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_ PENSAMENTO CRITICOREEES WALTER A. CARNIELL RICHARD L. EPSTEIN cam assisténcia e colaboragao de Desidério Murcho 3+ edigéo 2011 “EDITORA RIDEEL Expediente Presidente e Editor Diretora Eitrial FditoraAsisteme Assistent Editorial Revisio tale Amadio Katia F madio ‘Ana Paula Aexandee Bianca Confort Equipe Ridee! Diagramagio Producto Grafica Projet e imagem Helio Ramos Dados internacionais de Catalogacao na Publica (IP) (Camara Brasieica do Livro, SP, Bras ariel, water Pensamento critic : © poder da l6gicae da argumentacé / Walter A. Caine, Richard Epstein: com 2 asistencia e colaboracan de Desde Murcho ~ 3, ed. Sio Paulo: idee, 2011 's9W 97885-239-17460 1. Argumentagbo 2. Lica 3. Pensamento eric | Epstein, Richard 1. Murch Desa tle, os2206 conc Indice para catalogo sstemstice 1. Pensamento erieo :Filosoia 160 Versio brasileira baseada em: teal Thinking Wadsworth, Belmont, CA, 1999) Reservados 0s diets no Brasil para Walter A. Gre {© Copyright ~todoso direitos reservados EDITORA {fa RIDEEL @. Ay, Cosa Verde, 455 ~ Casa Verde (EP 02519-00 - 530 Paulo = SP ‘waeitorrideel com br ‘email: sarideeL com. Proibida qualquer ceproducdo, eja mectnica ou eet, ‘ota ov parcial, sem a permisso expressa do editor 135798642 ont Caricatura de "El sueiio de la razon produce monstruos", da série “Los caprichos”, Francisco de Goya, 1799. A razao esta em crise ou sempre esteve? Grandes pensa- dores imaginaram que a razo pudesse justificar a moral, a teligido e o Estado, Mas a razao tem tido consequéncias tra- gicas - em vez de cumprir esse papel, seus derivados, a ci- éncia € 0 desenvolvimento tecnologico, produzem a guerra © volta ao pensamento obscurantista, Pior, a razdo sequer sustenta a si propria, como tem sido evidenciado desde o sé- culo XVILL, e especialmente no século XX. Mas a gravura de Goya, que a partir da palavra “suefio” em espanhol pode ser tanto 0 sono como 0 delirio da razao, nos adverte sobre 0 que pode acontecer se nossa razao dorme ou delira. De acordo com Sexto Empirico, médico e filosofo grego do século Il, alguns creem que a verdade nao pode ser apre- endida. Outros pensam que encontraram a verdade: esses ‘sao 0s dogmaticos. Os céticos continuam a procurar. AGRADECIMENTOS Agradecemos a todas as pessoas que quiseram dar seu tempo ¢ suas ideias para ajudar a melhorar este texto, in- clusive aos leitores ¢ revisores que trabalharam diretamen- te na versio em lingua inglesa e a Alex Raffi que colaborou com os quadrinhos. Para a versao brasileira contribuiram Desidério Murcho, que trabalhou bastante na preparaco de textos, Sandra de Amo e.scus estudantes do Grupo PET do Departamento de Informatica da Universidade Federal de Uberlandia, e An: derson Aratijo, doutorando do Departamento de Filosofia da UNICAMP, que estudaram 0 texto cuidadosamente e sugeri- ram criticas e exemplos. Marcio Chaves-Tannus, em seu estagio de pos-douto- ramento no Centro de Légica, Epistemologia e Historia da Ciéncia da Unicamp, ofereceu intimeras criticas e suges- tes. Foram bastante proveitosas as discussées que tivemos sobre argumentacao, tendo como pano de fundo seus semi- narios sobre os fundamentos da logica de Aristételes. Finalmente, diversos estudantes em varias turmas em disciplinas do Departamento de Filosofia da Unicamp, onde Partes desse livro foram tratadas, contribuiram com criticas de toda sorte, e sua reagao aos contetidos aqui exposto ser- viram de motivagao para melhoras. © que esperamos, além de agradecer a todos, € que 0 texto final esteja a altura das expectativas Os Autores, PrerAcio A Terceina Epicéo A partir da sua primeira edicao, em 2009, este livro tem sido usado em disciplinas do curso de Filosofia da UNI- CAMP € adotado em diversos outros cursos universitarios. Além disso, 0 projeto que norteia o livro - prover defini- Ses claras de argumentos, argumentos validos, argumen- tos fortes e bons argumentos, mas de forma que tais no- gOes possam ser usadas frutiferamente na argumentacao real - tem sido exposto com bastante sucesso a diversas audiéncias, incluindo cursos de especializagao para advo- gados e magistrados no Centro de Logica Juridica da Facul- dade de Sao Bento em Sao Paulo; em conferéncias na Or- dem dos Advogados do Brasil (OAB-Sa0 Paulo); na Escola Superior de Guerra (ESG-Rio de Janeiro} e em diversas ou- tras entidades. Além disso, 0 projeto do livro tem tido muito boa recep- do na imprensa e na critica, o que traz aos autores ain- da maior responsabilidade, Esta terceira edi¢ao avanca na intencao de esclarecer as bases légicas e filosoficas envol- vidas na argumentagao, incentivando estudo complemen- tar, mas sem deixar de lado a proposta inicial de esctever um livro itil para estudantes em geral, inclusive de ensino meédio, ¢ também para professores, jornalistas, advogado: Julzes, politicos, médicos, artistas ou cientistas. Varios er. Tos, ndo to graves, mas incémodos, foram corrigidos, nova bibliografia foi adicionada e uma seco sobre o raciocinio com condicionais contrafactuais foi elaborada PENSAMENTO CRiTICO © PODER OA LOGICA E DA ARGUMENTAGAD Agradeco aqui a meus estudantes de graduagao, mestra- do € doutorado da UNICAMP pelo interesse, por sugestdes ¢ corregdes, ao colega professor Luiz Carlos Pereira (PUC-RJ e Universidade Federal do Rio de Janeiro ~ UER)) pelo convite para expor 0 projeto a um seleto grupo de logicos ¢ filoso- fos que resultou na decistio de acrescentar o material intro- dut6rio, mas bem dosado, a respeito dos condicionais con- trafactuais. A todos, nossos agradecit jentos, Os Autores Preracio A Primeira Epigéo Este livro foi concebido como um guia da arte de pensar criticamente partindo de bases logicas. Pensar criticamente consiste em avaliar a questo de saber se nos devemos dei- xar persuadir ou convencer quanto a verdade de uma afir- magao, ou quanto questdo de saber se estamos perante um bom argumento, e consiste também em saber formular bons argumentos. Pensar criticamente ¢ algo com que nos defrontamos to- dos os dias, e é um componente fundamental da nossa for- macao numa verdadeira democracia. Precisamos pensar criticamente para sermos melhores cidadaos e melhores pro- fissionais, quer sejamos professores, filésofos, advogados, juizes, politicos, jornalistas, historiadores, médicos, artistas ou cientistas. Se dominarmos o pensamento ctitico, teremos 8 possibilidade de participar de um modo mais produtivo nas relagGes interpessoais, pois as nossas propostas serao mais claramente formuladas ¢ estaréo mais bem fundamentadas, E nao seremos tao facilmente enganados pelo mau jornalis- ™mo, pela publicidade ¢ pelos maus politicos. Teremos uma palavra sensata ¢ fundamentada a dizer e poderemos contri- buir para uma sociedade e para um ensino melhor. Pensar criticamente significa uma enorme vantagem com- petitiva no mundo contempordneo, em que estamos qua- se implacavelmente submetidos aos truques do mercado, As falacias da internet, aos argumentos tendenciosos da midia, € em que temos de agir tomando decisdes, reclamando nos Sos direitos e confrontando opinides interesseiras. Esse livro Pretende também ser um auxilio na autodefesa intelectual x pO An © an © dine © Se, & PENSAMENTO cRITICO ~ 0 PODER OA LOGICA € DA ARGUMENTAGAD Este livro constitui a versao e adaptacao brasileira do manual norte-americano Critica! Thinking (Wadsworth, Bel- mont, CA, 1999) de autoria de Richard L. Epstein e do qual Walter A. Carnielli foi colaborador, detendo todos os direi- tos autorais para o Brasil. A estrutura geral mantém-se, mas muitas coisas foram alteradas. O texto € os exemplos foram inteiramente revistos e adaptados, de forma a ir ao encon- tro das necessidades, motivacoes e interesses do leitor bra- sileiro. Procurou-se tornar o texto sedutor ¢ util para o lei- go interessado em saber argumentar ¢ pensar melhor, mas também para os estudantes de direito, comunicacao, jor- nalismo, pedagogia, letras, filosofia e ciéncias humanas em geral. E, considerando que o pensamento critico nunca foi, infelizmente, ensinado no Brasil, procurou-se que 0 texto fosse também instigante para advogados, juizes, jornalis- tas, politicos, administradores e todos os profissionais que precisam saber organizar seu pensamento ¢ expor seus ar- gumentos de forma convincente. ‘Todos os professores, independentemente das suas areas, poderdo beneficiar-se com a leitura deste texto. Os profes- sores perceberao que o ensino critico da sua propria disci- plina é ndo s6 mais atraente para os seus estudantes, como mais proximo do que realmente acontecera no dia a dia dos futuros profissionais. Eles vo ter de tomar decisdes, construir hipoteses, apresentar argumentos - e nao aplicar acriticamente as “receitas” dos manuais para fazer testes € exames. Em vez de se convidar 0 aluno a decorar uma de- finigo que mal compreende, ensino critico da disciplina convida-o a perceber por que razo as coisas so como sao ea saber aplicar os seus conhecimentos. xu PreFico A Pravea Exiga uso de quadrinhos merece uma explicacdo. Os quadri- nhos foram desenhados cuidadosamente para reforcar e re- lacionar ideias de forma nao verbal, e para mostrar que a argumentacdo pode ser bem-humorada. Coincidentemente, depois que este livro ja estava pronto, um artigo na revista Pesquisa da FAPESP (n® 161, julho de 2009) avalia o quanto 0 quadrinhos podem ser amigos dos livros. Oestudo do pensamento critico é uma étima introdugao a0 estudo da logica, e pode servir como uma primeira apro. ximacdo a filosofia. © tipo de argumento que se estuda em filosofia é um desenvolvimento dos argumentos mais sim- ples estudados nesta obra. © dominio destes argumentos nao garante o dominio dos argumentos mais complexos da filosofia, mas é claramente uma vantagem: depois de se do- minar o mais simples é mais facil conseguir dominar o mais, complexo. Cada capitulo traz uma seco de “Estudo com- plementar” (cujo escopo vai se ampliando paulatinamente no decorrer do livro) com sugestdes de leitura e uma breve indicago de como certas questes que tocamos aqui po- dem ser melhor estudadas, algumas referindo-se a temas profundos da filosofia e dos fundamentos da ciéncia, Mais ainda, 0 estudo do pensamento critico serve como ajuda inestimavel para a redagdo, tao valorizada nos gran- des vestibulares € nos concursos importantes. Muitas ve- zes a clareza argumentativa tem igual ou maior valor que o Proprio estilo. Os exemplos ¢ textos esto escritos em lin- guagem clara, simples, sem nenhum pré-requisito, de modo que 0 estudante secundario preocupado com a redacao para © vestibular e 0 candidato a concursos possam tirar daqui grande proveito. PENSAMENTO CRITICO - 0 PODER DA LOGICA & UA ARGUMENTAGAO, ‘Ao estudar a argumentacao, analisaremos formas erradas de persuasio, formas que queremos evitar porque usam as emocées de maneita ilegitima ou porque se baseiam no enga- no. E-claro que podemos usar este conhecimento para sermos maus advogados, maus politicos, maus jomalistas, maus fil6- sofos ou maus argumentadores ~ do mesmo modo que pode ‘mos usar a fisica para matar inocentes com bombas atémicas, ua publicidade para convencer as pessoas a comprar produ- tos inadequados ou a votar em politicos pelas piores raz6es. Podemos fazer tudo isso. Mas, por outro lado, compreen- der as bases da argumentacéo correta e do pensamento Jimpido nos possibilita aproximar da verdade e da justica, € compreendemos que 56 quem é realmente incapaz de argu- mentar bem pode acreditar que maus argumentos produzi- riam bons resultados. Esperamos que este projeto seja ttil ao leitor brasileiro € que possa contribuir para que argumentemos melhor. Uma caracteristica fundamental deste livro é a analise dos argu- mentos nao somente entre validos € invalidos, mas classifi- cando aqueles que nao sao validos numa escala que vai de “forte” a “fraco.” © que apresentamos aqui é uma verdadel- ra nova teoria da argumentagao, com bases solidas na logica contemporanea, claramente estruturada e que pode ser uni- versalmente aplicada, Somente os argumentos validos ou for- tes sdo candidatos a bons arguments, € saber produzir ¢ re- conhecer bons argumentos & 0 mago do nosso trabalho. Sé ‘0s bons argumentos oferecem conclusdes verdadeiras. E a di- ferenca entre a verdade ea falsidade ¢ muitas vezes a diferen- ca entre a clareza ea supersticao, entre o preconceito € a jus- tica social, entre ser enganado e tomar decisdes acertadas. (Os Aurores xv Sumario AS BASES FUNDAMENTAIS 1 Pensamento critico? LLL Afirmagoes. 