa
autorreferencialidade, ou seja, cada indivíduo como sendo referencial exclusivo para
tudo.
Retomando o raciocínio de nossa exposição, assevero que a culpa original dos anjos
caídos é a mesma de quem adere implícita ou explicitamente ao satanismo. Anjos e
seguidores de Satanás tomam como base de sua existência três princípios ou regras da
vida prática, que estão no fundamento de sua existência insensata: fazer tudo o que
quiser, isto é, não se sujeitar às leis de Deus; não obedecer a ninguém; ser cada um o deus
de si mesmo. Dissertaremos sobre isso adiante.

Os anjos e sua escolha por Deus


Ao contrário dos demônios, as criaturas angélicas conservaram-se humildes. Uma
escolha que nelas descerrou a visão beatífica, jubilosa e eterna do Deus Criador.
Escolheram continuar fiéis à natureza e ao objetivo da própria existência — que é a de
louvar eternamente a Deus —, realizando uma tarefa simples e ao mesmo tempo difícil:
manterem-se humildes e, portanto, livres do orgulho e da soberba. Aceitaram manter-se
na submissão a Deus, exercendo a respectiva escolha na justa perspectiva da fidelidade ao
Criador e a seu projeto. Dessa forma, os anjos ficaram plenamente inseridos no que é
característico de sua natureza e de seu fim. Isso representou um sinal de fidelidade para
com a verdade: foram criados, assim como também nós, para amar a Deus por toda a
eternidade. Essa atitude, propriamente falando, não lhes é causa de nenhum
rebaixamento, porque não comportaria tal, jamais podendo corresponder a uma forma de
“falta” de algo, pois, ao contrário, vivem numa “plenitude”. Os anjos continuaram fiéis à
própria natureza, o que os põe em relação direta com Deus, ou seja, com Aquele que, na
obra da Criação, deixou inscritas as melhores leis para todos, concebidas para o bem de
cada um.
Qual a atividade dos anjos? Louvar eternamente a Deus obedecendo às Suas ordens.
Por isso, sempre aconselho a cada um, principalmente aos meus “pacientes” particulares,
que invoquem muitas vezes o próprio anjo da guarda, que nos protege dos perigos,
comunicando-nos a inspiração certa para cada momento, embora eles mesmos não
possam impedir que sejamos assaltados pelas tentações, nem que eventualmente
venhamos a cair em pecado.
Daí se depreende o sentido do que está escrito no capítulo 12 do Apocalipse: estamos
diante de uma guerra colossal entre os anjos que permaneceram fiéis a Deus e os que se
rebelaram contra Ele. Em suma, trata-se de um formidável embate contra os demônios.
Nessa passagem, a Bíblia narra que os anjos achavam-se sob o comando do arcanjo
Miguel, e que os anjos rebeldes, dirigidos pelo dragão, ao final, foram derrotados. Em
consequência (faço a citação de memória), “foram expulsos do céu” (12,8).
Sobrevém aqui um ponto que as Sagradas Escrituras só referem de passagem, mas a
respeito de cuja veracidade não encontro razão para duvidar. Consiste no seguinte: foram
os demônios, por assim dizer, que criaram o Inferno, ou seja, colocaram-se numa
situação, num estado de vida contrário a Deus, condenando-se eternamente. Por causa
dessa escolha, eles próprios decidiram o seu destino.
Essa nova condição, relatada pela Bíblia como “inferno”, implica que os demônios
foram para sempre excluídos do Paraíso, da visão de Deus, da felicidade eterna, que eram
originariamente o único fim a que estavam destinados. Portanto, é uma verdade de fé que
os demônios estão condenados para sempre: para eles não existe nem a mais remota
possibilidade de salvação, pois a escolha que fizeram é caracteristicamente imutável. Por
quê? Porque a inteligência dos anjos — muitíssimo superior à nossa, visto que são puros
espíritos, assim como pelo fato de que, diversamente do que ocorre conosco, já podem
gozar da plena visão de Deus — impõe que a opção feita tenha sido plenamente
consciente, definitiva, irreformável. Ademais, em nenhuma hipótese, os demônios
poderiam voltar atrás. Embora, em sentido oposto, cabe dizer o mesmo em relação aos
anjos que escolheram a Deus, bem como em relação aos santos, que já possuem a visão
eterna Dele. Por fim, igualmente a nós, que somos chamados a corresponder a cada dia
ao convite para a santidade.

O Diabo pode ler nossos pensamentos?


Tratemos agora da ação específica de Satanás, formulando, inicialmente, uma primeira
pergunta: o Diabo é capaz de conhecer nossos pensamentos, a bem dizer, pode saber no
que pensamos num dado momento de nossa vida? A resposta é simples: de modo algum.
Os teólogos são unânimes a respeito. Somente Deus — que é onisciente, conhecendo
interiormente os segredos da realidade criada, isto é, homens e anjos, bem como os da
realidade não criada, isto é, de sua própria essência divina — pode ter conhecimento
profundo do pensamento de cada homem. Mesmo sendo criatura espiritual, o Diabo não
pode captar o que se passa em nossa mente, em nosso coração, a não ser por dedução, ou
seja, observando o nosso comportamento. Sendo dotado de uma inteligência agudíssima,
essa operação não lhe é trabalhosa. Se um jovem faz uso de maconha, por exemplo,
podemos deduzir que, no futuro, facilmente, poderá fazer uso de drogas mais pesadas.
Resumindo: em relação ao que lemos, vemos, dizemos, sentimos, em relação às
companhias que temos, em relação a nossos olhares, naturalmente... diante de cada um
desses pontos e desse conjunto de indícios, os demônios podem intuir qual é a direção
para onde “aponta” a nossa vida, ou para onde nos encaminhamos num momento
especifico de nossa existência; e, com base nisso, tentar-nos.
Isso nos faz recordar uma passagem da primeira carta de Pedro: “Irmãos, sede
temperantes, vigiai. O vosso inimigo, o Diabo, está como um leão rugindo em torno,
procurando a quem devorar. Resisti-lhe firmes na fé” (1 Pedro 5,8-9). A minha releitura
deste trecho, com a qual vários exegetas bíblicos estão de acordo, apresenta-se assim:
“Irmãos; vigiai sempre. O Diabo se move em torno de cada um de vós, procurando onde
devorar.” Este onde é importante: Satanás procura em cada pessoa exatamente esse ponto
fraco, e trabalha nisso, criando para cada um de nós situações próximas ao pecado, e, para
isso, já nos encontra predispostos. Por isso, é a própria pessoa, fazendo uso de sua
liberdade, que comete pecado, bem “trabalhada” antes, é claro, pela tentação de Satanás.
Os pontos mais fracos no homem, desde que o mundo é mundo, sempre foram os
mesmos: soberba, dinheiro, luxúria. E, compete acentuar, não existem limites de idade
para pecar. Quando ouço penitentes em confissão, muitas vezes faço uma leve ironia, que
não deixa de ter um fundo de verdade: afirmo que só deixaremos de ser objeto de
tentação cinco minutos depois de termos dado o último suspiro...
Logo, não tenhamos a presunção de imaginar ou pretender que, chegando a uma
idade avançada, estaremos isentos do pecado. Se, ao longo da juventude, cultivamos um
vício, não imaginemos que, por causa da idade, tal vício deixará de nos perseguir.
Pensemos na luxúria: não raro, atendo em confissões a pessoas idosas que veem filmes
pornográficos com maior frequência do que os jovens. Na luta contra o pecado, devemos
aplicar toda a força de nossa vontade até o fim de nossos dias.

O Diabo pode ter medo do homem?


Passemos agora ao segundo ponto: a quem compete ter medo, a nós ou ao Diabo? A
carta de São Tiago diz: “Submetei-vos, pois, a Deus, resisti ao Diabo, e ele fugirá para
longe de vós” (Tiago 4,7). Satanás fica ao largo de quem nutre a fé, recebe os
sacramentos, deseja viver santamente. Por quê? Tudo isso tem “odor” de Deus e de
santidade. Se nos detivermos para pensar um pouco, é impossível não nos lembrarmos
dos períodos de nossa existência nos quais a nossa vida interior era mais intensa: não é
certo que, nesses períodos, tínhamos mais forças para resistir à tentação? De outro lado,
impõe-se não sucumbir à soberba, tendo sempre em mente que o Diabo nunca cessará de
nos tentar até o fim de nossos dias.
Análogo comentário cabe ser feito em relação aos pontos de referência sagrados, de
modo especial em tudo quando diz respeito a uma sólida devoção mariana. Diante disso,
Satanás manifesta fortíssima aversão a: Loreto, Lourdes, Fátima, Medjugorje, para
mencionar somente os mais conhecidos. Muitas libertações da ação demoníaca
verificaram-se em tais lugares.
Devo acrescentar que o Diabo pode perturbar de modo extraordinário uma pessoa de
fé bem fundamentada, mas, neste caso, ele o faz contra a vontade, como que “obrigado”
pelo poder do malefício. Ele prefere largamente tentar quem vive longe de Deus, junto
aos quais goza de maior liberdade de atuação. Satanás teme os filhos de Deus, ou seja, os
que vivem procurando ter uma existência semelhante à de Jesus: “Fui crucificado com
Cristo, e não sou eu mais quem vive, mas Cristo que vive em mim” (Gálatas 2,19-20). O
Diabo tem conhecimento de que é mais forte e inteligente do que nós; sabe, porém,
igualmente, que não estamos sós na luta contra ele. Um só exemplo é suficiente: São João
Bosco, um dos maiores santos do século XIX, pelo simples fato de entrar na capela com
os paramentos sagrados para celebrar a Missa, libertou uma moça possessa. O Diabo tem
horror aos santos e à santidade.
Muitas vezes as pessoas me perguntam se, no caminho dessa libertação, pode ser útil
fazer a oração de renúncia a Satanás. A resposta é afirmativa. Não só útil, mas é
indispensável recitá-la. É o que nos ensina a nossa liturgia: a referida expressão “eu
renuncio a Satanás”, assim como os pedidos que constam nos artigos do Credo, são
previstos exatamente para o rito do Batismo, sacramento pelo qual nascemos para a vida
cristã. Renovamos essa fórmula na Vigília Pascal, enquanto confirmação de nossa fé. É
importante renunciar a Satanás e às suas obras; contudo, ainda mais importante é recitar
com frequência e com fé a fórmula do Credo, conforme fazemos nas Missas dominicais e
nas festas dos dias santos de guarda. Cada vez mais a experiência me faz ver que a
renúncia a Satanás e a profissão de nossa fé são indispensáveis para quem teve parte com
o ocultismo, servindo para romper todo vínculo com o Maligno.

Em que parte do corpo o Maligno fica instalado?


Outra interrogação recorrente é se os demônios fixam a sua morada numa parte
específica do corpo humano. A resposta é inequivocamente negativa. Fazendo uso de
uma construção que facilitará a compreensão do assunto, direi que ele exerce influência
sobre o corpo todo ou sobre parte deste, mas sem localizar-se especificamente num órgão
ou num membro. Quando a pessoa possuída entra em transe, o espírito Maligno em certa
medida assume o “comando”, induzindo-a a ter movimentos desconexos ou levando-a a
blasfemar. É como se o Maligno envolvesse por inteiro o corpo do possuído, que perde o
controle sobre si. Tem-se, por vezes, a impressão de que fixou morada na garganta, no
estômago, no intestino ou na cabeça, locais onde se manifestam dores ou espasmos. Na
realidade, porém, não está presente ali, apenas atua, num certo momento, sobre este ou
aquele órgão.
Fixados tais pontos, pergunta-se: a possessão diabólica e outros males espirituais
excluem a presença do Espírito Santo? Em relação aos espíritos, não podemos raciocinar
em termos puramente humanos. Assim, a “superfície” tomada por um corpo humano não
pode ser “preenchida” nos mesmos moldes em que enchemos um copo de água. De um
lado, na questão dos espíritos, entram em cena o Diabo e o Espírito Santo, duas
realidades rivais que podem coexistir — obviamente, em conflito — numa mesma
pessoa. De outro, é digno de nota que diversos santos tenham sido assediados pelos maus
espíritos, ainda que, evidentemente, estivessem cheios do Espírito Santo. Nesse ponto,
uma objeção aflora: como explicar isso, uma vez admitido que os demônios não
“ocupam” nenhum espaço físico? Sem dúvida, embora o Espírito Santo possa expulsá-lo,
é respeitada a nossa capacidade de escolha.
Está dito no Evangelho de São Marcos que “há certas espécies de demônios que não
se consegue expulsar de qualquer modo, a não ser com oração” (9,29). O demônio busca
sempre camuflar-se, esconder-se, pois não ignora que, apresentando-se por inteiro com
seus sinais inconfundíveis, poderia estar caminhando para a própria ruína. Realmente,
ante uma situação dessa natureza, a pessoa poderia entregar-se à oração com mais
intensidade, submeter-se aos exorcismos e às preces de libertação, intensificando a sua
participação na Missa, etc. Um demônio não pode resistir ao poder da oração e do jejum.
Isso é evidentemente apenas uma indicação de princípios: por vezes, ele está
profundamente enraizado, sendo difícil extirpá-lo da pessoa, provavelmente devido a
uma eficácia excepcional dos ritos satânicos e por uma misteriosa permissão divina. Às
vezes, os exorcismos duram anos e anos.
Afinal, quem deve rezar e jejuar? Todos — tanto a pessoa atingida pelo mal
espiritual como as que estão próximas a ela. Em relação ao primeiro, trata-se de uma
forma de atestar sobremaneira a fé, dada como resposta a um chamado muito especial
para santidade. Em relação aos demais, um convite para manifestar concretamente a
caridade cristã. Com efeito, muito eficazes são as orações dos familiares bem próximos,
pois essa colaboração pode concorrer fundamentalmente para uma atmosfera favorável
no recinto do lar. Ao rol dessas pessoas acrescento o exorcista, o pároco, os amigos e
quaisquer outros que estejam empenhados na libertação do possesso.

Qual a aparência do Diabo?


Entre as perguntas mais frequentes, não pode estar ausente a mais sugestiva de todas:
qual a aparência de Satanás? Sendo puro espírito, não possui substância corpórea e,
portanto, não pode assumir uma forma inteiramente clara para nós. Guardadas as devidas
proporções, isso se aplica também aos anjos: estes só podem tornar-se visíveis aos
homens se assumirem características que seríamos capazes de reconhecer. A Bíblia está
repleta de relatos de aparições de anjos que se deixaram ser vistos pelos homens. No livro
de Tobias, por exemplo, o arcanjo Rafael, sob a aparência de um rapaz, acompanha o
jovem Tobias em sua missão. No Evangelho de São Lucas, avulta uma situação entre
todas: a Anunciação do arcanjo Gabriel a Maria (Lucas 1,26-38).
Sobre a fisionomia do Diabo, deve-se afirmar que é muito mais feia do que tudo
aquilo que seríamos capazes de imaginar. Esse aspecto horrendo é consequência direta do
afastamento de Deus, da explícita e irrevogável escolha que fizera da rebelião. Isso pode
ser compreendido mediante uma argumentação lógica: sendo Deus beleza infinita, quem
resolve afastar-se Dele inevitavelmente só pode ser o extremo oposto dessa mesma
beleza. Naturalmente, trata-se aqui de argumentos de ordem teológica, fundados na
Revelação, aos quais damos o nosso assentimento quando recorremos à razão iluminada
pela fé. Seria possível, a título de ilustração, evocar uma ideia aproximativa?
Antes, porém, é necessário excluir as imagens derivadas da iconografia tradicional do
Diabo, que o apresentam com chifres, cauda, asas de morcego, tridente e olhos injetados.
Tratando-se de puro espírito, obviamente não pode “assumir” essas características. De
fato, se essa representação concorrer para incutir em nós o temor, no que diz respeito à
ação exercida por ele — não sabemos bem como —, que seja bem-vinda. Contudo, há
sempre o risco — em se tratando dos homens de nosso tempo, secularizados e “bem-
apessoados” — de transformar o Diabo num ícone medieval, peça de museu dos tempos
passados, fantasia para “convencer” palermas. O que é um grande risco, além de um
grande serviço prestado a ele!
Cumpre, sem dúvida, admitir que, em sua liberdade maculada, os demônios podem
aparecer sob a forma de um animal monstruoso ou de uma pessoa com feição infernal.
Acabo de pensar, entretanto, nas representações de seres horripilantes que vemos
reproduzidas nas camisetas dos jovens, as quais se encontram à venda por toda parte, e
aconselho a todos que não se embaralhem com isso. De fato, sendo muito astuto, Satanás
pode adotar também formas inócuas na aparência. Nesse particular, o caso de São Pio de
Pietrelcina é típico. Aparecia-lhe, às vezes, como um cão feroz; noutras ocasiões,
revestido com a fisionomia de Jesus ou de Nossa Senhora; ou, ainda, com a aparência
externa do seu confessor ou do reitor de seu convento, quando lhe ordenavam fazer isso
ou aquilo. Ao verificar depois com o superior a ordem recebida, percebia que tivera uma
visão do Diabo. E também podia ocorrer que o Maligno lhe aparecesse como uma bela
moça despida...
Enfim, demônios podem manifestar-se mediante odores desagradáveis, como cheiro
de enxofre ou de esterco de animal (já aconteceu isso enquanto eu estava benzendo uma
casa), ou também, diante de pessoas particularmente sensíveis, por via de barulhos
repulsivos, rajadas de vento muito perceptíveis, sensações táteis desconfortáveis.

Almas penadas: o que diz a Igreja sobre isso?


Encaremos agora outra questão. Alguns afirmam serem capazes de ver ou perceber tais
“presenças”. Trata-se apenas de sugestões? Serão almas “vagando” pelo espaço? Será
isso manifestação demonícaca? A esse respeito convém ter muita prudência e
discernimento. Tais “presenças”, na literatura específica e na prática do exorcismo,
fazem-se notar por uma extensa casuística. Existem pessoas, por exemplo, que declaram
ter sentido a proximidade, às vezes até física, de um antepassado ou de pessoas
desconhecidas — tais “almas penadas”, são entendidas como almas de defuntos, as quais
estariam aguardando ser introduzidas na ordem da vida eterna. Outras vezes, há quem
fale em “almas-guias”, as quais aconselhariam certas pessoas a tomar as decisões mais
acertadas. O que dizer? Preliminarmente, falemos algumas verdades de fé.
A primeira é que só temos uma vida; portanto, o que está em jogo nesta existência é
que, ao final, seremos julgados, seja para ressurgirmos para a vida em Deus, seja para o
afastamento eterno Dele. Logo, é inteiramente impossível que existam almas vagando à
espera de uma reencarnação, conforme defendem algumas correntes do espiritismo. Isso
corresponde a uma ideia absolutamente incompatível com a Revelação e com a crença na
ressurreição do corpo.
A segunda é que existe, sim, uma forma de comunicação entre os mortos e nós: trata-
se do princípio do Corpo Místico, ou seja, dos membros da Igreja enquanto se acham em
comunhão. De um lado, entre as almas dos mortos do Paraíso e do Purgatório, e nós,
que ainda peregrinamos nesta terra, existe uma troca de bens espirituais, fundamentada
na caridade de Cristo, a qual se manifesta pela intercessão. Em particular, as almas do
Purgatório, sofrendo para purificar-se, gozam de uma capacidade de oferecimento e de
reparação extraordinária em nosso favor, e, ao mesmo tempo, gozam dos benefícios que,
em favor dessas almas, podemos obter pelas nossas orações. Dessa realidade estão
excluídas as almas dos condenados, já que, no Inferno, não gozam (nem quereriam
gozar) dos benefícios de nossa oração.
Analisando a questão das almas penadas, penso o seguinte: sabendo que,
imediatamente após a morte, iremos ao Paraíso, Inferno ou Purgatório, não é possível
acreditar que existam almas livres vagando pelo mundo. No velho rito dos exorcismos,
havia a ressalva contra o risco de que se interpretassem presumíveis possessões ou
perturbações espirituais como tendo sido causadas por um falecido condenado. Parece-
me uma posição razoável. Com efeito, são demônios que assim se camuflam. Já me
ocorreu, por exemplo, que, durante um exorcismo, um espírito afirmasse ser uma dessas
almas penadas. Quando, porém, fiz uma verificação mais profunda, revelou-se ser um
demônio. Existem outros exorcistas que pensam o contrário. Segundo eles, a presença
dessas almas que vagam pelo mundo seria um fato real. Voltaremos a tratar deste assunto
quando falarmos do espiritismo (cf. p. 60ss). Trata-se de um assunto ainda aberto à
discussão, cabendo aos teólogos estudá-lo, aprofundando os dados das Escrituras, do
Magistério da Igreja e da experiência dos místicos e dos videntes.
CAPÍTULO 3
O CULTO A SATANÁS E SUAS MANIFESTAÇÕES
O ocultismo
A Enciclopédia Treccani define o ocultismo como “conjunto de doutrinas fundadas numa
concepção religiosa, metafísica e física do universo, que pressupõe a existência, para além
da realidade, de forças dinâmicas, pessoais ou impessoais, físicas ou psíquicas, não
acessíveis pelos instrumentos da lógica ou das ciências matemáticas ou experimentais
(desse ponto de vista, mantêm-se ‘ocultas’), mas com as quais podemos estabelecer
correlações, mediante instrumentos cognitivos ou técnicas de natureza prática, cujo
conhecimento é reservado a poucos sábios”. Em outros termos, o ocultismo é um grande
“guarda-chuva”, sob o qual se abrigam todas as sequelas da adoração a Satanás, tendo
como objetivo conquistar benefícios. As mais significativas formas de ocultismo são:
magia, astrologia, cartomancia e espiritismo. Na base do ocultismo há a crença na
existência de entidades espirituais que não podem ser alcançadas mediante os sentidos,
senão por meio de algumas técnicas (por isso se fala paralelamente de esoterismo)
devidamente exercitadas, com as quais se pode exercer domínio sobre a realidade.
Segundo veremos, tais seres ou entidades são os espíritos imundos, mais comumente
conhecidos como “demônios”.
Contudo, importa acrescentar, a realidade é mais complexa do que isso. Em última
análise, para que os ocultistas possam desfrutar de seus poderes, acabam por ficar na
dependência dos superiores hierárquicos: o chefe das seitas nas quais entram e que, em
suma, é o próprio Diabo, sendo que este exige um preço bem alto em troca dos serviços
que presta. Evidentemente, os ocultistas recusam-se a admitir isso e, ao mesmo tempo,
odeiam o cristianismo, embora os seres a que recorrem e aos quais estão vinculados, que
são os demônios, não procedam de Deus, mas do inimigo do Criador, isto é, de Satanás.
O satanismo
O satanismo é a prática do culto a Satanás. Contudo, será que os satanistas e o satanismo
realmente existem, ou somente povoam a imaginação dos diretores de cinema
particularmente fantasiosos? É indubitável que existem! Para sermos mais exatos,
satanista é o indivíduo que explicitamente resolve entregar-se ao Diabo, isto é, a ele
consagrar-se, mediante a prática de um rito, entrando numa seita. Trata-se de casos
efetivamente muito raros: por isso, fazemos menção a milhares, não a milhões de
pessoas... São proporcionalmente poucos, mas extremamente prejudiciais às almas.
Trata-se dos que, levando uma vida de pecado e exclusivamente voltados para si, seguem
ao pé da letra os ensinamentos do príncipe das trevas.
Geralmente, podemos distinguir entre duas correntes: satanismo pessoal (ou
ocultista) e satanismo impessoal (ou racionalista). O primeiro caso admite a natureza
pessoal de Satanás, que é invocado pelos seguidores e adorado e honrado como um deus.
O segundo caso não crê na natureza pessoal — isto é, individual, na acepção metafísica
— de Satanás; entretanto, identificam-no mais propriamente como uma energia cósmica,
a qual estaria subjacente a cada um de nós e ao mundo inteiro, que irromperia mediante a
execução das perversões mais absurdas e horripilantes, que devem sempre vir associadas
a ritos esotéricos.
O que pretendem os satanistas? Promover o crescimento dessa espécie ou gênero de
devoção difundindo a teoria e a prática dos três princípios que são a base do satanismo:
“você pode fazer tudo que desejar”, “ninguém tem direito de obrigá-lo a fazer nada”,
“você é o deus de si mesmo”. O primeiro princípio tem como finalidade proporcionar
inteira liberdade ao adepto em relação a tudo o que deseja fazer; é a filosofia do viver
uma liberdade sem freios, sem limites. O segundo princípio desvincula o homem do
conceito de autoridade; graças a isso, a pessoa se acha no direito de não mais obedecer a
ninguém, tanto no que se refere aos pais, à Igreja, ao Estado ou a qualquer outro detentor
de autoridade, recusando-se a admitir a noção de bem comum, em qualquer esfera da
vida. O terceiro princípio renega todas as verdades que provém diretamente de Deus: o
Paraíso, o Inferno, o Purgatório, o Juízo, os Dez Mandamentos, os preceitos da Igreja,
Maria Santíssima...
Trata-se de princípios que, à primeira vista, têm um ar sedutor, sobretudo para os
mais jovens. Com efeito, são estes mais propensos a crer na ilusão de que a vida seria
apenas um belo passeio num país dos sonhos, onde tudo é permitido, sem contenção de
qualquer natureza, onde o “eu” de cada um, na busca de uma fruição ilimitada,
desconhece quaisquer barreiras. Por isso, à maneira de conselho penoso que indico aos
pais, estou convencido de que, para evitar que os filhos se deixem fascinar por essa
perspectiva teórica e prática de vida tão destrutiva, é indispensável que os genitores
saibam educá-los desde cedo, orientando-os para a vida de fé, mediante a oração, a Missa,
a participação em algum grupo de oração ou movimento católico. Importa sobremaneira
levá-los a adquirir um senso de Deus e a ter consciência da existência do pecado e do
Diabo, um espírito tentador que deseja conduzir-nos ao afastamento de Deus e, portanto,
à morte. Agindo assim, quando os filhos crescerem, provavelmente terão criado
mecanismos de autodefesa que os impeça de serem fisgados pelas seitas e práticas
satânicas. Estou certo de que se trata de uma forma de educação trabalhosa; todavia,
procuro sempre frisar que, nos dias atuais, os jovens estão mais expostos a esses perigos
pela ausência quase completa dos ideais bons e belos. Quando a fé desaparece, as pessoas
entregam-se em massa às superstições e ao ocultismo.
Retomemos o assunto dos satanistas. Quando fazemos referência aos cristãos
batizados, comumente utilizamos a expressão “filho de Deus”. Em face disso, cabe
perguntar: podemos denominar os satanistas de “filhos de Satanás”? No tocante a estes,
não é concebível tal epíteto. De fato, Satanás não deseja filhos, nem mesmo irmãos ou
amigos. Quer apenas escravos, cuja fidelidade arrebanha, prometendo-lhes um prazer
ilimitado — e nisso reside a grande mentira — graças a uma liberdade desregrada, base
do próprio satanismo.

A consagração a Satanás
Como uma pessoa se torna satanista? Por meio de um ritual de consagração a Satanás,
mediante o qual o indivíduo a ele se entrega de corpo e alma, solicitando ser acolhido em
suas fileiras e, concretamente, entrando em uma seita. Habitualmente esse pacto é escrito
com sangue, mais ou menos nos seguintes termos: “Satanás, de agora em diante a ti
pertenço, na vida e na morte e depois desta. Recebe-me como teu servidor. Ofereço-te
meu corpo e minha alma. Farei tudo o que desejares e mandares. Em troca, dá-me
prazeres, êxito, prazer sexual, riqueza.” Comumente, a consagração é realizada durante
um rito coletivo, muitas vezes durante uma missa negra, quando a pessoa é iniciada na
seita e nas práticas do satanismo.
O pacto de sangue pode ser feito individualmente. Não é diferente do que se faz em
relação aos votos religiosos: existem os votos públicos, votos oficiais formulados diante
do povo de Deus, que comumente se realizam durante uma celebração comunitária; e os
votos particulares ou privados, que cada qual pode fazer individualmente, e em segredo,
diante de Deus.
No tocante ao satanismo, em um ou outro caso, trata-se de uma verdadeira e própria
entrega da alma a Satanás o qual mantém a trágica promessa, embora jamais conceda a
felicidade prometida. Em troca desse pacto, recebem-se apenas inumeráveis sofrimentos.
Em uma palavra, a quem se consagra ao Diabo, o que este assegura ao infeliz é um
verdadeiro inferno nessa vida e um inferno eterno na outra. A minha experiência pessoal
dá conta de que tais pessoas jamais comunicam serenidade, e deixam por onde passam um
sulco de dor, solidão e morte.
A difusão do satanismo não se faz apenas de indivíduo a indivíduo. Entre os jovens
circulam muitos livros, opúsculos ou, ainda mais comumente, os sites da internet que
ensinam fórmulas de consagração ao príncipe das trevas. Trata-se de uma prática
perigosíssima — feita seriamente ou por brincadeira, sozinho ou em grupo —, porque
pode trazer consequências muito graves. Isso pode acontecer bem mais tarde, estando,
por exemplo, a pessoa casada e vivendo ao lado da esposa ou do marido e dos filhos, com
um bom trabalho, quando vê-se às voltas com uma pesada possessão diabólica a
enfrentar. Por isso, convém refletir sobre as consequências de tal escolha — em muitos
casos irreversível, ou, pelo menos, sendo muito difícil retomar o caminho de volta. Com
efeito, conheço várias pessoas que se desvencilharam, mas, à custa de um imenso esforço,
frequentemente sob a ameaça dos adeptos do satanismo, seja como for, com muitas
sequelas na mente e no corpo, carregando muitas vezes graves possessões diabólicas e
tendo de submeter-se, durante anos, a exorcismos para ficarem livres. Péssimo negócio,
em última análise.
Recentemente, vieram a lume diversos casos bombásticos de homicídio, em cujos
crimes claramente se denotava influência particular de Satanás, talvez até em
consequência de algum pacto contraído com o Maligno. Refiro-me, como exemplo, ao
caso dos três rapazes de Chiavenna que, em junho do ano 2000, assassinaram a Irmã
Maria Laura Mainetti. Baseando-me no que pude ler a respeito, não posso afirmar que
estivessem possuídos por demônios, mas que provavelmente teriam agido sob uma
possante inspiração satânica: o cinismo, a ferocidade, a ausência de freios inibitórios na
violação perpetrada contra a religiosa, tudo isso leva a inferir estarmos em presença de
uma mesma “marca de fábrica”. Imediatamente após o crime, dentre os assassinos, dois
dirigiram-se a uma casa de shows, enquanto o terceiro retomou o caminho de casa, para
limpar a lâmina da faca com a qual assassinaram a freira, recolocando-a depois no
faqueiro. Uma história inacreditável que comprova o risco no qual incorrem os jovens de
hoje.
Quantas são as seitas satânicas existentes hoje em dia na Itália? Relacionam-se
algumas centenas, geralmente constituídas por poucos membros. É difícil fazer um
mapeamento exato, pois agem sempre na sombra.
Concluirei com uma observação importante: para que alguém venha servir ao Diabo,
tornando-se seu seguidor, não é preciso, forçosamente, que tenha aderido ao satanismo.
Muitos há que, mesmo sem se consagrar oficialmente a Satanás, escolhem como norma
de vida os princípios fundamentais do satanismo. E, igualmente, em tais casos, essas
almas correm grande risco.

