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O SEGREDO DA PEDRA DA GÁVEA (*)

Por Eymar da Cunha Franco

Estávamos no ano de 1931, quando vim a travar conhecimento com um personagem que logo
à primeira vista impressionou-me sobremaneira. Alto, esbelto, testa ampla, olhos castanhos escuros
e penetrantes, rosto alongado, emoldurado por espessa barba negra e irradiava em seu redor uma
corrente de simpatia que logo nos cativava. Senhor de uma inteligência viva e de uma cultura
invulgar. F. (chamemo-lo assim) era não obstante, modesto e simples, ouvi-lo era um prazer, pois
discorria com fluência sobre os mais intrincados temas filosóficos – religiosos e científicos, que
chegava a fascinar. Suas revelações relacionadas com a história antiga, a tradição dos povos do
passado, suas crenças, mitos, lendas, etc., eram surpreendentes. Ele tinha o dom de nos fazer rever
os nossos conceitos e buscar novas luzes para a solução de certos enigmas históricos. Com
perfeição nos demonstrava o curso das civilizações, suas conquistas, suas lutas, seus declínios.
Fazia-nos seguir a marcha do homem através do tempo, acompanhando a marcha do sol e o rodar
do zodíaco e acabou me convencendo de que eu precisava reformular os meus conhecimentos
históricos.
Para F, o Brasil estava destinado a servir de berço a uma formidável civilização, que seria o
fecho de ouro, de um movimento étnico e iniciado ha milhares de anos, na antiga Aryavarta ou
Índia, quando para ali foram conduzidas as sementes humanas, salvas do dilúvio, que sepultou no
fundo do mar, a Atlântida, país lendário, mas que em verdade teria existido realmente e onde se
desenvolveu uma cultura e uma civilização de grande esplendor.
Desempenhava eu nessa altura, a função de jornalista em um grande jornal carioca e, já por
força de ofício e por interesse íntimo, buscava com freqüência a companhia de F, disso resultando
estabelecer-se uma fraternal amizade entre nós. Assim foi que fiquei sabendo que F, era membro
de uma Instituição Esotérica e que ali era onde ele obtinha os extraordinários conhecimentos que
possuía.

Certa tarde F apresento-me a um outro personagem, ainda mais invulgar sob certos aspectos,
de que ele próprio. Possuidor de uma inteligência prodigiosa e de conhecimentos formidáveis, esse
homem parecia ser o centro para onde convergiam numerosas "linhas de força" e de onde
emanavam outras tantas, que estabeleciam sobre mim um impacto que muito me perturbava.
Sentia-se em sua presença um estranho fascínio, embora a sua pessoa, nada apresentasse de
peculiar que fosse capaz de nos impressionar. Baixo, gordo, nariz aquilino, cabelos ralos, mãos
nervosas, olhar inquieto, que raramente se detinha sobre as pessoas. Aquele personagem evocava à
minha memória, uma efígie de Cagliostro, que havia visto certa vez.
Nas raras oportunidades que eu encontrei esse amigo de F, fiquei sumamente interessado na
sua pessoa e pude deduzir que era mais sábio que F, que o tratava com uma deferência e respeito,
semelhante àquele que o discípulo tem pelo seu mestre. Era um homem simples, trajava-se com
modéstia, embora estivesse sempre muito bem posto e impecavelmente asseado. Falava com
desenvoltura e segurança dignas de nota, sobre os mais variados assuntos. Os relacionados à
história, arte, religião e mitologia, eram os preferidos. Algumas vezes nos surpreendia ao relatar
episódios que não figuravam nos tratados, que eram abordados de maneira superficial, enquanto
que os tratava de maneira muito mais completa. Lembro-me que certa vez ele me disse:
– Nada mais falso do que a história universal que se ensina nas escolas. Essa história não serve
sequer como ponto de partida para se elaborar a verdadeira. Dever-se-ia até proibir o ensino dessa
disciplina tal como está, pois ela é muito pior do que os mitos e as fábulas, uma vez que estes
encerram grandes verdades veladas, enquanto a história corrente, é toda constituída de fatos
deturpados que para nada valem.
Foi num de meus encontros habituais com F, que ele me surpreendeu com uma passagem,
para mim desconhecia da história do Brasil, mas logo se recusou a me fornecer maiores detalhes,
alegando que o assunto não podia ser tratado em minúcias. Devo confessar que F, embora fosse
uma pessoa bastante sincera e liberal, sempre mostrava uma delicada reserva sobre certos temas
relacionados com os princípios esotéricos que professava. Muitas vezes, eu o notei reticente e
esquivo, dando-me respostas vagas ou simplesmente ignorando minhas interpelações, quando a
nossa conversa descambava para esses assuntos.