1.2 Argumentos 1.3 Resumo 1.4 Estudo complementar: 442 Oque é que esta em discusso? 2.1 Frases vagas. 2.1.1 Demasiado vago? 2.1.2 Fronteira imprecisa (maus argumentos) 2.1.3 Vagueza e padrdes 2.1.4 Afirmagdes morais 2.1.8 Confundir objetividade com subjetividade (maus argumentos) 2.2 Frases ambiguas. 2.2.1 Qual dos sentidos tem em mente? 2.2.2 Pronomes e aspas. 2.3 Definigoes 2.4 Resumo... 2.5 Estudo complementar &3_ 0 que é um bom argumento?, 3.1 A conexao entre premissas € conclusio 3.2 Testes para determinar se estamos diante de um bom argumento 3.3 Argumentos fortes ou argumentos validos? 3.4 Resumo 3.5 Estudo complementar 4 A reparacao de argumentos 4.1 A necessidade de reparar argumentos. 4.2 0 principio da discussao racional, 4.3 Guia para reparacao de argumentos 44 Imrelevancia (maus argumentos) 4.5 Resumo 4.6 Estudo complementar xv 46 51 53, 55, 87 57 588 62 7 73 73 PENSAMENTO CRITICO - 0 POOER 0A LOGICA E DA ARGUMENTAGAO, 5. Serd que isso é verdade? . “ 75 5.1 A avaliagao de premissas sce 7S 5.2 Critérios para aceitar ou rejeitar afirmacoes. 76 5.2.1 A afirmacao contradiz.a nossa experiéncia pessoal: rejeite-a 76 5.2.2 Aafirmagdo contradiz outras afirmacées que sabemos serem verdadeiras: rejeite-a 81 5.2.3 Aafirmagao contradiz uma das outras premissas: nao a aceite 82 5.24 A afirmacdo ¢ oferecida como uma experiencia pessoal de alguém que conhecemos e em quem confiamos, ¢ essa pessoa é uma autoridade no tema em causa: aceite-a 83 5.25 A afirmacdo ¢ proferida por uma reputada autoridade em quem podemos confiar por ser ‘um especialista da atea em causa e por nao ter qualquer motivo para nos enganar: aceite-a .....83 52.6 A alirmacao fol apresentada numa revista cientifica reputada ou numa obra de consulta fidedigna: aceite-a 85 5.2.7 Aafirmacao surgiu num drgao de comunicagio social habitualmente fidedigno e que nao tem qualquer motivo para nos enganar: aceite-a 0.86 52.8 Aplausibilidade nao é a mesma coisa que a verdade: suspenda o juizo 88 5.2.9 Ea publicidade?, 89 5.2.10Argumentos regressivos: nao acredite que as premissas de um argumento sao verdadeiras 86 porque a sua conclusdo é verdadeira. 90 5.2.11 Sintese: Critérios para aceitacao e rejeicaio de premissas. so 1 5.3 O autor nao conta (maus argumentos) 91 5.3.1 Confundir a pessoa com o argumento 91 5.3.2 Confundir a pessoa com a afirmacdo..... 93 5.3.3 Falsa refutagaio 95, 5.4 Resumo, ve snes 96 5.5 Estudo complementar _ 97 © AESTRUTURA DOS ARGUMENTOS onesies 99 6 Afirmagées compostas sens lol xv 6.1 Afirmagdes compostas 6.2 A contradit6ria de uma afirmagao 6.3 Considere as alternativas 63.1 Argumentar com disjuncoes. 6.3.2 Falsos dilemas (maus argumentos) 6.4 Condicionais 6.4.1 Formas validas e invalidas 64.2 "S6 se" € “a menos que” 6.4.3 Condigdes necessérias e suficientes 64.4 O raciocinio em cadeia e a derrapagem, 65 Resumo 6.6 Estudo complementar. © 7 Argumentos complexos 7.1 Levantar objesies.. 7.2 A refutagao de argumentos, 7.2.1 Refutacao direta 7.2.2 Refutagao indireta 7.2.5 Tentativas de refutacao que so maus argumentes. 7.3 Argumentos encaixados. 7.4 Premissas conectadas e desconectadas... 7.5 Anélise de argumentos complexos, 7.6 Resumo . Z Estudo complementar... D 8 Generalidades 8.1 "Todos" e “alguns” = 8.2 Contraditorias de universais e de existenciais, BB SOP rn : 84 Algumas formas validas e invalidas 85 Entre um e todos... 8.5.1 Generalidades exatas 8.5.2 Generalidades vagas 8.6 Resumo. 8,7 Estudo complementar COMO EVITAR OS MAUS ARGUMENTOS,, > 9 Alirmagoes ocultas 9.1 Onde esta o argumento? 9.2 Perguntas traigoeiras. 9.3 Que foi que vocé disse? xu Susino 101 105 108, 108 ur 113 13 lig 122 125, 129 130 138 135 138 138 139 141 144 149, 151 161 162 163 163, 167 168 169 179, 179 180 182 183, 185 187 187 188 189) PENSAMENTO CRITICO —0 PODER DA LOGICA E DA ARGUMENTAGAD 9.3.1 Eufemismos e disfemismos. 9.3.2. Minimizacao € maximizagao 9.3.3 Insinuacdes. 9.34 A ocullacdo € os bons argumentos um poco de retorice.. 94 Resumo 9.5 Estudo complementar © 10 Emogio, Demasiada emogao 10.1 Apelo & misericérdia 10.2 Apelo ao medo 10.3 Apelo ao despeito, 104 Afetividade 10.8 Sera um mau argument? 10.6 RESUMO nnn 10.7 Estudo complementar !1 Falacias, um breve sumario de maus argumentos. 11.1 Falécias 112 Falacias estruturais. 11.3 Faldcias de contetido. 114 Violar as regras da discussao racional 11.8 Serd que isto € mesmo uma falacia? 11.6 Qual é 0 problema? 11.7 Resumo 11.8 Estudo camplementar. —— "ARGUMENTOS COM BASE NA EXPERIENCIA. 12 Argumentos por analogia 12.1 O que séo argumentos por analogia?. 122 Um exemplo 12.3 A avaliacao de analogias 124 Resumo : 12.6 Estudo complementar. * "13.1 Proposigdes enganosas com niimeros. 13.1.1 Magas e melancias, 13.1.2 Comparado a qué? 13.2 Falsa preciso. 13.3 Como eles sabiam aquele niimero? 13.4 Média, mediana, moda. 13.5 Como enganar com gra 08. xvi {$13 Como enganar e se deixar enganar com niimeros. 189, 190 194 196 197 198 199 200 201 203, 204 206 207 208 209 209 212 213 214 215 217 218, 219 221 223, 223 225 229 232 232 235 236 236 237 238 239 241 243 13.6 0 problema dos falsos positivos. 13.7 Resumo 13.8 Estudo complementar: © 14 Generalizando a partir da experiéncia 14.1 Generalizacao. 14.2 Quando uma generalizagao € boa?. 14.2.1 Como voce pode errar 14.2.2 Amostras representativas. 14.2.3 Tamanho da amostra 14.2.4 A mostra foi bem estudada?, 14.2.5 Trés premissas para uma boa generalizacao. 14.2.6 A margem de erro € 05 intervalos de confianca. 14.2.7 Variagéo na populacao. 14.28 Risco 14.2.9 Analogias e generalizacoes. 14,3 Resumo Settee complementar 15 Calm e Efeito, 15.1 O que éa causa? 15.1.1 Causas e efeitos 15.1.2 As condigdes normais 15.1.3 Causas particulares, generalizagoes € causas gerais. 15.1.4 A causa precede o efeito 15.1.5 A causa faz a diferenca 15.1.6 Ignorando uma causa comum 18.1.7 Remontando a causa anterior. 15.1.8 Critérios de causa e efeito 15.1.9 Dois enganos avaliando causa e.efeito 15.2 Exemplos 15.3 Como procurar a causa 15.4 Causa ¢ efeito em populagdes 15.4.1 Experimentos controlados: da causa para o efeito 15.4.2 Experimentos nao controlados: da causa para 0 efeito 15.4.3 Experimentos ndo controlados: do efeito para a causa.. XK OR Sunsine 245 247 247 249 249) 253 253 254 259 261 261 262 264 264 265 266 266 269 269 269 271 272 273, 273 274 274 275 276 278 287 289 290 291 292 PENSAMENTO CRiTIGO - 0 PODEA DA LOGICA E DA ARGUMENTAGAD 15.5 Condicionais contrafactuais. 15,6 Resumo 15.7 Estudo complementar @ 16 Argumentacao e tomada de decisoes. 16.1 Exemplos em definicées e métodos 162 Mostrando que uma assercao universal é falsa... 16.3 Mostrando que um argumento nao é valido. 16.4 Tomada de decisées 16.5 Resumo 16.6 Estudo compiementar. J TT tintpouco mais de logica: as tabelas de verdade 17.1 Simbolos e tabelas-verdade. 172 0 valor-verdade de uma afirmacao composta 17.3 Representando assercoes : 17.4 Verificando a validade. 17.8 Resumo : 17.6 Estudo complementar. 218 Um guia das falacias famosas. 18,1 Falacias estruturais. 18.2 Falacias de conteuido. 183 Violagbes das regras da discussdo racional. 18.4 Falacias quase logicas. 18.8 A lista negra das falécias mais perigosas. 18.6 Resumo 187 Estudo complementar.. 1x 294 298 2.299 301 303 304 305 307 311 312 313 313 318 321 325 330 330 333, 334, 334 335 335 337 367 368 AS BASES FUNDAMENTAIS 1 Pensamento critico? =| A Sumario: 1.1 Afirmacdes 3 12 Argumentos. 7 13 Resumo, 10 a 14 Estudo complementar n 1.4 Afirmagées Nesta obra, estudaremos 0 processo de persuaséio. A Persuasao supde alguém que tenta persuadir e alguém que € objeto ‘da tentativa de persuasdo. A persuasdo pertence a uma das seguintes categorias: + Alguém tenta me persuadir. + Eutento persuadir alguém. * Eu tento persuadir-me a mim mesmo. Chamemos “argumento” a tentativa de persuadir alguém. Desde o tempo de Aristételes que este termo, ou algum de seus equivalentes, tornou-se corrente. No entanto, isto nao correto. Suponha que um ladraio me aborda e me diga “Passe a carteira”. Eu nao obedeco eo Jadréo me aponta uma arma. Eu lhe dou a carteira. O ladrao persuadiu-me. Mas isto nao é um argumento. 0s tipos de tentativas de persuasdo que estudaremos so 0s que tém ou podem ter expressio linguistica. Isto é, tra- la-se de frases sobre as quais podemos pensar. Mas que tipo de frases? Quando dizemos que um argumento é uma tentativa de ersuadir, que coisa é essa exatamente da qual, por hipéte- a PENSAMENTO CRiTICO - 0 FODER DA LOGICA EDA ARGUMENTAGAD se, devemos ficar persuadidos? Sera que devemos ficar per- suadidos a fazer algo? Se estamos tentando persuadir por meio de argumentos, 0 que esté em causa ¢ a questo de saber se algo é verdadeiro. E que coisa é essa? Uma frase, pois sao as frases que so verdadeiras ou falsas. E sé cer- tos tipos de frases: ameacas nao, nem ordens, perguntas ou suiplicas. Para que uma tentativa de persuadir possa classifi- car-se como um argumento, deve exprimir-se numa lingua- gem sem adomos desnecessérios, cujas frases possam ser verdadeiras ou falsas: frases declarativas. Eis algumas frases declarativas: + Este tema é muito interessante. + Ja viveram seres inteligentes em Marte. + Ninguém imagina as dificuldades que ja vivi As frases seguintes nao sao declarativas + Feche a porta! * Quantas vezes tenho de te dizer para limpar os pés antes de entrar em casa? * Quem me dera ser milionariot + Prometo dizer toda a verdade. No entanto, nem todas as frases declarativas so verda- deiras ou falsas: “Os sonhos verdes dormem em paz” é uma frase declarativa, mas nao é verdadeira nem falsa - nao tem sentido. Vamos dar um nome aquelas frases que sdo verda- deiras ou falsas, isto é, que tém um valor de verdade Assergao: Uma assergio é uma frase declarativa que ode ser encarada como verdadeira ou falsa (mas nao ambas as coisas), 1) Pensawesto cxinex? Algumas vezes usa-se “afirmacao" como sinénimo de assergo, ¢ devemos