Os poderes que provêm de Satanás


Quais são os poderes que, juntamente com os indizíveis sofrimentos, Satanás confere a
seus devotos? Existe uma lista interminável. Alguns são claramente de origem diabólica;
outros requerem discernimento.
Uma primeira caracterização dos poderes está na razão direta da “negociação da
venda” da própria alma ao Diabo e da nova identidade assumida pelo satanista, como
resultado da consagração feita: riqueza, prazer sexual ilimitado, poderes que vão além das
forças naturais. De início tudo parece simples e fácil, como se a pessoa tivesse feito um
bom negócio. Trata-se, porém, de uma falsidade enganosa: aos poucos a pessoa é levada
a passar por sofrimentos invisíveis, sinal claro de que o Diabo “lhe causou prejuízo”,
porque o único motivo do negócio feito por ele consiste em tornar o homem seu escravo
e de arruinar-lhe a vida. Dou testemunho dessa dramática realidade ao relatar, no livro
L’ultimo esorcista [O último exorcista], escrito em conjunto com o jornalista Paolo
Rodari,7 o caso da jovem Simona. Ela aceitou a proposta de consagrar-se ao Diabo em
troca de uma brilhante carreira profissional. Muito depressa a jovem galgou posições em
seu trabalho, conquistando dinheiro e prestígio na escala social — o Diabo manteve a sua
promessa. Em contrapartida, verdadeiramente requisitou a sua alma: a moça passou a
cultivar em várias ocasiões um ódio imenso contra algumas pessoas, de forma tão forte e
repentina que, em cada acesso, trancava-se no banheiro batendo com toda força os
punhos e a cabeça contra a parede, urrando de dor. Arrependeu-se amargamente do
pacto feito, e foi preciso que eu trilhasse com ela um longo percurso para restituir-lhe
definitivamente a liberdade. Contudo, saiu-lhe caro: precisou devolver as “dádivas” que
Satanás lhe conseguira; teve de renunciar à carreira, pedir dispensa do trabalho,
recomeçando tudo do zero. A partir de então, ficou inteiramente livre.
O que dizer desses poderes que os adeptos do satanismo chamam “dádivas”? Podem
estar relacionados com a consagração feita a Satanás, como também a rituais de magia
(malefícios, “amarrações”, sortilégios, encantamentos etc.), feitos pela própria pessoa ou
por terceiros. A título de exemplos, eis alguns: premonição (isto é, capacidade de prever
acontecimentos futuros), clarividência (possibilidade de ver coisas e pessoas que já
morreram, visões e aparições), fenômenos de escrita espontânea (situação típica de quem
se vê “inspirado” a escrever mensagens ditadas por seres externos), levitação, bilocação,
“poltergeist” (movimentação repentina e inexplicável de objetos). Em outras
circunstâncias, a pessoa pode ouvir “vozes” que sugerem preces ou maldições, ter visões
ou ainda sentir-se violentada ou tocada por entidades espirituais. Alguns desses
fenômenos podem ser tidos como de origem sobrenatural, isto é, proveniente da esfera
divina. Até que se prove o contrário, são bastante suspeitos, por isso, sou levado a incluir
esses fenômenos — salvo prova contrária convincente — no terreno do sobrenatural,
isto é, no campo diabólico. Entretanto, compete sempre à Igreja, com base em critérios
de discernimento que passaram pelo crivo de análise dos séculos, pronunciar-se sobre a
eventual procedência divina de tais fenômenos.
Nesses casos, em primeiro lugar, tenho como hábito recomendar que não se dê
importância a essas vozes, visões, inspirações interiores, bem como renunciar
expressamente a tais poderes, invocando sempre a Virgem como amparo espiritual.
Igualmente aconselho a pessoa a submeter-se ao criterioso discernimento de um
conhecedor da matéria. Em caso de persistência dos fenômenos, pode recorrer aos
exorcismos e às orações de libertação, a fim de verificar se esses “poderes” não estariam
associados, como ocorre amiúde, a um mal de feitiçaria: possessão, vexação, obsessão,
infestação. Digo mais: nunca se imaginar ser um privilegiado, capaz de fazer uso desses
poderes. Isso seria como dizer “sim” a Satanás.

A missa negra, paródia da celebração da Eucaristia


Antigamente falava-se da missa negra, durante a qual era habitual haver a consagração a
Satanás. A missa negra, uma cerimônia litúrgica na qual se adora e se exalta a Satanás, é
uma paródia da Missa católica. Costumava ser celebrada à noite, porque sob o abrigo das
trevas era maior a discrição, e também porque nos horários noturnos é menor o número
de pessoas rezando, circunstância que prejudicaria o desenrolar do ritual. Durante a
celebração, utilizavam-se — mas sempre ao revés, para manifestar oposição a Deus — as
palavras tiradas da liturgia eucarística, assim como os sinais externos dessa mesma
liturgia. Havia sempre um “sacerdote” de Satanás, oficiante da cerimônia e que trajava
uma indumentária blasfema; sobre o altar expunha-se uma mulher nua, possivelmente
virgem, sobre cujo corpo se faziam gravíssimos atos de profanação da Eucaristia, com
hóstias roubadas de alguma igreja, crucifixos de ponta-cabeça, ao passo que as palavras
da consagração eram pronunciadas ao contrário.
Os participantes costumavam ser membros de uma seita satânica, obrigados ao
segredo por juramento. Jamais se admitiam pessoas estranhas, exceto nos casos em que se
poderia prever que certos indivíduos, seduzidos pelas perversões e poderes ilusórios que
imaginavam obter, fatalmente ingressariam na seita. De modo geral, as missas eram
“celebradas” por pequenos grupos de dez, no máximo 15 “fiéis”. Essa mulher despida,
que exercia suas funções no altar, após a conclusão do rito sacrílego, era violentada
sucessivamente por todos os participantes: em primeiro lugar, por aquele que exercia a
função de “sacerdote”, depois pelos demais. Tal mulher, que poderia ser aceita
livremente ou levada a fazer esse papel contra a sua vontade, além da violência física a
que se submetia, também podia ligar-se a consequências terríveis, e não raro também à
possessão.
Assim como se dá com a Igreja, igualmente, para realizar os rituais satânicos, existem
rubricas “programadas”, que se vinculam a “solenidades” específicas. A mais importante
é o Halloween, que cai na Vigília de Todos os Santos, isto é, de 31 de outubro ao dia 1°
de novembro de cada ano: é considerado o Primeiro Dia do ano mágico. Importa, neste
ponto, realçar o grande perigo que correm os nossos jovens ao participarem das “festas
de Haloween”, realizadas nessa data! A segunda data escolhida pelos satanistas é a que
precede a da celebração do mistério católico da Apresentação de Jesus no Templo, a 2 de
fevereiro. Com efeito, a noite anterior é a noite de início da Primavera mágica. O verão
mágico, a terceira “solenidade” satânica, é na madrugada de 30 de abril a 1° de maio.
Frequentemente, durante o ano, são escolhidas as noites de lua nova, por serem de uma
escuridão bastante densa.
Quem oficia estes ritos é habitualmente uma pessoa consagrada a Satanás. Não é
estabelecido que, necessariamente, deve ser um possesso. Certo, porém, é que durante
estes rituais, conforme foi referido acima, profanam-se hóstias consagradas, furtadas dos
tabernáculos ou escondidas por algum fiel satânico que as recebeu na Missa católica e não
as consumiu.
Aconteceu-me certa vez de exorcizar uma pessoa que furtara às escondidas uma
hóstia consagrada que seria usada numa missa negra. Essa pessoa sempre que podia
furtava hóstias em toda parte, embora já estivesse a caminho de um corajoso processo de
libertação. Muitas vezes, com base no que me dizia, eu verificava que estava tomada por
uma situação de completa inconsciência, achando-se sob o efeito de um transe típico de
alguém possuído.

A magia, grave pecado contra a fé


Chegamos agora ao ponto central de nossa exposição, que é a magia. Não faria sentido
discorrer sobre satanismo e missas negras sem analisar de frente esse assunto. O
Catecismo da Igreja Católica fornece a melhor definição a respeito. No número 2117,
podemos ler: “Todas as práticas de magia ou de feitiçaria, pelas quais se pretende
domesticar os poderes ocultos para os pôr ao seu serviço e obter um poder sobrenatural
sobre o próximo — ainda que seja para lhe obter a saúde — são gravemente contrárias à
virtude de religião.” A Igreja condena tais práticas com base na Revelação e na certeza de
que, tanto no espiritismo como no ocultismo, é o Diabo quem age, embora nunca se
mencione nada oficialmente sobre a sua eficácia. Sem sombra de dúvida, são sempre os
exorcistas que o atestam.
A definição de magia nos diz duas coisas. Inicialmente, encontramos a ambição —
por intermédio de malefícios, “trabalhos”, encantamentos, filtros mágicos, rituais, formas
de invocação, alimentos e bebidas enfeitiçadas para que a vítima ingira, esferas de cristal
etc. — de modificar ou prever o curso dos acontecimentos humanos e naturais,
recorrendo a poderes sobrenaturais, isto é, demoníacos. Assim, por exemplo, conseguir
uma namorada (ou namorado) para alguém, conseguir a cura de uma doença, provocar a
morte de alguém, fazer com que um indivíduo adoeça, ou que seja demitido do trabalho,
provocar fenômenos atmosféricos etc. Dito em outros termos, magia é uma prática
utilizada por meio do Diabo para fazer o mal ou para exercer influência sobre pessoas ou
sobre elementos da realidade criada.
Estejamos atentos: tanto os ritos praticados com base naquilo que vulgarmente se
chama de “magia branca”, tida como “inocente” — no sentido de que estaria voltada,
aparentemente, para fins não condenáveis, como no caso da busca de um emprego, por
exemplo —, quanto na denominada “magia vermelha” — que se insere no âmbito da
sexualidade e exerce influência na esfera dos sentimentos —, dirigem-se aos mesmos
entes sobrenaturais utilizados na “magia negra”. Com efeito, em ambos os casos, o
feiticeiro se reporta às forças do Maligno para lograr o resultado desejado. Não há,
portanto, nenhuma diferença entre magia “negra”, “branca” ou “vermelha”. Basta ver os
efeitos: conheci uma moça que procurou um feiticeiro para que desmanchasse o noivado
de um rapaz por quem estava apaixonada, a fim de que este se casasse com ela. Tudo
correu como queria: de fato, o rapaz primeiramente abandonou a namorada; em seguida,
casou-se com a moça que encomendara o malefício. O casamento, porém, revelou-se um
verdadeiro calvário.
O segundo aspecto que decorre da definição do Catecismo consiste em que a magia é
gravemente contrária ao primeiro Mandamento: “Não terás nenhum outro deus à minha
frente” (Êxodo 20,3). Quem recorre a feiticeiros, cartomantes, ocultistas, milagreiros ou
similares, pratica grave pecado de superstição, o que é contrário à fé. Contudo, que é
superstição?
O termo superstição deriva do latim superstitio, o que indica alguma coisa que se
sobrepõe à outra, invertendo o sentido original. Chama-se alguém de supersticioso
quando essa pessoa crê que qualquer coisa pode ser causa de infortúnio (o gato preto que
cruza o nosso caminho, o sal que deixamos derramar, o espelho que se quebra) ou de
sorte (a pata do coelho, a ferradura do cavalo, cruzar os dedos). Em suma, quando
atribuímos a determinados objetos ou gestos um poder baseado numa suposta força
inerente a essas coisas.
Também podem ser consideradas superstições certas formas de oração quando,
embora se refiram a um elemento religioso, sobrepõem uma falsa religião à verdadeira
piedade, atribuindo-se poderes mágicos a objetos ou formas de culto com aparência
exterior cristã. Isso acontece quando se executam práticas e rituais, ou se pronunciam
fórmulas da nossa fé, condicionando a eficácia das mesmas a uma estrita observância das
modalidades, formas e tempos pré-estabelecidos por alguém, para efeito da eficácia do
referido ato. Exemplifiquemos: acreditar que repetindo certo número de orações, num
dia pré-estabelecido (por exemplo, no Dia de Finados, 2 de novembro), consegue-se a
libertação de certo número de almas do Purgatório.
Aqui se acha evidente uma mentalidade mágica, que distorce a piedade verdadeira,
mediante a qual sabemos que somente à misericórdia de Deus devemos reportar a
salvação destas almas, visto que é a Deus que verdadeiramente nos dirigimos. O conceito
de intercessão, que é sempre oportuno, de certo modo fica esvaziado por essa
mentalidade, uma vez que esta, agindo dissimuladamente, concebe a oração como uma
técnica apta para a obtenção de resultados, como que “obrigando” Deus a conceder o que
pedimos. Ao contrário, a piedade verdadeira reside em apresentar nossa súplica a Deus,
em razão de uma necessidade, entregando tudo às mãos divinas, ciente de que Ele, em
Seu livre poder soberano, nos atenderá, ou, de alguma maneira, nos favorecerá, assim
como às pessoas pelas quais rezamos.
A mentalidade à qual me refiro — infelizmente bastante presente hoje em muitas
comunidades cristãs, onde se mesclam, com extrema facilidade, o trato das coisas
sagradas e o das coisas profanas (por exemplo, tocar em uma imagem de Nossa Senhora
com ferradura, para atrair sorte) — é supersticiosa, favorecendo o recurso às
adivinhações, à magia, à bruxaria. Em suma, quem assim age, como diz mais uma vez o
Catecismo no número 2117, pretende “domesticar os poderes ocultos para os pôr ao seu
serviço e obter um poder sobrenatural sobre o próximo — ainda que seja para lhe obter a
saúde”. Além disso, obviamente, para causar dano, prejuízo.
De fato, é grande o número de pessoas que se reportam aos feiticeiros. O nosso
modo ocidental de viver, cheio de fartura e ultratecnocrático, nada fica a dever aos povos
primitivos — que bem conheciam os poderes sobrenaturais —, nem, mais tarde, às
culturas da Idade Média. Muitos indivíduos ainda hoje têm seu foco voltado para círculos
de feitiçaria e para seus praticantes, os feiticeiros.
Cecilia Gatto Trochi, consagrada especialista e querida amiga minha, falecida em
2005, chegou a calcular a existência na Itália de 13 milhões de pessoas que procurariam
feiticeiros com frequência! Um verdadeiro tsunami, em face da diminuta parcela de
exorcistas existentes no país... Dou um só conselho a todos: que caiam em si, confessem-
se, ainda que o episódio tenha ocorrido há muito tempo, e tenham o firme propósito de
não repetir esses desatinos.
Neste ponto, poderia surgir a seguinte pergunta: uma pessoa que viva na graça de
Deus estará automaticamente preservada das consequências dos rituais mágicos? Embora
certamente mais difícil de ser atingida, não é de todo impossível que uma pessoa sob a
graça divina possa ser vítima de um malefício. Tudo depende da livre disposição divina;
logo, Deus pode permitir que um mal transmitido por meio de bruxaria possa causar
prejuízo, mesmo a quem viva em comunhão com Ele.

O exemplo mais comum de feitiço: os malefícios


Malefício é um termo genérico que abrange todas as formas mediante as quais se
prejudica alguém, por intermédio da ação oculta dos demônios, fazendo uso, para tal
efeito, dos mais diversos ritos: feitiços, “amarrações”, pragas, maus-olhados, macumba,
vodu, ritos satânicos, para citar apenas os mais comuns. O objetivo é fazer o que está
descrito acima: dividir, matar, incitar paixão, provocar doença, destruir, induzir ao
suicídio, separar casais, noivos, amigos.
Para a realização de um malefício existem três elementos fundamentais: um feiticeiro,
uma pessoa que o encomenda, e o objeto pelo o qual se executa o rito. Assim como no
caso dos sacramentos, há um sinal visível — por exemplo, o pão e o vinho na Eucaristia
—, e as palavras do sacerdote que in persona Christi, ou seja, em nome do próprio Cristo,
consagra as sagradas espécies, assim também nos malefícios existem objetos — roupas,
fotos, objetos pessoais, alimentos, bebidas — que são enfeitiçados pelo mago com
fórmulas e rituais pronunciados sobre eles, a fim de produzir efeitos espirituais negativos,
os quais são “descarregados” sobre a pessoa que se objetiva atingir. Os sacramentos, que
agem ex opere operato, isto é, pelo simples fato de serem postos em prática, não produzem
os efeitos benéficos da graça caso o fiel não esteja nas disposições de fé e de acolhimento
necessários para obter os frutos devidos. No tocante à magia, ocorre o contrário: o bruxo
deve “conquistar” a atuação do espírito maligno, convencendo-o ou obrigando-o a
prestar esse serviço com invocações e orações, mas o efeito que se exerce sobre a pessoa
(que é alvo do malefício) independe da disposição concreta desta, embora importe frisar
que uma pessoa que viva na graça de Deus é menos vulnerável. Mencionemos alguns
exemplos concretos.
Há muito tempo atrás realizei o exorcismo num jovem que, muito tempo antes, após
seis anos de noivado, abandonara a pretendente. Algum tempo depois dessa ruptura, o
rapaz reportou dores físicas inesperadas. A esse fato se acrescentou a dificuldade, que se
estendeu por um longo período, de encontrar outra pretendente e um trabalho. Durante a
oração do exorcismo, descobriu-se que a futura sogra não se conformara com a desfeita
do noivado e encomendara um feitiço. Quando o jovem se deu conta e veio até mim,
após alguns exorcismos as dores físicas quase desapareceram completamente, ainda que
não tenha conseguido encontrar uma namorada e um trabalho.
Outro caso diz respeito a um homem que, na praça central de uma cidadezinha de
província, inaugurara uma loja. Os negócios caminhavam bem; contudo, na mesma
praça, um belo dia, sem que ninguém esperasse, apareceu um concorrente. Subitamente,
ninguém mais pôs os pés em sua loja, mesmo os antigos fregueses. Nesse caso,
comprovei tratar-se de uma espécie de infestação local. Celebrei algumas Missas em sua
loja, e executei pessoalmente bênçãos e exorcismos no local. Aos poucos, os fregueses
voltaram. Como pude perceber que alguma coisa estava errada? Foi em razão da clara e
súbita mudança, estranha demais para ser normal. Numa situação desse gênero — onde
não há causas que possam ser explicadas pela experiência comum ou pela ciência —,
convém desconfiar. E, conforme o caso, para maior segurança, intervir com uma bênção
mais que oportuna.
Já o mau-olhado é um caso à parte, menos frequente, não obstante mais difícil de
caracterizar. Trata-se de lançar um feitiço por meio da força do olhar, tendo como
objetivo “fazer passar” a influência negativa dessa maneira. Sem dúvida, não se trata do
caso, comum nas tradições populares, de uma pessoa que atrai azar, ou de alguém que,
como se diz, tem “olho gordo”. De fato, trata-se de um verdadeiro e característico ritual,
embora seja tão difícil identificar essa ocorrência; efetivamente, jamais me deparei com
uma situação indiscutivelmente vinculada a essa prática específica.
Como alguém pode perceber que foi vítima de um feitiço? Mesmo sendo difícil
admitir essa hipótese, não é de excluir, em princípio, que uma pessoa possa ser atingida
por um feitiço ao longo da vida sem jamais se ter dado conta. É importante assinalar, em
primeiro lugar, que os feitiços nem sempre alcançam seus objetivos, quer porque a pessoa
está bem protegida pela graça na vida, quer porque Deus não o permite, quer por
imperícia do feiticeiro, quer ainda porque o Diabo, pai da mentira, é capaz de enganar
seus próprios seguidores.
Em alguns casos, porém, é perceptível por meio de sinais. Tais resultados que se
manifestam serão objeto de análise quando discorrermos sobre os males espirituais
específicos: possessão diabólica, vexações físicas e psicológicas, obsessões diabólicas,
infestações localizadas. Isso pode ocorrer após um longo espaço de tempo. Eis alguns
exemplos.
Presenciei casos de pessoas que ignoravam terem sido vítimas de feitiços e que, em
razão de circunstâncias, por assim dizer, fortuitas, participaram de uma oração de
libertação e cura com um grupo da Renovação Carismática Católica. Em tal ocasião,
inesperadamente, começaram a sentir-se mal, passaram a gritar, praguejar.
Comportamentos absurdos, impensáveis nesse contexto. Foi-lhes proveitoso terem
descoberto o feitiço, uma vez que começaram de imediato a promover uma mudança de
vida; deram início a uma séria caminhada nas vias da fé — o que é sempre imprescindível
nestes casos —, tomando parte nos encontros de oração e procurando fazer com que se
rezassem exorcismos por elas.
Outra questão de interesse consiste na tentativa de descobrir quando se operou o
feitiço. É uma pergunta pertinente, mas que nem sempre permite uma resposta objetiva.
Pode ter sido no seio materno, antes mesmo de a vítima nascer; outras vezes durante a
infância; ou no decorrer da juventude.
A esse propósito, relembro o feitiço feito a uma moça bem jovem. “Você não se
casará”, era essa a sentença. Tratava-se de uma formosa moça, boa pessoa, gozando de
excelente saúde, muito apresentável. Num certo momento, quando já não era tão nova,
seu namoro foi desmanchado pelos motivos mais estranhos.
Outro caso de feitiço que acompanhei longamente é o de uma moça que foi
abandonada pelo futuro cônjuge no próprio dia do casamento. Tudo já estava
providenciado: a casa onde morar, a igreja onde se realizaria o casamento, as alianças,
convidados, local do bufê... Justamente no fatídico dia, ele não compareceu. Havia sido
feito um feitiço contra aquela união conjugal. Entretanto, há casos em que os rituais
surtem efeito mais tarde, na idade madura ou quando a vítima já está idosa.
É importante lembrar que um feitiço pode ser ativado, por desejo da pessoa que o fez
ou de quem encomenda o trabalho, para ter eficácia numa fase posterior, por exemplo, na
ocasião do Batismo ou do Matrimônio. Numa situação dessa natureza, o distúrbio — não
raro, uma possessão diabólica — passa a ser “inerente” a partir desse dia. No caso do
Batismo de uma criança, é difícil fixar com segurança o momento exato, uma vez que ela
não está em condições de descrever os distúrbios que a acometem. De modo geral, os
pais é que os percebem, mais tarde, quando a criança já está em condições de descrever e
relatar o seu mal-estar.
É sempre importante discernir quando e onde teve início o mal, e procurar conhecer
as pessoas que possam ter encomendado o feitiço. Trata-se, às vezes, de um relato, ainda
que distante no tempo, caracterizado pela perfídia, ódio, antipatia para com a vítima.
Convém igualmente saber que os feitiços, muitas vezes, originam-se da preparação de
comidas e bebidas enfeitiçadas, que em seguida são consumidas pela vítima. Obviamente,
é muito difícil evitar semelhante método de “envenenamento” espiritual.
O bruxo ou a bruxa, isto é, quem faz o feitiço, será sempre, forçosamente, um
possesso? Acredito que sim, ainda que essa pessoa nunca venha a perceber, talvez porque
nem mesmo acredite. Bruxos e feiticeiros são pessoas que se dão conta de possuir poderes
especiais — o que lhes proporciona imenso prazer —, e disso se utilizam para causar
sofrimento ao próximo, deleitando-se nisso. Na maior parte das vezes, para tirar alguma
vantagem: quase nunca agem de forma desinteressada. Muitas vezes, quem tem esses
poderes será alvo também de feitiços. Sendo assim, ao praticarem a magia, nada mais
fazem senão agravar o próprio estado.
Em contrapartida, a oração pode exercer um efeito contrário ao feitiço. Quando feita
com fé e amor, atinge o objetivo, isto é, o coração de Deus. Tenhamos em mente que
será Deus quem disporá as coisas segundo um projeto — do qual, com frequência,
procuramos escapar, já que pode exigir um percurso de sofrimento — cujo fim sempre
levará a um bem maior, ou seja, à vida eterna. Toda oração feita com essa intenção é
eficaz. Por sua vez, o Senhor, na Sua infinita bondade, concede-nos colaborar com essa
graça, a qual só pode ser fruto da oração.