Aquilo me intrigava profundamente, pois não conseguia compreender essa sua maneira de
agir, pois julgava que ele usava desses artifícios para me manter curioso ou para engrandecer-se
aos meus olhos, porém, quando via o riso franco e os modos gentis e despretensiosos, sentia-me
envergonhado dos meus próprios pensamentos, pois ele poderia ser tudo, menos um vulgar
mistificador. Sua inteligência, sua franqueza e sua amizade, eram genuínas e não havia laivos de
malícia ou orgulho em sua pessoa.

Certa vez surgiu junto com F, um terceiro personagem que me foi apresentado por ele, como
se chamando Josué. Era mais uma figura singular que surgia em meu caminho. Caladão, olhar
severo e penetrante, limitava-se durante os nossos raros encontros a ouvir-nos. Jamais o encontrei
sozinho, de maneira que muito me surpreendeu quando certa vez ao sair da redação do jornal em
que eu trabalhava, encontrei-o à minha espera na calçada em frente. Abordou-me sem cerimônias e
convidou-me para andar um pouco, pois desejava falar comigo. Lado a lado, iniciamos nossa
caminhada e durante esta, é que vim a saber de seus intuitos. Sua conversa foi franca e direta:
– O senhor, nos últimos meses tem sido atentamente observado por nós e inconscientemente,
recebeu uma soma apreciável de conhecimentos que não se deve perder.
Espantei-me com o tom de suas palavras, da mesma maneira que me irritou a declaração de
que eu fora objeto de atenta observação por parte de alguém. Tive ímpetos de perguntar-lhe quem
eram esses que me observavam e com que finalidade. Contive-me, preferindo deixá-lo dizer o que
tinha para falar. Ele prosseguiu:
– Lembra-se daquela passagem sobre a Pedra da Gávea, quando F disse que ali se ocultava um
terrível segredo da história deste país?
Respondi-lhe que sim e recordei-lhe o meu desagrado diante do sigilo que F havia guardado
sobre o assunto.
Josué replicou-me:
– Pois é exatamente sobre esse tema que desejo lhe falar, e se possível confiar à sua pessoa
toda essa história. Para o fazer, preciso antes obter de sua parte o compromisso de que não a
divulgará até que seja autorizado a fazê-lo. Aliás, nem tudo que for relatado poderá ser divulgado e
o senhor terá que arranjar um meio de assim o fazer.
– O senhor espanta-me! – disse-lhe eu – Que história será essa que precisa ser ciosamente
guardada? Afinal de contas, que poderá haver de misterioso nela que o senhor pretenda revelar?
– Vê-se bem que o senhor é um jornalista – voltou ele – Sempre disposto a relatar o que sabe ou
ouve, sem medir as conseqüências que uma divulgação possa trazer. Por causa desse modo de agir,
por parte de alguns, muitos tesouros se perderam e a humanidade ficou privada de valiosas
informações. Permita que eu lhe lembre alguns fatos: quando os egiptólogos chegaram ao Egito e
começaram a pesquisar, muitos tesouros já haviam desaparecido e muitas informações se haviam
perdido pela cobiça de aventureiros de toda espécie. Muitos desses egiptólogos, estavam movidos
pela cobiça e não tinham a formação necessária para entender aquilo que estava diante de seus
olhos. Leram inscrições que não entenderam, interpretaram símbolos erroneamente e terminaram
por mutilar a história de um povo, que apesar de sua grandeza, passou a ser encarado pelo mundo
moderno de maneira inteiramente diversa daquilo que realmente foi. Muitos outros tesouros
permanecem ocultos porque de permeio com eles existem bens materiais que despertam a ambição
dos homens.
Josué calou-se e continuamos a caminhar em silêncio, enquanto eu me detinha a pensar no que
ele me havia dito. Por fim, interroguei:
– O senhor acha que sou diferente? Julga que eu também não seja vulnerável à cobiça e à
fama?
– Não creio que o senhor seja imune a essas coisas, mas sim que será capaz de entender o
significado do que desejo mostrar-lhe e relatar-lhe, a ponto de guardar sigilo sobre o assunto até
quando a sua divulgação já não trouxer qualquer prejuízo a quem de direito.
Aquela conversa me preocupava e eu não estava preparado, por isso sentia-me embaraçado e
sem saber o que dizer ou pensar. Agradeci a Josué o conceito que fazia sobre minha discrição,
embora me sentisse ligeiramente magoado com a sua rude franqueza sobre as minhas debilidades.
Não externei qualquer reação. Por fim, arrisquei uma pergunta e tão logo a formulei, arrependi-me
de o haver feito:
– E se depois de conhecer aquilo que deseja confiar-me, não cumprir o compromisso que vier
a assumir consigo?
