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Acérdios TRC Proceso: 1N’ Convencional: Relator: Deseritores: Data do Acordio: Votacio: ‘Tribunal Reeurso: ‘Texto Integral: Meio Processual: Decisio: Legislagio Nacional: Sumitio: Decisio Texto Integral: Acérdao do Tribunal da Relago de Coimbra 3/09.0TBOBR.C1 aTRC REGINA ROSA INDEMNIZACAO. DANOS NAO PATRIMONIAIS RELACOES SEXUAIS PERDA 2201-2013 UNANIMIDADE COMARCA DO BAIXO VOUGA — JUIZO DE GRANDE INST. CiVEL DE ANADIA. s APELACAO CONFIRMADA ART? 496%, N' 1 DO C. CIVIL. I— Deve entender-se como correcta a tese da admissio da tutela dos danos nao patrimoniais resultantes da privacio do débito sexual, seja pela interpretagao extensiva do disposto no n° 2 do art. 496°, seja pelo recurso 4 norma do n° 1 do mesmo preceito, encarando 0 direito 4 sexualidade como um direito de personalidade. IL- O facto de a mulher do autor, por causa da impoténcia que 0 ficou a afectar, ter ficado privada de mater com ele relagdes sexuais, constitui um trauma cuja intensidade e continuidade justificam uma interpretacio extensiva do normativo civil onde se contempla o ressarcimento dos danos nao patrimoniais (art.496°/1 do C. Civil). ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELACAO DE COIMBRA I- RELATORIO 11-F... eM..., intentaram em 03.01.09 acgao ordindria tendente a obter a condenagio de V..., L... ¢ «Fundo de Garantia Automével», a titulo de indemnizacao por danos, patrimoniais ¢ nao patrimoniais que descrevem, sofridos em consequéncia de lesdes de que foi vitima o 12 A. por acidente de viacao ocorrido em 12.02.2002 na E.N. n® 333 IP3, cuja culpa imputa, em exclusivo, ao 2° R,, condutor do veiculo de matricula FT... propriedade do 1°R, que nao tinha transferido para qualquer seguradora a responsabilidade emergente de acidente de viacao com a circulagao daquela viatura, o pagamento de: a) 164.333,19 € ao A. F. b) 25.000,00 € a A. M... a titulo de indemnizagio pelos danos nao patrimoniais; ©) Na quantia que se vier a liquidar em execucao de sentenga, em funcao dos tratamentos, consultas, medicamentos, deslocagées, refeigdes que o A. tenha ainda de efectuar; d) juros de mora desde a citacao. Os RR. contestaram impugnando a versio do acidente articulada pelos AA. bem como os montantes indemnizatérios reclamados. Houve resposta. Saneada e condensada a lide, realizou-se o julgamento, ¢ por ultimo proferiu-se sentenga datada de 25.06.2012, com o seguinte dispositivo: “,, julgo parcialmente procedente a presente acgio e, em consequéncia condeno solidariamente os Réus V..., L... Fundo de Garantia Automével a pagar ao Autor F... a quantia global de €115.220,39 acrescida de juros @ taxa legal anual de 4% (ou da que sucessivamente se encontrar em vigor) contados sobre a quantia de €75.220,39 desde a citagao dos Réus até integral pagamento, e sobre a quantia de €40.000,00 desde a presente data até pagamento; ¢ & Autora M... a quantia de €25.000,00, acrescida de juros & taxa legal anual de 4% (ou da que sucessivamente se encontrar em vigor) contados desde a presente data até integral pagamento. Ao Fundo de Garantia Automével hé que deduzir a franquia no montante de €299,78” . 13- Desta sentenca apelou o réu «Fundo de Garantia Automével». Nas conclusdes das suas alegacées, disse: 1.3- Nao foram apresentadas contra-alegacées. Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. Il- FUNDAMENTOS 11.1 - de facto Esta em causa no presente recurso, nao o apuramento das culpa na producao do acidente ajuizado, que a instancia recorrida decidiu caber em exclusivo aos dois primeiros RR., sem reacgao das partes, pelo que tal questao esta definitivamente resolvida, nem, consequentemente, a existéncia do dever de indemnizar o A. pelos danos sofridos. O que estd em aberto é apenas a questo relativa 4 indemnizagao arbitrada a autora a titulo de danos nao patrimoni Com efeito, delimitado como esta 0 objecto do recurso pelas conclusées das alegagdes da recorrente, atentas as mesmas ‘vé-se que a questo essencial a decidir passa pela andlise do dano reflexo ou indirecto que se considerou na sentenca ter sofrido a A,, por ter ficado total e permanentemente privada da sua vida sexual mercé das lesées que atingiram o A., seu conjuge, a nivel sexual. Reduzidos ao seu niicleo essencial, os factos relevantes a considerar para decidir a questao posta, sdo os seguintes: 1, O autor nasceu no dia 29 de Novembro de 1942 e casou com a autora; 14. Em consequéncia do acidente, o A. sofreu, entre outras, as lesdes em seguida descritas: -T.Cl - choque hipovolemico; - fractura complexa da bacia; - 4 fractura do sacro a direita; - apéfise transversa de L3; - les6es de contusao da bexiga; - uretra com hematuria franca; - fracturas miltiplas e complicadas dos ossos da bacia (Iliaca e Sacro); - rotura da uretra com retengao urindria aguda; - paralisia do Ciatico direito; - paresia do Plexo sagrado a direita com perturbagées dos esfincteres. 