Magos, cartomantes e bruxos


Não se pode falar de magia sem falar dos magos. Eles são habilíssimos para criar um elo
com as pessoas que a eles se dirigem, seja por causa de um estado de frustração, seja por
uma vicissitude pessoal, aproveitando-se da atitude supersticiosa de muitas delas, das
quais há pouco falamos. Recebem os clientes em “consultórios” à meia-luz adaptados
para a ocasião, com várias imagens de Nossa Senhora, santos, velas, incenso, e tudo o
mais que induz a criar uma atmosfera mágico-esotérica, apropriada para sugestionar os
ingênuos aventureiros.
Não resta dúvida de que muitos são charlatães, falsos adivinhos e falsos feiticeiros.
Talvez, a bem da verdade, constituam a maior parte. Fazem propaganda na TV, revistas
e, sobretudo hoje, na internet. São trapaceiros, e costumam arrecadar dinheiro dos
espíritos crédulos que a eles se dirigem, buscando a solução de problemas. Os falsos
feiticeiros executam os seus rituais, sem obter, contudo, nenhum resultado evidente.
Pode ocorrer, por exemplo, que forneçam um talismã (a alto custo, obviamente) para
“proteger” o cliente de algo e como que para obrigá-lo a voltar meses depois para
“recarregar” as energias, escamoteando-o sem muita dificuldade, conseguindo, desse
modo, fidelizá-los. Talvez entreguem um saquinho com terra e areia colhidos num
cemitério, “temperados” com ossos de mortos e sangue oriundo de menstruação, e por aí
afora, sem resolver coisa nenhuma.
Todavia, ao lado destes, existem verdadeiros feiticeiros, verdadeiros bruxos, também
travestidos de “videntes” que, como autêntica e própria escolha de vida, praticam o
ocultismo, o espiritismo e o satanismo. Forçosamente uma minoria, mas extremamente
eficaz. Tais pessoas, mediante o exercício de seus ritos, alcançam verdadeiramente aquilo
que desejam, isto é, que a ação de Satanás prejudique as infelizes vítimas: doenças,
demissão do trabalho, rompimento do casamento ou do noivado (ou casamento e
noivado forçados), fracasso nos negócios, mal-estar físico e psicológico etc. Certo é que
recorrem a forças ocultas, utilizando-as a seu serviço. São idólatras, adoradores de falsos
deuses, no intuito de granjear vantagem pessoal. São apóstatas, pois favorecem a ação
demoníaca. Este, já derrotado pela Ressurreição de Cristo, cujos efeitos estão presentes
na Igreja, continua operante no mundo, em razão da pérfida ação dos que executam esses
serviços.
O crescimento do número de pessoas possuídas, assim como dos distúrbios
espirituais e mentais, tudo isso me faz crer que a maldade e a superstição de quem
procura essas pessoas — bem como, de quem, sozinho ou em grupo, talvez por
divertimento, entrega-se ao ocultismo, tais como os que realizam as atrativas práticas
espíritas —, em linhas gerais, encontra-se na proporção do esmorecimento generalizado
da fé, junto à disseminação de uma cultura favorável à magia. A meu ver, séries
televisivas e filmes de magia produzem efeito devastador ao incutirem, na mente dos
jovens e até dos muito jovens, uma mentalidade de índole mágica. Com efeito, que outras
consequências poderíamos esperar de uma propaganda que divulga o conceito de que,
com um golpe de varinha mágica, é possível modificar a realidade?
Acerca disso, cumpre acrescentar: para tornar-se feiticeiro, existe uma espécie de
“iniciação”, ou seja, autênticos e específicos cursos que introduzem o aprendiz nessa
obscura especialidade. Não é de um momento para outro que se aprende a recitar
fórmulas, executar ritos ou utilizar instrumentos de “cura” ou de “previsão”, tais como
movimento do pêndulo, leitura da palma da mão, radiestesia e tarô. Considero que as
etapas de iniciação variam muito entre si e, já que nos ocupamos de ocultistas, nem
sempre todos os fatos aparecem à luz do dia. Fala-se do “livro do comando”, texto de
magia negra de extrema antiguidade, acessível a poucos eleitos, transmitido de geração
em geração por alguns escolhidos, que comunicam essas fórmulas mágicas de imenso
poder.
Os feiticeiros trabalham, sobretudo, à noite. Após haver oferecido autênticos e
específicos rituais de adoração a Satanás, atuam sobre fotografias, bonecos de cera ou
peças de roupa, bem como sobre quaisquer outros objetos pertencentes à pessoa que se
deseja atingir, e transferem para ela, em carne e osso, os efeitos espiritualmente negativos
alcançados pela prática ritual feita sobre tais objetos.
Convém esclarecer que as consequências do oculto — possessões, obsessões, maus-
olhados, poderes “estranhos” e coisas similares —, uma vez que são causados pela
influência de Satanás e postos em ação pelos feiticeiros, não poderão, obviamente, ser
destruídos pelos mesmos feiticeiros. Ao contrário, a intervenção deles somente agrava as
coisas. Esses se orgulham, não raro, de também serem exorcistas, contudo, o que
denominamos “poderes” de libertação dos males de feitiçaria são apenas desdobramentos
da ação de Satanás. Ao fim, encontramo-nos sempre em situação pior do que antes com o
acréscimo do vínculo pessoal e espiritual com o feiticeiro. É preciso desconfiar sempre
quando um feiticeiro vangloria-se de tais poderes. Não se expulsa demônios com
demônios, mas somente com oração. E muita oração. Nestes casos, é necessário recorrer
a um sacerdote ou a um exorcista ou a um grupo de oração.
Por fim, a última pergunta que frequentemente me fazem: os feiticeiros podem
converter-se? Estes — a par com os exorcistas, embora, é claro, numa vertente
diametralmente oposta — tocam com a ponta dos dedos no mundo do invisível. Quando
um autêntico feiticeiro “vende-se” a Satanás, já não raciocina de um modo independente
deste, nem habitualmente tem a força de libertar-se do mesmo. Por esse motivo, creio ser
difícil que se convertam a Deus, ainda que, teoricamente falando, não seja impossível.
Certo é que Deus também procurará redimi-los, assim como faz com todos os seus filhos,
até no leito de morte.
Um exorcista relatou-me o caso de uma feiticeira que, estando internada, em agonia
por muitas horas, não conseguia alívio, em meio a grandes dores e sofrimentos. Por sua
vez, o exorcista, que por acaso se achava no hospital onde a mulher era atendida, fez um
exorcismo sobre ela, ao final do qual ela expirou. Esperamos que tenha morrido
reconciliada com Deus.
O espiritismo
O espiritismo ou necromancia (do grego necrós, morto e manzia, adivinhação) —
atividade comumente praticada pelas culturas ditas tradicionais, sobretudo africanas e
sul-americanas e muito difundidas no Ocidente, a partir de meados do século XIX — é a
invocação dos mortos por meio de um médium. Este, por sua vez, é uma espécie de
“sacerdote” do espiritismo. Atua como um “canal” que se comunica com o mundo dos
espíritos, a fim de captar coisas desconhecidas ou fazer conhecer o destino dos “entes
queridos” já mortos. Há muitos que, realmente, tendo falecido um ente querido, ou
movidos pelo desejo desenfreado de conhecer o futuro, quiçá tomados pela desesperança
e certamente não iluminados pela fé cristã, voltam-se para os sensitivos (outro nome pelo
qual se denominam os médiuns), trazendo consequências frequentemente nocivas sobre
as respectivas existências.
Como se opera a invocação dos mortos? Mediante várias técnicas que, embora
provenientes de tradições muito antigas — aliás, não diversamente do que se refere à
magia —, foram desenvolvidas e aperfeiçoadas pelos movimentos espíritas, estudadas e
praticadas a fundo desde meados do ano 1800, considerando-as como a base de uma
religião universal que, conduzida pelos espíritos, inauguraria a era da superação das
religiões tradicionais, fazendo convergir a humanidade para uma nova época de
confraternização.8 Um projeto cultural e político que se assemelha ou praticamente
coincide com o da maçonaria, a cujas fileiras, digamos superficialmente, muitos membros
do espiritismo filiavam-se. Dado que, em sua maior parte, são de fácil assimilação, tais
técnicas constituem uma isca ideal para os curiosos que por aí queiram aventurar-se.
A mais corrente é a das mesinhas em volta das quais se sentam as pessoas, dando-se
as mãos ou apoiando-se sobre a superfície da mesa, de tal modo que os dedos mínimos
toquem na madeira, a fim de manter um contato físico “em cadeia”. Quando a invocação
do espírito é bem-sucedida, a mesinha começa a dar sinais de movimento, emitindo sons
de batidas que obedecem a um código convencional (por exemplo, uma só batida
significa “sim” e duas, “não”). O espírito invocado pode falar por meio do médium, o
qual, estando em transe, “empresta” a sua voz a ele.
Há outros meios: o teste do pêndulo, a escrita automática (mediante a qual o
médium, sob o influxo do transe, escreve o que lhe é ditado pelo espírito) e o tabuleiro
ouija. Sobre este, um pires ou uma moeda se movem, passando de uma letra a outra do
alfabeto para formar palavras e, desse modo, exprimir conceitos que os espíritos
pretendem “revelar”.
Naturalmente, assim como no caso da magia, há muitos charlatões que esperam
lucrar financeiramente espoliando os que sofrem. Entretanto, existem médiuns que
“funcionam”, isto é, que estão realmente em condições de pôr-se em contato com tais
entes espirituais. Não é incomum que, por meio destes, as supostas “almas dos mortos”
revelem coisas desconhecidas ao próprio médium; percebendo isso, uma vez convencido
da credibilidade da “voz”, o cliente facilmente tende a crer em todas as outras
“revelações” nas sessões consecutivas.
Frequentemente, as vozes comunicam coisas boas, mensagens edificantes, sendo
difícil não dar atenção. Em suma, o espiritismo, num caso assim, parece funcionar! Por
essa razão é que atrai muitos. Com efeito, a circunstância de que se possa obter
informações acerca de fatos efetivamente ocorridos e ignorados pelo médium induz a
imputar a tais comunicações uma causa racional extrínseca, isto é, relacionada aos
espíritos.
Entretanto, cabe perguntar: qual o ponto específico que analisamos aqui? Conforme
uma corrente importante do espiritismo, que é a de Allan Kardec, essas seriam almas que,
achando-se num estado passageiro entre uma reencarnação e outra, com vistas a uma
progressiva elevação espiritual (por aí se vê a natureza sincrética de tais formas
religiosas, inteiramente opostas à doutrina cristã), estariam “vagando” pelo espaço,
porque desencarnadas e, portanto, aptas a falar. Distinguem-se, nessa ordem de ideias,
espíritos bons de outros menos positivos, mas isso dependeria do respectivo grau de
aperfeiçoamento.
Outra corrente, por exemplo, como os cultos tradicionais afro-americanos (dos quais
o candomblé brasileiro é o mais conhecido), afirma que esses supostos espíritos
“vagantes” fariam parte da divindade da natureza, a qual, durante os rituais, dominaria o
médium que, sob o influxo da possessão, voltado em direção a este ou àquele,
pronunciaria os oráculos ou as denominadas bênçãos ou maldições.
No Ocidente espalhou-se também o denominado channeling, forma de espiritismo
que se insere na nebulosa da Nova Era e que pretende fazer com que entremos em
contato por meio de um “canal” — que pode ser qualquer pessoa, enquanto componente
da Única Mente universal — com as entidades invisíveis da natureza: anjos, gnomos,
duendes, elfos, fadas, espíritos da natureza, espíritos do fogo e da água, o grande espírito
da Terra. Fenômeno claro do neopaganismo, a Nova Era vem conquistando espaços
sempre mais vastos em muitas almas desorientadas ultimamente.
Esboçamos aqui um simples quadro panorâmico desse amplo fenômeno, delineado
somente em algumas formas particulares, no que concerne à parapsicologia, às projeções
do inconsciente e a outros fenômenos de caráter psicológico, sem uma correspondência
efetiva com a realidade. Outra é a minha concepção: tais espíritos invocados, a não ser
que se trate de grosseira fraude, não passam de demônios.
Primeiramente, vejamos o que diz a Igreja a respeito. Tomando como base muitas
passagens do Antigo Testamento — quando se proibia aos israelitas a necromancia, ou
seja, a invocação dos mortos, as adivinhações e os sortilégios (cf., p. ex., Deuteronômio
18,10-12; Levítico 19,31; 20,6) enquanto práticas supersticiosas que afastam o coração da
fé em Javé, Deus que tudo provê —, o Catecismo (e, igualmente, muitos
pronunciamentos do Magistério, ao longo dos séculos), no número 2116, diz: “Todas as
formas de adivinhação devem ser rejeitadas: recurso a Satanás ou aos demônios,
evocação dos mortos ou outras práticas supostamente ‘reveladoras’ do futuro. A consulta
dos horóscopos, a astrologia, a quiromancia, a interpretação de presságios e de sortes, os
fenômenos de vidência, o recurso aos ‘médiuns’, tudo isso encerra uma vontade de
dominar o tempo, a história e, finalmente, os homens, ao mesmo tempo que é um desejo
de conluio com os poderes ocultos. Todas essas práticas estão em contradição com a
honra e o respeito, penetrados de temor amoroso, que devemos a Deus e só a Ele.”
À luz do exposto, e de minha longa atividade como exorcista, afirmo como
inteiramente certo que as supostas almas dos mortos invocadas (as que acima denominei
“vagantes”), na realidade são espíritos imundos despertados, chamados, ainda que
“forçados” pelas invocações, a se manifestar. Considero que promover ou simplesmente
presenciar tais práticas, ainda que só ocasionalmente, além de ser pecado mortal, pode
provocar prejuízos concretos e graves ao espírito. A minha agenda de trabalho está
repleta de apontamentos colhidos junto a pessoas que se dirigiram aos médiuns. Contam-
me estes que, após tais experiências, mesmo que muito tempo depois, passaram por um
recrudescer de mal-estar: da dificuldade de dormir devido à percepção de “presenças”
estranhas nos ambientes em que vivem; da dificuldade de se concentrar nos estudos a um
desejo crescente de suicidar-se; de a um ódio inexplicável em relação a outros a
pensamentos obsessivos repentinos. A lista seria bem longa, abrangendo, além do risco
de contrair uma grave enfermidade espiritual, a possessão diabólica. Parecem-me tão
frequentes as correlações entre a causa e os diagnósticos, que seria muito difícil deixar de
concluir que o espiritismo tem vinculação com o Diabo. Também o testemunho de
muitos colegas exorcistas leva-me a confirmar o que já asseverei, ou seja, que esses males
somente podem ser curados por intermédio da “medicina da alma” — portanto,
recorrendo-se a exorcismos, bênçãos, orações, sacramentos.
Há muitos casos de jovens — reporto-me aqui propriamente ao índice de 25% dos
jovens que, pelas estatísticas, ao menos uma vez na vida envolvem-se nessas práticas —
que, seja por diversão, seja por distração, expõem-se às seduções do espiritismo.
É interessante assinalar o fato de que, numa época secularizada e cientificista como a
nossa, na qual só se admite acreditar no que é provado experimentalmente, haja muitos
indivíduos mergulhados nesse gênero de experiências, que tão fortemente tangem o
mundo do invisível. Numa primeira análise, a resposta é simples: onde é silenciada a fé
em Deus, cresce a idolatria, a irracionalidade. De um ou de outro modo, o homem deve
encontrar respostas a suas indagações sobre o sentido das coisas. Contudo, há outra
resposta que me parece ir mais a fundo: uma sociedade altamente tecnológica acostuma
os indivíduos a obter tudo quanto queiram por meio de um clique no computador, isto é,
servindo-se da técnica. Ora, isso vem a calhar no sentido de fornecer respostas a
perguntas mais intrincadas: basta ter o domínio de uma técnica apropriada e, pronto: o
espírito se materializa...
Para maior clareza, acrescento uma palavra quanto aos “sensitivos” e aos “videntes”.
Como observei há pouco, podem ser charlatães, ou pior ainda, feiticeiros. Entretanto,
existem outros que, inspirados pelo bem, “sentem” ou “veem” a realidade espiritual.
Supondo que ajam de boa fé, não busquem glórias nem vantagens e que, uma vez postos
à prova, mereçam ser tomados em consideração, podem ser muito úteis. Dentre estes,
conheço vários, aos quais, em caso de necessidade, recorro. Analisando a foto de uma
pessoa, o conteúdo de uma carta ou um objeto de qualquer natureza, conseguem
remontar com certa precisão a existência do feitiço e a origem deste, permitindo assim
caracterizar e destruir a causa material em questão — isto é, o objeto que se prestou para
a prática do feitiço ou para a técnica utilizada. Desse modo, permitem identificar com
maior facilidade o “remédio” espiritual mais apropriado a cada caso. Não poucas vezes,
graças a tais indicações, pude identificar a parte do corpo que deveria ungir, porque
afetada diretamente pelo feitiço, ou ainda descobrir há quanto tempo a pessoa sofria as
consequências do ritual praticado.

O rock satânico, exaltação coletiva que destrói a alma


Uma das formas mais difundidas para veicular os princípios do satanismo é, sem sombra
de dúvida, o rock satânico. Esse gênero reaviva o satanismo por meio da música, que, de
si, é uma forma corriqueira e louvável de entretenimento. De fato, esses sons malignos
representam grande e real perigo, sobretudo para os jovens que em grande número são
atraídos por tais espetáculos, sendo, em certo sentido, os mais sujeitos a isso. Nas
mensagens transmitidas por meio dos sons, encontra-se uma combinação das três regras
do satanismo — “faça tudo que quiser”, “ninguém tem o direito de lhe dar ordens”,
“você é seu próprio deus” —, em associação com o espetáculo e o frenesi coletivo,
concebidos de caso pensado para um estádio, uma sala de exibições ou discoteca. Trata-
se de uma espécie de ambientação cultural que hoje em dia entra muito em consonância
com as aspirações dos jovens.
O rock satânico é uma música contagiosa, pois comunica um falso sentido de alegria,
plena posse de si, inteira e ilimitada liberdade em relação aos pais, professores,
educadores. Se, de um lado, é verdade que seria um exagero ver o Diabo “até debaixo da
cama”, e que, para alguns, essa música constitui somente uma paixão (embora doentia),
não creio ser menos verdade que, na maioria dos casos, os adeptos mais convictos desse
gênero musical pertençam às seitas satânicas. A todos, pois, recomendo, de todos os
modos, não permitir que o seu espírito fique intoxicado por esses sons.
Correrá o risco de possessão diabólica quem ouve essa música? Nunca me foi dado
atestar com absoluta segurança que tenha havido algum caso de possessão diabólica
causada diretamente pelo rock satânico. Entretanto, parecem-me relacionados com isso
outros distúrbios — aliás, não menos consternadores —, tais como as vexações e
obsessões diabólicas que suscitam propensão obsessiva ao suicídio ou homicídio. Quanto
a este último, com efeito, é importante recordar que o rock satânico transmite mensagens
— retiradas dos manuais de missa negra, do ocultismo — em que estão presentes a
invocação de Satanás. Certos trechos dessas músicas contêm verdadeiras formas de
apologias e de adoração ao príncipe das trevas, talvez expressas em poucas palavras, por
vezes pronunciadas ao contrário ou mediante flashes (projeções instantâneas feitas numa
tela) que induzem, de modo subliminar, a seguir os conselhos dos que apregoam a
violência, o suicídio, as perversões sexuais, a revolta contra o Estado, contra a ordem
estabelecida, contra a Igreja, contra Deus.
Trata-se de um condicionamento que vai além dos sentidos externos — visão e
audição — e atinge diretamente o subconsciente, elidindo, durante esse meio tempo, os
freios inibitórios. A repetição obsessiva dessas mensagens altera literalmente o modo de
pensar e conceber a vida, contaminando a alma e o espírito. E provoca a ruína da vida.

A blasfêmia, caso de “contaminação ambiental”


Em determinados ambientes e regiões da Itália — isso é comumente conhecido —, as
pessoas, com frequência jovens e até mesmo crianças, costumam blasfemar. Entretanto,
pergunta-se: tais expressões que, na maioria das vezes, parecem mais interjeições do que
reais ofensas a Deus e a Nossa Senhora, podem causar alguns “danos colaterais”, em
termos de males de feitiçaria? Digamos logo que o blasfemador não está sozinho:
também os endemoninhados blasfemam... Muitas pessoas, talvez a maioria, sequer têm
verdadeira consciência das monstruosidades que proferem ao blasfemar, ofendendo
Aquele que os criou, insultando a Mãe daquele que nos salvou. Constitui isso tudo
enorme falta de educação, hábito condenável. Seja como for, não deixa de ser pecado
grave, do qual nós devemos sempre acusar-nos na confissão.
Sem dúvida, ao Diabo a blasfêmia não causa o menor desagrado. Pessoalmente me
deparei com evidências imediatas de relação causa e efeito entre blasfêmia e possessão
diabólica. Noutros termos, mostrou-se evidente o fato de que pessoas contraíram uma
possessão diabólica ou outra forma de malefício por causa da blasfêmia. Acredito mesmo,
embora não possa afirmar com toda certeza, que a blasfêmia origina um clima propício
para esses fenômenos. Claramente, para além de tudo, a blasfêmia leva à ruína o clima da
casa, do local onde se vive. Tudo o que fazemos ou dizemos modifica a atmosfera de um
ambiente e, de certo modo, serve para avaliar o nosso modo de agir no que se refere aos
vínculos entre as pessoas.
Que devemos então fazer quando ouvimos alguém blasfemar? Recomendo — no
intuito de proteger o local ou a família — rezar mentalmente uma jaculatória; por
exemplo, “Jesus, eu te amo”, ou “Jesus, eu te bendigo”. Trata-se de uma forma de
reparação de um pecado e de um eficaz meio de “rebater” o Diabo, que só tem a ganhar
em face de uma blasfêmia.

Filmes de terror, piercings e tatuagens


Que tipo de influência exercem os livros e, sobretudo, filmes de terror sobre a vida
espiritual? Também aqui a resposta é simples: negativa. Quando lemos as reportagens de
uma crônica policial na imprensa, não é fácil perceber onde acaba a realidade e começa a
fantasia. Não excluo que às vezes possa existir um nexo entre ambas, isto é, uma
influência recíproca entre o que acontece na vida e o que a mente de escritores e
cinegrafistas dão à luz. Quem inspira a quem?
No tocante a ver esses filmes, sou inteiramente contrário, e desaconselho os jovens
de assisti-los. Dado que a missão de Satanás é tentar o homem, a visão desse gênero de
filmes — que tendem a banalizar o terror, apresentando como normais crimes pavorosos
e sanguinários ou situações nas quais se infringem tormentos e grandes pânicos às
vitimas, ou ainda quando o protagonista é o próprio Diabo — pode ter uma influência
muito grande sobre o espírito dos mais frágeis, suscitando até desejos de emulação sádica
em alguns. Por que se submeter voluntariamente à tentação do mal? Sou propenso a
dizer o mesmo no que diz respeito a desenhos animados, histórias em quadrinhos, ou
figurinhas para jovens ou crianças com conteúdo similar.
Até onde me é dado saber, excluo a possibilidade de que assistir a tais filmes possa ser
causa direta de males espirituais extraordinários. Não obstante, de modo indireto, pode
induzir alguns a consagrar-se ao ocultismo. Seja como for, aqueles que concorrem para
realizar e difundir tais filmes prestam grande desserviço à sociedade.
E as tatuagens? E o piercing? Como é sabido, essas práticas estéticas são muito
difundidas entre os jovens, mas não somente entre estes. Estritamente como se dá no caso
do rock satânico, a tatuagem e o piercing podem não ter necessariamente um objetivo
censurável, não cabendo, pois, demonizá-los a priori. Desde que o mundo é mundo o
homem ornamenta o próprio corpo. Sem dúvida, fazê-lo com imagens indeléveis na pele
— assim penso — não é algo que desfigura o corpo, o qual, sendo criação de Deus, já é
belo em si mesmo? Por isso, como sempre, compete verificar quais as intenções. Com
efeito, a simbologia empregada para fazer o desenho no corpo pode reportar-se, explicita
ou implicitamente, a monstros ou a demônios, à maneira de uma invocação. Por vezes,
pode-se recorrer a essa forma de expressão como sinal de pertença ao Diabo: neste caso,
aparece associada a ritos satânicos e a formas de iniciação. Em outras vezes, mais
simplesmente, alguém pode fazê-lo para chamar a atenção dos amigos. Ainda, em outros
casos, a pessoa pode assim agir em desprezo para com o próprio corpo ou para veicular
explícita referência sexual. Sejam quais forem os motivos, eles jamais favorecem a alma.
Em poucos casos, representam imagens sagradas — nestes casos, são lícitos.

Os objetos pagãos
Cabe dizer uma palavra sobre os denominados objetos pagãos: artesanatos de culturas
pagãs, tais como máscaras ou outros objetos que facilmente se compram em qualquer
esquina. Podem “ocultar” algum influxo maligno? Trata-se de um tema que requer
atenção, mas para o qual não temos resposta a dar. Existe o risco, sim, desde que a pessoa
esteja ciente de que sobre determinado objeto possa ter sido praticado um ritual mágico,
com o objetivo de prejudicar a um futuro possuidor do mesmo. Numa primeira análise,
aconselho a não dramatizar as coisas, sobretudo se a pessoa que o presenteou com certo
objeto procurou fazê-lo com espírito sincero e reto. Contudo, um pouco de vigilância
não faz mal a ninguém.
A essa altura, desejo fazer uma complementação sobre o que foi dito acima a respeito
da magia. Recordando o que já comentei, tem origem antiquíssima, marcando presença
em todas as culturas. A magia consiste em valer-se de forças sobrenaturais, isto é,
demoníacas, para influir sobre os acontecimentos humanos, quer em detrimento, quer em
benefício de outro. Quem, pois, adere a essa prática — do feiticeiro ao “cliente” —
deposita sua confiança no Diabo; por isso é pecado grave. Há dois gêneros de magia: por
“imitação” ou por “contágio”.
A primeira baseia-se na semelhança da forma do objeto sobre o qual se executa o
ritual mágico. É o que ocorre, por exemplo, quando se enfia uma agulha num boneco
com o fim de prejudicar a pessoa ali representada. Neste caso, verifica-se uma espécie de
transferência do objeto para a pessoa.
A segunda — magia de espécie “contagiosa” ou “infectante” — é exercida por via
de contato. Neste caso, o ritual se realiza sobre parte do corpo da pessoa que desejamos
prejudicar — por exemplo, cabelo, unhas ou dentes —, ou então, fazendo-a ingerir
alimentos enfeitiçados. Também pode ser sobre objetos que pertencem ou pertenceram a
essa pessoa: peças do vestuário, roupas brancas, tais como meias, calças, camisetas ou
agasalhos; sobre a mobília da casa, objetos étnicos, por exemplo, como já mencionamos.
Tais objetos, uma vez enfeitiçados, transferem o respectivo potencial negativo para a
pessoa em questão.
Voltemos a tratar dos objetos propriamente ditos. Podem ocultar um efeito
prejudicial? A resposta: sim, “podem”, mas “não necessariamente”. É por conta e risco
de quem aceita comprá-los. Quanto a mim, é certo que não desejo ter esses pertences
comigo, no local onde vivo. Como é possível perceber quando esses objetos estão
enfeitiçados? Eis alguns sinais: súbita aversão às coisas sagradas, distúrbios localizados,
certas “presenças” enigmáticas, odores nauseabundos, barulhos não naturais, persistência
de sintomas físicos desfavoráveis sobre a pessoa, vínculos de trabalho ou de vida afetiva
que inesperada e inexplicavelmente começam a se deteriorar. No caso dos problemas
claramente apresentados, é preciso livrar-se imediatamente do objeto, providenciando,
quando possível, que sejam queimados, ou jogados na água corrente (mar, rio ou canal).

Os atos dos antepassados exercem influência em nossa vida?


Outro tema que se ouve, por vezes, comentar, sobretudo no âmbito carismático, é o
assunto ligado à chamada “árvore genealógica”. Trata-se de uma questão controversa.
Na opinião de alguns, propagam-se de geração em geração as consequências da
mediunidade da respectiva árvore genealógica; principalmente, dos graves delitos de
ordem moral — por exemplo, homicídios, abortos, suicídios, práticas de magia —
praticados pelos respectivos ascendentes. Idêntico raciocínio valeria para as boas
atitudes, tais como grandes atos de coragem e generosidade de que deram mostra os
ancestrais.
Tenhamos cautela nesta matéria. No que tange aos pecados, não se trata de nenhuma
forma de responsabilidade moral, pois esta é sempre e exclusivamente de cada pessoa,
cabendo a cada um responder diretamente perante Deus; fala-se aqui, isto sim, das
consequências do pecado, isto é, da propensão ou inclinação inata a reproduzir os
mesmos atos pecaminosos de nossos ancestrais. Em síntese, à maneira de uma cadeia de
transmissão por via das gerações que, além dos elementos somáticos (genéticos) e os
caracteres típicos, incluiria também, como nota característica, uma sensibilidade
particular vinculada a pecados particularmente graves ou a vícios arraigados nos
antepassados. Isso constituiria uma espécie de elo condutor de pai para filho. Em resumo,
corresponderia a uma espécie de “mancha” espiritual, e se transmitiria aos filhos, netos e
demais descendentes na sequência da mesma árvore genealógica. Para libertar-se dessa
tendência à transmissão aos descendentes, caberia a estes renunciar expressamente às
faltas morais dos antepassados com um estilo de vida cristão, associado às orações de
libertação que “cortam” tais ligações. Mediante um caminho de purificação, consegue-se
— após ter sido “individualizada” a tendência pecaminosa, que revelaria, conforme o
caso, tendência a uma forma de comportamento compulsivo — a emenda, isto é, fazer
cessar a presença do mal hereditário. Isso resolveria, em certo sentido, a transmissão de
tais “heranças” aos descendentes.
Essa sugestiva tese foi propagada na Itália pelo livro do psiquiatra inglês Kenneth
McAll, intitulado Fino alle radici [Até as raízes]. Ele sustenta, com bases em casos que
chegaram ao seu conhecimento, que a causa dos males de feitiçaria pode estar relacionada
a questões referentes à hereditariedade. Acerca desse tema, menciona-se a “Missa de
Cura” da árvore genealógica. Esta teria como meta interceder pelos mortos, que, por
causa de seus pecados, ainda se acham privados da visão de Deus, no Purgatório. No
livro de McAll mencionam-se episódios em que, após essas Missas carismáticas, teriam
desaparecido os efeitos negativos sobre os vivos.
À margem do que cada um for levado a pensar sobre o assunto, é sempre
recomendável encomendar Missas para os nossos entes queridos que já faleceram, mesmo
em favor daqueles que jamais conhecemos e que talvez tenham vivido há séculos.
Entretanto, pergunta-se: o que pensam os exorcistas sobre a árvore genealógica? Não
existe uma posição única, cada qual é livre para ter a opinião que julgar mais adequada
com o amadurecimento da própria experiência. De minha parte, conheci alguns casos em
que as pessoas que sofriam de possessão demoníaca tiveram ascendentes que praticavam
magia e bruxaria. Além disso, verifiquei que uma maldição pode ser transmitida,
particularmente quando é o pai ou a mãe que a lança contra o filho, contra o casamento
ou contra os filhos gerados destes.
Por exemplo, acompanhei longamente o caso de um jovem que fora amaldiçoado
pelo pai quando ainda estava no ventre materno. O pai não queria que ele nascesse. E,
depois de crescido, o pai continuou a lançar maldições contra o menino, a tal ponto que o
infeliz passou por muitas desventuras. Por fim, recebeu benefícios espirituais das bênçãos
que eu lhe dei, assim como outros exorcistas, mas tudo isso teve um alcance restrito. Um
caso, ainda mais clamoroso, é de um pai que, conjuntamente com a esposa, mostrava-se
contrário ao casamento da filha com o rapaz que esta escolhera. No próprio dia do
casamento, o genitor amaldiçoou a moça, desejando-lhes as piores coisas, e estas
meticulosamente se realizaram. Somente após anos de oração, é que a jovem família teve
suas dores e sofrimentos mitigados.
As maldições que constituem vaticínios do mal, ou maus presságios, são muito
poderosas. Principalmente quando pronunciadas com verdadeira perfídia e por aqueles
com grau de parentesco mais íntimo com a vítima. No entanto, podem ser vencidas com
as bênçãos: “Bendizei aqueles que vos maldizem, rezai por aqueles que vos maltratam”
(Lucas 6,28), diz Jesus.
Em meu modo de ver, não creio que tais fatos demonstrem essa tese. Até o meu
professor, o Pe. Candido Amantini, demonstra forte ceticismo quanto à eventualidade de
que tendências pecaminosas possam ser propagadas de geração em geração. Além disso,
se, em rigor de análise, admitirmos essa hipótese, não equivaleria a eximir de
responsabilidade a pessoa em relação à própria vida? Na dúvida, aconselho sempre a
fazer alguma forma de “renúncia”, conforme mencionei há pouco, para romper com
qualquer influxo maléfico.
Notas

7 Cf. Gabriele Amorth; Paolo Rodari. L’ultimo esorcista, Piemme, Milano 2012.

8 François-Marie Dermine fala disso de maneira difusa em seu livro Carismatici, sensitivi e medium. I
confini della mentalità magica [Carismáticos, sensitivos e médiuns: os confins da mentalidade mágica],
ESD, Bologna 2010, pp. 56ss. O texto fornece uma ótima base para aprofundar o tema do espiritismo e, de
modo geral, o dos fenômenos paranormais, e também cristãos.
CAPÍTULO 4
A AÇÃO EXTRAORDINÁRIA DE SATANÁS: POSSESSÃO, VEXAÇÃO, OBSESSÃO E
INFESTAÇÃO

A via ordinária da ação diabólica: tentação e pecado


A missão de Satanás é explicada claramente pelo apóstolo São Pedro: “O vosso inimigo,
o Diabo, é como um leão rugindo em torno, procurando a quem devorar” (1 Pedro 5,8).
Podemos interpretar a palavra “devorar” como “causar dano”, “levar à perdição”. Sua
missão no mundo consiste em seduzir as almas, conduzir cada homem e cada mulher
pelos péssimos caminhos do pecado. Nessa trágica missão, a via mestra é o percurso
ordinário da tentação. Contra as tentações que visam nos levar ao pecado, cada um deve
combater até o último dia. De fato, o pecado conduz à morte.
Não deve surpreender a minha afirmação de que a via ordinária faz mais vítimas do
que a via extraordinária, sobre a qual falaremos adiante. Por meio da primeira, todos
somos vítimas; por meio da via extraordinária, somente algumas pessoas, além disso,
muitas vezes sem culpa própria e, portanto, sem responsabilidade moral. A tentação nos
assalta todo santo dia. Até Jesus aceitou sujeitar-se a ela durante os quarenta dias que
passou no deserto, após ter sido batizado no Jordão (cf. Mateus 4,1ss), e também depois
disso. Tenta-nos Satanás agindo em nossa esfera natural, isto é, ora levando em conta
nossas feridas interiores e a fraquezas de cada um, ora por meio das ocasiões próximas de
pecado que se apresentam a todos.
A tentação é perigosa porque nem sempre é fácil de ser descoberta nos recantos de
nossos pensamentos, palavras, obras e omissões. É preciso ter discernimento, um olhar e
uma inteligência espiritual adestrada para reconhecer o guiso do tentador e recusar aquilo
que nos conduz diretamente ao pecado, aceitando, ao invés, as boas aspirações que
provêm de Deus. Para isso é necessário guardar o nosso coração e nossos sentidos
externos dos espetáculos indecentes. Cada um de nós se torna tudo o que vê, o que ouve,
além do que lê. Discernimento, pois! E escolha de boas amizades.
É preciso também ter uma consciência bem formada, isto é, reta, o que pressupõe que
não exaltemos a nós mesmos, ou, ainda pior, a cultura dominante de livre escolha entre o
bem e o mal, mas que conformemos a nossa vontade à de Deus Criador, a seus
ensinamentos, que foram dados para a nossa felicidade e salvação, e estão contidos, no
mais alto grau, nos Mandamentos.
A perda de sentido do pecado, que caracteriza a nossa época, ajuda Satanás a agir
praticamente sem obstáculos pela via ordinária, uma vez que, induzindo o homem ao
pecado, afasta-o progressivamente do amor de Deus. “Tudo é permitido”, “Que é que
tem?”, “Todo mundo faz...”. Eis as terríveis sugestões para enfraquecer a consciência
dos homens e conduzi-los a uma vida de egoísmo, de falta de perdão, de fazer tudo por
dinheiro, poder e sexo; tudo para seduzir as almas, fazendo-as escravas do álcool, da
droga, da imoralidade que se espraia, a fim de matá-las.
A ação tentadora ordinária do Maligno é exercida, sobretudo, no campo da
inteligência. Tenhamos em mente os tamanhos erros teóricos disseminados nas
consciências para dissolver os princípios da fé, fazendo soar como “modernidade” novos
estilos de vida contrários à moral: coabitação extraconjugal, separação de casais,
divórcio, traições, aborto, casamento gay, eutanásia. Isso sem falar da corrupção, das
guerras, do egoísmo sob as mais variadas formas. A lista é verdadeiramente longa.
Qual a causa desta situação? Principalmente, a diminuta consciência dos cristãos na
luta contra o poder das trevas. É São Paulo quem nos adverte: “A nossa batalha não é, de
fato, contra a carne e o sangue, mas contra os Principados e as Dominações, contra os
dominadores deste mundo de trevas, contra os espíritos malignos que andam pelos ares”
(Efésios 6,12). O Concílio Vaticano II, por sua vez, descreve a situação: “Perturbada a
ordem de valores e misturado o bem com o mal, os homens e os grupos consideram
apenas o que é seu, esquecendo o dos outros [...] toda a história humana; começou no
princípio do mundo e, segundo a palavra do Senhor, durará até o último dia. Inserido
nesta luta, o homem deve combater constantemente, se quer ser fiel ao bem; e só com
grandes esforços e a ajuda da graça de Deus conseguirá realizar a sua própria unidade.”9
O martírio de tantos cristãos no Extremo Oriente e no Oriente Médio nos faz
recordar essa dramática realidade.
A ação extraordinária do Diabo