Josué deteve-se como se estivesse recebido um golpe. Eu também me detive diante de sua
atitude e ficamos a encarar-nos em silêncio por alguns instantes. A sua fisionomia havia adquirido
uma rudeza extrema e seus olhos, fitando os meus, eram frios como os de uma serpente. Seus
lábios apertados, tremiam ligeiramente.
– O senhor seria capaz de faltar à sua palavra? - perguntou ele.
Diante de sua mudança, fiquei visivelmente embaraçado e procurei remendar o que havia dito.
– Eu apenas aventei uma hipótese – arrisquei contrafeito – afinal de contas eu poderia como
jornalista que sou, não resistir à tentação de falar e terminar divulgando aquilo que o senhor me
tivesse dito. Nesse caso, que teria eu a perder? O senhor arriscaria tudo e eu nada. Acho que se o
que tem para dizer-me é tão importante como parece, será melhor que nada me diga e guarde o seu
segredo para si e livre-se de um risco inútil.
Josué pareceu pesar longamente as minhas palavras e vi em seu rosto o reflexo de uma luta
interior. Depois de alguns instantes, ele voltou a falar:
– Sim, o senhor tem razão! Melhor seria calar, mas infelizmente nós temos que correr esse
risco! Não pergunte porque o fazemos, pois seria inútil lhe explicar e as nossas razões lhe
pareceriam sempre absurdas e fantásticas.
Não sei porque mas naquele momento senti uma espécie de piedade por aquele homem, havia
algo em sua pessoa que parecia estar submetido a uma terrível ansiedade. Ele, contudo, não parecia
ser um homem capaz desse sentimento, pois ao mesmo tempo, podia-se perceber em seu íntimo um
poder, uma força ou alguma coisa estranha que eu não entendia mas que poderia bem ser traduzido
por auto-suficiência, como se ele bastasse a si próprio.
Havíamos chegado a um impasse em nossa conversa e um de nós deveria tomar a iniciativa e
eu o fiz.
– Tranqüilize-se quanto a isso, sou capaz de manter a minha palavra. Neste momento eu a
empenho ao senhor! Posso perfeitamente guardar o seu segredo e além disso, espicaçou a minha
curiosidade e acenou-me com uma futura liberação do compromisso.
A fisionomia de Josué abrandou-se um pouco e ele soltou uma espécie de suspiro.
– Se não houvesse fortes razões para pedir-lhe o que pedi, não o faria – disse ele em
seguida – Um dia saberá das minhas razões e dar-me-á a sua absolvição pela maneira insólita com
que estou agindo.
– E como saberei que o meu compromisso de nada dizer, chegou ao fim? – atalhei, querendo
desviar o curso de nossa conversa.
O olhar de Josué animou-se e ele respondeu com um leve sorriso:
– Quanto a isso, não se preocupe, o senhor o saberá sim, pois não teria sentido fazê-lo
participar de um segredo que não devesse ser divulgado um dia.
Josué deteve-se como a procurar o que dizer e por fim, tomou uma outra resolução e marcou
comigo um novo encontro, para daí a uma semana. Em seguida, sem mais explicações, despediu-se
de mim e caminhou apressado por uma rua lateral, deixando-me sozinho e cheio de interrogações.

Os dias se escoaram lentamente diante de minha impaciência em tornar a encontrar Josué.


Nesse espaço de tempo, também desapareceu dos lugares habituais a figura simpática de F, a quem
eu estava ansioso por encontrar, na esperança de que ele me fornecesse mais esclarecimentos. Mas
o único recurso que tive foi procurar esquecer o que havia passado, mergulhando nas minhas
atividades rotineiras. No dia aprazado, ao sair da redação, lá estava Josué à minha espera. Era a
mesma figura enigmática, reservada, tranqüila, mas podia-se perceber que tivera uma semana
bastante trabalhosa, pois o seu rosto demonstrava um certo cansaço. Cumprimentou com
cordialidade e sem mais rebuços, perguntou-me se eu tinha um dia disponível para acompanhá-lo
em uma excursão.
Achei a sua proposta estranha, mas disse-lhe que isso era possível, perguntando-lhe em
seguida, aonde iríamos. Ele encolheu os ombros e disse que iríamos à Pedra da Gávea. Pediu-me
apenas para levar comigo um "flash light" e alguns sanduíches, pois talvez passássemos o dia por
lá.
Marcamos um novo encontro para daí a dois dias, às cindo horas da manhã, numa das
esquinas do centro comercial. No dia e hora aprazados, lá estava eu à sua espera, não sem antes ter
cientificado minha esposa do lugar para onde ia e na companhia de quem me encontrava, embora
esta última informação de nada lhe servisse, pois ela jamais havia posto os olhos em Josué. Disse a
ela que se tratava apenas de uma excursão e dei-lhe ainda a pista para encontrar F, caso eu não
regressasse ao fim do dia. Eu não queria arriscar-me.