ter claro que a asser¢io ou afirmagao Pode ser negativa. A definicao nao diz que para que uma frase seja uma afirmacao tenhamos de concordar que ela é verdadeira ou que ela é falsa; temos apenas de concordar que tem um valor de verdade, apesar de podermos nao sa- ber qual. Por exemplo, ninguém sabe se a frase “Ha vida in- teligente no universo, além da Terra” é verdadeira ou falsa: mas € facil de ver que esta frase pode ser verdadeira ou fal- Sa. Mas frases como "Os sonhos verdes dormem em paz ou “Prometo que amanha vamos ao cinema” nao podem ser verdadeiras nem falsas ~ a primeira, porque nao tem senti- do, apesar de ser uma frase declarativa; a segunda, porque nao € uma frase declarativa. Um dos passos mais importantes ao tentar compreender ideias novas ou novas maneiras de falar é ver muitos exem- Plos € tentar depois inventar os nossos proprios exemplos. E isso que faremos em seguida. Exemplos As fases seguintes sio afirmacdes ou nao? 1, Socrates era grego. ~ E uma afirmagao. A frase pode ser verdadeira ou falsa 2. Socrates era feio. - Sera uma afirmacao? Provavelmente ndo, uma vez que a palavra “feio” & muito vaga. No ca pitulo 2 levaremos em consideracéio os problemas re- lacionados com a vagueza, 3. Deus ndo existe. - Se leitor discorda, est implicita- mente aceitando 0 exemplo como uma afirmacao. Nao Podemos discordar a nao ser que pensemos que o que se disse tem um valor de verdade. PENSAMENTO GRITICO - 0 POUER OA LOGICA € D4 ARGUMENTAGAD 4, 2 +2 = 4 -Trata-se de uma afirmagcao, apesar de nin- guém se dispor a discordar dela. 5. Gostarfamos de reduzir o desemprego. ~ Nao é uma afir- magao. £ mais uma espécie de prece esperancosa ou um suspiro linguistico, ' No entanto, em alguns contextos, um desejo pode ser uma afirmacdo. Se 0 lider da oposicao estiver censuran- do 0 governo por haver muito desemprego, o ministro podera dizer: “Estamos tentando fazer tudo o que est a0 nosso alcance. Gostariamos de reduzir o desemprego." 0. ministro pode estar mentindo; logo, neste contexto, "Gos- tariamos de reduzir o desemprego” seria uma afirmacao. 6. Como pode alguém ser do esttipido a ponto de pensar que a lgica serve para alguma coisa? - Tal como esta, ndo é uma afirmacdo; é uma pergunta. Mas em alguns contextos podemos reescrevé-la, transformando-a na frase “Para que alguém pense que a logica serve para alguma coisa, tem de ser estiipido”, ou até na frase "A logica nao serve para nada". 0 processo de reescrever € reinterpretar é algo que teremos sempre em conside- 1aco ao longo deste livro. 7. Toti cainii latrd, - Sera isto uma afirmagao? Se 0 leitor nao sabe romeno, 0 melhor é dizer que nao esta pre- parado para aceitar que este exemplo é uma afirmacao, Nao devemos aceitar que uma frase é uma afirmagao se ndo compreendermos o que significa. Mas nao sera este exemplo verdadeiro ou falso inde- pendentemente de 0 leitor saber romeno? Em portugués significa: “Os ces latem”. Nao sera que devemos tomar algo além da frase, um pensamento ou ideia que a fra- se exprime, como aquilo que é verdadeiro ou falso? 6 a 1 Pensauenro enco? Se quisermos, podemos fazé-lo, Mas mesmo assim te- temos de ver se um determinado uso de uma frase - talvez para poder exprimir uma ideia ou um pensa- mento ~ sera adequado para que possamos usé-la em argumentos. Se for, chamaremos a esse uso de “afir- macao” ou, como as vezes se diz, "“assercao" 8. Todos os filbsofos softem de mixedema, ~ Se voc® nao sabe 0 que as palavras querem dizer, ndo deve aceitar que este exemplo é uma afitmacao, Mas isso nao signi- fica que vocé deva limitar-se a afastar qualquer tentat va de persuastio que use expressdes que nao compre- ende: consulte um dicionario, 9. “Um novo deus é sé uma palavra.” ~ Isto nao é uma afir- mao. Trata-se de um verso do poema Natal, de Fer- nando Pessoa. Citacdes de pecas de teatro, poemas ou romances nao foram concebidos para sere tomados como assercoes. Ninguém esta a espera que alguém acredite que a frase é verdadeira ou falsa 10. Prometo que amanhd vamos ao teatro, ~ Isto nao € uma afirmacao. As promessas nao sao afirmacées. Esta fra- $e ndo pode ser falsa, nem verdadeira. E claro que a propria promessa pode ser cumprida ou nao, ou que a Pessoa ao pronuncid-la pode estar mentindo e nao te- nha de fato a intencao de prometer o que diz; mas isso € outra coisa 1.2 Argumentos Estamos tentando definir “argumento”, Dissemos que um argumento é uma tentativa de persuadir alguém, usan- 7 PENSAMENTO cRiTICO - 0 PODER 0A LEGICA E DA ARGUMENTAGAD do uma linguagem, de que uma afirmagao é verdadeira. As~ sim, as tnicas partes da linguagem que devemos permitir num argumento sao as que sio verdadeiras ou falsas: as afirmagoes. “Argumento: Um argumento é uma colecao de afirmagées, uma das quais se chama “conclusio” e cuja verdade procura-se estabelecer; as outras afirmacoes chamam-se "premissas’, ¢ estas afitmag6es pretendem conduzir & conclusao (ou apoid-la, ou persuadir-nos da sua verdade) © objetivo de um argumento é persuadir-nos da ver- dade de uma afirmagao ~ a conclusao. A conclusdo cha- ma-se as vezes “o objetivo do argumento” ou a questao em discussao, ‘Pensamento critico é 0 que nos habilita a determinar se nos devemos deixar persuadir que uma afirmagao € verdadeira ou que estamos perante um bom argumento; 60 que nos capacita também em saber formular bons 41. Peveauento oniren? Exemplos 0s exemplos seguintes sao argumentos ou nao? 1. Enfermeira: “Doutor! Doutor! Seu paciente do quarto 47 esté morrendo!” Médico: “Quando o observei ndo estava morrendo.” Enfermeita: “Ele esté tendo uma parada car- diaca.” ~ A enfermeita apresenta um argumento. Esta tentando persuadir 0 médico de que a afirmacao“O pa- ciente do quarto 47 esta morrendo" é verdadeira. A en- fermeira apresenta a premissa seguinte: "O paciente esta tendo uma parada cardiaca’. O argumento parece bastante persuasivo. y Estou dizendo que ndo tenho culpa. Como € que eu posso ser culpado? O carro daquela senhora bateu-me por trés € amassou 0 meu carro todo. Quem bate por trés tem a culpa, - Estamos perante um argumento; seu autor esta tentando persuadir-nos da verdade da seguinte afirma- 40: "Nao sou 0 culpado do acidente” (reformulando um pouco a afirmacdo). Ele usa duas premissas: “O car- ro da senhora bateu-me por tras” e “Quando nos batem Por tras nunca temos culpa’ ~ A justica 6 a lei do mais forte. Como pode ser diferente? E evidente. Quem determina 0 que é a justiga é quem de- tém 0 poder. ~ Trata-se de um argumento. A conclusao é: “A justica é a lei do mais forte”; a premissa é “Quem determina 0 que é a justiga € quem detém o poder’. O resto é apenas ruido: observacées itrelevantes para 0 argumento > (Ou me passa a bolsa, ou leva um tiro! ~ Nao 6 um argu- mento. E apenas uma ordem e uma ameaga. E seu au- tor ndo esta tentando nos persuadir da verdade de uma afirmacao. PENSAMENTO CRITICO - 0 PODER DA LOGICA € DA ARGUMENTAGAD 5. Aconselha-se 0 paciente a comunicar ao médico ou far- macéutico qualquer efeito indesejével que surja durante a administragdo deste medicamento. Este medicamento deve ser conservado é temperatura ambiente controlada Nao se trata de um argumento. Instrugées, explica~ oes e descrigoes, apesar de poderem usar frases de- Clarativas, ndo so argumentos; o objetivo nao é per- suadir-nos de que uma dada afirmacdo é verdadeira, | POR GUE RAZRO vocE NUNCA ME TELEFONA? QUE ACONTECE? IVA NAO GOSTA MAIS DE MIM? QE MAL LUE FIZ? em 6. Por que razio vocé nunca me telefona? Que acontece? Jd ndo gosta mais de mim? Que mal Ihe fiz? - © autor destas perguntas est tentando nos persuadir; mas nao estd tentando persuadir-nos da verdade de uma afir- macao. Logo, nao ha argumento algum, Talvez pudés- semos interpretar 0 que se esté dizendo do seguinte modo: ha uma conclusdo que nao foi expressa ("Voc® deveria se sentir culpado por nao me telefonar.”) ¢ duas premissas, disfarcadas de perguntas ("Quando alguém nao telefona a uma pessoa é porque nao gosta dela” € “Se ndo gostamos de uma pessoa, é porque ela nos prejudicow”), Mas esta interpretagao é que seria um ar- gumento e ndo 0 original. E teriamos de ter em conta a questao de saber se a interpretacao é fiel relativamen- te ao que 0 autor das perguntas tinha em mente. 0 1. Pewsaasera canes? 1.3 Resumo Afirmamos que neste livro estudaremos as tentativas de Persuadir. Mas isso ¢ demasiado abrangente para um livro. Por isso, resolvemos nos restringir aos casos que um argu- mento significa persuadir alguém por meio da linguagem. Mas mesmo isto é ainda muito abrangente, Assim, resolve- Mos que um argumento implica persuadir alguém de que uma afirmagao é verdadeira, E definimos uma assergéo ou @firmagdo como uma frase que pode ser verdadeira ou fal- Sa. Resolvemos entdo que os argumentos sao tentativas de Persuadir que s6 usam afirmacées, ‘Agora Comecaremos a vollar nossa atengaio para méto- dos de argumentagao, e passaremos a fazer distingdes cada vez mais finas. Paulatinamente, o leitor agucara sua capa- Cidade argumentativa, alcancaré uma melhor compreen- S80 ¢ poderd evitar ser enganado. E podemos ter a espe tanga de que apresentara bons argumentos as pessoas com quem convive e com quem trabalha e que precisa persuadir; © sera capaz de tomar melhores decisdes. Mas a questao de Saber se 0 fard realmente ou nao, nao depende unicamente do método, néo depende unicamente dos instrumentos ar- ' gumentativos, mas dos seus objetivos, dos seus propésitos. Eisso, é claro, € uma outra questao. 4.4 Estudo complementar 14 muito mais a aprender sobre a natureza das afirma- Ges, da verdade, da falsidade e da relagao da linguagem Com a nossa experiéncia. Abordaremos alguns desses te- " pe PENSAMENTO CRITICO - 0 PODER 0A LOGICA E OA ARGUMENTAGAD mas no proximo capitulo. Um bom livro de introdugao a fi- losofia poderd ser 0 passo seguinte. Na retorica estudam-se tentativas de persuadir que usam a linguagem, mas ndo so necessariamente argumentos, tais como fabulas e exemplos. No marketing e na publicida~ de estudam-se formas verbais € nao verbais de persuasao que nao constituem argumentos. A persuaséo por meio da linguagem corporal, por exemplo, constitui o coragao da arte dramatica, mas ndo se trata nesse caso de argumentos. 12 2 Oaue E£ aue esta EM DIscussAO? ‘sumario: 2.1 Frases vagas. 1B 22 Frases ambiguas. 23 2.3 Definicoes, 7 24 Resumo. 32 2.5 Estudo complementar. od No capitulo 1 aprendemos que os argumentos sdo ten- tativas de persuadir usando afirmagées. Por isso, temos de distinguir diferentes tipos de afirmagées ¢ estar atentos as frases que parecem afirmacées, mas que nao o sao. £0 que iremos aprender neste capitulo 2.1 Frases vagas 2.1.1 Demasiado vago? Estamos sempre ouvindo e lendo frases vagas * As pessoas hoje sao mais conservadoras do que costuma- vam ser. * A liberdade é o maior bem. + Se ganharmos as eleig6es, faremos melhor. * A tradicao filosofica ocidental esqueceu o Ser. Estas frases parecem plausiveis; no entanto, como pode- mos saber se so verdadeiras? Frase vaga: Uma frase € vaga se 0 que 0 seu autor pretende dizer é impreciso ou indeterminado, 13 PENSAMENTO CRITICO ~ 0 PODER 0A LOGICA E 8 ARGUMENTAGAD Mas nao sera tudo 0 que dizemos um pouco vago? ima- gine que digo 0 seguinte: "0 presidente chegou atrasado a reunido.” Qual reunido? O presidente de qué? 0 que quer di- zer “atrasado"? § minutos depois da hora marcada? 