1) A possessão diabólica
Distingue-se a ação diabólica ordinária da extraordinária. Acerca desta, a forma mais
visível e grave, sem dúvida, é a possessão. Em que consiste? É a influência invencível de
um demônio sobre uma pessoa, da qual “toma posse”, no sentido de que dirá e fará
aquilo que quiser. Deve-se observar desde logo que nunca o demônio pode tomar posse
da alma de um homem (a menos que expressamente consinta nisso, porém aqui tratamos
mais propriamente da “venda” da alma ao Diabo), mas somente do corpo. Além disso,
desejo esclarecer que são raros os casos de verdadeira e inequívoca possessão. Mais
frequentes são os casos de vexação, obsessão e infestação, que analisarei em seguida.
Quando se manifesta a possessão, o possesso entra em transe e perde a consciência,
cedendo lugar à ação do espírito do mal, que faz uso do corpo dessa pessoa para falar,
mover-se, blasfemar, vomitar imprecações, pregos, vidros ou outros objetos, vez por
outra também para manifestar uma força hercúlea. A este propósito, o Pe. Candido
relatou-me o caso de uma moça muito magra e de aparência franzina, endemoninhada, e
que, durante os exorcismos, conseguiu resistir à ação de quatro homens muito fortes que
a amarraram com cintos de couro. Mesmo amarrada, conseguiu rasgar o cinto, dando
muito trabalho até o término do ritual. Também a mim coube presenciar, há dez anos, o
caso de uma mocinha muito frágil — não devia ter mais de 13 anos —, que estava
acompanhada da mãe e de uma amiga desta. Durante as sessões de exorcismo, o demônio
dera-lhe uma força inacreditável. Empenhamo-nos todos, e necessário se fez recorrer aos
meus sete “anjos da guarda”, que estavam presentes na sessão de exorcismo, para
procurar contê-la.
Durante a crise, a manifestação dos fenômenos anormais opera-se de forma
intermitente. A pessoa perde a consciência de forma imprevista. Há momentos do dia em
que parece inteiramente normal. É muito difícil que a possessão se manifeste sem
interrupção. O mais comum é que as crises sejam provocadas por motivos extrínsecos,
por exemplo, durante um contexto de “estresse espiritual”, como é o caso específico do
exorcismo, da Missa, de uma bênção, da oração, ou simplesmente pelo fato de entrar num
lugar sagrado. Em outras ocasiões, desencadeia-se sem nenhuma causa aparente. O
demônio age quando, como e onde quer: durante o dia, à noite, ou até num logradouro
público, quando a pessoa se acha na presença de amigos, para que todos possam ver.
Nesses casos, opera a vontade demoníaca de agir, em razão da força espiritual de sua
natureza angélica. Na prática, nenhuma dessas situações pode ser imputada ao possesso,
isto é, à vítima da possessão.
No caso de uma pessoa possessa que, em tempos passados, tenha ingerido alimentos
enfeitiçados — a isso remonta o seu mal —, durante o exorcismo ou a Missa pode
ocorrer que seja acometida de espasmos de tosse, ou que comece a salivar
abundantemente. Nessas circunstâncias, a ingestão de água, sal e óleo bentos ou
exorcizados pode auxiliar. Compete-me observar que cada possessão — isso se aplica a
outras formas de influência extraordinária do Diabo — é um caso único. Presenciei
libertações que ocorreram em poucas sessões, ao passo que outras somente depois de
anos de exorcismo; dentre estas, manifestações evidentes e grosseiras, além de uma na
qual a pessoa não pronunciava nenhuma palavra. Casos como estes são os mais difíceis de
tratar.
A quem atinge a possessão? Ninguém pode julgar-se excluído: jovens e velhos,
homens de fé e ateus, cristãos e membros de outras religiões, até mesmo os religiosos.
Menciono o caso da irmã Angela, vítima da obsessão da blasfêmia que ressoava
constantemente em sua mente. Quem se acha distante da fé certamente é mais vulnerável
a esse risco; contudo, isso é apenas uma indicação de princípio, a fim de explicar que o
demônio atua com mais desembaraço quando não se depara com oração, jejum, prática
eucarística ou sacramental, por parte das pessoas que “gozam” de sua particular atenção.
Em anos recentes, ocorreram casos de pessoas muçulmanas com graves problemas de
possessão diabólica. Satanás não faz acepção de pessoas. Acrescento ainda que os
demônios preferem exercer uma ação, em longo prazo, por meio das tentações, a pôr em
execução a sua ação extraordinária. Neste caso, as manifestações externas claramente
desmascaram a sua existência. Já no caso da ação ordinária, ocultando-se por detrás da
ignorância e da pouca fé, os demônios colhem maior êxito, agindo sem maiores
obstáculos. O Diabo fica contente quando não cremos em sua existência, ou a
consideramos uma reminiscência medieval. Dessa maneira pode atuar com mais
tranquilidade!
As tentações são vencidas pela vigilância, quando fugimos das ocasiões próximas de
pecado, e rezamos, pois, sem o auxílio de Deus, não somos capazes de vencer a enorme
sedução da iniquidade. Disso ninguém está isento, pois até alguns santos tiveram
tentações tremendas no leito de morte. Pelos testemunhos de vida que deles recolhemos,
deduzimos que, enquanto estivermos respirando e com vida, nunca ficaremos livres.
É útil saber que também existem possessões múltiplas, as quais consistem na atuação
de vários espíritos de forma concomitante na mesma pessoa. Tal foi o caso de Giovanna,
senhora casada havia trinta anos e com filhos. Desmaiava com frequência e sentia fortes
dores de cabeça, sem causa natural aparente. Após vários encontros, certificou-se que
estava possuída por três demônios, que nela entraram com três feitiços diversos, um dos
quais fizera uma mulher que cobiçava o seu futuro marido, ao tempo em que ainda não
eram casados. Os dois primeiros feitiços logo foram desfeitos; o terceiro, porém, com
mais dificuldade. Finalmente, também este último foi vencido. Era uma família de fé, por
isso creio ter sido relativamente fácil libertá-la.
Trata-se de casos muito frequentes, conforme atesta o próprio Evangelho de São
Marcos, quando Jesus se depara com um endemoninhado possuído verdadeiramente por
uma legião de demônios (cf. Marcos 5,1-20). Esses termos, tipicamente da organização
militar romana, sugerem uma realidade com a qual nós exorcistas muitas vezes nos
confrontamos: quando a possessão é múltipla, enfrentamos espíritos organizados
hierarquicamente, à maneira de um corpo militar. Imagino não provocar surpresa
quando afirmo que os demônios possuem uma organização interna semelhante à de uma
legião militar: existem os chefes, os subchefes e os “simples soldados”. Cada um é dotado
de um poder específico. Assim que iniciamos o procedimento dos exorcismos,
abandonam a luta primeiramente os espíritos com menos poder, os menos fortes. A
vitória, isto é, a libertação, só é completa após havermos conseguido dominar o chefe
supremo da legião, o mais poderoso e opressivo, o último a deixar o navio, aquele pelo
qual os outros demônios sentem verdadeiro e particular terror.
Como se descobre se alguém está sob o efeito de uma possessão? Há pessoas que
descobrem estar sob esse efeito ao entrar num local sagrado, como um santuário mariano,
ou quando participam de retiros, procissões, grupos de oração ou adorações eucarísticas.
Também pode ser o caso de a pessoa estar passando por um transtorno, para o qual não
dá muita importância, embora seja nessas ocasiões que a possessão se manifeste de modo
mais claro e inequívoco. É sinal de que o demônio está escondido (ele pode esconder-se
durante muito tempo, dissimulando a sua presença), até que, diante do poder de Deus, se
veja compelido a revelar-se. Contrariamente ao que se possa imaginar, um fato assim
deve ser entendido como uma graça, porque somente conhecendo a doença é que se pode
intervir. O mesmo vale no que diz respeito a outros distúrbios extraordinários, dos quais
trataremos em breve.
Em outros casos, como me referi no caso de Giovanna, tratam-se de incômodos de
ordem física, para os quais os médicos não conseguem encontrar explicação: isso faz soar
o mecanismo de alarme. Tal se deu com Marcella, moça de 19 anos, que sofria de mal-
estar estomacal, perturbação que se manifestava em casa e no trabalho, e que não
conseguira vencer. Assim que alguém lhe tocava a pálpebra, os seus olhos ficavam
totalmente brancos e as pupilas convergiam para baixo. Mal tive tempo de avaliar isso, e a
moça, com uma risada debochada, exclamou: “Sou Satanás!” Conseguimos libertá-la em
dois anos, mas é preciso dizer que ela se empenhou muito pela oração.
Destaco que nenhuma das formas de males de feitiçaria — portanto, não apenas a
possessão — é contagiosa. Ou, em outros termos, não se corre o risco de ser atingido
pelo “contato” visível, auditivo ou tátil com a pessoa endemoninhada. Do mesmo modo,
um endemoninhado pode casar-se ou ter filhos sem perigo de “infectar” a prole. Digo
isso de modo especial para tranquilizar parentes e amigos, que, quando empenhados
também nessa luta, ficam ao lado das pessoas que sofrem, pela oração e por uma atitude
de compreensão, ditada pela caridade. Às vezes, o convívio com tais pessoas
endemoninhadas é verdadeiramente difícil e nos põe diretamente à prova. O que digo
aplica-se, principalmente, aos sacerdotes. Já fizemos ver isso: quanto maior o nosso medo
do Diabo, mais ele se volta contra nós. O contrário, porém, não é verdadeiro. Isso
porque, se deixamos o Diabo em paz, será ele, por sua vez, que, comprovada nossa
fraqueza, nos arrebatará a paz.
Dito isso, é igualmente verdade que as pessoas que passaram por uma experiência de
possessão, em seguida adquirem, o mais das vezes, grande sensibilidade quanto a
situações nas quais a presença satânica é evidente.
2) A vexação diabólica
O segundo gênero de agressão espiritual extraordinária do Diabo recebe o nome de
“vexação” diabólica. São de longe os casos mais numerosos, causados por imprudências
pessoais (consultar bruxos, atração pelo espiritismo, reincidência e insistência nos
pecados graves), ou por feitiços dirigidos a estas ou àquelas pessoas. De fato, o Diabo
pode atuar, mesmo sem que haja uma influência predominante e decisiva sobre a mente
da vítima, como ocorre no caso da possessão. Não obstante, são casos de agressão
verdadeira e efetiva, de ataques físicos ou psíquicos que o demônio desfere contra uma
pessoa. Daí, por vezes, derivam arranhaduras, queimaduras, contusões ou, em casos mais
graves, até fraturas ósseas. Em outros casos, pedras e outros objetos são arremessados.
Casos característicos de perturbações são certas enfermidades nos órgãos internos ou nas
articulações, mesmo na ausência de uma patologia clínica que revele que a pessoa esteja
sentindo dores, e também sem a presença de sinais visíveis em presença de uma análise
mais aprofundada. Tais casos podem dizer respeito à esfera da saúde, das relações
afetivas, ou do trabalho.
Não é raro que a vexação venha conjugada com algum mal de feitiçaria
extraordinário, no sentido de que a pessoa possuída ou perturbada pode apresentar
também incômodos de ordem física e psíquica. Já me aconteceu libertar uma pessoa
endemoninhada, a qual, simultaneamente, ficara curada de um grande tumor.
Claramente, neste caso, o feitiço produziu um dano que, no infeliz, acarretara duplo
efeito, espiritual e físico. O mesmo Evangelho atesta casos de cura física ligados à cura
espiritual de um mal de feitiçaria; por exemplo, quando Jesus cura o mudo
endemoninhado (cf. Mateus 9,32-42) e o cego-mudo igualmente endemoninhado (cf.
Mateus 12,22-24).
As vexações podem ocorrer numa dimensão onírica: enquanto dormimos, formam-se
pesadelos terríveis, mediante os quais temos sonhos com blasfêmias, praguejando contra
Deus, tornando-nos perversos e malvados. Nestes casos, estamos nos confins de uma
obsessão diabólica.
No que diz respeito à vida dos santos, também podemos dar exemplos. São Pio de
Pietrelcina era surrado pelo Diabo. Por sua vez, Satanás frequentemente derrubava o
Cura d’Ars da cama. Em tais casos, afirmo que se trata de verdadeira e efetiva vexação
diabólica, não de possessão.
Conforme disse, nem sempre as vexações se manifestam num patamar físico.
Algumas podem atingir a pessoa nos laços afetivos. Pode ocorrer, por exemplo, que dois
noivos ou dois cônjuges se separem ou, ao contrário, que fiquem noivos, apesar de terem
gênios incompatíveis. Outras formas de perturbação manifestam-se no trabalho. Assim,
pode ocorrer que não seja localizada a pessoa que se procura, ou que desapareça a pessoa
junto da qual estamos; também, que se criem grandes dificuldades com os colegas de
trabalho ou com o chefe. Por vezes, o demônio pode agir a fim de destruir amizades e
isolar uma pessoa. É impossível elencar completamente os casos.
Como discernir se estamos em presença de doença física ou vexação diabólica?
Como sempre, devemos ser muito criteriosos na avaliação dos sintomas. Pode acontecer
que pessoas facilmente impressionáveis fiquem inquietas sem fundamento. De fato,
muitas vezes a doença ou o mal-estar psicológico é de raiz natural e, identificável pelos
sintomas patológicos, seja facilmente caracterizado pelo especialista médico ou
psiquiatra, aos quais, conforme indicamos acima, é sempre conveniente dirigir-se. O
discernimento espiritual pode ser efetuado quando se nota a presença de fenômenos
vexatórios associados a uma inexplicável aversão pelas coisas sagradas, por Deus e pela
oração. O fato de haver frequentado anteriormente locais de práticas ocultas ou de
magia, médiuns, cartomantes ou personagens do gênero, ainda que de boa-fé, ou a
certeza de ter sido alvo de feitiço, tudo isso pode ser indício significativo para um bom
discernimento.

3) A obsessão diabólica
A obsessão diabólica é uma forma de agressão espiritual que leva o demônio a comunicar
pensamentos ou alucinações fortíssimas, muitas vezes invencíveis, à mente da vítima. Em
tais casos, a pessoa já não tem domínio sobre os próprios pensamentos. O indivíduo fica
sujeito a uma poderosa força mental, que lhe introduz pensamentos repetitivos,
obsessivos, superiores à sua capacidade de resistir. Tais pensamentos e representações da
realidade, por mais estranhas que sejam ao seu modo de pensar, fixam-se profundamente
na sua psiquê. Os objetos das alucinações podem ser visões, vozes ou murmúrios de
personalidades obscuras, de figuras monstruosas, animais horripilantes ou de demônios.
Em outros casos, pode manifestar-se o impulso para fazer mal aos outros, ou procurar o
suicídio, ou cometer profanação. Em outros casos ainda, sobretudo em indivíduos mais
jovens, pode ocorrer confusão mental sobre a própria identidade de gênero. A casuística
é muito extensa, sendo impossível fazer o rol de todas as formas existentes de obsessão
diabólica.
Habitualmente, isso não subtrai por inteiro a capacidade de a pessoa pensar ou
querer, permanecendo o indivíduo consciente e vigilante. Todavia, a sua mente fica
fortemente controlada em sua relação com o mundo. Tais fenômenos podem dar-se
indistintamente à noite ou durante o dia, e podem tornar a vida impossível, levando, em
casos extremos, ao desespero e até ao suicídio. Por razões óbvias, essas situações
provocam, na pessoa atingida, tristeza e desesperança.
Também a vida dos santos não está isenta disso. É o caso, por exemplo, do já citado
São Pio de Pietrelcina, quando o Diabo lhe aparecia sob a forma de um cão feroz
arremessando-o ao solo, ou tomava a aparência de seu diretor espiritual ou superior de
sua ordem, transmitindo-lhe uma diretriz errada.
Para evitar um possível equívoco, importa esclarecer que os distúrbios obsessivos
são muito semelhantes às patologias mentais. Por isso, é preciso sempre fazer uso de um
sadio discernimento para o fim de compreender, com o auxilio de um psiquiatra, se não
seria mais propriamente o caso de uma doença natural. Em razão da dificuldade de
discernir com clareza, nesse elenco de casos, também a conversa com um diretor
espiritual pode ajudar muito. De fato, não raramente acontece que os efeitos de ordem
clínica de uma patologia demoníaca possam ser facilmente confundidos com problemas
psiquiátricos. Nesse caso, deve-se proceder no mesmo ritmo, conjugando a cura médica
com a espiritual. Sobre isso discorreremos mais adiante.

4) Infestação diabólica
Chegamos à última tipologia de distúrbios do gênero espiritual: as infestações diabólicas.
Aqui se trata de distúrbios que, ao invés de influir sobre os homens, atuam sobre a casa,
objetos ou animais. Isso não quer dizer, é claro, que a pessoa destinatária do mal não
sofra também, visto que é a vítima última da ação satânica. De forma particular, a
infestação da casa provoca grandes sofrimentos, e às vezes também prejuízos desmedidos
aos que passam por isso. Em tais casos, podem quebrar-se aparelhos elétricos,
automóveis, fornos.
Mais alguns exemplos? Portas e janelas que, noite e dia, se abrem e fecham, batendo
inesperadamente e sem causas aparentes; luzes, lâmpadas, televisão ou computador que
ligam ou desligam sem nenhuma intervenção humana; explosão de bombinhas, sons de
passos, vibrações no solo como de um terremoto, vozes misteriosas ou gritos, batidas na
parede (às vezes, fortíssimas), sendo que todas essas manifestações, como se intui de
imediato, podem tornar difícil a vida de quem mora no local. Em alguns casos, faz-se
necessário até pedir intervenção da polícia, alertada previamente por chamadas
telefônicas. Os policiais, num desses casos, foram obrigados a comprovar a presença de
fortes batidas na parede, embora sem identificar o “culpado”. Também pedras jogadas
contra a janela, sem que os vidros se quebrem, além de intensos odores desagradáveis.
Invasão de insetos, como gafanhotos ou formigas que, em poucos dias, são capazes de
roer a madeira da janela. Também aqui, os exemplos são muitos.
É preciso, neste caso, examinar se o fenômeno concretamente pode ser atribuído a
uma causa natural e circunscrita, ou não. Diante de uma resposta negativa, é útil saber —
embora muitas vezes seja difícil fazê-lo concretamente — se, nessa mesma casa, em
épocas passadas, foram realizadas sessões espíritas, rituais de magia, reuniões de seita
satânica ou maçônica ou coisas similares. Também, neste caso, são úteis a bênção da casa
e a bênção dos objetos, e os exorcismos localizados, ainda que geralmente sejam muito
longos, difíceis e complicados de realizar. Nos casos mais graves, cabe-me aconselhar às
pessoas envolvidas que se mudem da casa. Às vezes, nas novas moradias nenhum destes
fenômenos se manifesta. Em outros casos, porém, as vexações continuam. Reporto o caso
de uma pessoa que, ao se deitar, sentia a cama sacudir-se violentamente. Perguntei-lhe se
quando dormia fora de casa o mesmo distúrbio se manifestava. Respondeu-me que, em
outros lugares, o fenômeno persistia. Aqui era o caso evidentemente de uma vexação
pessoal. Outras vezes, ao contrário, o distúrbio cessava. É importante, pois, fazer a
seguinte verificação: se, mudando de cama ou casa, o distúrbio desaparece. Em tal caso,
isso significa que o mal está vinculado à cama, à moradia, ao quarto ou à parede. Quando
uma pessoa apresenta sempre os mesmos incômodos, significa que o problema reside nela
e que é sobre ela que se deve agir. O receituário é sempre o mesmo: exorcismos, oração,
vida sacramental.

Por que existe o mal? O risco da liberdade


Falamos sobre males de feitiçaria: possessão, vexação, obsessão, infestação. Nesse ponto,
a pergunta emerge: por que Deus permite o mal? A primeira coisa que compete
esclarecer é que, sendo Deus amor infinito, Ele não quer o mal. Simplesmente Deus o
permite, porque criou os homens e os anjos como criaturas livres. Que significa isso?
Simplesmente que somos livres para escolher se queremos viver a favor de Deus ou
contra Ele. E, pois, no último dia, se a nossa opção foi pelo Paraíso ou pelo Inferno.
Significa reconhecer que tudo foi criado por Ele para nos fazer felizes, e que nos
compete, consequentemente, obedecer às leis por Ele estabelecidas; ou, se escolhermos o
contrário, rejeitar essa verdade. Essa é a grande prova a que todos estamos sujeitos.
Conforme já mencionamos,10 primeiramente, antes de nós, os anjos tiveram de
escolher; no caso dos demônios, escolheram tentar os homens para atraí-los a si. Em
segundo lugar, na escala do tempo, a escolha coube também a nós, homens, dizendo
respeito a cada um, enquanto individuo. No Evangelho de São João está escrito, com
referência a Cristo: “Tudo foi feito por meio dele e para ele” (João 1,3). Poderia Deus
atribuir um objetivo maior à realidade criada, que não fosse Ele mesmo — isto é, a
possibilidade de gozar de sua visão, motivo de felicidade eterna? De fato, vivemos para
Ele e não podemos conceber um objetivo mais excelente do que esse. Portanto, a rebelião
dos anjos e a sucessiva desobediência dos homens nos revelam que o mal é uma
possibilidade concreta que Deus permitiu para nos tornar livres. Isso comprova que,
como dizia Santo Tomás, a caridade sem a humildade não se sustenta. Eis o grande
segredo do caminho cristão: a humildade!
Estamos diante de um grande mistério, que consiste na liberdade que a criatura tem
de escolher o mal ao invés do bem. Tal foi o caso de Giuseppe, jovem de 28 anos, viciado
no fumo, na droga e na blasfêmia. Ele me procurou para atender ao desejo da mãe e da
irmã que o acompanhavam. O demônio manifestou-se repentinamente, assim que
comecei a rezar. Quando, após o exorcismo, o rapaz voltou a si, disse que já sabia estar
endemoninhado e que se achava bem agora. Nunca mais o revi.
Esse ponto — conceder ao homem o livre-arbítrio — foi o maior risco que Deus
correu com as criaturas, anjos e homens. E o fez por um motivo específico: porque sem o
livre-arbítrio, sem a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, seríamos autômatos e
não propriamente criaturas livres. A liberdade — que em Deus é infinita — é o sinal da
nossa grandeza e da nossa filiação em Cristo Jesus. Sem isso, não poderíamos ser
chamados “filhos”, mas “escravos”. Deus concedeu-nos tudo, a nós compete apenas
reconhecê-Lo, adorá-Lo e deixar-nos conduzir por Ele.
É inevitável, contudo, o seguinte: quando não nos entregamos a Deus, entregamo-
nos necessariamente aos ídolos. “Quem não está comigo, está contra mim” (Mateus
12,30). Não existe terceira posição. Ou somos de Cristo ou de Satanás. Às vezes,
desejamos uma via intermediária, como se pudéssemos, ao mesmo tempo, servir e não
servir a Cristo. Entretanto, essa via intermediária não existe. Também a nós se aplica o
método ardiloso que o Diabo utilizou com Adão e Eva: induzir-nos a crer que o mal e o
pecado não existem; que praticar o pecado, afastar-se de Deus, sentir o gosto de qualquer
coisa pelo prazer de “experimentar” é sempre uma vantagem. Algo assim: “Afinal de
contas, que mal há nisso?”
Às vezes, para consolar os meus “clientes” particulares, há muitos anos sob o jugo da
possessão, faço-os recordar que, se encontraram a fé, começando a viver uma existência
cristã verdadeira, isso se tornou possível porque tiveram de iniciar uma dura batalha
contra os males que os afligiam. Por isso, em relação a eles, o Diabo já estava derrotado
desde o começo.
Outra verdade ligada à anterior deve ser posta em relevo. Trata-se do seguinte: sem
dúvida, Deus permite que atuem o mal e os males de feitiçaria, mas só até certo ponto —
que não nos é dado saber, mas que existe —, fixando um limite para a ação de Satanás
contra o homem. Um exemplo disso se acha no início do livro de Jó. Satanás obtém de
Deus a permissão de oprimi-lo, mas Deus o proíbe “de levá-lo à morte” (Jó 1,12). A
última palavra é sempre Deus quem dá.
Permito-me exprimir uma última palavra de alento a quem padece de males de
feitiçaria. E, de modo especial, aos que os contraem sem culpa. O padre fundador da
minha ordem, Beato Tiago Alberione, frisou bastante a dimensão da reparação dos
pecados obtida por meio do sofrimento pessoal. Oferecer os próprios padecimentos pela
salvação dos pecados e pela paz do mundo, além de conferir um sentido profundo à dor,
desfazendo eventuais pensamentos tortuosos, é obra altamente meritória diante de Deus.

Como se contraem os males espirituais?


Como se contraem os males espirituais, sumariamente descritos acima? De dois modos:
de um modo culposo ou um modo não culposo.
Encaremos desde logo o primeiro, o que denominamos “culposo”, porque tem raiz
na culpa da pessoa que sofre o mal. Muitos casos de possessão se manifestam — com
frequência, muito tempo depois — quando a pessoa, no intuito de resolver um problema
pessoal, profissional ou afetivo, volta-se para os feiticeiros, ou quando pratica
diretamente uma forma de ocultismo, dentre a variada gama existente. Também quando,
talvez por ser jovem e por causa de um espírito brincalhão, procura entreter-se com jogos
relacionados a contato com espíritos. Quando aludimos à magia, segundo o explicado,
nós a entendemos como sendo a utilização de forças espirituais negativas para exercer
domínio sobre a realidade física e psicológica. Trata-se da instrumentalização dos
poderes sobrenaturais para a obtenção de fins desejados pela pessoa. Correspondem a
ações e atitudes condenadas sem meio-termo pela Bíblia, nas mesmas passagens nas quais
também se condenam os encantamentos, as adivinhações, a necromancia ou o
espiritismo, a bruxaria, os sortilégios (cf. Gênesis 30,27; Êxodo 7,11; Levítico 19,31; 1
Samuel 28; 2 Crônicas 33,6; Salmo 58,6; Isaías 8,19; Jeremias 27,9; Ezequiel 13,17-23;
Gálatas 5,20).
Outro modo “culposo” de contrariar males espirituais, em alguns casos
particularmente graves, pode consistir na obstinação em certo pecado ou vício, isto é, na
circunstância de viver com convicção e de modo persistente uma vida contrária ao amor.
Pode-se afirmar que uma pessoa que pratique o ocultismo e viva em pecado grave,
inevitavelmente virá a ser vítima dos males de feitiçaria? Evidentemente, a resposta é
negativa. Não operamos no campo das ciências médicas, as quais, em larga medida,
podem ser “mensuradas”. Em ambos os casos (culposo e não culposo) não estamos em
presença de mecanismos automáticos. Pretendo afirmar apenas que um mal de feitiçaria
não atinge necessariamente a quem se volta para a magia, ocultismo ou necromancia, ou
a quem vive habitualmente entregue a um vício. Limito-me a dizer que valer-se dessas
práticas deixa a pessoa muito exposta ao mal.
Nesse sentido, existirão vícios mais perigosos do que outros? Nenhum deve ser
excluído, embora pela minha experiência pessoal deva afirmar que está mais presente
naqueles que se entregam à busca desenfreada do prazer sexual. Como exemplo, cito um
caso: o de um jovem que se entregou durante muito tempo às perversões sexuais. E que,
por esse motivo, fora atingido por uma grave possessão. Durante anos sucessivos, com
muitos exorcismos, esforcei-me para libertá-lo. Entretanto, existem também outros
vícios, hoje cada vez mais comuns, que designarei pelo termo de vícios “selvagens”,
propalados pelos filmes de terror dos quais falamos acima, e que agora são vistos sem
restrição na televisão ou no cinema.
Essa forma de “publicidade do mal” exibe — como se fizesse parte da normalidade
da vida ou como algo digno de aceitação — todo tipo de crueldade, mesmo as maiores e
mais desumanas. Nisso muitos se inspiram, quando não na forma de agir, ao menos na de
pensar. Reitero, porém, que não me limitarei a tratar desses vícios. Também incluo, neste
caso, o uso imoderado do álcool e o uso de drogas, ambos muito difundidos entre os
jovens.
Existem as causas que denominei “não culposas”, que serão tratadas a seguir, as
quais, efetivamente, correspondem à maior parte dos casos. Considero que, em pelo
menos 90% dos casos de possessão e de outros casos de males de feitiçaria, as pessoas
atingidas não podem ser responsabilizadas diretamente, visto que foram vítimas de
alguém que se voltou contra elas, escolhendo-as “a dedo” como alvos de algum feitiço ou
“amarração”, pelos mais variados motivos: ressentimento, ódio, vingança.
De fato, pode ferir a nossa sensibilidade saber que um recém-nascido ou uma criança
de pouca idade esteja possuída; entretanto, essa é a pura (e terrível) realidade, com a qual
nós, exorcistas, nos deparamos constantemente. Numa situação desse gênero, com toda
evidência, estamos diante de uma causa não culposa. Pode, realmente, ocorrer que
alguém tenha feito um feitiço para ser nocivo ao feto de uma mulher grávida, decorrendo
daí, como eventual consequência, o nascimento de uma criança com problemas
espirituais, ainda que, muito provavelmente, o mal somente chegue a se manifestar, de
forma consciente, quando a criança atingir a idade da razão. Também pode suceder que
uma criança seja consagrada a Satanás logo nos primeiros anos, e conduzida a participar
de rituais satânicos ou de uma missa negra.
Ocorre-me, neste particular, o caso de Francesco Vaiasuso, cujo relato foi publicado
numa excelente obra11. Este homem, hoje com mais de quarenta anos, quando tinha
apenas quatro — portanto, tão novo era que se lhe apagou da memória a mais remota
lembrança disso — foi objeto de um feitiço. Tratou-se do seguinte: ele foi induzido por
uma pretensa amiga da família, que de fato só queria fazer-lhe o mal, a ingerir sangue,
durante uma missa negra, para a qual ele foi levado sem que sua mãe soubesse disso. Tal
circunstância dramática só acabou descoberta muitos anos depois, quando uma fortíssima
possessão nele se revelou. Somente após muitos anos, Francisco conseguiu ficar livre das
27 legiões de demônios que o possuíam! Graças a anos de exorcismos, a uma excelente
esposa, a uma vida de oração e a muitas orações de libertação, por fim, teve êxito,
transformando-se hoje num testemunho vivo dessa horrível realidade que pode atingir o
homem. Que culpa ele tinha para sofrer semelhante desgraça?
Também me deparei com o caso de dois amigos que, durante certo tempo,
prepararam-se em conjunto para um concurso. Um deles sabia que o outro estava mais
bem preparado, sendo, pois, mais plausível que fosse aprovado. O que estava menos
preparado — claramente movido pela inveja — dirigiu-se a um feiticeiro que preparou
um feitiço para que o amigo, contra toda expectativa, fosse reprovado. O feiticeiro
assegurou-lhe que isso ocorreria. Foi como as coisas efetivamente se passaram. Contra
toda expectativa, de fato, foi aprovado no concurso o que estava menos preparado, ao
passo que o outro, além de reprovado, foi alvo de uma tremenda possessão. “Além do
ridículo, a vergonha”, seria o caso de dizer. Entretanto, trata-se de uma circunstância que
está longe de ser rara.
Outros casos dizem respeito ao âmbito dos sentimentos, como já tive oportunidade
de mencionar. Por exemplo, ruptura dos vínculos matrimoniais, mediante uma
“amarração”, a fim de “confiscar” um homem ou uma mulher do cônjuge legítimo; ou
também, numa hipótese contrária, forjar vínculos sentimentais com poções mágicas, com
o intuito de terminar num casamento. Nesses casos, cumpre assinalar que a vítima jamais
fica sabendo ter sido objeto de um feitiço, sendo que, algumas vezes, o esposo fica
submisso à esposa (ou vice-versa), que pode chegar a romper o vínculo com o lar de
origem. Neste caso, o Matrimônio evidentemente é nulo, visto que foi realizado mediante
artifício, mesmo que seja difícil comprová-lo. O que fazer para reparar um dano dessa
magnitude? Importa que a pessoa abra os olhos diante da ocorrência de algum fato
clamoroso no seio da vida familiar, podendo para isso recorrer ao auxílio de amigos e
sacerdotes. Contudo, só a partir daí pode ter início um caminho de libertação, tendo
sempre como ponto de partida a oração pessoal.
Quanto a sexo e faixa etária, como situar a respectiva porcentagem dos que recorrem
aos exorcistas? É essa outra questão. Com base na minha experiência, posso afirmar que,
em sua maioria, são mulheres e jovens. No que respeita a estes, a resposta é clara: a
curiosidade própria dessa fase da vida costuma impelir os jovens que ultrapassem os
limites da prudência, arrastando-os aos mil tentáculos do ocultismo. No que se refere às
mulheres, a resposta afigura-se mais complexa. Entre as causas, salientarei que há, nas
mulheres, uma tendência mais definida de recorrer à Igreja em caso de necessidade.
Podemos afirmar, de forma segura, que o Diabo não desconhece serem propriamente as
mulheres o veio preferido de sua atuação, uma vez que, conquistada a mulher, muitas
vezes a família inteira lhe cai nas mãos. Não foi o que a serpente antiga fez com Eva?