Josué apareceu guiando um velho Ford e parecia bastante satisfeito. Acompanhei-o e lá fomos
nós em direção à Barra da Tijuca (naquela época um lugar agreste e de difícil acesso). Enquanto
demandava nosso destino, Josué começou a relatar-me a seguinte história:

– No ano de 850 a.C. partiu da Fenícia, sob o comando do rei Badezir, que então
governava aquela nação mediterrânea, uma numerosa frota bem equipada, com o propósito de
fundar um novo império em uma terra longínqua, que ficava além das Colunas de Hércules
(o estreito de Gibraltar). Nessas terras distantes, haviam aportado as naus fenícias em suas
incursões marítimas e de lá traziam o ouro, a prata, pedras preciosas, madeiras, peles de
animais e muitas raridades da fauna e da flora. Várias feitorias já haviam ali sido
implantadas e um comércio regular se tinha estabelecido entre os fenícios e os nativos da
região. A inspiração para aquela aventura viera do Sumo Sacerdote do Templo de Baal, em Tiro,
que cientificou o rei da necessidade de fundar-se naquela região distante, um grande império e
transferir-se lentamente grande parte da civilização fenícia e até mesmo a côrte, o que consolidaria
definitivamente o poder fenício naquelas longínquas paragens. Badezir, que há muito acalentava o
sonho de expandir seus domínios e que vivia cheio de curiosidade em torno dos relatos que lhe
faziam seus capitães, quando regressavam de suas longas excursões, não teve dúvidas e sem
demora organizou aquela expedição, nela incorporando por instigação do Sumo Sacerdote, o seu
filho primogênito e sua jovem esposa, pois aos mesmos é que deveria caber o novo império, para
que ali iniciassem também uma nova dinastia. Segundo notícias que chegavam a Tiro, as terras de
além-mar eram imensas e cheias de riquezas inexploradas, sendo que o ouro era facilmente
encontrado à flor da terra. O clima era ameno e o solo riquíssimo, regado por rios caudalosos e
navegáveis e a costa era cheia de angras e baías, que ofereciam abrigos ideais para as naus de
todos os portes.
E continuou:
– Habitavam a região diversas tribos indígenas, que falavam um dialeto que muito se
assemelhava ao fenício. Muitas dessas tribos, havia ali chegado por intermédio dos próprios
fenícios, que os retiraram de uma terra que habitavam nas Caraíbas e que o mar estava
destruindo pouco a pouco. Essas tribos estariam intimamente ligadas à Fenícia por laços de estreito
parentesco e fácil seria incorporá-las ao império, uma vez que em uma época remota, tanto os
fenícios como os antepassados daqueles indígenas, haviam participado de uma grande
Confederação de Nações Unidas sob o estandarte de um personagem, que seria o Rei e
Sacerdote KAR, que deu origem ao grande tronco dos Karios ou Kurios. Esse nome mais
tarde teria dado origem ao termo Carioca (ou Kario-Ka). A viagem de Badezir durou muitos
dias, mas foi coroada de pleno êxito. A frota aportou sem percalços ao seu destino, nem só devido
à perícia dos capitães, como aos maravilhosos conhecimentos astronômicos de um sacerdote do
templo, que acompanhava o rei e servia de preceptor a Yet-Baal, ao qual amava como se fora seu
próprio filho.
E continuou:
– O local escolhido para tornar-se a metrópole do futuro reino, situava-se onde hoje se
ergue a cidade de Niterói, nome esse que nada mais seria do que a corruptela de Nish-Tau-
Ram, de origem muito mais arcaica, com o significado de "O caminho percorrido pelo Sol".
Ali já existia uma grande feitoria, a qual desenvolvia intenso comércio com os nativos e
apresentava todas as condições estratégicas para ser alcançado o objetivo da empresa. Instalados,
os monarcas começaram a trabalhar para a fixação e a expansão do novo reino. Badezir, fascinado
com tudo que via, estava disposto a ampliar seus objetivos, abrindo novas feitorias, com o fim de
aumentar ainda mais o comércio com os nativos da região. Várias naus foram construídas com
recursos locais e incorporadas à frota e mesmo assim, eram insuficientes para dar vazão aos
recursos acumulados.