22. Ainda nessa data iniciou mobilizacao passiva do membro inferior direito, iniciando, em 14 de Marco de 2002, a mobilizacao passiva, mas agora aos dois membros inferiores. 23. No dia 26 desse mesmo més de Marco foram-lhe extraidos os fixadores externos da bacia. 24, Realizou o primeiro levante no dia 14 de Abril de 2002, iniciando deambulagao com apoio de duas canadianas e de duas técnicas fisioterapeutas, sendo-lhe nessa altura retirada a algalia. 25. Em Dezembro de 2002 o A. continuava a movimentar-se, como ainda hoje continua, com 0 auxilio das duas canadianas, e com aparelho suspensor do pé direito, em virtude de ter pé pendente, causado pela limitagao da mobilidade do membro inferior direito, tanto a nivel da bacia, como a nivel do joelho e tornozelo. 26. Mantinha incontinéncia de esfincteres, bem como dificuldades de miccao, e ereccdo, sofrendo assim, em consequéncia das lesdes que sofreu no acidente e desde essa data e até hoje, de impoténcia sexual, apresentando falta de rigidez, e dai resultando como consequéncia a incapacidade de penetracao. 27. Todos estes factos exigiram o acompanhamento e a terapéutica anti-depressiva, bem como terapéutica indutora de sono. 32. Toda a clausura hospitalar e domicilidria a que 0 A. foi sujeito perturbaram-no emocional e psiquicamente, vendo-se totalmente, e ainda hoje parcialmente, dependente, principalmente da sua esposa, para todas e quaisquer actividades, como sejam, a sua higiene pessoal e o simples facto de vestir-se. 33. Sofreu, e ainda sofre, o desgosto por se sentir fortemente incapacitado, com limitacées fisicas que 0 acompanharao para o resto da vida. 34. A data do acidente, o A. levava com a sua esposa uma vida sexual activa, satisfatéria para ambos, pelo que o afecta grave e profundamente a disfungo sexual de que passou a padecer apés o acidente. 41. A vida sexual activa que os AA. tinham antes do acidente unia-os profundamente e proporcionava-lhes uma existéncia feliz 42. Mercé das lesdes que atingiram o A. a nivel sexual, a A. viu-se também total e permanentemente privada da sua vida sexual. 43. Para além disso, a A. teve que acompanhar o seu marido em todas as consultas e tratamentos aos quais este teve que se submeter, tendo com isso perdido tempo de trabalho, e tendo tido gastos com as suas deslocagées. 44, Enquanto o Autor esteve hospitalizado, a A. acompanhou-o sempre, deixando para trds todos os seus afazeres. II.2 - de direito Seguindo jurisprudéncia recente dos tribunais superiores, a apés se transcrever um trecho do Ac. R.L. de 25.5.04 sobre esta matéria, escreveu-se o seguinte na sentenga: “Reportando-nos ao caso dos autos, os danos sofridos pela Autora, dados por provados, apresentam gravidade que reclama a tutela do direito, sobretudo no que diz respeito a privagio da vida sexual da Autora, em face da incapacidade do seu marido, encontrando-se a mesma vinculada, por virtude do casamento, entre outros, nos termos do disposto no art.° 1672.* do Cédigo Civil, ao dever de coabitagio e de fidelidade, assistindo-lhe o direito ao trato sexual com o seu cénjuge, que por forca do acidente de que foi vitima esta definitioamente incapacitado de cumprir, entendendo-se adequada a quantia peticionada de €25.000,00 por forma a compensar tais danos.”. Contra este entendimento argumenta a recorrente que 0 dano sofrido pela A. nao tem suporte legal para merecer a tutela do direito, porque, pelos arts. 495° ¢ 496? do C.C,, 0s terceiros apenas tém direito a indemnizagao por danos por si sofrido reflexamente no caso de morte. E verdade que alguma doutrina e jurisprudéncia, dita classica, vinha argumentando que o universo das pessoas nio lesadas directamente com direito 4 indemnizagio por danos morais so apenas as previstas na norma do n°2 do art. 496%/C.C. e apenas no caso de morte da vitima, ndo podendo aplicar-se esta norma, extensivamente ou por analogia, a outras situagées para além da morte da vitima.