30 se- gundos? Como determinamos o momento que o presidente chegou? Quando entrou na sala? Mas onde comeca a sala, exatamente? Isto € exagerado. Na maior parte dos casos, todos sabem © que a frase anterior quer dizer: todos os termos podem ser esclarecidos (de qual presidente se trata, de qual reunio, quanto atrasado ele esta), e a frase nao é assim tao vaga que nao possamos concordar que tem um valor de verdade Nao se trata de saber se a frase é vaga, mas de saber se é ex- cessivamente vaga, dado 0 contexto, para que possamos dizer que tem um valor de verdade. 2.1.2 Fronteira imprecisa (maus argumentos) 36 VEZES NRO SE PODE VER ONDE COMEGA A LUZ E TERHINA A ESCURIDIO, Mag 0 FATO DE No PODERMGD TeACAR UNA LINWA DE DEMARCAOIO NAO SIGNIFICA GUE NAO HUA DIFERENCA ENTRE 08 EXTREME. Precisamos, todos os dias, nos apoiar em conceitos que S80 algo vagos. As vezes, as pessoas ficam confundidas (oy 4 Sr 2 Ove ave est ns oscussio? tentam confundir outras pessoas} e exigem mais precisao do que o razoavel Se um policial bater uma vez num suspeito que se recusa @ cooperar, isso nao é um uso desnecessario da forca. Nem se Ihe bater duas vezes, caso o suspeilo continue a resist. Talvez até possa bater-Ihe trés vezes. Se o suspeito continuar a resis: tir, sera que o policial tem o direito de Ihe bater outra vez? Se- ria perigoso nao o permitit. Logo, nao se pode dizer exatamen- te quantas vezes pode um policial bater num suspeito sem que tenhamos de considerar que se trata de um uso desnecessério da fora: Logo, o policial nao usou forca desnecesséria Este argumento convenceu 0 jtiti no primeiro julgamen- to dos policiais que espancaram Rodney King num caso co- nhecido. Mas é um mau argumento. Podemos no ser capa- zes de tracar uma linha precisa que discrimine sempre entre ©.uso necessario € o uso desnecessario da forca, mas pode- mos distinguir os casos extremos. Devemos sempre suspeitar de qualquer argumento que se apoie na seguinte premissa: Se a diferenca ¢ imprecisa, nao ha diferenca, Este tipo de argumento chama-se “falacia da fronteira jimprecisa" Numa sala muito grande, iluminada por uma Unica vela num canto, nao ha lugar algum que possamos dizer que marca a fronteira entre a luz € a escuridao. Mas isso nao significa que nao haja diferenca entre a luz ¢ a escuridao. O fato de nao podermos tracar uma fronteira nao significa que ‘nao haja uma diferenca dbvia entre os dois extremos, Dizer que, porque néo podemos tracar uma fronteira en- tre duas coisas, nao ha diferenga entre elas € um mau argu- mento, uma mé forma de persuasao. 15 PENSAMENTO CRITICO - 0 PODER DA LOGICA & DA ARGUMENTAGAD, 2.1.3 Vagueza e padrées As vezes, 0 problema com uma frase que parece vaga € que ndo sabemos que padrdes estéo sendo usados. Supo- nha que Ihe digo 0 seguinte: "Hoje em dia, os carros novos so muito caros". Eu posso ter em mente padres claros do que significa “muito caro”; talvez signifique que o prego mé- dio de um carro novo, hoje em dia, é superior a 50% do sa- lario médio anual Ou talvez eu queira apenas dizer que os carros novos sao demasiado caros para que eu possa compré-los sem fazer muitos sacrificios. Isto é, eu tenho padrdes em mente, mas os padrdes sdo pessoais, nao sao necessariamente padroes que toda a gente partilhe. Meus padrées referem-se ao que penso, ou as minhas crengas ou aos meus sentimentes. Ou talvez eu nao tenha quaisquer padrées. Talvez nun: ca tenha pensado muito sobre o que significa dizer que um carto é demasiado caro, E conveniente dispor de termos para estas diferentes possibilidades. “Afirmacdo objetiva: Uma afirmagaio & objetiva se a sua verdade for independente do que a pessoa que a profere pensa, acredita ou sente. Afirmacdo subjetiva: Uma afitmagao é subjetiva se nao Assim, eu posso ter padrdes objetivos, ou subjetivos; ou posso nao ter quaisquer padrdes. Até sabermos o que al- guém queria dizer, nao devemos aceitar que 0 que essa pes- soa disse é uma afirmacao. 16 ne 2 Cow eave esth.an oscussio? ‘EaTA REALMENTE MITO FIO HOLE, Dizer “Esté frio” é objetivo ou subjetivo? Se o que eu qui- ser dizer for "Sinto frio", € subjetivo e é uma afirmacao. Mas Se eu quiser exprimir algo objetivo, isto é, se quiser dizer que esta ftio independentemente de mim ou de qualquer ‘outra pessoa sentir frio, entdo se trata de algo demasiado vago para que possamos considerar que tem um valor de verdade. Uma frase demasiado vaga para poder ser uma afirmaciio objetiva pode ser perfeitamente admissivel como uma afirmacao subjetiva, se for isso que o locutor tiver em mente. Afinal, ndo temos maneiras muito precisas de des- crever nossas sensa¢des ¢ sentimentos. A questo da objetividade ou subjetividade de uma afir- macao nao depende de ela ser verdadeira ou falsa, nem de haver alguém que sabe que ela é verdadeira ou falsa. “2 + 2 = 5" é uma afirmacao objetiva; "Ha um namero impar de estrelas no universo” nao é subjetiva, apesar de ndo haver Maneira de sabermos se é verdadeira. Uma afirmacao sub- jetiva pode ser falsa, como quando nossos colegas dizem as vezes “Ontem me senti mal e por isso nao vim trabalhar”, Eis uma maneira de testar uma afirmacao para saber se éla é subjetiva ou nao: acrescente-Ihe a expresso “penso que”, “acredito que”, “sinto que” ou outras marcas de sub- Jetividade como estas. Se a afirmagao resultante for equiva- 7 ——— PENSAMENTO CRITICO - 0 PODEA DA LOGICA € OA ARGUMENTAGAO, lentea afirmago de partida, é porquea afirmacao de partida era subjetiva. Se nao, a afirmacao de partida era objetiva. Tomemos a afirmacao “Esta frio”. Esta afirmacao é subje- 4 frio". Mas tiva porque é equivalente a dizer “Penso que afirmar “A Terra esta no centro do universo” é muito dife- rente de afirmar “Penso que a Terra est no centro do uni- verso”. A primeira afirmagao € falsa; mas a segunda pode ser verdadeira. De fato, era verdadeira para muitas pessoas na Idade Média, Podemos imaginar um teste, que nem sem- pre funciona, mas que da resultado em diversas situacOes: toda vez que uma afirmagao “A” for equivalente a “Penso que A” (isto é, "A" e “Penso que A" tém mesmo valor de ver- dade), estamos perante uma afirmagao subjetiva; a afirma- go sera objetiva se “A” e “Penso que A” puderem ter valo- res de verdade distintos. Sempre que, neste teste, a afirmacao inicial puder diferir em valor de verdade da afiemagao final, es tamos perante uma afirmagio objetiva Pode parecer que é mais dificil saber se uma afirmacao subjetiva é verdadeira do que uma objetiva, Afinal, no caso das afirmaées subjetivas, temos de saber o que uma pes- soa pensa ou sente. Mas quando a temperatura esta abaixo de zero e alguém me diz, tremendo, “Esta frio", e eu sinto 0 seu corpo frio, tenho quase certeza de que essa pessoa tem frio. Por outro lado, ninguém tem a minima ideia se 2° -3 um néimero primo ou nao. 2.1.4 Afirmagées morais Suponha que vocé me diz que 0 aborto é um mal. Se eu comegar a discutir este tema com voce, é porque acho que a sua afirmacdo ¢ objetiva: tem um valor de verdade, inde- 18 € 046 ESTA ew oxscussto? pendentemente do que qualquer de nds pensa. Por outro lado, eu poderia Ihe dizer o seguinte: “Talvez 0 aborto seja um mal para vocé, mas para mim ndo representa nenhum problema". Neste caso, tomei a sua afirmagao como subje- tiva, Nao faz sentido discutir uma afirmagao subjetiva sobre as nossas proprias perspectivas. Se sua afirmagao "0 abor: to é um mal” quer apenas dizer "O aborto é um mal para mim", ndo ha lugar para argumentagao, embora possa ha- ver bastante espaco para discusséio. Eu nao estaria discor- dando desta afirmacao, pois poderia afirmar sem contradi- 40 objetiva que o aborto nao é um mal para mim. Mas se eu considerar que a sua afirmacao € objetiva, te mos um problema: que quer dizer “é um mal"? Que vai con- tra os mandamentos biblicos? Que vai contra 0 que o Papa diz? Que vai contra o Alcordo? Que contraria principios mo ais que nao esto codificados, mas que todos conhecem bem? Ou qualquer outra coisa? Nao é facil classificar ou discutir frases que aparentemen- te afirmam uma posicao moral. Para tomar como objetiva uma afirmacdio moral temos de ser razoavelmente precisos, caso queiramos tentar resolver discordéncias aparentes. Parte do trabalho da ética filosofica consiste em clarificar 0 que querem dizer termos como "bem" € “mal”, em discutir com precisdio questdes como o aborto ou a eutandsia As vezes, quando desafiamos as pessoas no sentido de tornarem as coisas mais claras, elas dizem 0 seguinte: "O que quero dizer € que, para mim, é um mal (ou um bern)” Entao, quando as pressionamos, verificamos que nao ficam muito satisfeitas pelo fato de discordarmos delas. Isto sig- nifica que estdo tentando defender seu direito de pensar 0 Que pensam; 0 que querem realmente dizer € 0 seguinte: 19 pr PENSAMENTO GRITICO -_0 PODER DA LOGICA € OR ARGUMENTAGAD “Tenho o direito de pensar que o aborto é um mal (ou um bem)”. Claro que tém esse direito. Mas sera que tém razdes para pensar isso? £ raro que as pessoas pretendam que as. suas crencas morais sejam subjetivas. “Tenho o direito de acreditar nisso” ndo é 0 mesmo que “Te- iho razdes objetivas para acreditar nisso’ Muitas vezes, quando as pessoas dizem “Isso é 0 que vocé pensa", querem dizer “Vocé ndo tem nenhuma boa ra- zo para pensar isso, nao &?” Nesse caso, as pessoas esto simplesmente nos desafiando a apresentar raz6es. Exemplos Serio os seguntes exemplos demasiado vagos para serem tomados como afirmagées? Que padres se tm em vista? 1. Os homens sao mais fortes do que as mulheres. - Nao se dé ao trabalho de discutir esta afirmagao antes de clari- ficd-la, mesmo que pareca bastante plausivel. O que se quer dizer com esta afirmaco? Mais fortes em relaco a0 peso do seu corpo? Mais fortes no sentido em que, em média, os homens podem levantar maiores pesos do que as mulheres? Mais fortes emocionalmente? A frase ¢ demasiado vaga para ser uma afirmacao. x Em geral, parece que as pessoas sdo mais conservadoras hoje do que hd 30 anos, - Somos levados a discordar de frases como esta ou a tomar decisdes baseadas neste tipo de frases. Mas isso é um erro, © exemplo é dema- siado vago para ter um valor de verdade. Que quer di- zer “as pessoas"? Todo mundo? Que quer dizer "con- servadoras"? Isto é muito vago. Sera Caetano Veloso um conservador? E Raul Seixas? E o Papa atual? 3. Devemos lavar sempre as mdos antes de comer. ~ Frases com palavras como “dever” pressupdem alguns padres, 20 t ee ae ee nn een een Ee nSEO RES ESESSESEOSESESSES 2 Cour € ove cart eu osouenic? tal como acontece com as afirmacdes morais. Mas mui- tas vezes esses padrées sao relativamente claros, Se nos perguntarem por que razdo devemos lavar sempre as maos antes de comer (isto , se nos pedirem para apresentarmos um argumento que sustente a nossa afir- macao), as premissas que avancaremos tornarao claros 08 padrdes higiénicos que estamos invocando. Por isso, podemos encarar a frase como uma afirmacao, 4, Seu som estd demasiado alto; ou vocé baixa 0 volume, ou chamo a policia, -Sem diivida que “demasiado alto" é um tanto vago, e é também subjetivo, Mas desempe- nha bem o seu papel, neste caso. Compreende-se o que se quer dizer, e pode-se mesmo determinar se o som estd demasiado alto comparando-o com a capacidade fisiologica humana de suportar ruidos. Mas nao se tra- ta de uma afirmacao: é uma ameaca. eu (Publicidade) Dores nas costas? Sé Reumatix é recomen- dado por médicos. - Quem podera dizer se isto é ou nao verdade? Refere-se a que médicos? £ recomendado para qué? Como se determinou que médicos o reco- mendem? Por meio de uma sondagem imparcial? Ou li mitou-se a perguntar aos médicos que trabalham para © laboratério em causa? Isto ndo é uma afirmacao. 