E a narração continuava:
– Tudo corria da melhor maneira, quando ocorreu uma tragédia que poria fim aos sonhos de
Badezir. O agente dessa tragédia se ocultava lá para o interior e há muito aguardava a hora propícia
para desfechar o seu golpe. Esse agente era o pajé de uma obscura tribo, que desde o princípio não
vira com bons olhos a intromissão dos fenícios naquelas paragens. Essa tribo era constituída de
homens de "face negra" e entregavam-se às mais baixas formas de ritos demoníacos, entre os quais
se destacavam os sacrifícios humanos. Os integrantes das demais tribos os temiam e forneciam-lhes
as vítimas para esses sacrifícios, como uma forma de tributo imposto pelo terror. Com a chegada
dos fenícios, as tribos pacíficas viram uma forma de libertarem-se daquele domínio diabólico, e
pouco a pouco, ganhavam ânimo para rebelarem-se contra aquela forma de tributo que lhes era
imposta de maneira cruel. Para aumentar ainda mais o ódio e o medo do pajé dos "Caacupês" (esse
era o nome da tribo perversa), havia a figura do sacerdote fenício, preceptor de Yet-Baal, o qual era
possuidor de extraordinários poderes mágicos. Esse sacerdote da Alta Magia, que fora o apanágio
dos hierofantes caldeus e egípcios, era uma espécie de guia espiritual da expedição, e o rei Badezir
nada fazia sem antes consultá-lo. A oportunidade esperada pelo pajé dos Caacupês, para afugentar
aquele invasor indesejável apresentou-se, quando Kut-Bél, acompanhado de Badezir, seguiam em
viagem para o norte. Há muito que ele estava perfeitamente bem informado de todos os passos de
Yet-Baal e de seus hábitos, e assim sabia que o jovem e sua esposa, com freqüência, atravessavam
a baía em uma pequena embarcação e vinham pousar numa vivenda campestre, que possuíam nas
proximidades do atual Outeiro da Glória. Numa dessas ocasiões, ser-lhe-ia fácil agir com os meios
que possuía, sem necessidade de arriscar-se a um confronto mais direto com aquele ágil guerreiro.
Não era em vão, que ele desfrutava de um grande prestígio no seio da sua tribo e que havia galgado
o posto de pajé. Entre os seus múltiplos podres, estava o de invocar os "elementos" por meios
mágicos, segredo esse que guardava para as grandes necessidades. Certa manhã, as condições
estavam propícias a seus fins, e o pajé sorrateiramente foi colocar-se sobre o seu ponto de
observação favorito, que era o atual Pão de Açúcar, de onde com seu aguçado olhar, acompanhava
a veloz barquinha de Yet-Baal, cruzar a baía ao sopro da brisa marinha. Ali, encarrapitado e
munido dos seus instrumentos diabólicos, começou a invocar os "elementos da natureza", tão logo
percebeu que a barca singrava o mar. As suas intenções surtiram efeito, uma densa névoa começou
a formar-se à entrada da baía, avançando celeremente até recobri-la com seu impermeável véu. Ao
mesmo tempo, a brisa que soprava, parou, provocando a imobilização da pequena barca, que com
velas murchas, mal progredia. Dentro de poucos minutos, Yet-Baal e sua esposa, estavam
totalmente mergulhados naquele denso nevoeiro cinzento, sem poderem orientar-se quanto ao rumo
a seguir. Pouco a pouco o barquinho e seus passageiros, foram arrastados pelas correntes para o
mar aberto, onde imensas vagas bramiam contra os rochedos da costa. A força dos remos era
insuficiente para vencer a correnteza e sem nada ver, o fenício terminou naufragando.
Eu estava estonteado com a narração e pedi que continuasse.
– Embora excelentes nadadores, tanto ele como sua esposa e o casal de escravos núbios que
sempre os acompanhavam, perdidos no meio do denso nevoeiro que os envolvia por todos os lados
e lutando contra o mar agitado, terminaram por perecer afogados. Seus corpos foram dar na costa,
nas imediações da Pedra da Gávea e ali foram recolhidos pelos nativos que os conduziram para a
feitoria. Procedeu-se ao embalsamamento dos mesmos, de acordo com a tradição e foram
conservados em câmara ardente, até a chegada do rei Badezir e Kut-Bél, o que ocorreu poucos dias
depois. O desespero do monarca foi grande, maior ainda foi o do sacerdote, ao saber da morte de
seu pupilo e de sua esposa em condições tão trágicas. Imediatamente passou a tomar todas as
providências, para dar ao casal de príncipes, um túmulo à altura das suas hierarquias. Era preciso
que a posteridade perpetuasse Yet-Baal e que repousasse num túmulo digno das glórias de seu
povo. Kut-Bél, movido por uma dose de superstição, entendeu que o local para o sepultamento de
seu pupilo, deveria ser o mais próximo possível do ponto onde seu corpo fora encontrado.