[1] Contra esta posicao escreveu Vaz Serra (RLJ, ano 104, pag.14), citado na sentenga recorrida: “A lei refere-se expressamente 6 ao caso de morte por ser aquele em que, em regra, maiores danos existem, ndo excluindo, portanto, que os parentes da vitima imediata tenham também direito de reparacao dos seus danos em outros casos. A razio de ser éa mesma.” [2] Apreciando sumariamente a lesao corporal “impoténcia”, escreveu 0 Cons. Sousa Dinis: “(...) defendi a possibilidade de a mulher do lesado ter direito a uma indemnizagéo por danos ndo patrimoniais pela impoténcia do marido. O fundamento legal néo pode ser o art.496°12,C.C. que pressupée a morte da vitima, Como me pareceu uma situagdo de flagrante injustica, pensei poder-se atingir aquele objectivo percorrendo a via dos direitos de personalidade, encarando a sexualidade como um deles. O débito conjugal tem tanta {forca que a sua recusa pode ser motivo de divércio. Ao débito corresponde um direito do cdnjuge a ter com o outro um relacionamento sexual normal. Logo, a sexualidade, pelo menos dentro do casamento, pode ser encarada como um direito de personalidade.” [3] Por nossa parte aderimos & tese da admissao da tutela dos danos nao patrimoniais resultantes da privacao do débito sexual, seja pela interpretagao extensiva do disposto no n® 2 do art. 496%, seja pelo recurso & norma do n®1 do mesmo preceito, encarando 0 dircito a sexualidade como um direito de personalidade. Conforme se observou no citado Ac. STJ de 8.9.09, a norma do n®2 nao deve servir para condicionar ou limitar 0 alcance do principio estabelecido no n®1 de que apenas sao ressarciveis os danos morais que pela sua gravidade merecam tutela do direito, independentemente do facto lesivo ter causado a morte da vitima. E como também se entendeu no citado Ac. STJ de 8.3.05, 0 facto de a mulher do autor, por causa da impoténcia que o ficou a afectar, ter ficado privada de mater com ele relaces sexuais, constitui um trauma cuja intensidade e continuidade justificam uma interpretacao extensiva do normativo civil onde se contempla o ressarcimento dos danos nao patrimoniais (art.496°/l). Para além disso, a violacdo injustificada do débito conjugal reveste a natureza de um verdadeiro direito de personalidade de cada um dos cénjuges, pelo que a sua privacdo resultante de acto de terceiro é geradora de responsabilidade civil a cargo do respectivo lesante (arts.70° e 496%/2). Na situacao ajuizada, resulta dos factos apurados que o A., em consequéncia do acidente que o vitimou e para o qual em nada contribuiu, ficou com lesdes que, para além do mais, determinaram-lhe desde a data do acidente e até hoje, impoténcia sexual, vindo-se a A. também, total e permanentemente, privada da sua vida sexual. O direito de coabitacao, onde se inclui o débito conjugal, ficou, portanto, seriamente comprometido, como também ficou profundamente abalada a qualidade de vida da A. ¢ afectado 0 seu casamento com o A., pois que, como provado, a vida sexual activa que tinham antes do acidente unia-os profundamente ¢ proporcionava-lhes uma existéncia feliz, sendo que a data do acidente, levavam uma vida sexual activa, satisfatoria para ambos, Tudo isto ponderado e a interpretagao dos normativos aplicdveis, leva-nos a concluir ter sido bem decidido pela sentenga recorrida reconhecer & A. 0 direito & indemnizacao pelos danos nao patrimoniais reclamados, que sio graves, justificando, por isso, a sua tutela juridica no quadro do n°1 do art.496°. Por conseguinte, nao merece acolhimento a argumentagao expendida pela recorrente, sendo de manter a indemnizacao pelos danos morais & autora, e bem assim o valor arbitrado para © seu ressarcimento que a recorrente nao questiona. Improcedem, assim, todas as conclusées do recurso. Ill - DECISAO Acorda-se, pelo exposto, em julgar improcedente a apelacao, ¢ em confirmar a sentenga apelada. Custas pela apelante. Regina Rosa (Relatora) Artur Dias Jaime Carlos Ferreira U1] fi, entre outros, Antunes Varela (RLJ, ano 103, pg.250), Acs. STI de 21.3.2000 (CIstj 1/00-138) e de 26.2.04 (revista n°4298/03-2" S) este com um voto de vencido. [2] Na mesma linha, A. Abrantes Geraldes «Ressarcibilidade dos danos ndo patrimoniais de terceiro em caso de lestio corporal», in «Estudos de homenagem ao Prof. Dr. Inocéncio Galvao Teles», Vol.IV, pag.263; Cons. Sousa Dinis, «Dano corporal em acidentes de viagdo», CJstj 1/01-5 a 12, Ac.R.C. de 25.5.04 (proc. n°3480/03) disponivel em www.dgsi.pt, e Acs. STJ de 8.3.05 (revista n°4486/04-6" S.), e de 8.9.2009 (CIstj IT1/09-43) este que de perto seguimos. BI Ob. cit, pag.11

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