6. Capricémio: Este é 0 momento para dar seguimento aos ‘seus planos relatives a viagens e a cursos. Este é um pe- riodo vibrante, com muitas amizades e projetos. Atraves- Sard uma fase em que progressivamente passaré por mu- dangas inesperadas. - Jé reparou como os hordscopos so vagos? Isto nao acontece por acaso. Como poder: amos saber que este hordscopo estaria dizendo a ver- dade? Nao ha aqui quaisquer afirmagoes. 2 me PENSAMENTO CRITICO - 0 PODER DA LOGICA E OA ARGUMENTAGAO 7. Navios de guerra gregos e turcos estiveram hoje num Jrente a frente no Mar Egeu, agravando a disputa so- bre uma pequena ilha estéril localizado a cinco quiléme- tros da costa turca, Tanto a Grécia como a Turguia rei- vindicam a soberania sobre o ilhéu desabitado, que se chama “Imia” em grego e “Kardak" em turco. - © que ! significa dizer que os navios estiveram num “frente a! frente”? A primeira frase nao é uma afirmagao, embora a segunda frase seja uma afirmagao. 2 Joao pesa 85 quilos, - Esta é uma afirmacdo, e € objetiva, ‘Nao depende do que eu ou outra pessoa qualquer pense. 9. O Joao tem peso a mais. - Se um médico dizer isto, é provavel que tenha em mente um padrao qualquer ob- jetivo do que é ter peso excessivo. Mas se eu, que nao sou médico, disser isto é provavel que nao seja uma afirmagao objetiva 10. 0 Joao € gordo. - “Gordo” nao é um termo preciso. um termo popular, sem padroes objetivos. A afirmacag é subjetiva, E € subjetiva mesmo que 0 Jodo seja tao gordo que todos concordem que ele seja gordo. 2.1.5 Confundir objetividade com subjetividade (maus argumentos) E facil confundir os padrdes. Repare-se na seguinte tro, ca de palavras: Joao: A teoria da evolugdo é uma farsa. Clara: Por que razéo vocé diz isso? Muitos especialistas dizem que é uma das melhores teorias cientificas jg Propostas. Jodo: — Gostos nao se discutem, ee rh a scussto? © Joao esta tratando uma afirmagao objetiva, “A teoria da evolucao é uma farsa’, como se fosse subjetiva. Mas se fosse realmente subjetiva, nao faria sentido estar argumen- tando a esse respeito com a Clara, tal como nio faz sentido atgumentar se ela tem frio ou nao. Note que isso nao signi- fica que nao se possa discutir - pode-se discutir a respeito de qualquer coisa. Muitas vezes é razoavel questionar se uma afirmago é Tealmente objetiva, Mas as vezes trata-se apenas de uma Confuusao. Frequentemente, as pessoas insistem na subjeti- vidade de uma afirmagao - "Gostos nao se discutem’-quan- do nao estado, na verdade, dispostas a examinar as suas crencas nem a entrar em didlogo. Tratar uma afirmacao subjetiva como se fosse objetiva Pode também ser um erro. Considere-se a seguinte troca de Palavras: Jodo: _ Essa salada é horrivel. Clara: O qué? Esta salada ¢ étimat Jo80: Voc® esta maluca, A salada tem um sabor estranho. © que esto Jodo e Clara discutindo? Ela gosta da salada € cle nao. Nao se trata de um argumento, 2.2 Frases ambiguas 2.2.1 Qual dos sentidos tem em mente? Muitas vezes, 0 problema nao € nao haver uma forma Clara de compreender uma frase, mas haver mais de uma forma clara de compreendé-la, sem que tenhamos a certe- 2a de qual dos sentidos se tem em mente. ae PENSAMENTO CRITICO - 0 PODER OA LOGIDA E DA AAGUMENTAGAD Uma frase ¢ ambigua se ha pelo menos maneiras claras de compreendé-la, Frase ambigua: a Nao podemos tratar uma frase ambigua como uma afir- Mago até chegarmos a um acordo sobre qual das leituras temos em mente. Podemos tolerar alguma vagueza; mas nunca devemos tolerar ambiguidade na argumentacao. Por exemplo, suponha que eu digo o seguinte: Deveria ter um banco neste jardim. Oleitor discorda, pensando que uma instituicao finance. ra num jardim é um disparate ecolégico, Mas entao eu Ihe | igo o seguinte: "Seria timo um banco neste local, para ag essoas poderem sentar e admirar a paisagem’. Neste caso, € provavel que nao estariamos discordando um do outro, Podemos substituir a frase em questo por outra que elim. ne a ambiguidade: "Devia ter um banco neste jardim para as Pessoas poderem se sentar’, AAs vezes nao é assim to facil percebermos que a amb} Suidade esta contaminando um argumento: Dizer que ter uma arma em casa é estar 8 espera de um acidente € como dizer que as pessoas que fazem segutos de vida esto a espera de morrer. Devemos ter 0 ditelto de nog proteger. O autor deste argumento esta jogando com dois modos, de compreender 0 termo “protecao": protecao em termog de seguranca fisica protegao financeira. Aceltar conclyy_ ses que ndo sao razoaveis é mais facil do que pode pare cer quando uma frase ambigua ¢ usada como premissa e conclusdo corresponde as nossas opinides ou preconceitos 2a ~ ee LS 2 Que ove ssrA ew oscussto? 2.2.2 Pronomes e aspas Suponha que Ihe digo o seguinte: Tenho menos de 1,80 m de altura. Proferi uma afirmaciio verdadeira, Contudo, se 0 leitor proferir a mesma frase, ela pode ser falsa. E uma afirmagao tem de ter apenas um valor de verdade e nao dois. Palavras como “eu”, "tu’, “ele”, “isto”, “aquilo” e outras fazem o valor de verdade da frase depender de quem profere a frase, ou da Pessoa com quem estamos falando, ou daquilo para que es- tamos apontando. Estas palavras, chamadas de indexicais, criam os mesmos problemas que as frases ambiguas. Sem- pre que estas palavras surgem, temos de saber claramente a que se referem. O dispositive que usamos de colocar aspas numa palavra ou numa expressdo é uma maneira de referir-se essa pa- lavra ou expressao. Precisamos de aspas porque pode ha- ver ambiguidade: por exemplo, suponha que eu Ihe digo © seguinte: Maracand tem 8 letras. Eu nao quero dizer que o estadio de futebol tem 8 letras, mas antes que o seu nome tem 8 letras. Por isso, deveria ter indicado isso por meio do uso de aspas: ” letras. Um outro exemplo, se digo: ‘Tenho uma irma que se chama Ana. ‘Maracana" tem 8 @ palavra “Ana’ foi usada para nomear uma das minhas ir- mas. Mas se digo: “ana” é um nome de mulher. € conveniente usar aspas, porque estou me referindo ao nome e ndo a pessoa nomeada; em outras palavra, estou PENSAMENTO CRITICO - 0 PODER DA LOGICA E OA ARGUMENTAGAG mencionando © nome, ¢ nao usando. Uma palavra ou ex- Pressio pode estar sendo usada ou apenas mencionada, e essa distin¢do pode mesmo ocorrer em uma tinica senten ¢a. Por exemplo: A palavra “argumentagao” aparece com frequi vro sobre logica e argumentacao, cia num fi a primeira ocorréncia da palavra “argumentagio” é uma mencao, a segunda é um uso. Usamos igualmente aspas como um equivalente de ex. Presses faciais que, no discurso oral, indicam que nao de- vemos ser tomados literalmente, ou que nao subscrevemos, realmente 0 que estamos dizendo. Pxemplos id alguma ambigudade nas passagens seguintes? 1. A homossexualidade ndo pode ser hereditéria. Como os casais homossexuais ndo podem se reproduzir, os ge. nes da homossexualidade teriam morrido hé muito tem Po. ~ O argumento parece bom, a primeira vista, mag 5° porque esta jogando com a ambiguidade da pre isa “Os casais homossexuais néio podem se repro duzir”. Esta premissa s6 ¢ verdadeira se for entendida como “Os casais homossexuais no podem se repro. duzir como casais”. Mas é falsa no sentido necessa_ Ho Para que o argumento seja bom: "Os homossextiais, que vive como casais, ndo podem, cada um deles, s¢ reproduzir’ 2. Os ces do Jodo comem mais de 5 quilos de carne por se. mana. ~ A frase é verdadeira ou falsa? Depende do que quer dizer. Tanto pode querer dizer que cada cachorrg do Jodo come mais que 5 quilos de carne por semana, 26 a 2 Ocoee ave esté ew oscussio? como que os ces do Joo, em conjunto, comem mais que 5 quilos de carne por semana. A frase € ambigua entre a teferéncia a cada um dos ces ou a todos a0 mesmo tempo. Trata-se do mesmo problema que esta presente no exemplo | 3. Jodo viu a Maria com os binéculos. ~ Esta frase € ambi gua. Tanto pode querer dizer que Joo viu Maria atra- ves dos binéculos, como que quando Joao olhou para a Maria ela estava com os bindculos. > © Jodo trabalha num banco. - Esta frase é ambigua. Ele trabalha numa instituicdo financeira? Num banco de sangue de um hospital? Quando trabalha esta sentado num banco? 2.3 Definicoes J vimos que podemos ter problemas, perder tempo ¢, em geral, irritarmo-nos mutuamente, gragas a mal-entendi- dos. £ sempre razoavel e habitualmente prudente pedir as Pessoas com quem estamos argumentando que sejam su- ficientemente claras para que possamos concordar sobre 0 que esta em discussao. 27 en PENSAMENTO CRITICO - 0 PODER OA LOGICA E DA ARGUMENTAGAO Os métodos gerais para tornar claro © que estamos di- zendo sio os seguintes: 1. Substituir uma frase ambigua por outra que no seja vaga nem ambigua. 2. Usar uma defini¢ao para tornar precisa uma palavra oy expressdo especificas, Pot exemplo: “Cachorro" significa “canino doméstico” “Tucunaré” é um peixe do Amazonas. *_ "Puerir quer dizer infantil ou proprio de criancas, ou trivial Ha muitas maneiras de definirmos algo. Uma das manej.- fas, Como acontece com a definicéo de “cachorro” acima, & @bresentar um sinénimo, uma palavra ou expressao que te ha 0 mesmo significado ¢ que possa substituir a palavra “cachorro” em todas as suas ocorréncias Oulra maneira é apresentar uma descri¢do: um lomhaig cana ©8Pécie de luneta que se segura por um cabo, € que cia especialmente usada pelas senhoras da alta sociedade do século XIX, Ou podemos apresentar uma explicagio, como quan do dizemos que uma resposta evasiva ¢ uma forma de evi. tar responder ao que nao se deseja responder. Ou podemog apontar para algo. Para definir um cachorro Sao Bernardo, podemos pura e simplesmente apontar para um So Ber. nardo. E as vezes podemos inferir a definicdo corteta a par. tir do contexto. Ao ler uma passagem de um livro podemog 28 2 Covet aur exh eu oscusshe? inferir que “milfurada” é um tipo qualquer de planta, caso contrario a passagem nao faria sentido. Um dicionario nao é uma enciclopédia. Quando procu ramos uma definicéo num dicionario, nao encontramos, em geral, uma afirmagdo que seja verdadeira ou falsa, mas sim uma explicagao sobre 0 uso de uma palavra ou expressao. Os dicionarios so manuais de instrucées. ‘AS definicdes ndo sdo afirmacées. Actescentamo-las a um argumento para podermos nos entender melhor. AS definiges nao S40 premissas, Muitas vezes, um diciondrio nao ajuda muito, ou nao te- mos um dicionario a mao € temos de apresentar as nos- ‘sas prOprias definigdes. Mas para podermos nos entregar & discussao argumentativa nao queremos que as nossas defi- nigdes sejam tendenciosas ou persuasivas. Se uma pessoa definir aborto como o assassinio de criangas antes do nasci- mento, estat tornando impossivel uma discussao racional sobre a questéo de saber se 0 aborto serd um assassinio ¢ se um feto sera uma pessoa. Uma definicao persuasiva ndo € uma definicao - é uma afirmagao disfarcada de definicao. Se chamarmos “perna” a um rabo, quantas pernas tem um cachorro? Cinco? Nao. Chamar “pera” a um rabo nao transfor ‘ma o rabo numa perna Atribuido a ‘Agranam Lincotn Exemplos Dos seguintes exemplos, quais sto definigdes? E quals S40 AdefinigSes persuasivas? 