Começou a explorar a circunvizinhança, terminando por encontrar uma extensa gruta, em uma
montanha que se estendia até o mar, resolvendo que ali é que deveria proceder ao referido
sepultamento. Todos os recursos foram mobilizados e centenas de homens foram postos a
trabalhar, na abertura de uma galeria no seio da rocha, dando prosseguimento àquela, já ali
trabalhada pela própria natureza. No final da mesma, foi preparada a câmara mortuária. Terminado
esse trabalho interno, iniciou-se o trabalho externo, o qual consistiu em talhar na montanha, a
figura da esfinge fenícia, o Touro Alado. Essa figura colossal, pode ainda ser vista na Pedra da
Gávea, onde à altura da orelha direita da esfinge, Kut-Bél mandou gravar em grandes caracteres a
seguinte frase: "Yet-Baal, Primogênito de Badezir - Tiro - Fenícia". Mas Kut-Bél não se limitou
apenas a dar ao seu pupilo, um túmulo adequado. Por meios que Josué não explicou, ele veio a
saber que o autor daquela desgraça fora o seu inimigo mortal, o terrível pajé dos Caacupês e jurou
que aquele crime não ficaria sem punição. Usando de um ardil, Kut-Bél, conseguiu atrair o pajé
para um lugar adequado e entre os dois travou-se uma feroz batalha, em que as armas usadas, não
foram aquelas utilizadas pelos homens comuns. Como resultado final, o pajé terminou mergulhado
em profundo estado cataléptico e foi conduzido por Kut-Bél, para um lugar que previamente lhe
estava destinado. Esse lugar ficava no próprio Pão de Açúcar, de onde o maléfico pajé provocara a
morte de Yet-Baal. Ali, numa estreita gruta artificial, o corpo do pajé foi emparedado. Kut-Bél não
podia matá-lo, pois se o fizesse, violaria as regras de sua Ordem, mas poderia mantê-lo prisioneiro
naquelas condições, tendo porém, que pagar por isso um elevado preço conforme vim a saber mais
tarde.
E continuou relatando:
– Badezir, desolado com a perda de seu filho, deixou-se mergulhar em profunda melancolia e
foi nesse estado de alma, que um segundo golpe o atingiu. Da metrópole lhe chegara através de
súditos leais, a notícia de que seu trono havia sido ocupado por um usurpador e que todos aqueles
que lhe eram dedicados, foram banidos e mandados para além-mar, para fazerem companhia ao
monarca, que deveria se considerar exilado e não mais regressando a Tiro. Diante desse segundo
desastre e já sem ânimo para permanecer no local, Badezir reuniu a maior parte de sua gente e
rumou para o norte, desaparecendo da história para sempre. Correm notícias de sua morte e de seu
sepultamento na região amazônica. Kut-Bél também desapareceu de cena sem deixar vestígios,
porém, a respeito, uma surpresa me estava reservada.
Havíamos chegado ao nosso destino, abandonamos o carro em que viajávamos e nos
dirigimos para um local situado próximo ao mar. Josué caminhava à minha frente em silêncio e eu
o seguia rememorando os fatos que ele acabara de relatar-me. A estrada já havia ficado para trás e
nós seguíamos uma trilha que contornava aquele formidável maciço de granito que é a Pedra da
Gávea. Diante de meus olhos, agora abertos, a figura severa da esfinge, parecia fitar-me com um
olhar pouco amistoso. Em tudo reinava um silêncio profundo, ressaltado pelo marulho longínquo
das ondas quebrando nos rochedos distantes. Eu caminhava absorto sem imaginar bem o que estava
fazendo ali.
Quando Josué se deteve próximo à imensa parede de pedra da montanha, foi que pareci voltar
à realidade. Ele pediu-me que o aguardasse um momento e afastou-se por entre os arbustos. Dentro
de poucos instantes, voltou e pediu-me para segui-lo. Creio que ele foi certificar-se que estávamos
em segurança.
Juntos voltamos a caminhar pelo meio do mato, percorrendo o mesmo itinerário que ele havia
percorrido antes. Depois de caminhar alguns metros, chegamos a uma abertura natural da rocha.
Essa abertura estava bem oculta e dificilmente alguém a veria, mesmo passando por perto. Josué
penetrou na gruta e convidou-me a segui-lo. Estávamos numa espécie de túnel, bastante espaçoso,
que se perdia em profunda escuridão. Acendemos nossas lanternas e começamos a aprofundarmo-
nos por aquele caminho sinuoso, escavado no seio da montanha. Depois de alguns passos, notei
que o mesmo começava a subir e assim prosseguiu por uma longa extensão. Finalmente nós nos
detivemos diante de uma parede, que me pareceu o final de nossa jornada. Josué contudo não
pensava assim. Abaixou-se e começou a tatear aqui e ali, até que enfim, conseguiu descolar uma
pedra do piso, que parecia perfeitamente aderida ao solo. Removida a pedra, apareceu uma
pequena abertura retangular, no fundo da qual surgiu ante o meu olhar curioso, uma argola de
bronze, perfeitamente conservada. Josué chamou-me e pediu-me que o auxiliasse a puxar aquela
argola. Assim o fiz e depois de um penoso esforço, notei que a mesma se deslocava um pouco.