O dia a dia da pessoa possuída por demônios


Como conduz a existência diária uma pessoa endemoninhada? Há muita diversidade de
casos. Segundo já foi dito, habitualmente o estado de possessão — isto é, a condição de
crise exteriorizada por uma forma de comportamento inusitado, que pode abranger desde
a mudança do tom de voz e a clara ojeriza pelas coisas sagradas, até o fato de praguejar e
proferir blasfêmias — não se mantém sempre constante, ao longo de um dia inteiro.
Por vezes, os endemoninhados externam um comportamento normal; muitos
executam uma atividade profissional sem que nenhum dos colegas de trabalho suspeite da
ocorrência. Vez ou outra, contudo, tais pessoas, mesmo quando não caem num estado de
possessão manifesta, enfrentam assédios interiores do Maligno, que só à custa de esforço
conseguem controlar. Refiro-me às pernas que ficam duras ou trêmulas, dores
abdominais, dores de cabeça, mudanças repentinas de humor e diversas outras formas de
mal-estar.
Essas pessoas possuem também estratégias de comportamento que as auxiliam a
superar as crises, sem dar muito na vista — como, por exemplo, ir ao banheiro, dele
saindo apenas ao perceberem que a sua conduta está normalizada. Todavia, existem casos
mais graves, que impossibilitam por completo que a pessoa tenha vida social ou
profissional; isso dá margem a uma tristeza profunda, que se acresce à desgraça espiritual
e aos graves problemas no âmbito das relações familiares.
Quando se dá o desencadeamento de uma crise? Na maior parte das vezes, essas
crises são causadas pela aversão ao sagrado; por exemplo, podem manifestar-se até
quando a pessoa se aproxima visualmente da Eucaristia; incluem também a oração do
exorcismo e o fato de entrar numa igreja ou santuário. Nem todos os casos, porém, são
capazes de revelar um fator facilmente determinável. Pode-se arriscar a seguinte
hipótese: quando o mal de feitiçaria teve origem em comportamentos culposos, por parte
da pessoa atingida, as crises mostram-se de forma mais aguda. Frequentemente, pois,
essas pessoas carregam consigo efeitos colaterais para toda a vida, mesmo depois de
efetuada a libertação. Por isso, importa formular uma séria advertência aos jovens —
sem, é claro, descuidar dos de idade mais avançada — sobre os riscos inerentes à prática
do ocultismo. Originam-se daí consequências muito graves, conforme comprovo a cada
dia.
As pessoas atingidas por males espirituais não se acham, por isso, impedidas de ir à
Missa ou de rezar. A situação varia de caso para caso. Alguns participam da Eucaristia
sem maiores problemas. Já outros manifestam claros sinais de mal-estar, até chegarem ao
estado de possessão. Nada há de novo quando afirmo que há muitos sacerdotes que
sofrem de males espirituais, e, não obstante, celebram diariamente (mesmo à custa de
sofrimentos), o Sacrifício Eucarístico. Quanto a isso, não devemos nos surpreender.
Acompanho casos de jovens sacerdotes que, tão logo entraram no seminário, foram
vítimas de ritos satânicos, contra eles dirigidos por pessoas que se opunham à sua
vocação — talvez algum parente, ou, num caso mais específico, uma antiga noiva, cujas
esperanças matrimoniais foram frustradas. No caso dos jovens sacerdotes, houve alguns
que renunciaram à vocação. Quem se manteve firme no exercício de sua missão teve de
se esforçar para exercer o sacerdócio com grande dificuldade, mas, por fim, o empenho
foi coroado de muito êxito. Em casos assim, não se trata propriamente de possessão, na
força do termo, mas de vexação e obsessão.

A vida depois da libertação


Graças a Deus, não são raros os casos de pessoas libertadas do demônio. O novo Ritual
dos Exorcismos assim os aconselha: “Convém que o fiel liberto da opressão diabólica dê
graças a Deus pela paz recuperada, quer individualmente quer juntamente com os seus
familiares. Além disso, seja aconselhado a perseverar na oração, sobretudo inspirada na
Sagrada Escritura, a frequentar os sacramentos da Penitência e da Eucaristia, e a
fortalecer a sua vida cristã com obras de caridade e amor fraterno para com todos.” O
ministério da libertação não se exaure mesmo após livrar a pessoa dos laços de Satanás.
Importa que a comunidade cristã, com discrição adequada, faça o acompanhamento do
irmão ou da irmã libertados, a fim de encorajá-los a prosseguir na caminhada cristã, com
uma vida de santidade, animada pela caridade. E, de sua parte, a pessoa libertada é
convidada a empreender tal caminho.
Com base em minha experiência, posso afirmar que, após haver reconquistado a
liberdade — talvez depois de anos de exorcismos e orações, e não poucos momentos de
desconforto —, essas pessoas, em geral, não conservam, na vida diária, reminiscências
do que ocorreu no passado. Com efeito, verifica-se normalmente a retomada da vida
secular, assim como das relações afetivas e profissionais. Frequentemente dão-se conta de
que a volta da situação normal é um verdadeiro e efetivo dom de Deus, implorado com
insistência e por fim obtido.
Nessas pessoas assim curadas, desenvolve-se um sentido de gratidão para com Jesus,
Nossa Senhora e os santos. A fé torna-se mais forte do que antes. Não raro, tais pessoas
empenham-se em ajudar os que vivem ainda imersos nas consequências nefastas das
investidas demoníacas. Tornam-se, assim, apóstolos, no verdadeiro sentido da palavra,
desdobrando-se para dar testemunho do que viram em grupos de oração, na vida
paroquial ou em quaisquer outros locais de vida católica de que eventualmente tenham
feito parte. O caso mais significativo que conheço é ainda o de Francesco Vaiasuso. Hoje,
além da atividade comercial que exerce no local onde vive, isto é, na Sicília, percorre a
Itália para dar seu testemunho, exercendo o ministério da libertação e fazendo
concorridas conferências.

A quem se dirigir em caso de dúvida?


Quando se manifestam sinais que podem remeter à ideia de um mal de feitiçaria, costumo
aconselhar a pessoa a que procure inicialmente um psiquiatra. Quando não estamos bem,
compete-nos suspeitar, em primeiro lugar, que haja uma causa natural para isso,
cabendo-nos, pois, buscar o tratamento por via da medicina tradicional. Acontece
raramente que os males sejam de origem diabólica. Como norma, deve-se recorrer ao
exorcista somente numa segunda etapa. Faço essa afirmação para ajudar pessoas
facilmente impressionáveis. Efetivamente, não recebo a ninguém — salvo casos especiais
— sem que me apresente um diagnóstico específico de um psiquiatra. Que entendo por
“casos evidentes”? Eu o compreendi graças a um exemplo ocorrido comigo há muito
tempo.
Veio ao meu encontro o pai de uma família muito religiosa e praticante. Um belo dia,
o filho de 18 anos, tendo voltado para a casa, diante do espanto geral, pôs-se a dizer
blasfêmias e a destruir todas as imagens sagradas que encontrava pela frente. Não ousava
entrar na Igreja e, no momento da oração antes das refeições, o jovem a interrompia
bruscamente com uma violência verbal impressionante. Todos ficavam desconcertados
diante de tamanha mudança. A aversão ao sagrado é um dos sinais mais sintomáticos do
mal de feitiçaria, não havendo necessidade, em tal caso, de um parecer médico preventivo
para dar início ao “tratamento”.
Voltando ao estudo das normas habituais, devo afirmar que, depois de a pessoa ter
procurado o psiquiatra, caso o tratamento se tenha revelado ineficaz e os médicos
incapazes de formular um diagnóstico claro, após estarem convencidos de encararem
uma doença tida como “desconhecida” — de fato, dentre os médicos, muitos há que
sequer imaginam que possam existir males espirituais de origem demoníaca —,
recomenda-se buscar um sacerdote, o qual poderá ministrar um bom conselho.
Nesse sentido, tenho em mente o caso de Marco, rapaz a quem exorcizei durante
longo tempo, e que padecia de uma obsessão muitíssimo forte. O histórico do pobrezinho
estava sobrecarregado de tratamentos psiquiátricos, entre os quais choque elétrico e
tratamento para insônia (não dormia nunca). Certa vez, durante uma semana inteira
deram-lhe soníferos, mas, mesmo assim, não conseguira fechar os olhos. Foi somente
após esse longo tratamento espiritual que se viu livre do problema.
Um caso em sentido oposto desenrolou-se com uma senhora, que me foi
encaminhada para receber uma bênção. Sofria de uma patologia que era tratada por
neurologistas (e também por alguns exorcistas), mas sem conseguir nenhum alívio. Meu
procedimento consistiu em dar-lhe uma bênção, após fazer as perguntas usuais. De
súbito, teve uma forte reação, caiu por terra e perdeu a consciência. Percebi logo que
eram apenas problemas de natureza psiquiátrica, embora ela insistisse em dizer que
queria um “verdadeiro” exorcismo, isto é, o que começa com as palavras “eu te
exorcizo” (evidentemente já ouvira isso durante um exorcismo feito nela). Só depois se
acalmou, reclamando do fato de que, ao tocá-la, eu machucara os seus olhos. Tais
atitudes não são características dos possuídos, como, aliás, corroborou o Pe. Candido,
para quem eu a encaminhei diversas vezes. Depois de ter imposto a mão sobre a cabeça
dessa senhora, ele notou que não havia presença de nenhuma força demoníaca: tratava-se
de um caso exclusivamente psiquiátrico.
A qual sacerdote devemos nos dirigir em caso de suspeita de possessão?
Obviamente, em primeiro lugar, ao próprio pároco ou a um religioso, desde que tenha
sensibilidade mínima para esse aspecto da vida real. De fato, ocorre, às vezes, que uma
pessoa seja tratada com pouca caridade e considerada louca. Não obstante, a pessoa pode
estar padecendo do mal de feitiçaria. Muito mais simples seria, da parte dos sacerdotes,
rezar imediatamente uma oração ou dar uma boa bênção, para ver o que acontece em
seguida. Ocorrerá, talvez, que, após esse procedimento, a pessoa revele, de forma súbita,
sinais de mal-estar. Essas razões devem ser suficientes para sugerir que a pessoa procure
imediatamente um exorcista.
Existem também casos duvidosos, quando não sabemos claramente a natureza do
mal. Numa situação assim, convém que psiquiatras e exorcistas trabalhem juntos. Um
aspecto importante a ser frisado: não é obrigatório que o psiquiatra seja homem de fé
para promover essa cooperação; basta que admita, ao menos em teoria, que nem sempre a
ciência pode tudo. Podem nascer daí colaborações bastante interessantes, ainda raras na
prática, que ajudem quem sofre.
Segue uma derradeira verificação, a fim de distinguir doença psiquiátrica de
influência demoníaca extraordinária, e que nos põe diante de uma interrogação aflitiva
perante tantos irmãos que sofrem de aparentes doenças mentais. São Pio de Pietrelcina
achava-se convencido de que muitos indivíduos recolhidos em hospitais, algumas vezes
por toda a vida, estavam na realidade possuídos por demônios, bastando alguns
exorcismos para curá-los. A confirmação provém da vida de um grande apóstolo dos
males psiquiátricos, o carmelita espanhol Francisco Palau, que exorcizava todos os
doentes do hospital onde trabalhava. Isso faz vir à tona um ponto relevante: sintomas
psiquiátricos e sintomas diabólicos podem assumir formas muito parecidas. Portanto,
saber discernir com clareza a verdadeira natureza do mal é de importância decisiva para
resolver o problema.

A decisiva contribuição da pessoa possuída


Às vezes me perguntam se uma pessoa sem fé pode ser libertada do demônio somente
com a oração de outro. Seguramente uma comunidade cristã e familiar pode pavimentar
o caminho para a cura, impetrando de Deus a graça da conversão de uma determinada
pessoa. A libertação, porém, jamais ocorre contra a vontade da pessoa possessa, sem a
contribuição efetiva desta, sustentada pelos sacramentos e pela oração.
Como pode uma pessoa sem fé invocar o Altíssimo, pedindo que a liberte dos
influxos do Diabo? Deus não obriga ninguém a aceitar os Seus dons. Para se libertar,
importa viver na graça de Deus, não Lhe opor obstáculos, perdoar quem nos fez mal,
extirpar os vícios, romper todo vínculo humano que favoreça uma aproximação com o
Maligno. Isso tudo pressupõe um grande esforço, estou certo disso, mas é absolutamente
necessário: os exorcismos, assim como as orações de libertação, não exercem nenhum
efeito sobre uma pessoa que não vive na graça de Deus. Estou convencido de que é muito
mais eficaz uma boa confissão, que é um poderosíssimo sacramento, do que um
exorcismo, que, conforme veremos, é apenas um sacramental.
Acrescento que uma oração muito eficaz para romper os vínculos com Satanás é o
exorcismo, isto é, a oração da Igreja pronunciada sobre a própria pessoa afetada pelos
males de feitiçaria. Para esse fim, pode ser utilizado — mas sempre sobre si e nunca sobre
outro, pois neste deve ser pronunciado por um exorcista autorizado — também o
exorcismo do Papa Leão XIII.
Igualmente pode ocorrer que uma pessoa não queira ser exorcizada ou receber uma
oração em seu benefício. Seja dito, obviamente, que não se pode obrigar mediante
violência. Cabe lembrar que, em muitos casos, é o espírito maligno que sugere essa
recusa e, às vezes, de forma irredutível. Por outro lado, compreendo que a pessoa
compareça às sessões de exorcismo acompanhada de parentes ou do pároco, e que o
espírito maligno a faça cair em transe logo no início da oração, talvez simplesmente à
vista do texto da oração que será feita, ou já no vestíbulo da minha sala de atendimento.
Num caso assim, com bondosa firmeza, deverá ser encaminhada para se submeter ao
exorcismo, uma vez que, quando estava consciente, concordava em recebê-lo.
Muitas vezes, ao término do ritual, demonstra estar “desanuviada”, voltando a entrar
na posse de suas faculdades volitivas. Trata-se da confirmação de que a oração surtiu os
efeitos; contudo, poderão ser estes apenas de cunho momentâneo, visto que a libertação
definitiva ainda não foi concluída e que, transcorrido certo tempo, a pessoa pode reincidir
no estado de apatia ou de aversão ao sagrado. De qualquer modo, esse “desanuviar” da
alma é comumente um bom sinal: a pessoa caiu em si, percebeu que o caminho está livre
e que lhe compete apenas perfazer o percurso.
À luz do exposto acima, posso entrever outro grande risco para quem sofre dos males
de feitiçaria: vontade de ficar só, isolado, sem apoio. A pessoa que sofre a ação
demoníaca extraordinária, na maioria das vezes, vê-se na contingência de experimentar o
isolamento e o estigma (peculiar a essa situação) justamente da parte dos mais achegados
e comumente mais receptivos, isto é, parentes, conhecidos, e não poucas vezes (conforme
já referi), também da parte dos ministros de Cristo.
O doente espiritual encontra-se, pois, numa condição de afastamento e
marginalização muito semelhante ao que sofreram os leprosos citados na Bíblia.
Contudo, em presença do leproso que, de joelhos, implora por ser purificado, Jesus lhe
estende a mão, nele toca sem medo de ser contaminado: “Eu quero, seja purificado”
(Mateus 8,2-3). Não é diverso do que se dá com a lepra: só que as chagas, em lugar de se
mostrarem no corpo, manifestam-se evidentes num plano psicoespiritual.
Conforme assinalamos, em tais situações, a pessoa costuma ser invadida por
pensamentos obsessivos: visões, ruídos, dores; conforme o caso, aversão pelo sagrado,
recusando-se, por exemplo, a estar presente à Missa ou a ter uma atitude digna no
momento da oração. Por conseguinte, o verdadeiro doente espiritual muitas vezes se
convence de estar louco, sendo este pensamento compartilhado por muitíssimos
familiares, conhecidos e sacerdotes. Em casos extremos, o doente vive cada vez mais
afastado do patamar da normalidade, numa permanente situação excepcional, com uma
existência entrecortada de exorcismos, orações de libertação, apelos dirigidos aos
carismáticos... Essa “superexposição espiritual”, porém, é de grande periculosidade,
porque leva a pessoa a fechar-se como num gueto, isolando-se.
O maior desafio, então, consiste em “fazer entrar na normalidade o que é anormal” e
transformar em “ordinário o que é extraordinário”. Como fazê-lo? É preciso adotar a
forma de agir que Jesus teve com o leproso: cheia de atenção, compaixão, acolhimento e
iniciativa. Assim se formarão leigos e sacerdotes capacitados para uma escuta competente
e empática, apta a se “com-padecer” (padecer junto) da pessoa atribulada. A seguir, é
indispensável propiciar aos necessitados locais e ocasiões de acolhimento e de agregação;
nessas circunstâncias, deve rezar, mas também ser brincalhão; ensinar, mas também
compartilhar; padecer, mas também regozijar-se. Enfim, é imprescindível ajudar quem
sofre a tomar a iniciativa de uma atitude firme diante do mal e do Maligno, de modo que
jamais caiba a este a palavra final.
Nesse sentido, uma realidade surgida recentemente, e que me parece muito
promissora, é a associação Famiglia della Luce con Camilla12, que promove caminhadas
de sensibilização e conscientização sobre essa temática para leigos e sacerdotes, bem
como de acolhimento para as pessoas que enfrentam males espirituais. Muitas pessoas
têm encontrado nesse movimento um precioso auxílio.

Quando a família é objeto da ação demoníaca


Concluamos essa parte consagrada ao estudo da ação extraordinária de Satanás
orientando nossa atenção para as famílias que são, hoje em dia, os alvos principais da
ação ordinária de Satanás, promovendo, no seio do lar, divisões, esfriamento das relações
e traições. Nada disso, é claro, encontra-se inteiramente à margem da ação extraordinária
do Diabo.
De fato, ainda que comumente só um membro da família venha a ser alvo dos males
de feitiçaria, às vezes acontece que mais de uma vítima possa ser atingida. Em tais casos,
o feitiço se reproduz ou, a bem dizer, propaga os seus efeitos a outras pessoas. Numa
situação dessa espécie, provavelmente, o ódio de quem encomendou o feitiço esteve
voltado para todos os membros do núcleo familiar, embora com o objetivo de ferir de
forma mais violenta a um, especificamente.
Nesta situação, é ainda mais importante que cada um dos familiares, mesmo entre os
que parecem menos atingidos, com todo empenho se esforcem na oração e na frequência
aos sacramentos. É recomendável receber bênçãos, ora dirigidas à pessoa, ora aos locais
onde habita. Outra norma é fazer bom uso dos sacramentais; por exemplo, fazer o sinal
da cruz com água benta, antes de se deitar, ou ao se levantar, além de trazer consigo ou
afixar na parede quadros de imagens sagradas. Tudo isso faz parte das boas normas.
O que geralmente designamos pelo nome de “santinhos” — imagens que
representam Jesus, Maria ou santos — exercem o papel de incitar à imitação das virtudes
que praticaram, levando-nos a pedir nas orações que protejam a cada um de nós. Dá bom
resultado, também, mandar celebrar algumas Missas nas casas e, sobretudo, receber
exorcismos e orações de libertação no local. Nos casos mais graves, indubitavelmente, é
preciso buscar um exorcista. Considero, por outro lado, que, em razão da particular
eficácia que deriva do sacramento do Matrimônio, o respectivo cônjuge pode efetuar
diversas vezes oração de libertação sobre o outro e sobre os filhos.
Não deve faltar nunca — por mais difícil que seja — o desejo de perdoar a quem
agiu de forma iníqua contra nós. A esse propósito, lembro do caso de uma família com a
qual tudo andou errado. Eis o relato: pelos mais inexplicáveis motivos, o pai,
comerciante, perdeu tudo o que tinha; a filha do comerciante, casada, fora abandonada
com os filhos pelo marido; a outra filha, por sua vez, às vésperas do casamento, também
fora abandonada pelo noivo. Na casa ouviam-se ruídos misteriosos. Após uma Missa e
um exorcismo feito na casa, além de uma bênção aos membros dessa família, tais
anormalidades desapareceram.
Todavia, um dos casos mais manifestos e complexos que tive ocasião de conhecer é o
de Lucia e Francesco, casal do norte da Itália que veio ao meu encontro. Durante a
conversa, por uma circunstância totalmente fortuita, descobrimos que o marido estava
possuído. Conseguimos libertá-lo em pouco tempo, mas logo depois, igualmente, uma
filha demonstrou ter problemas, embora de gravidade menor. Em seguida, também Lucia
e o segundo filho. Contudo, como lutaram e tiveram coragem de contar a experiência
num livro (cuja leitura recomendo a todos)13, me parece um caso emblemático de como
enfrentar uma batalha espiritual contra o maligno, apesar de todas as dificuldades. E, para
eles, foram (e continuam sendo) realmente muitas.
Antes de concluir, quero transmitir dois breves conselhos aos jovens casais. O
primeiro: acostumem-se desde o início a rezar juntos. O segundo: ensinem esse bom
hábito aos filhos desde cedo. Estes, quando crescerem, não se lamentarão — e tampouco
os pais.
Notas

9 Cf. Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n° 37.

10 Cf. capítulo 2.

11 Cf.
Francesco Vaiasuso; Paolo Rodari. La mia possessione. Come mi sono liberato da 27 legioni di
demoni [A minha possessão. Como fui libertado de 27 legiões de demônios, Piemme, Milano 2013.

12 www.famigliadellaluce.it.

13 Cf.Lucia e Francesco, A tu per tu con il diavolo. Una famiglia perseguitata dal Maligno [Face a face
com o Diabo: uma família perseguida pelo Maligno], San Paolo, Cinisello B. (MI) 2009.
CAPÍTULO 5
CORPO A CORPO COM SATANÁS: O EXORCISMO

O primeiro passo: acolher as pessoas hesitantes


Perante as manifestações extraordinárias de Satanás, quem estaria em condições de
apontar com segurança a natureza dos males de feitiçaria: quando se trata de possessão,
vexação, obsessão ou infestação? É preciso ser muito prudente no esforço de discernir
qual é a espécie de mal com que nos deparamos. Conforme já fizemos notar, uma vez
concluído que não se trata (apenas) de uma patologia de natureza psiquiátrica, é
recomendável dirigir-se a um sacerdote, tanto quanto possível capacitado nesta matéria.
Também os grupos de Renovação Carismática Católica podem ser de grande apoio nessa
primeira fase de avaliação. Tais grupos, desde que conduzidos por pessoas dotadas de
percepção e devidamente preparadas, podem contribuir para a busca desse
discernimento, mediante a oração carismática comunitária.
Creio ser importante, para esse efeito, estabelecer uma premissa em favor de meus
confrades presbíteros. Que atitude deve tomar um sacerdote, em presença de uma pessoa
que afirma estar sofrendo de um mal espiritual? O ministério ordinário, por sua natureza,
pressupõe o ministério do acolhimento, da escuta e da consolação. Estes elementos, por
sua vez, fazem parte da essência do sacramento da Ordem. Trata-se, com efeito, de uma
experiência muito íntima e pessoal de que é portador todo candidato ao sacerdócio, antes
de ser ordenado presbítero: consiste em ser levado a descobrir a própria vocação, o
“toque” de Deus na própria vida, o que convoca à missão do anúncio do Reino de Deus.
Por meio do discernimento espiritual, cada seminarista é conduzido ao ministério
ordenado em direção a outras pessoas que o acompanham durante vários anos — diretor
espiritual, confessor, reitor do seminário ou, no caso dos religiosos, mestres de formação
—, os quais, em suas respectivas épocas, também foram “tocados” pela experiência
íntima de Jesus. Propriamente, essa experiência torna-se basilar na vida do sacerdote que,
em virtude do sacramento da Ordem, recebe o chamado de conduzir pelas vias de Deus
as pessoas que encontra pelo caminho. De fato, todos necessitam ser protegidos por
Jesus.
Quando pensamos nas pessoas que o Senhor encontrava ao longo do caminho,
verificamos ser isso o que muitos pediam: precisamente, ser acolhidos, escutados e
curados. Pensamos no cego curado em Betsaida, que encontramos no Evangelho de São
Marcos (cf. 8,22-22). Jesus o toma pela mão, faz com que sinta sua proximidade, o seu
amor, e o cura. O mesmo procedimento adota com os endemoninhados: ao encontrar
essas pessoas sofredoras, liberta-as, precisamente no ponto que as faz sofrer, dando um
sinal concreto de que o Reino de Deus, que destrona Satanás, anunciado por Cristo no
Evangelho de São Marcos (cf. 1,15), chegou com sua obra. É a experiência paterna de
Deus que toca cada homem e cada mulher. Eis o que é chamado a fazer todo sacerdote:
acolher a todos, escutar e consolar. A busca da proximidade é a primeira chamada ao
sacerdócio.
Aconselhar os indecisos — e, entre esses, as pessoas que acreditamos terem sido
objeto da possessão diabólica e de outros males espirituais — é propriamente uma obra
de misericórdia espiritual, para a qual todo cristão é convocado. O desejo de ser “tocado”
por Deus, principalmente quando se sofre, esconde o desejo de ser “visitado” por Ele.
Em última análise, o desejo que demonstramos em relação a Deus é a expressão da
necessidade de entrar em relação com Aquele que, consolando-nos e protegendo-nos,
revela o sentido de nosso existir, que é viver com Deus e para Deus, mistério que será
revelado em sua plenitude somente no Juízo final. De nós, sacerdotes, sem dúvida, o que
se requer é que nos dediquemos à oração e à pregação, à escuta e à consolação. Também
para nós será revelado, ao fim de nossos dias, todo o bem de que nossas mãos, olhos e
boca puderam ser instrumentos.
Sem dúvida, isso se aplica ao exorcista, que na Igreja exerce o ofício de acolher e
curar os irmãos afetados por males espirituais. Os exorcistas devem ser homens
acolhedores, conselheiros sábios sempre dispostos a escutar os que enfrentam os mais
inusitados casos. Ocorre com frequência, de fato, que as pessoas, ao buscarem exorcista,
encontrem-se num estado de grande sofrimento, não mais sabendo em que porta bater,
muitas vezes no mais completo desespero. Em cada caso, verificar com acerto e
prudência e tranquilizar é, portanto, o seu primeiro dever. Somente após haver exercido
o seu ministério de acolhimento e consolação é que poderá certificar-se sobre a
eventualidade da presença do mal, e, conforme o caso, proceder o exorcismo.
Não é raro que me aconteça de encontrar pessoas que na prática “desejam” que eu
formule um diagnóstico de possessão, como que para libertá-las de uma incerteza que as
constrange, iniciando assim prontamente o processo de tratamento. Tais pessoas, ainda
que persuadidas de estarem endemoninhadas, frequentemente não o estão. Em presença
dessas pessoas e de outras, que geralmente não conheço, refiro-me mais propriamente a
“bênçãos” que a “exorcismos”, mais a “forças negativas” que à possessão, a fim de não
dar margem a sugestões enganosas. Exatamente como está dito neste relato, deve-se
começar pela oração, antes de introduzir a prece do exorcismo propriamente dita,
indicada no Ritual, ou as bênçãos, reservadas para os doentes. Somente a partir daí
considero que se deve dar um passo à frente, rumo ao exorcismo especificamente.