1, Amizade: um navio suficientemente grande para trans portar duas pessoas quando 0 tempo esté bom, mas sé uma quando estala a borrasca. (Ambrose Bierce, The PENSAMENTO CRITICO - 0 PODER OA LOGICA & OA ARGUMENTAGAO ‘ Devil's Dictionary) ~ Esta é uma definicao persuasiva, Mas, no contexto geral do livro em que esta frase se in sere ndo se trata realmente de uma definicao: 0 autor usa frases que parecem definigdes para fazer afirma- Ges irdnicas. © cachorro ¢ o melhor amigo do homem. - Nao é uma definicéo, pois no nos diz como usar a palavra “ca~ chorro”, Nem todas as frases com “é” so definigdes, Jodo: “A Maria é téo rica que bem pode pagar o jantar-. Clara: "Que quer dizer com ‘rica’?” Jodo: “Ela tem um Mercedes". - Isto nao é uma definigdo, uma vez que por “rico” nao queremos dizer “possui um Mercedes”. Ha muitas pessoas que sao ricas e que nao tém Mercedes, €algumas das pessoas que tém Mercedes nao sao ricas, O que 0 Joao apresentou nao foi uma definicao: foium | argumento. A afirmacao “A Maria tem um Mercedes” foi apresentada como um indicio da riqueza de Maria. Repare como procuramos persuadi-lo de que “possui um, Mercedes" nao € uma boa definiéio de “rico”: argumenta_ mes que uma pessoa pode ter um Mercedes e nao ser rica, © que pode ser rica e nao ter um Mercedes, Para obtermos uma boa definigdo, as palavias que } estamos definindo e as palavras que definem devem ser inter-substitulveis: devemos poder usar as primeiras A] exatamente quand 4. 0 pastor australiano é um tipo de cachorro criado na Aus. tralia para tomar conta de rebanhos de ovelhas, preto @ castanho-amarelado, com altura aproximada de 40 cm, — Esta é uma boa definicdo de "pastor australiano”. Mag 30 { _ SP NN” oa 2 O cue € our esrd ev oscussac? em casos como este (cores, tipos de animais ou plantas etc.) as definigdes ostensivas so melhores: o tipo de definigao em que apontamos para um exemplar ade- quado, ou para uma fotografia ou desenho. s “Coito” significa “relagdes sexuais”, - Esta é uma defini- cdo por meio de um sindnimo, o tipo de definicao mais simples e mais fidedigna, desde que o significado do si- nénimo apresentado seja conhecido. 6. AIDS significa “Sindrome de Imunodeficiéncia Adquirida". - Ndo estamos perante uma definicdo. Trata-se apenas de dizer o que 0 acrénimo significa, Uma definicao te- ria de nos dizer que a AIDS é uma doenca e qual é a sua natureza 7. O conhecimento é crenga justificada verdadeira. ~ Este é um exemplo de uma definigao filos6fica. Esta definigao declara que “conhecimento" e “crenga justificada ver- dadeira" sao uma e a mesma coisa » Microscépio: um instrumento que consiste essencial- mente numa lente ou combinagdo de lentes, dispostas de modo a que objetos muito pequenos, como micro-or- ganismos, parecam maiores, de modo a que possam ser vistos e estudados. ~ Esta é uma defini ica de di- ciondrio. Mas nao se pode usar esta definicao para per- suadir alguém de que 0 que se vé nao esta no inte- rior do microscépio (como num caleidoscépio). Nao se pode dizer: “Faz parte da definicao de microscépio que ‘© que se vé é uma ampliacao do que esta Id fora". Nes- te caso, estariamos usando uma definicao persuasiva, © que é um erro. Isto mostra que uma definig&o indcua pode ser usada persuasivamente aa PENSAMENTO CRITICO- 0 PODER OA LOGICA E OA ARGUMENTAGAO tapas para apresentar uma boa definicao: |. Mostre a necessidade de apresentar uma definicao, 2, Formule a definigao. 3. Certifique-se de que as palavras fazem sentido, 4. Apresente exemplos em que a definicdo se aplica 5. Apresente exemplos em que a definigdo no se aplica. 6. Se necessario, contraste a definico com outras definigoes plausiveis, 7, Reve S12 detiniczo, Em ciéncia e filosofia, analisar um conceito é procuray tuma definicdo desse conceito em termos de outros que se Supdem conhecidos. Assim, Platéo jé em 360 a. C, prociy. ra mostrar no seu famoso dialogo “Teeteto", no qual discu. ‘¢ como jovem matematico de nome Teeteto, como chegay a uma definicéo de conhecimento como “crenga verdadeira, justificada’. Na Fisica, a velocidade é definida como “distan. cla dividida pelo tempo”. Parte da atividade filosofica con siste em procurar definicdes deste género, telativamente Conceitos como “bem, “arte”, “verdade” etc. Em alguns dig logos de Plato, Socrates procura este tipo de definicbes, do se contentando com as definigBes ostensivas ou po; melo de exemplos que os seus oponentes oferecem. Mas a definicoes, mesmo as mais consagradas, nao sdo inapela veis ou definitivas: definicdes melhores podem ser propos. tas, e isso ajuda a avancar 0 conhecimento humano. 2.4 Resumo No capitulo 1, vimos que os argumentos sio tentativag de persuadir, usando afirmagdes. Logo, temos de saber dig. Sr 2 Que € ou ess ar ecuesho? tinguir os diferentes tipos de afirmagées e de ter atengao as frases que parecem afirmagées, mas que nao 0 sao. Uma frase é vaga se nao for claro o que o locutor tinha em mente. A vagueza é algo com que temos de viver, mas pode- mos aprender a reconhecer quando uma frase é demasiado vaga para a argumentacao. Contudo, é um mau argumen- to afirmar que as palavras nunca tém um significado preciso Porque néio podemos tracar alguma fronteira precisa. Muitas vezes, 0 problema com uma frase vaga é deter- minar os padrdes que esto sendo pressupostos. Podem ser padrdes objetivos - independentes do que qualquer pessoa ‘ou qualquer coisa pensa, acredita ou sente ~ ou subjetivos; ou pode nao haver quaisquer padres. Uma frase demasia- do vaga para ser uma afirmacdo objetiva pode ser admissi- vel como afirmagao subjetiva Saber determinar se uma afirmagao € subjetiva ou objeti- va pode evitar-nos algumas angtistias, pois poderemos dei- xar de debater sentimentos alheios. Por outro lado, confun- dir 0 subjetivo com o objetivo conduz a maus argumentos. Nossa reacdo a uma frase vaga € “O qué?"; a nossa rea- 40a uma frase ambigua, uma frase que tem dois ou mais significados claros, 6 "O que € que vocé quer dizer?’. As fra- ses ambiguas nunca devem set tomadas como afirmagoes. Se quisermos argumentar uns com os outros, precisa- mos eliminar a vagueza e a ambiguidade excessivas. Pode- mos fazé-lo reescrevendo os nossos argumentos ou falan- do de modo mais preciso. Ou podemos ser completamente explicitos e definir as palavras que estao causando o proble- ma. Uma definicao no é uma afirmacdo, mas acrescenta- mo-la as vezes a um argumento para poder clarifica-lo. AS definicdes nao devem decidir antecipadamente 0 que esta 3a PENSAMENTO cRiTICO - G POUEH OA LOGICA E DA ARGUMENTAGAD em discussao; se uma definicao for uma afirmacio escondi- da, chamamos-lhe “definigao persuasiva’, 2.5 Estudo complementar Grande parte da filosofia procura apresentar critérios que transformam afirmacSes aparentemente subjetivas em afir.. mages objetivas. Numa introdugdo a ética estuda-se, entre Outras coisas, a questao de saber se as afirmagdes sobre = bem eo mal podem ser objetivas; o relativismo é a perspec. tiva segundo a qual todas as afirmacdes morais sao subjet; vas. Uma introducao a estética analisaré, entre outras co}. 885, 8 questo de saber se todas as afirmacies sobre 0 bel S20 igualmente subjetivas, E uma introducdo a filosofia de, direito ou ao direito Criminal ira, entre outras coisas, apre— Senlar os métodos que a lei usa para oferecer critérios obje._ tivos para determina o bem e o mal. Ha quem pense que basta que um numero suficiente de Pessoas acredite numa afirmacao para que essa afirmacag, Seja objetiva e que isso € tudo 0 que constitu a objetividade. Isto €, a objetividade ¢ apenas a Subjetividade coletiva. Aj. guns livros de introducdo a flosofia lidam com esta questac, Alguns livros de introdugao a pratica da enfermagem tra ‘am da questao de saber como lidar com afirmagées subjet,. vas dos doentes ¢ com instrugdes vagas dos médicos, A natureza da definigao, e seu uso correto, é um tema, Tecorrente em filosofia. Em alguns dialogos de Plato, S6- crates surge em busca de uma definicdo ~ a definicao da “justiga’, ou "beleza", ou “conhecimento”. Muitos livros de introducao a filosofia apresentam os diferentes tipos de de finigdes e 0 modo de usé-las em filosofia, 34 3 O que — um Bom ARGUMENTO? sumirio: 3.1 A conexio entre premissas e conclusdo....39 3.2 Testes pata determinar se estamos ‘lante de um bom argumento. 46 3.3 argumentos fortes ou argumentos vilidos? 51 3.4 Resumo. 3.5 Fstudo compiementar 55 Um argumento é uma colegao de afirmagées. Mas nem todas as colegées de afirmagées constituem um argumen- to, Para termos um argumento, temos de querer ligar as premissas & conclusdo: temos de querer que as premissas “conduzam’ ou “estabelecam” ou “sustentem” a conclusao. A busca por argumento corretos, e em particular por bons argumentos, por aqueles que hoje poderiamos chamar de argumentos sdlidos, comegou hd mais de 20 séculos na po- lemica iniciada por Sécrates contra os sofistas, continuada por Platao ¢ levada adiante por Aristoteles. Praticamente, to- das as questdes que podemos levantar sobre a natureza dos argumentos foram jé levantadas no tratado que da origem & Logica, os “Topicos” de Aristoteles, devotados ao treino inte~ lectual, aos contatos com outras pessoas € ao conhecimen- to cientifico e filos6fico. Devemos ter claro, contudo, que a linguagem, os métodos e certos pressupostos de Aristételes iro forcosamente se diferenciar da visdo contemporanea. (© que faz um argumento ser bom? Nao é desejavel que um bom argumento seja aquele que persuade realmente al- guém. Quem? Nés? Eu? O leitor? Talvez eu esteja mal dis- Posto ou bébado e€ nada seja capaz de me persuadir. Sera que isso significa que o argumento é mau? as PENSAMENTO CRITICO - 0 PODER DA LOGICA E OA ARGUMENTAGAD Nao, Um argumento é bom ou mau independentemente de mim, de nés, e do leitor. Um bom argument & aquele em que ha boas raz0es para que as premissas sejam verdadeitas, © as premissas apresentam boas razSes para acreditar na er lusdo. ‘A maior parte deste livro versara sobre 0 que se poder, Considerar “boas razdes". Queremos obter uma definicéicy due faca frases como “Isto € um bom argumento” sererm afirmagdes objetivas. © fato de um argumento poder sey bom ou deixar de sé-lo ndo é uma questao de gosto. E é itn. Portante notar aqui (mas isso ficara claro mais adiante) que lum bom argumento é muito mais abrangente que um argy.. ‘mento meramente valido ou correto, Antes de mais nada, € bom esclarecer que a definicaig ao implica que um argumento convincente seja bom, Mui. tos de nés nos deixamos cotidianamente convencer Pela Propaganda ou pelos politicos sem ter de fato boas razdes, ApOs compreender o que este livro tem a dizer voce ficara, bem menos vulneravel a esse tipo de ataque. Podemos comecar por tomar nota do seguinte: para que uum argumento seja bom, tem de passar por dois testes, 1, Temos de ter boas raz6es para pensar que as premissag so verdadeiras. 