Imediatamente um ruído surdo e prolongado se fez ouvir. Alguma coisa se movia na parede.
Erguemo-nos e foi então que percebi, que um enorme bloco de pedra havia girado sobre um eixo
invisível, deixando à mostra uma outra abertura. Penetramos por aí e Josué advertiu-me que
andasse com mais cuidado, pois o piso ali para diante estava muito escorregadio.
Pude realmente observar que pequenos filetes de água, escorriam das paredes laterais,
umedecendo o chão, o qual por sua vez, estava recoberto de musgos cinzentos que desprendiam um
odor bastante desagradável. Eu, intimamente estava apreensivo com aquela aventura que havia me
metido na companhia de um homem tão esquisito quanto Josué. Por isso eu o mantinha sob
constante vigilância, nunca lhe dando as costas, embora achasse infantil aquela maneira de
proceder. Depois que penetramos nesse segundo túnel, o ar se tornou irrespirável, o calor que já era
grande, aumentou ainda mais. Nessa altura, eu já começava a recear não poder suportar por muito
tempo aquelas condições e estava a ponto de pedir a Josué para voltarmos. O interesse em ver
finalmente aonde chegaríamos, fez-me fazer da fraqueza força e continuei a caminhar naquele
horrível corredor, onde a escuridão era tão grande que parecia absorver a própria luz que nossas
lanternas projetavam à nossa frente.
Finalmente aquele homem, que parecia perfeitamente à vontade, naquele lúgubre ambiente, se
deteve. Estávamos diante de uma nova parede rochosa, que mais uma vez parecia significar o fim
de nosso caminho. Josué, contudo, pediu-me para recuar uns passos e o deixasse trabalhar. Disse-
me para apagar a minha lanterna e que não a acendesse, fosse qual fosse o motivo, até que ele o
determinasse. Obedeci-lhe sem qualquer protesto. Em verdade, eu já não me sentia com forças para
esboçar qualquer resistência. Recuei uns passos e apaguei a lanterna e para minha surpresa, Josué
fez o mesmo à sua, deixando-nos mergulhados na mais espantosa treva.
Os minutos se escoaram com irritante lentidão e eu não saberia avaliar quanto tempo
permanecemos naquelas condições. O silêncio era absoluto e eu nem sabia se Josué ainda estava
ali. Minhas forças pareciam chegar ao fim e a cabeça rodava, enchendo-me de náuseas. Finalmente
à minha frente, começou a esboçar-se uma tênue claridade esverdeada, que parecia escoar-se de
uma porta aberta. No centro da mesma, estava a figura impassível do meu companheiro,
chamando-me com um aceno de mão.

Aproximei-me como um autômato, até colocar-me rente a ele. Estávamos realmente em uma
espécie de portal aberto no rochedo e eu podia olhar para dentro de um espaçoso salão,
perfeitamente enxuto e iluminado por aquela estranha luz esverdeada. Entramos naquele salão e
não pude conter uma exclamação de assombro. No centro do mesmo, viam-se dois esquifes, cor de
âmbar, dispostos lado a lado, exatamente sob uma espécie de lâmpada fluorescente, de onde
emanava aquela luz esverdeada.
Encostados às paredes laterais e exatamente em ângulo reto com os esquifes centrais, viam-se
mais dois, dispostos um de cada lado. Rente a uma das paredes, estava uma graciosa barquinha
muito semelhante às gôndolas genovesas. Dois vasos de alabastro, finamente decorados,
repousavam no chão escuro de pedras.
O meu espanto diante daquilo que via, não tinha limites. Aturdido, eu começava a julgar-me
vítima de uma alucinação. Olhei para Josué e mais aumentou a minha inquietação, pois ele, sob
forte emoção, chorava. Respeitei o seu silêncio, esperando que ele me dirigisse a palavra. Por fim,
pareceu recuperar-se e disse-me para aproximar-me dos esquifes centrais. Obedeci como um
sonâmbulo e pude então contemplar diante de mim, como que adormecidos, os corpos de um casal
de jovens, de rara beleza. Serenos, com as faces tranqüilas, talvez devido à pintura que lhes teria
sido aplicada nos rostos, não mostravam a palidez dos cadáveres. O homem aparentava ter de 20 a
25 anos, tendo o rosto alongado, que terminava em um queixo em ponta, mostrando um tom escuro
de barba sob a pele. Estava vestido unicamente com um calção justo, preso à cintura por uma larga
faixa de seda vermelha que formava um laço, cujas pontas caíam à frente, sobre a região pubiana.