O exorcismo e a sua origem


Após a certificação de que possivelmente se trata de um mal de feitiçaria, a Igreja dispõe
de um instrumento apropriado para combatê-lo. Eis como o Catecismo descreve o
exorcismo no número 1673: “O exorcismo tem por fim expulsar os demônios ou libertar
do poder diabólico, e isto em virtude da autoridade espiritual que Jesus confiou à Sua
Igreja.” Por isso, num exorcismo, a Igreja pede publicamente, com a autoridade que lhe
advém de Cristo, que uma pessoa ou objeto sejam libertados da influência do Diabo. Na
prática, é uma peculiar e concreta oração de libertação, reservada aos bispos e aos
sacerdotes, sendo que estes recebem daqueles a delegação de poder para efeito dessa
missão específica, que é executada segundo um ritual pré-estabelecido — o Ritual dos
Exorcismos e Orações para circunstâncias particulares14 — praticado para libertar uma
pessoa ou objeto de uma influência maléfica. Nesse sentido, o ritual fala de “grande
exorcismo”. Durante o Ritual é ordenado ao demônio, em nome de Jesus Cristo, que
faça cessar a influência, então exercida sobre o corpo da pessoa. No caso de exorcismo
local, ou seja, feito sobre ambientes, a ordem se dirige ao espírito maligno para fazer
cessar todo o influxo maléfico sobre tais locais. É sempre o Espírito Santo que age para
efeito da libertação.
Desde logo seja dito que o exorcismo pertence ao elenco dos sacramentais, que,
conforme ensina o mesmo Catecismo, “são sinais sagrados por meio dos quais, imitando
de algum modo os sacramentos, se significam e se obtêm, pela oração da Igreja, efeitos
principalmente de ordem espiritual”15. Por esse meio, a pessoa consegue um auxílio —
quando está com boas disposições de alma — para receber o efeito principal dos
sacramentos, isto é, a graça, e para que sejam santificadas as várias vicissitudes da própria
existência. Em síntese, constituem “prolongamentos” dos sacramentos, ajudas espirituais
— menos eficazes, mas similares aos sete sacramentos. Entre os muitíssimos sacramentais
existentes, além do exorcismo, incluem-se a bênção, a oração, a água, o sal e óleo bentos,
o sinal da cruz, as imagens sagradas, todos os objetos bentos e muitos outros.
Retomando o tema do exorcismo, compete assinalar que o exorcista é quem está
autorizado a fazê-lo, ou seja, o sacerdote designado pelo bispo local. Este (convém
recordar), por mandato divino, é dotado do poder de expulsar os demônios, sendo,
portanto, o primeiro exorcista de sua diocese. O exorcista designado, segundo o novo
Ritual, deve ser “um sacerdote que por sua piedade, ciência, prudência, integridade de
vida, seja considerado pelo Ordinário, isto é, pelo bispo, dotado de idoneidade para tal
ministério que, expressamente, fica autorizado a exercer”. A essa altura é conveniente,
para maior clareza da exposição, acrescentar algumas notas de caráter histórico.
É interessante fazer notar, com efeito, que, desde sempre, as diversas culturas
humanas acreditaram na existência de um deus do bem e um deus do mal, e que há forças
malignas que preparam armadilhas para o homem, havendo casos extremos em que este
chega a ser dominado por tais forças. Logo, a possessão não é um fenômeno conhecido
exclusivamente no âmago da experiência cristã, mas é um fenômeno observado
praticamente em todas as civilizações antigas. Para obter as boas graças desse deus, os
homens ofereciam-lhe sacrifícios de animais e, eventualmente, até a imolação de seres
humanos.
Existem verdadeiros e específicos rituais codificados de proteção contra o mal; em
sentido lato, podem, pois, ser tido como precursores da oração do exorcismo, embora
naturalmente não ainda iluminados pela verdade de Cristo. De qualquer modo, são as
primeiras grandes práticas de exorcismo, mediante as quais os bruxos — instruídos por
uma longa tradição oral de ritos transmitidos pelos ancestrais —– procuravam
resguardar-se das forças negativas.
Um salto de qualidade verificou-se com o povo hebreu, quando ficou claro, pela
Revelação divina, que existe um único Deus: Javé. Os Atos dos Apóstolos (cf. 19,13-14),
por exemplo, mencionam alguns exorcistas ambulantes, filhos do sumo sacerdote Ceva
(tratava-se de judeus, portanto) que, tendo percebido que o nome de Jesus era mais eficaz
do que as formas tradicionais para fazer exorcismos, a esse nome recorriam.
O fato inegável de que naquele ambiente houve exorcistas é também comprovado
por Jesus quando, após ter sido acusado por alguns judeus de que expulsava os demônios
em nome de Belzebu, interpelou-os, dizendo: “Ora, se é por virtude de Belzebu que eu
lanço fora os demônios, vossos filhos por virtude de quem os expelem? Por isso eles
serão os vossos juízes” (Lucas 11,29). Tais “filhos” eram evidentemente exorcistas
judeus. Contudo, Jesus não faz uso dos rituais tradicionais do seu povo, mas expulsa
demônios baseando-se somente no poder de sua palavra. É ele, de fato, o grande
Exorcista da história humana.
Jesus, o Filho de Deus, diante de quem os demônios não resistem, conferiu aos Doze
apóstolos (cf. Mateus 10,1) — e, pois, aos setenta discípulos (cf. Lucas 10,1-20), a nós e a
todos que Nele creem (cf. Marcos 16,17) — o poder de expulsar os demônios pela força
de Seu nome. Na Igreja dos primeiros três séculos, registram-se numerosos testemunhos
dos Padres da Igreja, que, referindo-se aos discípulos do Senhor, dizem que estes
expulsavam os demônios, impondo as mãos sobre os endemoninhados, sem necessidade
de autorização específica do bispo.
Essa missão revestia-se de claro valor apologético, na medida em que aproximava os
pagãos da Igreja. Entre os exorcistas mais citados, encontram-se os monges que, graças à
sua vida ascética e de santidade, gozavam de grande poder para expulsar o Diabo. O
ministério do exorcismo na instituição eclesiástica (tratamos do Ocidente, porque a
Igreja oriental sempre o considerou um carisma de ordem pessoal que, afinal, podia ser
exercido por todo padre que assim desejasse) foi instituído somente mais tarde,
aproximadamente a partir do século IV. Desde o início, foi colocado sob a autoridade dos
bispos e sacerdotes designados pela autoridade episcopal.
Aos poucos, desdobrando-se a vida sacramental — livros litúrgicos oficiais da Igreja
—, começaram a aparecer as primeiras fórmulas de exorcismo. Na Idade Média, época na
qual se incrementa a sensibilidade acerca dessa matéria, os ritos de exorcismo
multiplicam-se e desenvolvem-se bastante, se bem que nem sempre bem coordenados
entre si, dependendo muito do modo de ver próprio de cada escola. Após o ano 1200, a
Igreja passa por uma espécie de contradição: de um lado, desenvolvimento teológico
extraordinário (Santo Tomás de Aquino é dessa época); de outro, têm início a queima
das bruxas em fogueiras. Eram estas mulheres de espírito fraco que se julgavam a
encarnação do Diabo, mas que, no máximo, poderiam (ao menos na imensa maioria dos
casos) estar possuídas por ele; por isso, em vez de serem mandadas para a fogueira,
precisavam mesmo era de exorcismos...
O rito, que acabara assumindo uma forma chamativa demais, foi a seguir revisto e
simplificado pelo Rituale Romanum, de Paulo V de 1614. Bastante conciso, continua em
vigor até a promulgação, em 1998, do Ritual dos Exorcismos e Orações para
circunstâncias particulares. Conforme já adverti16, fazia mais de três séculos que,
efetivamente, não se praticavam exorcismos. Originam-se daí graves prejuízos para os
que padeciam de males espirituais, e nem mesmo nos seminários a matéria era estudada
em profundidade.
O motivo disso reside na recusa — sob o impacto da mentalidade racionalista que
aos poucos se instalou em toda parte — da furiosa caça às bruxas feita nos séculos
passados, seguida pela violenta perseguição aos hereges e também pelas guerras
religiosas. De fato, jogaram fora o bebê junto com a água do banho... Somente nos
últimos anos, por várias razões — entre as quais a expansão jornalística e o crescimento
da sensibilidade em relação à matéria —, as coisas tomaram um rumo pouco diverso.
Ainda não o bastante, porém.
A derradeira composição — o já citado Ritual dos Exorcismos e Orações para
circunstâncias particulares — é que está atualmente em uso litúrgico, e foi o último livro
sobre esse ritual a ser revisto depois do Concilio Vaticano II. Quando foi publicado, eu o
critiquei abertamente. De modo particular, objetei contra o fato de que impõe como
requisito, no tocante a proceder ao exorcismo sob a forma imperativa, que tenham sido
averiguados previamente claros sinais de possessão diabólica na pessoa em questão.
Ora, é bem nesse ponto que reside o problema: para efeito de diagnosticar, com certa
margem de segurança, se verdadeiramente estamos em presença de uma possessão, o
instrumento mais adequado é precisamente o exorcismo... Em resumo, sem praticar o
exorcismo é difícil certificar-se se há ou não verdadeira necessidade. É o que diz a minha
experiência de vários anos, razão pela qual sempre sustentei essa tese. Por esse motivo,
continuei usando o Titulo XII do antigo Rituale Romanum de 1614, inspirado em boa
medida nas orações redigidas no século VIII pelo teólogo Alcuíno, e que é intitulado De
exorcizandis obsessis a demonio.
Esse manual autoriza a utilização do exorcismo também para efeito de formular o
diagnóstico. Obviamente, eu o fiz com autorização do bispo. Entretanto, após a
publicação do Motu Proprio Summorum Pontificum, que concedeu a todo sacerdote o
direito de se valer livremente das orações e bênçãos do antigo Rituale Romanum,
qualquer exorcista pode dispensar o uso do novo Ritual, conservando o uso do Manual
de 1614. A escolha, claro, fica a critério de cada um. De qualquer modo, em seguimento
ao meu protesto, o novo Ritual foi corrigido.
Como se procede em matéria de exorcismo nas demais confissões cristãs? Junto aos
ortodoxos não é difícil encontrar um exorcista. Na Romênia, por exemplo, cada
monastério possui o seu. Basta localizar e pedir, mais ou menos como se dá entre nós com
a confissão. Dito em outros termos, o ministério do exorcismo é naturalmente
incorporado ao sacramento da Ordem.

A minha experiência
Quando a pessoa não consegue encontrar exorcistas, aconselho que procure um grupo da
Renovação Carismática Católica, para que se façam sobre a pessoa orações de libertação.
Nem sempre é fácil encontrar um grupo desse gênero nas proximidades de nossa casa.
Em casos assim, na tentativa de compreender melhor os sintomas, costumo conversar
inicialmente com os respectivos parentes.
Exijo às vezes — repito aqui o que afirmei acima — que a pessoa seja primeiramente
conduzida à presença do psiquiatra, a fim de averiguar se não é um caso de doença
mental. Faço essa afirmação, mesmo reconhecendo por experiência própria que os
sintomas são parecidos em ambas as situações — doença espiritual e doença psiquiátrica
—, que por vezes se interpenetram e misturam, não sendo fácil perceber com perfeita
clareza qual a verdadeira natureza do mal. Aqui entra em cena um princípio elementar:
quando o tratamento traz bons resultados, que haja continuidade, intensificando-se o
procedimento; caso contrário, será oportuno fugir da armadilha, pensando noutra
solução.
Em 1993, defrontei-me com isso na presença de quarenta psiquiatras. Formularam-
nos a seguinte questão: “Como distinguir um mal psiquiátrico de um espiritual?”
Recordo-me de haver dito, em tal oportunidade, o seguinte: a diferença se mostra mais
clara quando o nosso intento é aplicar a cada paciente o melhor tratamento. O mal
psíquico é tratado com remédios, com meios naturais e procedimentos de cunho
psicológico. Ao contrário, quando o mal-estar é de origem maligna, se não recorrermos
aos meios sobrenaturais — orações, vida sacramental, exorcismos, bênção, etc. —,
dificilmente será possível livrar efetivamente dessa doença. Algumas vezes será
conveniente combinar as duas terapias.
Outro aspecto merece destaque especial. Por vezes, ao mal espiritual se acrescenta,
como consequência indireta, um distúrbio físico: tumores, dor de cabeça, dores
lancinantes nas articulações, no estômago, etc. Conforme já foi exposto acima, ao
tratarmos das vexações, pode ocorrer que, após serem feitos os exames clínicos,
contrariamente ao que seria de presumir, os resultados sejam negativos, sem nenhuma
evidência fisiológica de anormalidade. Então, os males podem cessar por meio do
procedimento dos exorcismos. Trata-se, nestes casos, de vexações diabólicas, às vezes até
muitos fortes, provavelmente causadas por um feitiço. Nem sempre, porém, o
discernimento é fácil. Deve-se analisar caso por caso, com muita oração.
A priori é impossível dizer a frequência com que descubro uma pessoa assim, pois isso
é muito variável, depende da situação de cada um. Habitualmente, deparo-me a cada mês
com um caso semelhante. Nas situações mais críticas, quando o tempo e as minhas
condições de saúde permitem, identifico mais alguns. Perguntará alguém: e se o
diagnóstico falhar e os problemas não forem de natureza espiritual? Respondo que o
exorcismo nunca faz mal.
Por vezes, perguntam-me acerca da maior ou menor eficácia de minha oração, se
tenho alguma ideia sobre isso. A minha resposta é negativa. Somente Deus age por meio
da oração. O exorcista, isto é, o que faz uma oração de libertação, normalmente não se dá
conta desde logo se a pessoa foi libertada ou se recebeu o benefício da oração. É a própria
pessoa exorcizada que me dá ciência disso — às vezes, muito tempo depois de nosso
último encontro.

O que acontece durante o exorcismo?


O que acontece durante o exorcismo às pessoas atingidas pela possessão? De início, é
bom dizer que normalmente uma pessoa atingida pela possessão deseja ser libertada da
influência demoníaca e, por isso, é ela quem costuma manifestar o desejo de ser
exorcizada. Conforme já fiz notar, pode surgir uma dificuldade na iminência da prática
do ritual, ou seja, quando a pessoa entra na sala de atendimento onde atua o exorcista.
Acontece, às vezes, que a pessoa começa a sentir mais intensamente a influência do mal,
manifestando estar nervosa e incomodada. Nessas situações mais delicadas, entra logo em
estado de transe, devendo ser contida. Por essa razão, segundo já observei, é sempre útil,
em casos do gênero, ter ao lado amigos ou parentes, ou se possível, o pároco. Ao término
do rito, quando a pessoa volta a si, frequentemente mostra-se desanuviada, retomando o
controle inteiro de si e chega até a fazer tranquilamente uma oração e a trocar palavras
comigo.
Durante o ritual, ordeno ao espírito imundo que diga seu nome — cada espírito tem
o seu — e quando sairá daquele corpo. Sem dúvida, como o príncipe da mentira, procura
sempre não responder ou fazê-lo de modo vago, quando não mente por completo. Sendo
obrigado a revelar o nome, não pode mentir, porque Deus impõe que seja assim, à
maneira de um sinal antecipado da libertação. Com efeito, o fato de revelar o próprio
nome debilita muito a sua força e é um indício encorajador para nós. O mesmo pode ser
dito quanto ao fato de saber quando sairá do corpo. Mas, também quanto a isso, importa
ser muito prudente: é raro que, no dia mencionado, efetivamente se cumpra o que foi
anunciado pelo espírito.
Alguns me perguntaram se a possessão se configura propriamente na forma extrema
como aparece no famoso filme O exorcista. A minha resposta é esta: somente em parte.
Trata-se de um filme feito com muita seriedade, mas não isento de sensacionalismo. Os
casos que os exorcistas enfrentam, na maioria das vezes, não são tão graves. Dito isto,
acrescento que realmente não faltam situações extremamente violentas ou com a presença
de manifestações verdadeiramente muito sugestivas. Por vezes, nos casos mais violentos
(que nem por isso são os mais difíceis de tratar), entende-se que a pessoa deve ser
imobilizada durante a prática do ritual, para impedir que faça mal a si ou a outros.
Igualmente por esse motivo, é de bom princípio ter ao lado algumas pessoas que,
presenciando a oração, estejam prontas a intervir, segurando com força o possuído.
Durante os exorcismos podem ocorrer fenômenos muito particulares, tais como a
glossolalia — isto é, o falar em línguas desconhecidas ou estranhas —, os olhos que
parecem girar fora das órbitas, a levitação. Com relação a este ponto, relembro dois
casos.
O primeiro diz respeito a um jovem mecânico, que trabalhava não muito longe da
minha comunidade em Roma. Ele começou a levitar antes mesmo de ser iniciado o
exorcismo, tão logo encostei a minha estola em seu ombro. Cinco pessoas não
conseguiram contê-lo.
O segundo caso me foi relatado pelo Pe. Candido. Ele exorcizou uma jovem
camponesa de 17 anos, mais acostumada a usar o dialeto local do que o italiano. Ao
recitar a fórmula em latim, um dos sacerdotes que acompanhava a moça começou a
interpelar o Pe. Candido. Esgotado, o exorcista disselhe em grego e em italiano
(certamente estava bem cansado): “Cala-te, submete-te.” De repente, a moça voltou-se
para ele, interrogando-o com ar satânico: “Por que me manda ficar calado? Diga isso
àquele que lhe faz perguntas sem cessar!”
Pode acontecer, em outras ocasiões, que o possesso cuspa pregos, vidros ou cabelo.
Tais objetos não são provenientes do esôfago, nem ferem os órgãos internos, pois se
materializam no momento em que são vomitados pela boca. Em consequência, pode ser
que as pessoas interessadas nos fenômenos do oculto, às vezes encontrem, nas almofadas
ou no colchão, ferro retorcido, arame farpado, cordões amarrados ou objetos similares.
Em outros casos, consegue-se até descobrir — depois de o demônio ser interpelado
durante a oração — o feitiço do qual se serviu o bruxo para concretizar o ritual. Em cada
um desses casos, os objetos devem ser queimados, para que os vínculos sejam rompidos.
Tenhamos, porém, cautela: é importante fazê-lo sempre enquanto rezamos invocando o
sangue de Jesus, sobretudo quando se está agindo sob a indicação do demônio. Caso
contrário, como aconteceu certa vez com o Pe. Candido (quando era ainda marinheiro de
primeira viagem), a pessoa incorre no risco de um mal-estar, absorvendo os efeitos
negativos do feitiço.
Por si sós, os fenômenos acima descritos não bastam para atestar uma possessão
diabólica, embora constituam indícios característicos. Com efeito, é possível que, ao
invés de possessões, sejam vexações diabólicas. Nessas circunstâncias, cabe a prudente
avaliação do exorcista, a fim de se chegar a um diagnóstico plausível.
Outra questão está relacionada com o tempo de duração do ritual. Neste quesito,
obviamente há variação de caso para caso. No enfrentamento com Satanás são muitas e
diversas as modalidades de desdobramento, não se podendo prever com antecedência o
que acontecerá. Digamos que o ritual, nos casos em que o possesso não manifesta reações
violentas, possui duração mínima de meia hora; já nos casos mais graves, de horas.
Onde praticar o exorcismo? O Ritual em uso diz textualmente: “O exorcismo, se for
possível, celebre-se num oratório ou noutro lugar apropriado, separado da multidão,
onde esteja patente a imagem de Jesus crucificado. Também deve haver nesse lugar uma
imagem da Bem-aventurada Virgem Maria.” No que me concerne — isto é, refiro-me à
Pia Sociedade de São Paulo —, devo dizer que em algumas ocasiões foram colocados à
minha disposição lugares situados em pontos discretos de nosso convento. Contudo,
compete-me confessar que, ao longo de trinta anos, estive em apenas dois ou três locais
diferentes. O exorcista é tido como “pessoa incômoda”; por isso, não é habitual que se
esforcem para reservar-lhe um local recolhido e adequado.
Também se comenta a respeito da posição que deve tomar o exorcista durante o
ritual. Nessa matéria, o Ritual não estabelece nada de específico, ou seja, é indiferente
estar à direita, à esquerda, de pé ou sentado. Estipula apenas que de começo ao fim, ao
serem pronunciadas as palavras “Eis a cruz do Senhor”, deve-se tocar com a ponta da
estola no pescoço do paciente e pôr a mão direita na testa do suposto endemoninhado.
Por fim, uma pergunta, para qual é difícil dar a resposta: para onde vai o espírito do
mal assim que deixa o corpo da pessoa? Não podemos saber. Quanto a mim, em Nome
de Jesus, ordeno que retorne ao Inferno eterno, ou que se vá debaixo da cruz de Jesus,
único juiz que determinará para onde deve ir esse espírito.
Quanto tempo é necessário para haver a libertação?
Quantos exorcismos são necessários para libertar uma pessoa endemoninhada? Não
existe resposta para essa indagação. Nunca podemos antecipadamente saber após quanto
tempo o demônio sairá. Cada caso é único e não há previsão certa. Recordo-me de casos
em que o espírito maligno partiu depois de poucos encontros, assim como de outros casos
em que demorou anos para que isso acontecesse. Dado que estamos no campo das
potências invisíveis, não podemos formular prognósticos exatos. É preciso situar-se sob a
ótica da “permissão divina”. Deus permite que o demônio se enfureça contra alguém
durante muito tempo. É um mistério insondável: por que Deus permite o mal e às vezes
por longo tempo? Para promover uma purificação? Para um bem maior daquela alma?
Em reparação dos pecados, talvez cometidos por outros? A resposta escapa de nosso
poder de apreensão; para a aceitação desse mistério, concorrem apenas muitas orações e
muita fé.
Será que uma pessoa percebe qual o momento exato em que está sendo libertada? O
momento em que a libertação ocorre é determinado por Deus. Por essa razão, não é
previsível. Em certos casos, a pessoa simplesmente percebe que passaram as perturbações
que apresentava. Em outros episódios — e aqui me refiro aos casos mais graves — a cura
completa é muitas vezes precedida de um agravamento das situações extraordinárias (a
que estava sujeita a pessoa) e de uma intensificação dos sofrimentos, com períodos de
duração incertos. É o começo do fim do sofrimento. Necessário conservar uma fé sólida e
esperar. Também neste ponto o livro de Francesco Vaiauso é esclarecedor: o período
final foi para ele um verdadeiro pesadelo, compensado ao término pela libertação
completa. Algumas vezes, percebe-se uma melhora: tanto a duração quanto a intensidade
das crises progressivamente diminui. Nesta fase, a questão está em “habituar-se” à cura.

Em que medida tem peso a fé do exorcista?


Em que medida a fé do exorcista tem peso para o exercício do seu ministério?
Muitíssimo. Há um episódio do Evangelho muito significativo a esse respeito. No
Evangelho de São Mateus (cf. 17,14-21), os apóstolos procuram expulsar o demônio de
um rapaz, mas sem êxito. Intervindo em favor dos apóstolos, a pedido do pai do jovem,
Jesus liberta-o prontamente. Diante de uma pergunta dos discípulos sobre a ineficácia do
exorcismo por eles feito, Jesus responde: “Por causa da incredulidade. Porque na
verdade vos digo que, se tiveres fé, como um grão de mostarda, direis a este monte: passa
daqui para acolá, e ele passará, e nada vos será impossível”. E no Evangelho de São
Marcos (9,29), segundo já vimos, acrescenta-se: “Esta casta de demônios não se pode
fazer sair, senão mediante oração e jejum.”
À luz dessas passagens do Evangelho, podemos assegurar que, se não cultivar
adequadamente sua vida de fé, um sacerdote que recebeu da Igreja o encargo de
exorcista, de fato, reduz a eficácia da sua ação de cura e libertação. Também no novo
Ritual aconselha-se ao exorcista a prática da oração e do jejum. É, pois, à vida de uma
particular santidade que, em razão mesmo de seu ministério, está chamado. Comumente,
em sua misericórdia, o Senhor leva em conta o esforço e o empenho da pessoa. Se esta
procura levar uma vida de santidade, creio ser suficiente. É igualmente importante que
rezem por si e pelas pessoas que acompanham. Religiosos e religiosas, em grande
número, dedicam-se a fazê-lo.
Também é de grande importância, sobretudo antes de dar início ao ministério do
exorcismo, invocar os santos, e entre eles, o patrono dos exorcistas, São Bento, fundador
do monaquismo ocidental. Bento era um monge leigo (não sacerdote, portanto) e, graças
à sua extraordinária fé, tinha grande capacidade de libertar os possessos. Outro fator
fundamental é a experiência adquirida diretamente e, mediante a prática, fazer um
paralelo com os colegas, além de fazer estudos sobre a matéria.
A tudo isso importa acrescentar que não é unicamente da boa vontade do exorcista
que dependem a eficácia da oração e da libertação. O Pe. Candido Amantini, durante sete
anos, exorcizou sem êxito Angelo Battisti — um dos mais próximos colaboradores do
cardeal Agostino Casaroli —, vítima de uma grave possessão que se manifestara no
mesmo dia em que se aposentou. Foi outro sacerdote da Toscana, de menos projeção,
que ao cabo de um mês conseguiu libertá-lo. Depreende-se daí que tinha havido falta de
santidade do Pe. Candido? Está longe de ser o que penso! Pode haver alguma dúvida a
respeito da vida de santidade do Pe. Candido? Aí entram em conta outros fatores, que
são igualmente decisivos e de difícil avaliação: os planos de Deus, as disposições
espirituais dos possuídos, o período de tempo que transcorreu para que o espírito
maligno se agarrasse muito mais à pessoa... Acerca do caso citado, o Pe. Candido dizia-
me que o que se semeia é o que se colhe, conforme dispõe o Senhor.
Outra questão a ser levantada consiste em perguntar se o exorcista é vítima de
vexações diabólica por causa de seu ministério. O Diabo vinga-se dele? No que me toca,
a resposta é negativa. O bom Deus sempre foi indulgente para comigo, e espero que
continue a sê-lo no futuro. Percebo, porém, que alguns de meus colegas passaram por
distúrbios, como por exemplo, a perda do sono. Isso pode ser caracterizado como
vexações provocadas pelo Diabo, como uma espécie de vingança.
No ofício da libertação, será que um leigo pode ser mais eficaz do que um padre
exorcista? Sem dúvida, essa possibilidade existe. Na época de Santa Catarina de Siena, no
século XIV, quando não se conseguia libertar um endemoninhado, costumava-se enviá-
lo à santa que, em virtude de sua fé comprovadíssima, frequentemente obtinha o que os
outros exorcistas não conseguiam. Conforme disse, o que conta é a fé.
Por outro lado, mesmo que difícil, teoricamente não é impossível que uma pessoa
promova a “própria libertação” dos males de feitiçaria. Jesus disse aos seus discípulos:
“Em meu nome expulsarão os demônios” (Marcos 16,17). Isso não se aplica apenas à
libertação dos outros, mas também de si próprio. O requisito prévio, obviamente, está
em viver na graça de Deus, recorrendo ao sacramento, invocando o auxílio de Maria e
dos santos, rezando com fé. É importante, contudo, dizer que a pessoa espiritualmente
transtornada não consegue viver plenamente esse desejo por causa da repulsa ao sagrado,
induzida pelo Diabo. Neste caso, a pessoa deve receber a ajuda dos exorcismos.
Ao final, outro ponto a ser tratado concerne à eventualidade de que o exorcista possa
se enganar sobre a natureza do diagnóstico, especialmente quando tenta diferençar males
espirituais de males psiquiátricos. Nesse sentido, é sempre possível recorrer a uma
segunda opinião, solicitando um parecer de outro exorcista. Entretanto, sem nunca
exagerar: o consagrado provérbio “cada cabeça, uma sentença” também se aplica aos
graus de percepção e análise do exorcista.
Os ajudantes do exorcista
Já fiz alusão anteriormente ao fato de que o exorcista pode ser assistido por algumas
pessoas durante o ritual. Em meu caso, dificilmente dispensaria essa ajuda, embora cada
qual seja livre para agir como melhor lhe pareça. A presença de pessoas qualificadas, isto
é, comprovadas e preparadas para enfrentar tudo quanto possa ocorrer durante o
exorcismo, é muito importante por dois motivos. Primeiramente, porque, graças às suas
orações e presença, encarnam a presença viva da Igreja, a qual ama e acolhe seus filhos,
por estes intercedendo, sobretudo em favor dos que mais sofrem. Em segundo lugar, para
efeito de uma assistência material às pessoas que estão sendo exorcizadas, visto que estas
podem manifestar transtornos, tais como provocar vômito ou movimentos bruscos e
violentos, que possam machucar a si mesmo e a outros. Prestar ajuda, no sentido de
administrar fisicamente a situação, eis o que entra na esfera de ação própria dos
ajudantes.
Seja como for, eis o que o Ritual em uso diz a tal propósito: “Quando não há nenhum
grupo de fiéis presente, nem sequer um grupo pequeno — que é uma situação também
recomendada pela prudência e a sabedoria fundada na fé —, recorde o exorcista que em
si mesmo e no fiel atormentado já está a Igreja, e lembre isso ao próprio fiel atormentado.
Se algumas pessoas escolhidas forem admitidas à celebração do exorcismo, sejam
exortadas a orar instantemente pelo irmão atormentado, quer privadamente quer do
modo indicado no rito.”
Os assistentes dos exorcistas devem ser escolhidos com critério: importa que tenham
uma intensa vida espiritual, nervos em ordem, não sejam impressionáveis em excesso,
sejam capazes de guardar o segredo sobre a identidade das pessoas possuídas e sobre as
particularidades ouvidas durante a prática do ritual. Em que sentido? Ocorre, por vezes,
que durante o exorcismo o espírito maligno venha a falar. Naturalmente, em se tratando
de um demônio, na maior parte das vezes, contará mentiras ou lançará insultos e
blasfêmias. Seja como for, a respeito de tudo que diz, é conveniente manter respeitoso
sigilo. Isso também é válido, claro, para o exorcista.
Referindo-se aos assistentes, complementa o Ritual: “Esses [assistentes], entretanto,
devem abster-se de toda fórmula de exorcismo, seja por meio de oração, seja por meio de
ordem imperativa, pois essa função é reservada ao exorcista exclusivamente.” Solicita-se,
portanto, que jamais alguém se dirija ao espírito maligno, direta ou indiretamente.
Limitem-se, pois, a rezar.
O exorcismo local
Nas infestações locais (que analisamos, ao examinar a ação extraordinária de Satanás), já
foi comentado que esse gênero de atuação do Maligno atinge locais de habitação e
objetos de uso comum. Dispõe a esse respeito o Ritual de 1998: “A presença do Diabo e
de outros demônios manifesta-se ou concretiza-se não somente nos casos de pessoas
tentadas ou possuídas, mas também em relação a coisas e locais que, desse ou daquele
modo, são objetos da ação diabólica.”
Algumas vezes apresentam-se sinais evidentes de que certos ambientes e objetos de
uso doméstico estão infestados por Satanás. O elenco de exemplos é tão grande que seria
impossível fazer uma enumeração completa: aparelhos eletrônicos que deixam de
funcionar (fogão, televisão, computador); luz que, sozinha, acende e apaga; estalos
inesperados; gritos, pancadas na parede, tremores no chão ou na cama; manchas de
líquidos no lençol ou no travesseiro; invasão de insetos. Num caso assim, inicialmente,
pode-se pedir a um sacerdote que benza a casa, iniciativa que em qualquer casa será
recomendável. Após a bênção e ação de um sacerdote, também os habitantes da casa
poderão aspergir água benta e sal bento nos locais.
Para males extremos, grandes remédios: o exorcismo local. Como é feito o
exorcismo local? O Ritual prescreve um procedimento similar ao exorcismo dirigido a
uma pessoa, desde que a oração seja feita de forma imperativa. Cada exorcista procura
adaptar a oração a uma situação específica. No que diz respeito a mim, após haver rezado
com os anfitriões um Pai-nosso, uma Ave-maria e uma Glória ao Pai, adapto a fórmula
do Ritual de 1614, rogando a Deus que liberte a casa das infestações. Em seguida,
percorrendo cada recinto, rezo mais de uma vez a primeira parte do exorcismo
tradicional. Segue-se a aspersão do ambiente com água benta. Por fim, faço o mesmo
com incenso exorcizado, isto é, incenso bento com a fórmula oficial da Igreja, mediante a
qual se invoca a intercessão do arcanjo Miguel. Faço uso também do sal, igualmente
bento e exorcizado, borrifando-o nos quatro ângulos do cômodo, especialmente naqueles
em que os sinais da manifestação diabólica são mais visíveis.
Exorcismos por telefone?
A oração de exorcismo é sempre feita presencialmente; eis, porém, uma pergunta que
formulam com frequência: é possível fazer exorcismo a distancia — isto é, por telefone
ou por outro meio de comunicação, fazendo comunicarem-se, por meio de áudio ou
vídeo, o exorcista e a pessoa possuída? Respondo afirmativamente, mas não para os casos
da via ordinária. De fato, a regra básica consiste sempre em encontrar-se pessoalmente,
como prescreve o Ritual. O contato físico é sempre preferível: não fosse por outra razão,
bastaria lembrar que, no caso do exorcismo, derramam-se sobre a pessoa os sacramentais
do óleo e da água benta, e se efetua a insuflação. Feito a distância, obviamente, revela-se
impossível fazê-lo. Além do mais, durante o exorcismo irrompe todo o poder da oração e
frequentemente acontece que alguém precise conter o possesso, a situação mais difícil de
ser imaginada a distância.
Dito isso — levando em consideração que muitos dos meus “pacientes” vêm de
longe, a caminho de Roma, onde moro —, recorro por vezes aos exorcismos telefônicos.
Obviamente, somente o faço se a pessoa já é conhecida, e quando estou assegurado de
que se trata de uma possessão diabólica ou de outro transtorno espiritual. Sem dúvida,
não me disponho a exorcizar o primeiro que me telefona.
Que resultados se obtêm com isso? Em relação aos que recebo em meu domicílio,
quando procedo ao ritual diante das pessoas, praticamente o mesmo. Acontece também
que, quando o indivíduo cai em transe e o demônio começa a falar, eu o interrogo e exijo,
em nome de Jesus, que deixe o corpo do infeliz. Exatamente como se dá pessoalmente.
Todavia, quando estou a distância, para o caso eventual de a pessoa vir a perder a
consciência, exijo que se poste alguém ao lado da mesma, segurando-a firme e
impedindo-a de fazer mal a si mesma.
A Igreja autoriza o exorcismo por telefone? O exorcismo é um sacramental, e não
um sacramento. Este, evidentemente, não pode ser administrado a distância: não pode
haver confissão por telefone, nem casamento... No caso do exorcismo, digamos que não é
de uso corrente: é o dever pastoral de assistir essas pessoas, que muitas vezes não
conseguem encontrar um exorcista nas proximidades do respectivo domicílio, que me
compele, excepcionalmente, a fazê-lo. Se todos os bispos cumprissem o seu dever e
nomeassem, como é de obrigação, pelo menos um exorcista em cada diocese, jamais se
teria tal problema.