2. As premissas conduzem, sustentam, estabelecem 2 conclusao. Estes dois testes sao independentes entre si, como 0s se. guintes dois exemplos mostram. 36 Premissas ¢ conclusdo verdadeiras, mas as premissas nao sustentam a conclusao: Seus avés paternos tém um filho, Nem todas as pessoas tém filhos. Logo, seu professor é filho do pai dele. "AS premissas sustentam a conclusdo, mas uma das remissas é falsa: Pedro é professor. Todos os professores sao carecas, Logo, Pedro ¢ careca, Se uma das premissas for falsa, ou se no soubermos se é falsa, mas ela nao nos parecer muito plausivel, nao te- mos boas razdes, ou ndo temos razao alguma, para aceitar a conclusao, De uma premissa falsa podemos derivar tanto afirmag®es verdadeiras como falsas. Por exemplo: ‘Uma premissa faisa e conclusdo verdadeira: Os autores deste livro sao ursos polares, UUrsos polares sdio mamiferos. autores deste livro séo mat Neste caso, a concluséo segue-se das premissas e é ver- dadeira; mas uma das premissas é falsa. as falsas e conclusdo faisa: Um dos autores deste livro é um cachorto. Cachoros tém 4 patas. Logo, um dos autores deste livro tem 4 patas, 37 rr PENSAMENTO caiTico -0 PODER DA LOCA E OA ARGUMENTAGEO A conclusao segue-se das premissas também neste caso, Mas a conclusio € falsa. Pode-se ter a certeza que ¢ falsa, Dizemos que uma afirmagao é dibia ou implausivel se nao tivermos boas razGes para pensar que ¢ verdadeita e, no entanto, nao tivermos a certeza que & falsa. Se sabemog que uma afirmacao é verdadeira, ou se temos boas razBeg para pensar que ¢ verdadeira, dizemos que a afirmacioé al. tamente plausivel. Um argumento tem o mesmo valor que menos plausivel, a sua premissa Para que uum argumento passe no primeito teste, temog de perguntar se possuimos boas razdes para pensar que Suas premissas so verdadeiras. No capitulo 5 examinare.. mos de perto essa questo Sera que vale a pena dar atencao ao segundo teste quan. donao sabemos seas premissas sto verdadeiras? Sim. Com. Paremos a avaliagao de um argumento com um pedido de empréstimo a um banco, Um casal vai a um banco e prey Ee todos 0s formulatios necessatios. © gerente do baneg '€ os formularios que eles preencheram e percebe imediz.. lamente que eles nao tém direito a0 empréstimo se as stiays declaragbes forem verdadeiras. isto é, apesar de o getente ainda no saber se as declaracées prestadas pelo casal Sq verdadeiras ou nao, 0 gerente jé sabe que, se forem vera deiras, o casal nao tera direito ao empréstimo. Desse mo, nao vale sequer a pena dar-se ao trabalho de saber se suas declaragées sao verdadeiras. do, as Imagine agora que, pelo contratio, o gerente perce be. imediatamente que 0 casal tera direito a0 empréstimo (se 38 i 2 ee 8 Cave eum com anoumerra? suas declarag6es forem verdadeiras). Neste caso, o gerente tera de verificar se as declaracées prestadas pelo casal so ou nao verdadeiras. © mesmo acontece com os argumentos. Muitas vezes, nao sabemos ainda se as premissas de um argumento so ‘undo plausiveis. Mas vale a pena tentar saber se essas pre- missas conduzem ou nao & conclusao apresentada. Se con- duzirem, entéo teremos ainda de verificar cuidadosamen- te se as premissas so realmente plausiveis ou ndo. Mas se nao conduzirem, nem sequer temos de nos dar a esse tra- balho; pois mesmo que as premissas sejam plausiveis, néo conduzem a conclusdo desejada. Parte do trabalho filos6fico e cientifico consiste em ten- tar determinar se certas premissas conduzem ou nao a cer- tas conclusées, apesar de ndo sabermos se essas premissas sao plausiveis. © bom raciocinio tanto depende de bases verdadeiras como “do que se segue de qué”. Neste capitulo, tentaremos clarificar o que queremos dizer com a expresso “a conclu- sao segue-se das premissas' 3.4 A conexdo entre premissas e concluséo Queremos apresentar critérios explicitos e claros que de- terminem o que significa dizer que uma afirmago se segue de outras afirmacées. Nao basta que tanto a conclusio como as premissas se- jam verdadeiras, como nosso primeiro exemplo mostrou E podemos até nao saber se as premissas sao verdadeiras, PENSAMENTO ERITICO -0 PODER OA LOGICA E DA ARGUMENTAGAO mas temos de levar em consideragao as circunstancias em, que as premissas poderiam ser verdadeiras, Nao podemos pegar uma enciclopédia e procurar todas as circunstncias em que uma afitmacao poderia ser verda._ deira, nem perguntar a um especialista. Tanto a enciclopé. dia como o especialista s6 poderao dizer-nos, talvez, 0 que é verdade, mas nao 9 que poderia ser verdade. Para inspe_ Clonar todas as circunstancias em que as premissas poge. iam ser verdadeiras temos de usar nossa imaginacdo. Depois de usarmos nossa imaginacdo, perguntamos Seguinte: entre todas as circunstancias em que as premig S85 poderiam ser verdadeiras, ha alguma em que a conciy,_ Sio seja falsa? Suponha que descobrimos que nao ha qua_ guer circunstancia na qual as premissas sejam verdadeira, € 2 conclusio falsa, Nese caso, se as premissas forem vey dadeiras, a conclusdo sera verdadeira. Todos os cées late Rex é um cio. Logo, Rex late E impossivel que as verdadeirase a conclusa Premissas deste argumento sejan, que S40; 1 falsa. Podemos entao definir Seria a conexao mais basica entre premissas e conclu: Argumento vailido: iim aigutnento € vdlido se for impossivel que as premissas sejam verdadeiras e a Conclusdo falsa (20 mesmo tempo), Dizemos que um argumento ¢ invdlido se nao for v. Investigar € exprimir essa conexao entre premissag conclusdo & tarefa da logica formal: os argumentos lo; a0 - NN ee 3. Ocue€ ww ow arcunenra? cos so inexoravelmente validos, assim como as demons- tragdes matematicas. Estes sao geralmente chamados de argumentos dedutivos, ou deduges. Dentro de certos do- minios, uma teoria matemética como a geometria, pode aptesentar bons argumentos, além de validos - na verdade, os melhores argumentos possiveis dentro da sua especifici- dade ~_mas isso nao significa que os bons argumentos esto somente entre os argumentos validos. ‘Com base nos exemplos jé dados, sabemos que um argu- mento valido pode ter uma premissa faisa (e também pode ter todas as premissas falsas). Dessa forma os argumentos vali dos no esto necessariamente entre os bons argumentes. De forma geral, a conclusdéo que nos interessa € a seguinte: Valido # Bom Um argumento valido que tenha premissas verdadeiras tem de ter uma conclusao verdadeira. No entanto, supo- nha que alguém me apresente um argumento e eu descu- bro circunstancias nas quais as premissas sao verdadeiras €a conchusdo falsa, mas que essas circunstancias so todas disparatadas. Nesse caso, as premissas dat-nos-iam raz6es muitissimo boas para aceitar a conclusaio. Acontece apenas que no nos dao a certeza. Reconhecer essa possibilidade vai nos levar a um terceiro modo de avaliar argumentos. Por exemplo, suponha que ouvi dizer que ha periquitos 4 venda numa loja qualquer. Eu sei que o meu vizinho tem uma gaiola na garagem e pergunto-me se a gaiola sera su- ficientemente grande para um desses periquitos. Eu racioci- nio entao do seguinte modo: aa PENSAMENTO CRITICO - 0 PODER OA LOGICA & DA ARGUMENTAGAD Todos os periquitos que todas as pessoas que conheco vi- ram, ou de que ouviram falar, ou acerca dos quats leramn algo, medem menos de 20 cm. Logo, os periquitos & venda na loja ‘medem menos de 20 cm. Inspecionando todas as circunstancias em que as pre- missas Poderiam ser verdadeiras, admitimos que se pode- tia ter inventado uma nova ragao de supercrescimento para Passatos e que os periquitos da loja poderiam, nesse caso, ‘er 20 cm ou mais, apesar de nos nunca termos ouvido fa lar em tal coisa. Ou poderia ter acontecido que um periquito sigante e raro da Amazénia tivesse sido descoberto ¢ traz. do para @ loja. Ou um OVNI pode ter raptado um periquito € té-l0 atingido com raios de crescimento, de modo que te- nha ficado gigantesco. Em todas estas circunstancias a premissa poderia ser verdadeita e a conclusio falsa, Mas so todas tao improva- veis, to disparatadas, que temos boas razes para aceitar a conclusao, se a premissa for verdadeira. Acontece apenas que ndo temos a certeza absoluta de que a conchisao ver- dadeira, ainda que a premissa seja verdadeira. A conclusao ae 9 Douce un com ascuvenre? Poderia ser falsa. Chegamos entao a uma terceira caracteri- Zagao dos argumentos: “Argumentos fortes ¢ fracos: Classificamos os argumentos que nao temos certeza de serem validos numa escala que vai de muito forte a fraco. Um argumento é muito forte se & quase impossivel que as premissas sejam verdadeiras e a conclusio falsa (ao ‘mesmo tempo). Um argumento é fraco se for provavel que 1s premissas possam ser verdadeiras e a conclusao falsa Um argumento é valido ou nao. Nao ha graus de vali- dade. Mas ha graus no que respeita aos argumentos fortes € fracos: um argumento pode ser mais forte do que outro, apesar de ambos serem fortes. Eis os passos que devemos seguir ao determinar a ques- tao de saber se uma conclusdo se segue das premissas de um dado argumento: 1, Imagine todas as circunstancias em que as premissas poderiam ser verdadeiras. 2. Procure saber se a conclusdo é falsa em qualquer des- sas citcunstancias, 3. Se no, o argumento é valido: em todas as circunstén- cias em que as premissas s40 verdadeiras a conclusdo também é verdadeira. 4. Se sim, 0 argumento € invalido: ha circunstncias em que as premissas sd verdadeiras e a conclu: Mas sera um argumento forte, ou fraco? falsa. aa PENSAMENTO ERITICO - 0 PODER DA LOGICA E DA ARGUMENTAGKO 5. Se as tnicas circunstdncias em que as premissas so verdadeiras e a conclusao falsa forem disparatadas, o argumento € muito forte. 