À procura do exorcista
Qual o meio de localizar o exorcista encarregado pelo bispo da própria diocese a fazer o
acompanhamento dos casos de possessão? A primeira coisa é recorrer aos ofícios da cúria
e pedir informações. Lá devem constar os nomes dos sacerdotes aos quais foi conferido
esse encargo. Algumas vezes, porém — conforme me dizem muitas pessoas que
acompanho —, há o risco de não encontrar resposta concreta, sobretudo se as pessoas às
quais nos dirigimos não forem exorcistas. Nesse caso, é preciso procurar alguém de fora
da diocese. E, então, começa uma longa peregrinação, talvez de centenas de quilômetros.
E, talvez, sejamos obrigados a fazê-lo, anos a fio, até a libertação. Com cansaço e
despesas consideráveis.
A esse propósito recordo que é dever estrito de todo bispo nomear um exorcista ou,
não havendo, a ele mesmo cabe fazer essa oração na Igreja, da qual é o titular por
excelência. De fato, quando não é providenciado pelo bispo, não há outro que possa
preencher essa lacuna. A consequência é que — realidade que eu e meus colegas
exorcistas comprovamos diariamente — as pessoas que sofrem de males espirituais se
veem na necessidade de empreender não sei quantas “viagens de peregrinação forçadas”,
à procura dos exorcistas. Quanto a estes, por sua vez, sendo pouco numerosos, ficam
onerados de trabalho, uma vez que acolhem pessoas de fora da diocese. Fico angustiado
quando penso que há nações inteiras nas quais os exorcistas sequer dão o ar de sua
presença.
Note-se, pois, que, da parte dos escritórios da Cúria, podemos receber respostas
evasivas. Neste caso é uma procura meio às escuras sobre o nome dos exorcistas e os
lugares em que atendem. Em meio a muitos impostores e falsos libertadores que estão em
circulação, aconselho que, delicadamente, procurem ter certeza de que se trata mesmo de
um sacerdote encarregado pelo bispo. Com efeito, não é raro o caso de que, na ausência
de exorcistas, pessoas sem escrúpulos e com muita ânsia de lucros — obviamente
mediante polpudas contribuições — prometam destruir malefícios ou feitiços com “ritos
em direção contrária”. E, por esse modo, acaba-se agregando feitiçaria a feitiçaria, o que
só leva a piorar a situação.
O que fazer quando não se encontrar nenhum exorcista? O último recurso é
endereçar-se aos grupos da Renovação Carismática Católica que atuam na região.
Embora seja verdade que nem todos gozam de igual confiabilidade — o que depende
principalmente de quem os dirige —, mesmo assim são lugares nos quais, geralmente,
por meio da oração, podem ser obtidos benefícios concretos e imediatos.

A Associação Internacional dos Exorcistas


A Congregação para o Clero, no dia 13 de junho de 2014, aprovou os estatutos da
Associação Internacional de Exorcistas (AIE), da qual fui fundador e que presidi de 1994
a 2000. Alegrei-me muito por presenciar ainda na terra, antes do Céu, a aprovação dessa
associação, que com toda minha alma sempre desejei, juntamente com outros colegas
exorcistas. Pelos fins da década de 1980, paralelamente à diminuição da fé em nosso país e
em toda Europa, dei-me conta de que havia aumentando exponencialmente o número de
pessoas que se dedicavam à prática do ocultismo e que procuravam feiticeiros. Por outro
lado, os exorcistas expunham-se ao risco de agir por conta própria, sem compartilhar as
próprias experiências. Contudo, percebem agora que o confronto e a atualização
teológica são indispensáveis.
No começo da década de 1990, reuni um primeiro grupo e assim dei início à
Associação Italiana dos Exorcistas, que se desenvolveu muito nos anos seguintes. A
seguir, juntamente com o exorcista francês René Chenessau e com o teólogo René
Laurentin, organizamos o primeiro congresso internacional, em Ariccia. Nessa ocasião
decidimos fazer encontros bienais e esboçamos um primeiro estatuto.
O objetivo da associação é promover a primeira formação de base e a formação
permanente dos exorcistas; propiciar encontros de compartilhamento de experiências
entre os mesmos, tornando conhecido na Igreja o significado do ministério do exorcismo,
mediante a promoção de estudos dogmáticos, bíblicos, litúrgicos, históricos, pastorais e
espirituais sobre o exorcismo, bem como colaborar com especialistas nos ramos da
medicina e da psiquiatria, pesquisando mais a fundo as relações entre males espirituais e
desordens psíquicas.
Alegro-me pelo fato de que esse importante reconhecimento possa constituir um
estímulo, no sentido de fazer crescer a sensibilidade da parcela da Igreja que,
frequentemente isolada e abandonada, sofre na própria pele o drama de um mal de
feitiçaria. Almejo que, graças a essa aprovação, um número crescente de bispos nomeie
exorcistas para as respectivas dioceses, realidade que, entretanto, ainda está longe de
concretizar-se.
Hoje em dia fazem parte da AIE cerca de 250 membros em trinta países. A maioria
constituída de italianos.

Três pedidos ao Papa Francisco


Como contornar a endêmica falta de exorcistas? Certa vez um bispo comentou comigo
que não nomeava exorcistas porque tinha medo do Diabo. Outros confrades não
acreditam na existência do Diabo. Em outras situações, verifica-se que os próprios bispos
— que certamente desejariam nomear alguém — não encontram sacerdotes disponíveis
para o exercício desse ministério. Ou, quando encontram, os candidatos não se aplicam
seriamente aos estudos dessa matéria; em vez disso, orientam os interessados a buscar o
psiquiatra, ou, no máximo, dão uma rápida bênção para libertá-los do tédio. Qual o
resultado? Existem poucos exorcistas, e todos sobrecarregados de trabalho.
Por que acontece isso? Creio que a razão principal esteja na falta de fé. Há exorcistas
nomeados pelos respectivos bispos que não creem na existência do Diabo. Em outros
casos, creem, mas sentem medo: é aí que se enganam gravemente, imaginando que, sem
fazer nada, os que sofrem espiritualmente se curarão por si. É precisamente o contrário,
como já apontei: quanto mais combatemos os demônios, mais para longe vão!
Como remediar essa situação complexa que leva, muitas vezes, a esmorecer os
ânimos dos fiéis atingidos pelos males da feitiçaria? Se a Providencia me proporcionar
uma ocasião, procurarei o Papa Francisco a fim de fazer três pedidos. Primeiro: reiterar a
necessidade de que cada diocese tenha obrigatoriamente pelo menos um exorcista.
Segundo: que nos seminários seja retomado o estudo de angelologia e demonologia,
como se fazia outrora, e que os candidatos ao sacerdócio, em vésperas da ordenação,
assistam a, pelo menos, um exorcismo. De fato, muitos desempenham o seu ministério
pastoral sem ter ideia dessa realidade espiritual, decorrendo o risco de deixar ao
abandono essa porção do povo de Deus que padece de males espirituais e que, mais do
que ninguém, goza do direito de ver atendidas as suas necessidades. Terceiro: que se
estenda o ministério do exorcismo a todos os padres, sem que haja necessidade de
autorização especial, deixando a cada um a liberdade de exercer esse ministério. De fato,
desde o final da Antiguidade, o ministério do exorcismo foi reservado aos bispos, o que
me parece exagerado. Que sentido há em fixar restrições para o exercício desse
sacramental aos sacerdotes, quando sabemos que estes, em virtude do sacramento da
Ordem, dispõem do poder de realizar incomparavelmente mais: especificamente,
absolver os pecados e celebrar o Sacrifício Eucarístico, sacramento que conforme diz a
Lumen Gentium, é “fonte e ápice de toda vida cristã”17? Por que não conceder a liberdade
a todos os padres para exercer esse ministério, desde que o desejem verdadeiramente?
Notas

14 O título da editio typica, promulgada pelo decreto da Congregação para o Culto Divino e para a
Disciplina dos Sacramentos, 22 de novembro de 1998, é De exorcismis et supplicationibus quibusdam.

15 Cf. Catecismo da Igreja Católica, n° 1667.

16 Cf. p. ex., Esorcisti e psichiatri [Exorcistas e psiquiatras], EDB, Bologna 2000, p. 10.

17 Cf. Constituição Dogmática Lumen Gentium, n° 11.


CAPÍTULO 6
OS OUTROS MEIOS DE LUTA CONTRA OS DEMÔNIOS

As orações de libertação e cura


Depois do exorcismo, são de grande alcance na luta contra os demônios as orações de
libertação e cura. Em que consistem? Em primeiro lugar, pode-se dizer que estas e o
exorcismo guardam certas semelhanças entre si. Ambas, com efeito, são orações
pronunciadas sobre a pessoa afetada por um mal espiritual, com a intenção de debelar o
influxo satânico sobre a mesma. Duas são as diferenças.
Primeiramente, enquanto o exorcismo, para efeito de libertar da influência do
Maligno, é a prece pública e oficial da Igreja, implicando, portanto, a autoridade desta,
transmitida por mandato episcopal, a prece de oração e cura, pelo contrário, é uma prece
de natureza privada, que se realiza na pessoa afetada pelos males de feitiçaria, mas sem
que a autoridade específica da Igreja esteja engajada, pois é de exclusiva responsabilidade
do sacerdócio ministerial do padre, que faz a oração, ou, no caso de ser um leigo, do
sacerdócio universal dos fiéis (conferido pelo Batismo). Em segundo lugar, o exorcismo
é exercido por uma só pessoa, isto é, o exorcista (oficialmente designado pelo bispo), ao
passo que a oração de libertação tende a ser um ministério exercido de forma
comunitária.
Espero não causar surpresa quando faço menção aos “leigos”. No Evangelho de São
Marcos, antes de subir aos Céus, diz Jesus: “E eis os milagres que acompanharão os que
crerem: expulsarão os demônios em meu nome; falarão novas línguas, manusearão
serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará mal” (16,17). Jesus
concedeu esse poder aos Doze apóstolos e, em seguida, aos 72 discípulos. Esse fato indica
que Ele quis estender a cada um que crê Nele este poder. Este é o fundamento das
Escrituras para o exercício do ministério da libertação e cura. É indiferente que seja
homem ou mulher, podendo ser, em alguns casos, até uma criança. A fé é o que importa.
O poder de expulsar os demônios provém diretamente de Jesus. Ninguém o pode tolher
ou negar.
As orações de libertação, redescobertas no âmbito católico somente num passado
recente, são muito importantes porque libertam dos males de feitiçaria, e exercem a
função de um diagnóstico: permitem que se descubra se estamos ou não diante de um
caso de influência extraordinária demoníaca. Essas práticas normalmente são exercidas
por grupos de fiéis, tais como os da Renovação Carismática Católica, movimento
estabelecido nas últimas décadas na Itália e derivado dos pentecostais, que inicialmente se
desenvolveram nos Estados Unidos. A redescoberta dos carismas — como, por exemplo,
falar em línguas, curas, profecias e muitos outros — vem sempre associada à libertação.
Especificamente, a libertação de demônios, conforme já disse acima, e como já tive
oportunidade de escrever18, é condição prévia para cura de algumas doenças físicas, as
quais têm “ligação” com o Diabo. Uma vez efetuada a libertação espiritual, manifesta-se
também, imediatamente, a cura física.
Assim como ocorre durante o exorcismo, no momento da invocação do Espírito
Santo e da pessoa de Jesus, os indivíduos atingidos pelos males espirituais começam a
vivenciar situações de sofrimento, que se tornam evidentes de variadas formas. Em certas
ocasiões, os grupos mais organizados constituem pequenos núcleos que atuam sobre
essas pessoas, rezando e invocando a poderosa ação libertadora de Deus. Para que essa
oração tenha eficácia, é preciso haver muita fé, muito jejum. Esses são, sem sombra de
dúvida, os meios mais eficazes para derrotar Satanás.
Algumas vezes ouve-se críticas em relação a tais grupos. Encaro-os com muita
confiança. Quando se fala de orações de cura e de libertação não se pode ignorar os
efeitos positivos que hoje, como na Igreja apostólica de dois mil anos atrás, daí tiveram
origem. Conforme atestam os Atos dos Apóstolos, já nas primeiras comunidades cristãs,
entre as obras dos primeiros evangelizadores, constam numerosas curas prodigiosas e
libertação de possessos, confirmando a força do anúncio evangélico da Ressurreição. “O
Novo Testamento diz que Jesus conferiu aos Apóstolos e aos outros primeiros
evangelizadores um verdadeiro poder de cura das enfermidades. [...] Esse poder foi
comunicado no interior de um contexto missionário, não para exaltar as respectivas
pessoas, mas para confirmar-lhes a missão19”, explica o Magistério da Igreja. Por
mandato divino, a sua missão é, sem dúvida, a de demonstrar o advento dos tempos
messiânicos também por meio do ministério da cura e da libertação.
Tratei pouco dos carismas. Para entrar nas minúcias, é importante dizer que a Igreja
ensina que “o significado do carisma, de si bastante amplo, é o do ‘dom generoso’”20. O
carisma é, pois, um dom do Espírito Santo, de que goza uma pessoa em benefício da
comunidade, e sem méritos particulares. Possuir um carisma não é um mérito, e sim,
mais propriamente, um dever, um serviço.
Quanto ao “carisma da cura”, São Paulo considera que isso não é uma exclusividade
de certa classe de fiéis (cf. 1 Coríntios 12): o critério é sempre e apenas a liberdade do
Espírito, que distribui esse dom “a cada um como quer” (v. 11). Por isso, o Magistério
afirma que “nas reuniões de orações organizadas com o objetivo de obter curas, seria de
todo arbitrário atribuir um ‘carisma de cura’ a uma categoria de participantes, por
exemplo, aos dirigentes do grupo; basta confiar-se à liberalíssima vontade do Espírito
Santo, que dá a cada um o carisma especial de cura para manifestar a força da graça do
Ressuscitado”.21 É preciso instruir os fiéis a não “idolatrar” quem atua neste ministério,
mas, por detrás das pessoas que se prestam a esse serviço, reconhecer sempre e apenas o
Espírito Santo.
Por fim, uma pergunta: quais são as preces de libertação? Em primeiro lugar, o Pai-
Nosso, quando dizemos “livrai-nos do Maligno”, que é a tradução exata, segundo afirma
o Catecismo da Igreja Católica. A diferença em relação ao “livrai-nos do mal” é
importante: o demônio tem natureza pessoal, individual. Outras orações podem ser ditas,
usando expressões do gênero: “Protegei-me das tentações”, ou “Em nome de Jesus, eu te
ordeno, Satanás: sai!”. O rito dos exorcismos, na sua parte final, contém algumas
formulações que podem ser úteis, de acordo com as necessidades.

Maria, Mediadora de todas as graças


“Por fim, meu Imaculado Coração triunfará.” Diante do pecado que extravasa e do
homem que abandonou a Deus, considerando-o apenas uma aparência enganosa para
frear sua descomedida liberdade, a profecia de Maria, em Fátima, assegura-nos que as
tribulações da Igreja terão um fim. E o fim será bom: Deus dará a última palavra na
história. O corpo a corpo com os demônios, isto é, o exorcismo, antecipação terrena da
luta escatológica entre a Mãe de Deus e o antigo dragão (cf. Apocalipse 12), não pode,
portanto, prescindir da Virgem. Por isso, durante o ritual do exorcismo, Maria é
invocada sempre, ainda que, a bem da verdade, o velho Ritual não prescreva
expressamente uma invocação a ela. Na experiência prática que adquiri junto ao Pe.
Candido, contudo, sempre acrescentava o nome dela nas três fórmulas do exorcismo. É
necessário fazê-lo: o Ritual em vigor corrigiu essa lacuna. Durante a oração, o sacerdote
invoca várias vezes sua poderosa intercessão. Lutar contra Satanás e não invocar a Maria
são duas coisas que mutuamente se excluem. Quem liberta do influxo maligno é Deus —
nunca é demais deixar isso claro —, mas Ele tem sempre o ouvido atento à mediação de
Maria, Mãe de seu Filho.
Qual o papel da Virgem na libertação dos possessos? Conforme diz a oração da Ave-
maria, ela é “cheia de graça”. É a Mediadora da graça junto a Deus, em favor de todos os
homens, particularmente dos que mais sofrem. E, por ventura, as pessoas que mais
sofrem não são certamente as que padecem de males espirituais? Além do mais, a missão
de Maria é condizente com a de Mediadora universal de todas as graças. A inimizade
entre Maria e Satanás — proclamada solenemente no livro de Gênesis (cf. Gênesis 3,15)
e manifestada na luta escatológica com o dragão — faz com que ela seja a inimiga
número um de Satanás. Caberá a ela, ao final dos tempos, esmagar a cabeça deste.
Todavia, o auxílio da Virgem vai além das situações excepcionais dos
endemoninhados. Em todas as formas de luta do homem contra Satanás e contra o
pecado, é sempre ela que representa a ajuda extraordinária e insubstituível. O Diabo a
teme; para ser mais claro, menciono um episódio que tive ocasião de presenciar, faz
muitos anos. Durante um exorcismo, o Pe. Candido interpelou o Diabo nestes termos:
“Por que você demonstra ter mais medo quando invoco Maria do que quando rogo ao
próprio Deus?” Teve como resposta: “Porque ser vencido por uma simples criatura é
algo que me humilha mais do que ser vencido pelo próprio Deus.”
Maria é uma criatura como nós; entretanto, elevada à condição de Mãe de Deus,
possui um poder extraordinário. Por isso espero que as pessoas que assistem ao meu
exorcismo também rezem o rosário, que é a prece mais aconselhável nesse contexto, e
pode ser feita tanto em voz alta e comunitariamente, como acontece na igreja antes da
Missa, como também individualmente, para não perturbar a boa execução do exorcismo.
Direi mais: sendo o rosário a prece mais grata a Nossa Senhora, é uma potentíssima arma
contra o Diabo, razão pela qual eu o aconselho a quem sofre de males espirituais. Essa
oração contém, de fato, um grande poder de proteção e libertação do mal. Certo dia, a
irmã Lúcia, uma das três crianças de Fátima, revelou que Deus concedeu um poder tão
grande ao rosário que não existe mal de nenhuma espécie — seja particular, familiar ou
social — que não possa ser vencido pela sua recitação, feita com fé.
Que podemos pedir, então, a Maria no rosário? Em Medjugorje, na Bulgária, outra
coisa não se faz senão repetir, há trinta anos, que essa oração é fundamental para a paz.
Não há outra coisa a pedir que não seja o dom da paz. Para o mundo, sem dúvida, mas
também para cada um de nós; pela serenidade de nosso coração, para que alcancemos a
graça de aceitar nossas cruzes, para que saibamos reconhecer os dons que, a cada dia,
recebemos do bom Deus, e agradecer-Lhe por isso. É igualmente importante rezarmos o
rosário em família, todos juntos, para invocar a concórdia em nossas casas e em nossas
comunidades paroquiais, nos lugares de trabalhos, nas nações e no mundo. A divisão das
almas e a guerra são sinais inequívocos da presença do Diabo, cujo significado
etimológico, em grego — não por acaso — é “aquele que divide”.
Recordo que no dia 25 março de 1984, São João Paulo II consagrou o mundo a
Maria. Representou um gesto muito importante numa época em que o comunismo
representava uma ameaça explícita ao cristianismo. Durante um exorcismo, quando
perguntei a um espírito imundo que perseguia uma pessoa qual o motivo pelo qual tinha
tanto ódio do papa, respondeu-me assim: “Ele destruiu os nossos planos.” Suponho que
se referisse à derrocada do comunismo. Em Fátima, por outro lado, a Virgem afirmou:
“Meu Imaculado Coração triunfará.”
Que significado extrair daí senão que se deve confiar no Senhor e na ajuda materna
de Maria, e fazê-lo sempre? Sobretudo, em face do risco de desânimo, que arma ciladas a
todos, mas que, no caso dos males espirituais, pode tornar-se um perigo, porque
frequentemente os resultados tardam a se manifestar. Significa que, com a ajuda de
Maria, devemos esforçar-nos para deixar que Deus nos converta a Ele; para que saibamos
fazer a Sua vontade, que está sempre na ordem do perdão e do amor. Igualmente, para
que saibamos fazer de cada acontecimento uma ocasião de santificação e de realização do
plano de Deus a respeito de cada um de nós. Maria leva-nos a Jesus, pois foi a primeira
que se deixou tocar intimamente pelo Espírito Santo, gerando Jesus no tempo.

A intercessão dos santos


Os santos no Céu intercedem por nós com grande poder e eficácia. Devemos rezar
muitas vezes a eles. Assim como professamos no Credo, juntamente com eles e com as
almas do Purgatório, constituímos o que se denomina de “Comunhão dos Santos”. Vale
a pena ler com atenção o que transmitiu a esse respeito o Concílio Vaticano II: “Deste
modo, enquanto o Senhor não vier na Sua majestade e todos os Seus anjos com Ele e,
vencida a morte, tudo Lhe for submetido, dos Seus discípulos uns peregrinam sobre a
terra, outros, passada esta vida, são purificados, outros, finalmente, são glorificados e
contemplam ‘claramente Deus trino e uno, como Ele é’; todos, porém, comungamos,
embora em modo e grau diversos, no mesmo amor de Deus e do próximo, e todos
entoamos ao nosso Deus o mesmo hino de louvor. Com efeito, todos os que são de
Cristo e têm o Seu Espírito, estão unidos numa só Igreja e ligados uns aos outros
Nele.”22
Eis um motivo importante que nos leva a esperar a vitória na luta contra o Diabo, e
também na superação da angústia e do sofrimento que nos martiriza às vezes. Com os
que já gozam da visão de Deus no Paraíso, há um intenso intercâmbio de bens espirituais:
“Porque os bem-aventurados, estando mais intimamente unidos com Cristo, consolidam
mais firmemente a Igreja na santidade, enobrecem o culto que ela presta a Deus na terra,
e contribuem de muitas maneiras para a sua mais ampla edificação em Cristo [...] A nossa
fraqueza é assim grandemente ajudada pela sua solicitude de irmãos.”23
Para quem se vê oprimido ou possuído, a invocação dos santos durante o ritual do
exorcismo manifesta essa forma de confiança da Igreja na presença desses bem-
aventurados. À margem disso, na oração pessoal, é aconselhável recitar frequentemente a
ladainha dos santos, escolhendo os próprios patronos ou aqueles pelos quais temos
especial devoção. A presença dos santos também se opera por meio do culto e do uso das
relíquias, que embaraçam fortemente a ação demoníaca, como me referi há pouco. Por
outro lado, não devemos esquecer que também as almas do Purgatório podem interceder
por nós e que justamente são invocadas para a libertação das influências demoníacas.
Oferecer os próprios sofrimentos espirituais para que se abrevie o tempo de purificação
dessas almas, eis outra obra sem dúvida digna de mérito.
Quais santos mais especialmente invocar, nos casos dos que foram atingidos pelos
males de feitiçaria? Aconselho a invocação dos santos que sofreram as mesmas moléstias.
Assim, por exemplo, a Beata Eustóquia, cujo nome era Lucrezia Bellini, freira beneditina
de Padova que viveu no século XV. Falecida aos 25 anos, já aos quatro anos estava
possuída. Também durante a sua vida de religiosa, que começou aos 18 anos, esteve
gravemente sujeita a essa possessão, a qual suportou santamente com o objetivo de expiar
a culpa dos que desde o nascimento padeciam, sem culpa, dessas mesmas tribulações. As
demais freiras maltratavam-na muito em razão do distúrbio que a distanciava da vida
comunitária do monastério. Somente uns dias antes de sua morte souberam ter vivido ao
lado de uma santa. Ainda hoje muitas pessoas costumam rezar diante da sepultura dessa
santa na Igreja de São Pedro, implorando a graça da libertação.
Quanto a mim, quando pratico os exorcismos, noto muito a forte presença de são
Pedro de Pietrelcina, de Santa Catarina de Bologna e de São João Paulo II. Com
refêrencia a este, sei, de fonte segura, que, em sua capela privada no Vaticano, praticou
pessoalmente três exorcismos. Quando pronuncio esse nome, os demônios se enfurecem.
Uma questão final: o demônio pode pronunciar o nome dos santos? Normalmente,
não. Pode suceder que alguns demônios façam referência a Deus, à Virgem e a alguns
santos. Quando o fazem, no entanto, em relação a cada um, sentem verdadeiro terror.
Jamais sucede que se refiram diretamente aos nomes de uns e de outros; quando são
obrigados a mencioná-los, fazem uso só de perífrases. Assim, por exemplo, quando se
dirigem ao sacerdote que está praticando o exorcismo, dizem, para se referir a Jesus: “o
teu chefe”, o “teu superior”; sobre Nossa Senhora, “aquela” ou “a rapinadora das
almas”; aos santos, por sua vez, de “assassinos”. Por quê? Porque, graças às preces que
os exorcistas fazem, arrancam as almas das garras dos demônios. Constitui evidente
confirmação de tudo quanto já dissemos.
A ajuda dos anjos
E os anjos, qual o papel que têm nisso? No terceiro capítulo, já discorremos sobre a
escolha feita por eles, pró ou contra Deus. A palavra “anjo” deriva do grego angelos, que
significa “enviado”, “mensageiro”. Os anjos são criaturas espirituais, isentas de matéria.
São formas puras, de natureza diversa da nossa, que temos uma porção material e outra
espiritual unidas. Os anjos se subdividem em hierarquias, segundo a missão que lhes foi
confiada por Deus. Não podem reproduzir-se, nem morrer. Foram criados diretamente
por Deus. Desde o momento em que nascemos, a Providência divina designa um anjo da
guarda para cada um de nós, com a missão específica de proteger-nos, assistir-nos e
interceder para que, ao fim de nossa vida, possamos alcançar nossa destinação última, isto
é, o Paraíso.
Conforme também foi visto, sabemos que muitos anjos, legiões inteiras, escolheram
a trágica via de rebelião contra Deus, recusando-se a obedecê-Lo e a adorá-Lo,
pretendendo, de fato, ocupar o lugar Dele. Em consequência dessa escolha, os demônios
alteraram radicalmente a sua missão; a partir daí, passaram a fazer uso de sua
privilegiadíssima inteligência com o único fim de destruir os homens e destes fazer seus
companheiros de infortúnio. Essa guerra dantesca, travada nos céus entre anjos e
demônios, como vem narrada no Apocalipse, de fato, também tem seu campo de
operação na terra: nossas existências, nossos corações.
De tudo isso, podemos afirmar, a respeito dos anjos que continuaram fiéis a Deus,
que possuem certo poder contra as tentações ordinárias e também os próprios males
extraordinários. Por quê? Porque são da mesma natureza dos demônios, fazendo uso, no
combate, das mesmas armas espirituais. Os anjos intercedem junto a Deus em favor de
quem está tentado; por isso, nós, exorcistas, sempre os invocamos por ocasião das
orações feitas sobre os possessos. Entre os anjos, conferimos precedência aos três
arcanjos, e, em grau máximo a São Miguel, poderosíssimo na luta contra o demônio. Em
consequência, alinhamo-nos com aqueles que deploram o fato de que, após o Concílio
Vaticano II, tenha sido suprimida a oração de São Miguel Arcanjo, que era rezada
imediatamente depois da Missa. Parece-me ter sido isso um grande empobrecimento. De
qualquer modo, cada um de nós podemos livremente rezá-la, em qualquer momento.
Antes de concluir, convém invocar o arcanjo São Miguel com frequência, para além
dos males espirituais extraordinários. Recomendo também que se peça sempre a proteção
de nosso anjo da guarda, o qual possui um poder especial de intercessão junto a Deus,
que está sempre na origem de toda libertação. Os anjos ajudam, intercedem, mas, de si,
não gozam do poder de libertar dos efeitos nefastos do demônio.
Objetos sagrados e bentos
No embate contra Satanás podemos fazer uso de objetos bentos. Essa prática é sempre
aconselhável para todos, independentemente dos específicos problemas espirituais. É
sempre desejável conservar em casa imagens sagradas, figuras ou oratórios bentos,
objetos sagrados, como sinais de nossa fidelidade e pertença a Deus. Isso constitui uma
forma de proteção contra o Maligno, porque aviva em nós a lembrança contínua da nossa
consagração que, no Batismo, fizemos à Santíssima Trindade. São igualmente
importantes porque constituem uma forma de testemunho visível para os que moram
conosco e para os que visitam a nossa casa.
É seguramente boa iniciativa trazer consigo no bolso ou no corpo objetos bentos. Me
vem à mente a medalha de São Bento, que costuma vir presa ao crucifixo. Recordo,
ainda, a Medalha Milagrosa onde Maria está representada com estes dizeres: “Ó Maria
concebida sem pecado, rogai por nós, que recorremos a vós”. Foi assim que, em 1830, a
Virgem apareceu em Paris, na Rua du Bac, a Catarina Labouré. Na outra face da
medalha há um grande “M”, cujo significado é também “Maria”, e dois corações, o de
Jesus e o de Maria: tudo para deixar claro — conforme foi revelado em 1917, em Fátima
— que devemos rezar conjuntamente para a Mãe e para o Filho.
Podemos citar ainda outros objetos: escapulários, imagens de santos, relíquias. Nada
disso — convém esclarecer — deve ser entendido como uma forma de condescendência
com a superstição. Tais objetos só têm verdadeiro significado quando baseados numa fé
concreta, feita de caridade e operosidade. Se forem carregados como talismãs e amuletos,
estaremos tomando uma atitude irracional, gravemente contrária à fé. O Papa Francisco
corrobora isso na exortação Evangelii Gaudium. O título desse documento, cuja tradução
significa “a alegria do evangelho” exorta cada um a “renovar hoje mesmo o seu encontro
pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por
Ele, de O procurar dia a dia sem cessar”.24 Assim, essa é a fé, o encontro pessoal com
Jesus. O único caminho que verdadeiramente muda a vida, liberando-nos de nosso
egoísmo.
Voltemos a tratar dos objetos bentos. Há uma passagem da Bíblia que comprova
como são importantes: “E Deus fazia milagres não vulgares por mão de Paulo; de tal
modo que até sendo aplicados aos enfermos, os lenços e aventais que tinham tocados no
seu corpo, não só saiam deles as doenças, mas também os espíritos malignos se
retiravam” (Atos 19,11-12). A minha experiência de exorcista comprova que o demônio
sente natural repulsa por todos os objetos sagrados, assim como por todos os
instrumentos da vida cotidiana que tenham sido benzidos — automóveis, utensílios, etc.
—, pois, desse modo ficam diminuídos, ao todo ou em parte, ao poder maligno. Também
por isso é de boa lei benzê-los.
É comum quem tiver sido atingido por algum mal de feitiçaria perceber
imediatamente quando está em presença de um objeto bento. A esse respeito, chamou-me
a atenção o caso de uma mãe que sofria muito em razão das atitudes violentas e, às vezes
até enfurecidas (chegando por vezes a blasfemar) de seu filho, jovem mecânico de
profissão. Formas de conduta que apareceram de repente na vida do rapaz. Ele crescera
tranquilamente numa família sadia e jamais demonstrara inquietações particulares, nem
propensão à violência. Certo dia, no entanto, a mãe mandou benzer as roupas do rapaz.
Quando ele voltou do trabalho, ao sair do banho, vestiu essas roupas. Poucos segundos
depois, tirou tudo às pressas, quase rasgando nas costas, e recolocou em seguida o traje
de trabalho. Pois bem, jamais voltou a usar as roupas que haviam sido benzidas,
deixando-as no guarda-roupa bem à parte, separadas das outras que não o estavam.
Visivelmente, esse jovem precisava de exorcismos.
Esses objetos devem ser benzidos preventivamente? Certamente. Eu o afirmo tendo
consciência de que o significado da benção não é o de conferir ao objeto uma proteção
mágica, quase à maneira de um “superpoder”. Assim como diz muito bem a oração da
bênção, pronunciada pelo sacerdote, trata-se de pedir a Deus a graça de incrementar a
virtude em nossa vida cotidiana e de obter a proteção e intercessão de Deus, por meio da
pessoa que está representada ou invocada no objeto. Causa-me espanto quando — em
automóveis, locais públicos e casas particulares — deparo com uma imagem sagrada ao
lado de búzios contra a má sorte ou de ferradura de cavalo. Que relação há entre uma
coisa e outra? A esse propósito, lembro-me de um caso particular, que relatei muitos anos
atrás na Rádio Maria. Chamaram-me para benzer uma casa, porque as pessoas que lá
moravam percebiam presenças “estranhas” no local. Assim que entrei, não vi nenhuma
imagem sagrada na parede. O que foi que encontrei, assim que me abriram a porta de
entrada? Um imenso búzio vermelho... Isso me irritou muito e repreendi as pessoas que
me haviam convidado. Disse: “Como vocês podem querer resguardar-se do mal,
pendurando na porta tais amuletos? Não percebem que, como símbolos de superstição,
são objetos maléficos?”
Em conclusão, levar objetos e pessoas ao padre para receberem uma bênção, isso é
iniciativa oportuna, mas sem cair na superstição. Por isso convido os meus colegas
sacerdotes a benzer sempre quando pedem os objetos dos fiéis.

Sal, água e óleo bentos: aliados na luta contra o Maligno


Sal, óleo e água bentos ou exorcizados, segundo as disposições do Ritual das Bênçãos,
são sacramentais. Trata-se de instrumentos louváveis e úteis, desde que a sua ação tenha
fundamento na fé. Nem mesmo os exorcistas, muitas vezes, medem a importância disso.
A água benta, aliás, em substituição ao ato penitencial, pode ser usada na Celebração
Eucarística para aspergir no povo.
Quem pode benzer e exorcizar esses elementos? Qualquer sacerdote, recitando a
oração fixada no Ritual das Bênçãos para exorcizar e benzer a água, o sal e o óleo. Na
oração da bênção, pede-se a Deus que, mediante a aspersão com água benta, sejam
obtidos o perdão dos pecados, proteção contra o Maligno e o dom do amparo divino.
Quando feita sobre a água, a oração do exorcismo consegue fazer com que o poder dos
demônios fuja, sendo assim erradicado, expulso. De fato, como poderiam “demônio” e
“água santificada” ficarem lado a lado?
O óleo bento, quando aplicado a uma pessoa, tem o mesmo efeito de proteção.
Utilizo esse óleo — que considero muito eficaz — nas pessoas endemoninhadas ou
espiritualmente transtornadas, que foram objeto de algum sortilégio, mediante a ingestão
de alimentos ou bebidas enfeitiçadas. Tais pessoas, muitas vezes, manifestam sinais
externos, tais como dores de estômago, soluços, estertores, ao passarem por uma situação
de “estresse espiritual”, ou seja, durante o exorcismo, a Missa, uma oração qualquer, etc.
A cura, nestes casos, configura-se com a expulsão dos objetos ou substâncias orgânicas
aos quais haviam sido “incorporados” os feitiços. A unção com óleo bento e a ingestão de
água benta são muito úteis nessa delicada ocorrência. O sal bento serve, sobretudo, para
proteger locais da influência do Maligno. Habitualmente, conforme já tive ocasião de
explicar, deve ser jogado na entrada da casa e nos cantos dos vários quartos que
consideramos infestados.
Notas

18 Cf., p. ex., Esorcisti e psichiatri [Exorcistas e psiquiatras], cit., pp. 144-5.

19 Cf. Instrução sobre as orações para alcançar de Deus a cura, cit., n° 1.

20 Ibidem, n° 3.

21 Ibidem, n° 5.

22 Cf. Lumen Gentium n°. 49.

23 Ibidem.

24 Cf. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, n° 3.


CAPÍTULO 7
PRINCÍPIOS DE ESCATOLOGIA CRISTÃ: MORTE, JUÍZO, PARAÍSO,
PURGATÓRIO, INFERNO

Paraíso, reino do amor


A título de conclusão deste livro, desejo fornecer algumas noções basilares de escatologia
cristã, que devem proporcionar ocasião de grande esperança a todos — de modo
particular, aos que sofrem de males de feitiçaria —, em razão da Ressurreição de Cristo.
A nossa vida, isto é, a nossa peregrinação terrena, não constitui fruto de uma cega
casualidade, mas se ordena para o bem maior da amizade definitiva com Deus.
Comecemos, então, propriamente do Paraíso, meta a qual fomos criados. “Os que
morrerem na graça e na amizade de Deus e estiverem perfeitamente purificados, viverão
para sempre com Cristo. Serão para sempre semelhantes a Deus, porque o verão ‘tal
como ele é’ (1 João 3,2), ‘face a face’(1 Coríntios 13, 12)”25. A nossa fé assegura que no
Paraíso gozaremos da “visão” de Deus; ou seja, nós nos tornaremos partícipes desta
mesma felicidade de que gozam as pessoas divinas entre si: felicidade imensa, impossível
de ser medida, consignada no viver “em”, “com” e “pelo” Senhor, objetivo último de
toda criatura. “Pela Sua morte e Ressurreição, Jesus Cristo ‘abriu-nos’ o Céu. A vida dos
bem-aventurados consiste na plena posse dos frutos da redenção operada por Cristo, que
associa à sua glorificação celeste aqueles que Nele acreditaram e permaneceram fiéis à
Sua vontade. O Céu é a comunidade bem-aventurada de todos os que estão
perfeitamente incorporados Nele”26.
Seremos modificados? Seremos sempre nós mesmos? Que será feito de nossa
identidade? Os eleitos — isto é, os que ascenderem ao Paraíso — viverão em Deus,
conservando sempre, porém (aliás, precisamente nesse ponto encontrando a plenitude), a
verdadeira e própria identidade de cada um, ou seja, especificamente o nome que
corresponde a cada pessoa.27 O mesmo Catecismo esclarece que o Paraíso vai além de
toda nossa capacidade de entendimento, indicando ademais que a Bíblia o descreve por
meio de algumas imagens, intuitivas e simples: “vida”, “luz”, “paz”, “banquete de
núpcias”, “Jerusalém celeste”28. São meras experiências humanas que se usam por
analogia; entretanto, dão apenas uma pálida imagem do que será a vida eterna. Quando
nos referimos a isso, de fato, mal conseguimos balbuciar alguma coisa.
No que concerne à condição dos beatos, pois, não temos muitas afirmações a fazer:
conforme foi mencionado, a Revelação se exprime por alusões, metáforas. Reportemo-
nos a São Pedro e à sua experiência no episódio da Transfiguração (cf. Mateus 17,1-8;
Marcos 9,2-8 e Lucas 9,28-36), que, aliás, jamais menciona em suas cartas; ou também de
São Paulo, quando relata ter sido “arrebatado até ao terceiro céu” (2 Coríntios 12,2), mas
sem entrar em pormenores, deixando apenas subentendido tratar-se de um estado de
plena beatitude (2 Coríntios 12,4: “E ouviu palavras inefáveis que não é lícito a um
homem proferi-las”). O que sabemos é que nossos caros entes falecidos, os quais
doravante vivem em Deus, no mais alto do Céu, a nós veem, acompanham e amam; estão
sempre ao nosso lado, intercedendo a nosso favor. Assim, quando, por misericórdia
divina, estivermos reunidos a eles, na outra vida, sem dúvida teremos como os
reconhecer, embora as nossas relações lá passem a ser diferentes, porque isso ocorrerá em
Deus, na plenitude total de seu amor.
Uma pergunta aparece naturalmente: uma vez que a Santíssima Trindade é perfeita e
absolutamente suficiente por si só, que necessidade teria de plasmar também as criaturas,
homens e anjos? De fato, nenhuma, pois nada se Lhe acrescenta. Se o faz, é somente por
amor, gratuito e incondicionalidade para conosco. Quanto a benefícios, isso só se aplica a
nós: a obtenção do Paraíso, isto é, a meta final de toda a criação, que é a contemplação de
Deus, a qual nos será descoberta para sempre. Na eternidade de Deus, todos se amam
imensamente. Paraíso: amor, alegria e paz, dos quais todos tomam parte...
Como podemos teoricamente imaginar o Paraíso? Um pouco à maneira de
“degraus”, como uma escada. Aliás, também assim é o Inferno, “construído” do mesmo
modo. Explico-me melhor: existem graus diversos de participação na alegria e no amor
de Deus. Tais graus estão relacionados, no que se refere aos homens, com o estado de
santidade, maior ou menor, alcançado nesta vida. Assim, por exemplo, distintas serão as
formas de alegria de São Francisco de Assis e do Bom Ladrão. Em conformidade com as
diferenças entre os homens nessa terra, assim serão também no Paraíso. Mais ou menos
como o que acontece com as estrelas do céu: existem as que brilham mais e as que
brilham menos. Do mesmo modo é o que sucederá com os homens na Ressurreição
gloriosa, quando todos serão gloriosos, mas em medidas diversas. Cada um terá o
máximo de esplendor e felicidade de que pessoalmente for capaz, com base no modo
como viveu. Existirão os que têm uma capacidade maior e o que têm uma capacidade
menor, sem que haja inveja ou ciúme de uns em relação aos outros. Assim, reinará plena
alegria de um pelo outro, pela glória que cada qual particularmente possui. A esse
respeito, me vem ao espírito um trecho de Dante, na Divina Comédia: “Em sua vontade
está a nossa paz”. No Paraíso não há ciúmes, pois cada um percebe que está em harmonia
com a vontade de Deus, e nisso se encontra a paz. Paz eterna e definitiva, da qual estarão
apagadas todas as lágrimas, dores e invejas.

As almas no Purgatório
O Purgatório é o lugar, ou melhor, o estado onde se encontram as almas que não foram
admitidas imediatamente à contemplação da face de Deus, mas que necessitam antes de
uma purificação. Por que há necessidade de uma purificação? Para chegar à santidade,
condição indispensável para o Céu. O número 1030 do Catecismo menciona as almas que
estão sendo purgadas como “os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não de
todo purificados, embora seguros da sua salvação eterna, sofrem depois da morte uma
purificação, a fim de obterem a santidade necessária para entrar na alegria do Céu”.
Podemos considerar que há graus ou estados diversos no Purgatório, conforme a
situação de cada alma quando ali chega. Há estados inferiores, tremendos e dolorosos
porque mais próximos do Inferno; e também estados mais elevados, muito próximos à
felicidade do Paraíso. Os vários graus de purificação estão ligados ao diversos estados de
alma.
No Purgatório, as almas encontram-se, de modo geral, numa condição de enorme
sofrimento. Nossa Senhora, em Medjugorje, numa mensagem para a qual julgo devermos
ter a atenção voltada, pediu que rezássemos muito por essas almas. Com efeito, sabemos
que podem interceder por nós e obter-nos muitas graças, ao passo que, para si mesmas,
não podem mais obter nenhum merecimento. Com a morte, o tempo para granjear
méritos na terra acaba. Contudo, as almas que estão no Purgatório podem receber o
nosso auxílio para abreviar o respectivo período de purificação. Isso ocorre de modo
superlativo por meio de nossas orações, com a oferta de nossos sacrifícios, Missas por
essa intenção, assim como se faz mais especificamente nos funerais e nas Missas
gregorianas, que consistem na celebração de trinta Missas diárias e consecutivas por um
falecido. Essa prática foi introduzida por São Gregório Magno, no século VI, com
fundamento numa visão que teve de um confrade que morreu sem confissão. Este, tendo
ido ao Purgatório, apareceu solicitando que celebrassem Missas em seu favor. O papa
celebrou por muitos dias consecutivos, até atingir o total de trinta. Nesse ponto, o
falecido apareceu de novo, feliz por ter sido admitido no Paraíso. Bem analisado, daí não
se depreende que “funcione” como um “botão mágico”: pensar assim seria uma atitude
de ritualismo mágico, inaceitável e errônea no que se refere ao sacramento. De fato, tudo
sempre se acha nas mãos da misericórdia divina.
A propósito das Missas, é preciso dizer ainda que podem ser aplicadas a todos os
mortos, mas, em última análise, é Deus que as destina aos que realmente necessitam.
Quanto a mim, por exemplo, celebro frequentemente por meus pais, a respeito dos quais,
em consciência, acredito já estarem no Paraíso. Somente a Deus, em sua misericórdia,
compete, porém, atribuir os benefícios das minhas Missas aos que estão mais
necessitados, conforme critérios de justiça, bondade e — por que não? — também de
virtudes, tendo como base os méritos de cada um, em consonância com o respectivo grau
de fé, esperança e caridade que granjearam em vida.
De tudo quanto foi exposto, surge um afetuoso conselho: mais vale expiar nessa vida,
sofrendo, procurando santificar-se, do que, de um modo simplista, aspirar ao Purgatório,
onde os sofrimentos são longos e penosos.
As penas do Inferno
O livro do Apocalipse afirma textualmente que “foi precipitado aquele grande dragão,
aquela antiga serpente, que se chama o Diabo Satanás, que seduz todo o mundo; e foi
precipitado na terra e foram precipitados com eles os seus anjos” (Apocalipse 12,9). Por
que foram precipitados na terra? Porque a finalidade a que se consagraram foi a de
perseguir os homens, procurando conduzi-los à perdição eterna, transformando-os em
infelizes companheiros por toda uma eternidade carregada de sofrimentos e penas. Como
se pode admitir que esse enredo, que abarca a todos, esteja nos planos de Deus?
Conforme já foi observado, a razão de ordem imediata reside na liberdade concedida por
Deus a cada criatura. Sem dúvida, ninguém ignora que a missão de Satanás e de seus
seguidores consiste em desgraçar o homem, seduzindo-o e fazendo-o pecar, isto é, levá-
lo à infelicidade, longe da plena participação da vida para a qual fomos chamados — ou
seja, o Paraíso.
O Inferno, pois, é o estado na qual os demônios e os homens condenados, por sua
explícita e irrevogável escolha de se rebelar contra Deus, ficam distantes do Criador, dos
anjos e dos santos, numa condição permanente e eterna de condenação, isto é, de
tribulação. O Inferno é uma exclusão voluntária da comunhão com Deus, conforme diz o
Catecismo no número 1033: “Não podemos estar em união com Deus se não escolhermos
livremente amá-lo.” E como fazer para amá-lo? “Mas não podemos amar a Deus se
pecamos gravemente contra Ele, contra o nosso próximo ou contra nós mesmos.” Ao
Inferno, portanto, vai o que morre em pecado mortal sem estar arrependido; o que, de
forma impenitente, não amou. Não é Deus quem predestina uma alma ao Inferno, mas a
própria alma que o escolhe pela vida que levou.
Acerca do Inferno, conhecemos alguns relatos que — tratando-se de revelações ou
experiências privadas, enquanto tais, a fé não nos obriga a crer — considero merecedores
de grande crédito. Em diversas ocasiões, em meus livros e entrevistas, tenho feito alusão
à experiência de Santa Faustina Kowalska, que, em seu diário, faz um relato das
“viagens” que fez ao Inferno.
“É um lugar de grandes tormentos, tendo em vista toda a sua extensão
pavorosamente grande. São diversos tormentos que eu vi: o primeiro tormento, o que
constitui o Inferno, é a perda de Deus; o segundo, os contínuos remorsos da consciência;
o terceiro, a certeza de que aquele destino não mudará nunca; o quarto, o fogo que
penetra na alma sem a destruir. Este é um tormento terrível: é um fogo puramente
espiritual, que é alimentado pela ira de Deus. O quinto tormento é a escuridão contínua,
um horrível e sufocante cheiro nauseabundo, em meio ao qual, apesar das trevas, podem-
se ver o Demônio e as almas condenadas, umas em face das outras, e igualmente todos os
males dos demais e os nossos próprios. O sexto tormento: a companhia contínua de
Satanás; o sétimo tormento é um tremendo desespero; o ódio a Deus, as imprecações,
maldições, blasfêmias. Esses são os tormentos que todos os condenados sofrem juntos,
mas essa não é a finalidade das punições. Há formas de tormentos especiais para diversas
almas, e são os tormentos dos sentidos. Cada alma é afligida de maneira terrível e
indescritível pelo pecado que praticou. Há horríveis cavernas, precipícios e tormentos,
sendo cada suplício diferente do outro [...]. O pecador sabe que será punido pelo sentido
que o levou a pecar [...]. O que relatei é uma pálida imagem do que vi. Observei que a
maior parte das almas que lá se encontram são almas que não acreditavam que pudessem
cair no Inferno. Quando recobrei os sentidos, não consegui reerguer-me do pavor em
face do pensamento das almas que ali sofrem tão horrivelmente; por isso, rezo com maior
fervor pela conversão dos pecadores, e invoco incessantemente a misericórdia de Deus
em favor deles.”
É de assombrar.
Também desejo recordar, de forma resumida, o testemunho de Gloria Polo, dentista
colombiana que viveu uma experiência extraordinária, a qual pôs de ponta-cabeça a sua
vida.
No dia 5 de maio de 1995, essa senhora foi atingida por um raio, que quase
carbonizou o seu corpo. Gloria era uma católica “fria”, de espírito crítico em relação a
Igreja, favorável à eutanásia, muito preocupada com o próprio corpo e voltada para a
Nova Era. Era afeita a frequentar bruxos e cartomantes que prediziam o futuro. Depois
de ser atingida pelo raio, o seu corpo ficou por vários minutos sem vida por causa de uma
parada cardíaca. Durante esse tempo, Gloria passou por uma experiência de quase morte.
Encontrou-se num túnel, em cuja extremidade havia uma forte luz. Nesta luz identificou
os pais falecidos: era o Paraíso. Em contrapartida, experimentava sempre sentimentos
cada vez mais fortes de culpa pela fraca fé que tivera em vida, o que a impedira de
permanecer naquela luz. De repente, foi precipitada no abismo mais profundo. Muitos
demônios começaram a persegui-la, tentando arrebatá-la. Ela relata ter percorrido muitos
túneis que existiam mais abaixo, organizados em forma de colmeias e habitados por
muitos homens, jovens, velhos e crianças que choravam e rangiam os dentes, com
rugidos espantosos. Alguns destes eram suicidas. Gloria está persuadida de que estava
num lugar de morte espiritual, de condenação eterna, sem retorno, sem esperança. Era o
Inferno. Somente a intervenção de São Miguel Arcanjo, que a segurou pelos pés
trazendo-a para junto de si, impediu que se precipitasse definitivamente. Eis como ela
conta: “Foi um momento terrível e verdadeiramente doloroso, quando cheguei àquele
ponto, a luz que ainda restava em meu espírito aborrecia aos demônios; esses
horripilantes seres imundos, que lá se achavam, prenderam-se a mim imediatamente [...].
Quanta coisa queimava! Irmãos, são trevas vivas, é um ódio que arde e nos devora, que
nos põe a nu. Não há palavras para descrever aquele horror!”29
As visões e relatos aqui contidos, embora de forma bem sintética, devem fazer-nos
refletir. Por isso, em Fátima, a Virgem disse às crianças: “Rezai e fazei sacrifícios, muitas
almas vão para o Inferno, porque não há ninguém que reze e faça sacrifícios por elas.”
Por sua vez, em Medjugorje, Nossa Senhora disse três coisas interessantes que
confirmam o que ensina o Catecismo, e que sumariamente já relatei: o Inferno é eterno;
impossível que alguém se converta no Inferno, porque, de nenhum modo, ninguém
desejaria fazê-lo; no Inferno, tornamo-nos partícipes da própria essência do Inferno, isto
é, a pessoa torna-se, por assim dizer, um “fragmento do Inferno”.
Como se deve entender, de modo mais exato, a afirmação acima? Sendo o reino do
ódio, as almas ali condenadas são submetidas ao tormento dos demônios e aos
sofrimentos que reciprocamente se infligem uma às outras. O Inferno é um lugar da
blasfêmia (onde se investe contra Deus e contra os santos) e do medo. No decorrer de
meus exorcismos, conforme fiz menção há pouco, certifiquei-me de que existe uma
hierarquia entre os demônios, assim como a que existe entre os anjos. Já abordei essa
realidade. Mais de uma vez, deparei com demônios que possuíam uma pessoa e que
manifestaram verdadeiro terror para com os respectivos chefes. Certo dia, após haver
feito vários exorcismos numa infeliz senhora, indaguei ao demônio “menor” que a
possuía: “Por que não vai embora?” Como única resposta, ouvi isto: “Porque se for,
Satanás, que é meu chefe, me castigará.” No inferno existe uma sujeição imposta pelo
terror e pelo ódio. Essa é a diferença abissal com o Paraíso, que é um local onde todos se
amam; lugar no qual quando uma alma encontra outra mais santa, sente imenso gozo,
porque da felicidade alheia também deriva, para ela, o mesmo benefício.
Alguns dizem que o Inferno estaria vazio. A resposta para essa afirmação está contida
no capítulo 25 do Evangelho de São Mateus, onde se fala do Juízo Final: alguns são
“benditos” e se aproximam eternamente de Deus; outros são “malditos” e vão para o
fogo eterno. Certamente desejaríamos que o Inferno estivesse vazio, sabendo que Deus
não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva (cf. Ezequiel 33,11). Para esse
efeito, a todos proporciona sua misericórdia e os meios da graça necessários para se
salvarem. Disse Jesus, no Evangelho de São João: “Àqueles a quem perdoardes os
pecados, e a quem não perdoardes, ser-lhes-ão retidos” (20,23), insistindo em nossa
conversão contínua, com o apoio da graça que vem dos sacramentos.
Retomando a pergunta a respeito do Inferno, que consiste em saber se está mais ou
menos “vazio”, cabe-me afirmar que temo cairem ali muitas almas, precisamente as que
se obstinam até o fim na escolha do afastamento de Deus. Meditemos frequentemente
nisso! Bem dizia Pascal: “A meditação no Inferno encheu de santos o Paraíso.”
O julgamento da vida
No número 1021, o Catecismo fala sobre o “juízo particular”. Que significa? Ali está
dito: “O Novo Testamento fala do julgamento, principalmente na perspectiva do
encontro final com Cristo na sua segunda vinda. Mas também afirma, reiteradamente, a
retribuição imediata depois da morte de cada qual, em função das suas obras e da sua fé.”
E, mais adiante no número 1022, acrescenta: “Ao morrer, cada homem recebe na sua
alma imortal a retribuição eterna, num julgamento particular que põe a sua vida em
referência a Cristo, quer através duma purificação, quer para entrar imediatamente na
felicidade do Céu, quer para se condenar imediatamente para sempre.” Logo depois, diz
o critério mediante o qual haverá esse julgamento, desenvolvido nos escritos de São João
da Cruz: “No ocaso da vida, seremos julgados pelo amor.”
A primeira coisa a destacar é propriamente este último ponto: um derradeiro critério
do nosso julgamento será o amor que tivermos em vida por Deus e pelos irmãos. Como
se dará, então, o julgamento particular? Encontramos algumas vezes pessoas convencidas
de que, imediatamente após a morte, encontrarão Jesus em pessoa, e lhe exprimirão o
desejo de “falar com franqueza” sobre as vicissitudes dolorosas que enfrentaram nesta
terra. Não acredito positivamente que as coisas se passem assim. Mais propriamente,
acredito que, de imediato após a morte, cada qual comparecerá diante de Jesus.
Entretanto, não será o próprio Jesus quem passará em revista a nossa vida, para efeito de
avaliar o tanto de bem e de mal que praticamos em vida. Falando com inteira
objetividade e honestidade, seremos nós que o faremos. Cada qual terá diante de si a
visão completa da sua vida, conhecendo imediatamente o verdadeiro estado espiritual de
sua alma, e irá para onde a situação da sua alma naturalmente deverá conduzi-lo. Será um
momento solene de verdade sobre nós mesmos, um momento tremendo e sem volta,
assim como será sem volta o local que perceberemos ser indicado para cada um.
Consideremos, por exemplo, o caso de uma pessoa que vá para o Purgatório. Quão
grande será a dor por não conseguir subir diretamente ao Céu, ao verificar que a
purificação na terra não foi completa e percebendo, por si só, a necessidade impreterível
de se purificar! Contudo, o desejo de ter acesso à visão de Deus será tão forte que, para
essa alma, mais estimulante será ainda o desejo de libertar-se do peso dos castigos
acumulados durante a vida terrena...

O Juízo Final: será o amor que nos julgará


Termino com o Juízo Final: “O Juízo Final terá lugar quando acontecer a vinda gloriosa
de Cristo. Só o Pai sabe o dia e a hora, só ele decide sobre a Sua vinda. Pelo Seu Filho
Jesus Cristo. Ele pronunciará então a Sua palavra definitiva sobre toda a história. Nós
ficaremos a saber o sentido último de toda a obra da Criação e de toda a economia da
Salvação, e compreenderemos os caminhos admiráveis pelos quais a sua Providência
tudo terá conduzido para o seu fim último”30. Trata-se de uma realidade mais difícil de
ser compreendida e concebida pela nossa mente. O Juízo Final coincidirá com o retorno
de Cristo, cuja data exata não se conhece. Será precedido imediatamente da ressurreição
dos mortos. Nesse momento preciso é que se cumprirá, definitiva e integralmente, a
história do mundo. Logo de início, o Catecismo especifica: “É perante Cristo, que é a
Verdade, que será definitivamente posta a descoberto a verdade da relação de cada
homem com Deus.”31
A pergunta essencial é esta: concretamente falando, que relação tem cada homem
com Deus? Assim como foi dito a respeito do Inferno, encontra-se aqui a resposta,
descrita, de forma grandiosa, no Evangelho de São Mateus. A diferença entre os que
forem salvos e os que forem condenados estará na capacidade de terem sabido ver a
Cristo, dentre os mais necessitados, doentes, famintos, pobre etc (cf. Mateus 25,31-46).
Dois são os elementos essenciais que emergem daí. O primeiro é uma separação, uma
cisão entre os que estão destinados ao Paraíso e os que estão destinados ao Inferno; entre
os que estão salvos e os que se condenaram. O segundo diz respeito à matéria sobre a
qual se cumprirá este julgamento: o amor. Os mandamentos de Deus e todos os outros
preceitos, de fato, resumem-se num só: “Isto vos mando: que vos ameis uns aos outros”
(João 15,17).
Podemos entender facilmente que essa ordem se dirige a toda consciência humana,
em todos os tempos, e que, portanto, também aos tempos anteriores a Cristo e aos dias de
hoje; aos tempos atuais como aos séculos passados, ainda que não tenham ouvido falar do
Filho do Homem. É igualmente belo o ponto final deste estupendo trecho de Mateus:
“Na verdade vos digo que todas as vezes que vós fizestes isto a um destes meus irmãos
mais pequeninos a mim o fizestes” (Mateus 25,40).
Todo homem, portanto – independentemente de sua religião, de sua cultura, de sua
época e de quaisquer outras circunstâncias —, se tiver amado ao seu próximo, terá
amado ao Senhor Jesus em pessoa. Quaisquer que sejam as nossas relações com nossos
irmãos, em todos os lugares, em todas as idades, em todas as situações de vida, isso será,
em última análise, um contato com Cristo Jesus em pessoa. Não existe nenhuma criatura
humana que, ao se relacionar com seus irmãos, não se relacione diretamente com Deus.
Por isso, o preceito fundamental da vida é o amor ao próximo e a Deus. Assim nos faz
entender o Evangelista João, ao afirmar que não podemos amar a Deus, a quem não
vemos, se não amarmos ao irmão que vemos (cf. 1 João 4,20). O amor pelo qual seremos
julgados será avaliado precisamente na medida do amor que tivermos praticado em
relação aos demais, ou seja, o mesmo amor que viveu Jesus na sua experiência terrena e
que nos ensinou nos Evangelhos, o mesmo amor para qual fomos habilitados por meio
dos sacramentos, pela oração, pela vida de fé. O auxílio para amar, que provém dos
meios da graça, sabemos serem limitados para os que não conhecem a Cristo, sendo
ainda mais reduzidos para os que o conhecem, mas não seguem; escolha que configura
uma grave culpa. De fato, disse Jesus: “O que crer e for batizado será salvo; o que,
porém, não crer será condenado” (Marcos 16,16).
Entretanto, por outro lado, o Papa Francisco, introduzindo o Jubileu Extraordinário
da Misericórdia, quis recordar-nos — foi o que resumimos na introdução — o outro
aspecto fundamental da questão, sem cujo concurso a exposição ficaria falha, incompleta:
o amor pelo qual seremos julgados será o mesmo Amor que nos julgará segundo a
medida da misericórdia. “Misericórdia: é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao
nosso encontro”32. Essa misericórdia, afirma um pouco depois o Papa Francisco, “abre o
coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso
pecado”. Esse olhar de Deus, assim impregnado de compaixão e desejo de viver em total
comunhão conosco, abre o coração à esperança de que todo o pecado, toda a dor, todo o
desfalecimento, toda a aparente derrota, desencadeada contra o homem pelo seu grande
inimigo, Satanás, será olhada por Deus com os olhos de um pai amoroso e acolhedor.
Vivamos, portanto, cheios de esperança, porque sabemos que, apesar de toda a
fadiga, é esse o nosso percurso de vida, e que, apesar de feridos muitas vezes, e desta
forma agravados pelos males feitos e recebidos, um dia Deus enxugará todas as lágrimas
de nossos olhos. Nesse dia “não haverá mais morte, nem luto, nem clamor, nem mais
dor, porque as primeiras coisas passaram” (Apocalipse 21,4).
Notas

25 Cf. Catecismo da Igreja Católica, n° 1023.

26 Ibidem, n° 1026.

27 Veja-se o que diz a esse respeito o Catecismo da Igreja Católica, sempre no n°1026.

28 Cf. Ibidem, n°. 1027.

29 Para conhecer mais a fundo a história, veja-se o livro de Irene Corona, Gloria Polo. Da sostenitrice
dell’eutanasia a paladina della vita [Gloria Pole: de defensora da eutanásia a militante da vida], Edizioni
Segno, Feletto Umberto (UD) 2012.

30 Cf. Catecismo da Igreja Católica, n° 1040.

31 Cf. Ibidem n° 1039.

32 Cf. Misericordiae vultus, n° 2.


DIREÇÃO GERAL
Antônio Araújo

DIREÇÃO EDITORIAL
Daniele Cajueiro

EDITOR RESPONSÁVEL
Hugo Langone

PRODUÇÃO EDITORIAL
Adriana Torres
Daniel Borges do Nascimento

REVISÃO DE TRADUÇÃO
Leonardo Vianna

REVISÃO
Luiz A. Werneck Maia
Vinícius Louzada

PRODUÇÃO DO EBOOK
Ranna Studio

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