6. Mas se essas circunstdncias nao forem disparatadas, o argumento é fraco. Muitas pessoas julgam que para raciocinar logicamente © pensar criticamente temos de reprimir a nossa imagina- Ao. Julgam que “Ele é muito légico" se opde a “Ele € muito Ctiativo". Mas essas pessoas esto enganadas, Para avaliar argumentos temos de imaginar todas as circunstancias em que as premissas sao verdadeiras. Devemos ser criativos, Suponha que descobrimos que o argumento que estamos avaliando € valido ou forte. Significa isso que se trata de um bom argumento? Nao! Para que seja um bom argumento, deve haver também boas razées para acharmos que as pre missas sao verdadeiras. Pode acontecer que possamos eli- minar uma premissa falsa e fique forte ou va I que mesmo assim o argumento lido, mas isso seria uma reformulagao do ar- gumento original. No proximo capitulo estudaremos os ca- Sos em que podemos reformular 0 argumento original Mas se a conclusio nao se segue ~ se 0 argumento nao for valido nem forte - as Premissas nao nos dao boas ra- zOes para aceitar que a conclusio é verdadeira, Para tor- har esse ponto claro, imaginemos que estamos avaliando 0s argumentos de acordo com duas caracteristicas, ou duas dimens6es: * “consequencialidade”: quando as premissas de fato condu- zem a conclusao; € + “qualidade das premissas": quando as premissas sio verda- deiras, ou pelo menos plausiveis, 4a NO ee 3 O cue € uw oom ancumenta? E importante notar que a validade é apenas um caso es- pecial da consequencialidade: € 0 que corresponderia aos argumentos puramente logicos ou dedutivos. Estas duas dimens6es correspondem aos dois testes pe- los quais deve passar um argumento para que seja bom. Anélise bidimensional dos argumentos Argumentos | ___Argumentos validos invalidos ‘Muito fortes ‘Seas premissas sdo verdadeiras endo so circulares, estes sd0 em geral bons argumentos Fracos Estes sao em geral ‘aus argumenios Poderiamos situar graficamente 0 territorio dos bons ar- gumentos dentro da grande terra dos argumentos que vaio de vélidos, muito fortes a fracos da seguinte maneira Fracos ‘Muito fortes Bons Validos Argumentolandia Agora fica facil notar que: + $6 0s argumentos invallidos se classificam numa escala que vai de muito fortes a fracos. as PENSAMENTO CRITICO - 0 PODER OA LOGCA E DA ARGUMENTAGAD + Todos os argumentos fracos so maus. + Nem todos os argumentos validos ou fortes so bons. 3.2 Testes para determinar se estamos diante de um bom argumento Um argumento valido ou forte com premissas verdadei- ras pode mesmo assim ser um mau argumento. (Os animais tém alma, Logo, devemos tratar bem os animais, Este argumento 6 mau porque a premissa é mais duvido- sa do que a conclusdo. As premissas de um argumento tém de ser mais plausiveis do que a conclusdo para que o argu- mento nos dé boas razées para aceitar a conclusio. Suponha que ouvimos 0 seguinte didlogo: ~ Deus existe. ~ Como € que vocé sabe? ~ Porque a Biblia afirma isso, ~ Mas por que razdo vocé pensa que o que a Biblia diz é verdade? ~ Porque Deus escreveu a Biblia, A primeira pessoa esta argumentando em circulo, Em ti tima andlise, as suas premissas nao séo mais plausiveis do que a conclusdo. £ um mau argumento, Eis outro exemplo: Os estucantes que trabalham nio devem ser favotecidos nas classificagdes porque isso no seria justo para com os ov. tros estudantes. O que significa, neste contexto, "justo"? significa “tratar to- das as pessoas da mesma maneita”. Assim, o argumento se 46 es BO ave € um wom arcane? reduz ao seguinte: os estudantes que trabalham nao devem ser tratados de forma diferente dos outtos, porque devemos tratar todas as pessoas da mesma maneira. A premissa pode ser verdadeira, mas é apenas uma reafirmagéio da concluséo. Estes argumentos sdo enganadores porque parecem dizer algo de significativo. Em geral, podemos dizer que um argu- mento é uma petigao de principio se for circular, isto é, se uma premissa se limitar a reafirmar a conclusao, ou sea concluso est contida de forma imediata em uma ou mais premissas. Condicées para termos um bom argumento: + Deve haver boas razes para pensar que as premissas so verdadeiras. + 0 argumento deve ser valido ou forte + As premissas devem ser to ou mais plausiveis do que a i Orestante deste livro sera dedicado a mostrar como de- terminamos se um argumento passa ou nao nestes critérios € & questio de saber se todos os argumentos que passam nestes testes sdo realmente bons. Exemplos _Quais dos seguintesargumentos so vidos? Em que lugat da escala que val de muito forte a fraco sesituam os argu 'mentos que néo sio vslidas? Se oargumento for vido ou muito forte, serd também bom? 1. A Maria divorciou-se. Logo, ela estava casada, - Este ¢ um argumento valido: é impossivel que as premissas sejam verdadeiras e a conclusao falsa. © argumento é valido por causa do significado da palavra “divorcio" a PENSAMENTO CRITICO - 0 PODER DA LOGICA E OA ARGUMENTAGAD No entanto, nao sabemos ainda se o argumento é bom, pois nao sabemos se a sua premissa é verdadeira, - Platdo é um filésofo. Todas 0s flésofos sao gregos. Logo, Platdo € grego. - Este argumento ¢ valido. Mas, apesar dea sua conclusdo ser verdadeira, o argumento é mau Porque a segunda premissa ¢ falsa, As duas premissas, €m conjunto, nao nos déio mais razdes para aceitar a Conclusao do que a mera afirmagao da conclusao. x 3. Os paulistas sao brasileiros ¢ um dos autores deste livro é brasileiro, Logo um dos autores deste livro é paulista. - As Premissas do argumento sao verdadeiras, e a conclusao também. Mas serd que temos um bom argumento? Sera que podemos imaginar circunstancias nas quais as pre- missas sejam verdadeiras e a concluséio falsa? Sem dit vida que sim: 0 autor poderia ser baiano, apesar de ser brasileiro, E esta circunstancia nao é nada disparata- da. Por isso, o argumento é fraco. Para que o argumen- ‘0 fosse valido, seria necessério que s6 os paulistas fos- sem brasileiros. © que seria uma premissa falsa. Como mostramos que um argumento nao é valigo? amos um exemplo de uma circunstancia passive! na qual 4 premissas sao vetdaderase a conclusao fsa } Como mostramos que um argumento é fraco? Damos Pum exempio de uma circunsténcia plausivel na qual as }, piemissas sdo verdadeiras ea conclusdo f 4. Os cabelos da Clara sao castanhos. Mas hoje ela apareceu com cabelos loiros. Por isso, ela tingiu os cabelos. - Sera que as premissas podem ser verdadeiras e a conclusao a8 3 O ave € un aou answvenro? falsa? Talvez: Clara pode ter tomado muito sol; ou pode ter estado demasiado proxima de um pintor de auto- mveis; ou... Ha muitas circunstancias em que as pre- missas sdo verdadeiras ¢ a conclusao falsa; por isso, 0 argumento nao é valido. Mas essas circunstancias nao sao muito provaveis, Por isso, o argumento é forte, mas nao muito forte. E se as premissas forem verdadeiras, 0 argumento sera bom. a Sempre que como oves, independentemente de serem cozidos ou fitos, sinto-me muito mal disposto. Devo ser alérgico aos ovos. - Este é um argumento forte, que apresenta boas razées a favor da conclusao, Mas nao € valido: 0 autor poderia estar com hepatite, que o fizes- se sentir mal disposto cada vez que come ovos. Dois vereditos no caso 0. J. Simpson? Num proceso criminal, nos Estados Unidos da América, €comum que o Estado tenha de provar que 0 acusado & culpado “além de qualquer diivida razoavel”. Mas num processo civil, contudo, em que uma pessoa exige uma indenizacao a outra, o padrao € muito menos exigente. Para obter uma indenizagao uma pessoa sé tem de apresentar "provas preponderantes" de que a outra pessoa a prejudicou. E por isso que nao ha qualquer contradicéo em declarar O. J. Simpson inocente no que respeita a assassinio, mas obriga-lo mesmo assim a indenizar terceiros pela morte da sua ex-mulher. Encare a classificagao de argumentos de muito fortes a fracos como uma aposta. Se soubermos que as premissas sdo verdadeiras, apostar na verdade da conclusao seré uma aposta segura, uma aposta com 50% de hipéteses de ganhar, aa PENSAMENTO ERiTICa - 0 PODER DA LOsIC ou uma aposta terrivelmente ma? Qual é a probabilidade de as premissas serem verdadeiras e a conclusao falsa? No exemplo 4, a probabilidade favoravel a conclusdo, da~ das as premissas, é provavelmente superior a 50%, Mas no € tao elevada como no argumento 5. Mas isto nao signifi- ca que seja initil classificar os argumentos de muito fortes a fracos, precisamente porque nao podemos dizer exata- mente qual a forca de um argumento? Nao, Aceitar isto seria accltar a falacia da fronteira imprecisa. Pode haver alguma imprecisdo na classificago dos argumentos, mas podemos dentro de certos limites distinguir os argumentos fortes dos fracos. Obviamente ndo podemos fazer isso com uma ma- quina, ou com um programa de computador: essa é uma das. FazGes pelas quais o pensamento critico nao se reduz a logi- ca ou a matematica, embora possa usar recursos de ambas, Vimos bons ¢ maus argumentos. Um bom argumento nos da boas raz6es para aceitar a conclusdo. Um mau argu- mento ndo nos diz coisa alguma sobre a verdade ou falsidade da conclusdo, Se encontrarmos um mau argumento, nao te- mos mais razdes para aceitar ou para recusar a conclusao do que tinhamos antes, Um mau argumento ndo demonstra que a conclusao é falsa, nem sequer duvidosa. EU NiO WERIA waTAR 0 culco, evERIA FAZER UM FURINHO, —~ na 3 Oove € un som ance? 3.3 Argumentos fortes ou argumentos validos? Sabemos que ndo podemos nos apoiar sempre em argu- mentos validos. Mas quando devemos usar um argumen- to forte? Quando raciocinamos a partir da experiéncia, um argumen- to forte com premissas verdadeiras é as vezes melhor do que um argumento valido com a mesma conclusdo. Por exemplo: A) Todos os periquitos tém menos de 20 cm de altura Logo, os periquitos a venda na loja tém menos de 20 cm de altura. B) Todos os periquitos que todas as pessoas que conhece- mos viram, ou de que ouvitam falar, ou sobre 05 quais leram, t€m menos de 20 cm de altura, Logo, os periqui- tos a venda na loja tém menos de 20 cm de altura. Qual dos dois é 0 melhor argumento? O primeiro é vali- do; 0 segundo é forte. Neste caso, o argumento B é melhor porque sua premis- sa é claramente verdadeita. Este argumento nos da boas razGes para aceitarmos a conclusdo - mas nao nos da cer- teza, Por outro lado, nao sabemos se a premissa do argu- mento A é verdadeira. De que nos serve a validade deste ar- gumento, se a sua premissa ¢ duvidosa? A tinica maneira de estabelecer a premissa A é com 0 seguinte argumento: Todos os periquitos que toda a gente que conhecemos viu, ‘ou de que ouviu falar, ou sobre os quais leu, tem menos de 20 em de altura. Logo, todos os periquitos tém 20 om de altura Mas isto significa que a Unica maneira de mostrar que © argumento A é bom é apelar para um argumento seme- 51 PENSAMENTO ERITICO ~ 0 PODER DA LOGICA E OA ARGUMENTAGAD Ihante a B-um argumento que nao é valido, mas que ¢ for- tee bom. Ao apresentarem argumentos, as pessoas indicam mui- tas vezes que pensam que o argumento é valido, ou que é forte. Por exemplo: Jodo afirma que ja trabalhou no circo, Ele conhece muito bem a giria que se usa no circo e ja o vi fazendo malabarismos, E quando 0 circo esteve aqui, todas as pessoas do citco 0 co. heciam. Logo, o Joao realmente ja trabalhou no citco, Compare com: Jodo afirma que j& trabathou no circo. Ele conhece muito bem a giria que se usa no circo e jé 0 vi fazendo malabarismos, E quando o circo esteve aqui, todas as pessoas do citco © co. hnheciam. Logo, talvez.o Joao jé tenha trabalhado no citco, Aspalavras “realmente” e "talvez” no fazem mais do que nos dizer qual € a atitude que quem formula os argumentos tem perante a conclusdo. Assim, néo estamos neste caso Perante dois argumentos diferentes, mas apenas perante um unico argumento, relativamente ao qual se pode ter duas atitudes diferentes (‘realmente” ou “talvez’). AMbos os ar. gumentos tém as mesmas premissas e a mesma conclusao. © uso de “realmente” em vez de “talvez", no primeiro caso, 80 nos diz que quem apresenta o argumento pensa que ele € valido; mas isso no 0 faz ser valido. No segundo caso, a Pessoa pensa que o argumento é forte; mas isso nao o faz ser forte, Nao tomamos um argumento forte ou valido s6 por the chamarmos “forte” ou *valido”, tal como eu no transfor. mo o meu gato numa fera por Ihe chamar de “tigre”. Palavras como “logo” e “portanto” nao fazem parte de uma afirmacao. Servem apenas para nos dizer que a afirma- ‘cdo seguinte é uma conclusao.

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