A jovem aparentava ter de 18 a 20 anos e era também de tez morena, embora de um tom mais
claro que a de seu companheiro. Seu rosto era belo, nele destacavam-se as enormes fendas que as
pálpebras formavam com os olhos fechados, o que me fez supor, que eles eram grandes e rasgados.
A boca possuía os lábios carnudos, pintados de um vermelho cintilante, que sob aquela luz
esverdeada, tomava uma tonalidade ligeiramente violácea. Os cabelos eram negros e sedosos,
apesar dos séculos ou quiçá milênios, ainda brilhavam refletindo a luz. Vestia uma túnica amarela
inteiriça, ligeiramente cingida ao colo por uma fita vermelha, que descia ao longo do corpo até os
pés pequeninos, que calçavam sandálias prateadas.
Numa das paredes, havia inscrições em caracteres, para mim desconhecido, ocupando um
bom espaço da mesma. Interrogado por mim sobre o que diziam, Josué recusou-se a falar, dizendo-
me que era melhor que eu os ignorasse.
Os outros dois esquifes, estavam fechados e não me foi dado ver o que continham. Eram de
qualidade bem mais inferior que os do centro do salão e Josué disse-me que continham os corpos
dos servos do casal.
Quanto à barquinha, pude examiná-la detidamente, embora hoje, muitos detalhes se tenham
apagado de minha memória. Lembro-me apenas que o seu toldo era esmaltado de azul e em seu
centro havia uma espécie de coxim, forrado de veludo vermelho. Era construído de madeira escura
e mostrava sinais de haver sido bastante utilizada. Dentro da mesma, um par de longos remos
estava depositado ao comprido.
Josué interrompeu minha inspeção, fazendo-me voltar para o seu lado. Até então se mantivera
calado, como para dar tempo, que saciasse a minha curiosidade. Um fato que me chamou a atenção
foi que naquela câmara mortuária, respirava-se um ar perfeitamente suportável e não havia aquela
opressão abafada que se sentia nos corredores que a ela conduziam.
– Grave bem na memória o que acaba de ver – disse Josué – O senhor foi a única pessoa, além
de mim, que esteve aqui depois que esses corpos foram transportados para cá. Dia virá em que terá
de relatar o que viu, oxalá o faça, sem dar asas à fantasia ou à imaginação.
Diante do meu silêncio, prosseguiu:
– Vê essa luz? Os homens não acreditarão que o senhor a tenha visto, e eu lhe digo que este é
o mistério de não haverem encontrado vestígios de fumaça de tochas, nas câmaras das
pirâmides egípcias. Os sacerdotes daquele país, simplesmente não as usavam. Eles conheciam a
maneira de produzir essa luz que nunca se apaga e nem produz fumaça. Se algum dia porém este
santuário for profanado, no mesmo instante essa luz se extinguirá e ali no teto ver-se-á apenas um
círculo grosseiro de pedras.
Eu não sabia o que responder e desse modo, mantive-me calado. Josué então prosseguiu:
– Esses corpos que aí estão, pertencem a Yet-Baal e à sua esposa. As "essências" que os
animaram, já percorreram vários corpos. Algumas vezes elas vieram juntas em um mesmo corpo,
outras vezes em corpos separados. As tradições de todos os povos falam nessa maravilhosa
parelha humana, a qual encerra um dos maiores mistérios da história da humanidade. Há
milhões de anos, elas se manifestaram pela primeira vez na terra, como a parelha primordial,
de cuja união nasceu uma categoria de seres perfeitos, dos quais por sua vez, surgiram outras
linhagens, que até hoje se perpetuam e das quais os homens vulgares nada sabem. A história
de Adão e Eva, não é apenas uma alegoria, atrás da mesma se oculta uma inacreditável realidade.
E continuou:
– A missão dessa parelha também chamada de "Gêmeos Espirituais" em algumas tradições, é
tão misteriosa que não pode ser relatada a profanos. Na enigmática Atlãntida, foram conhecidos
como Mu-Iska e Mu-Isis. No Egito, foram conhecidos como Osíris e Ísis, os quais, ao contrário do
que pensam os historiadores, não eram apenas deuses mitológicos, mas seres reais. Na Grécia,
foram cantados como Castor e Polux, Hélios e Selene. Em Roma, aparecem como Rômulus e
Rêmulus, cuja história verdadeira, mutilada pela ignorância humana, é outra completamente
diferente. No império Inca, foram conhecidos como Manco-Capac e Mama-Oclo ou Mama-Coya.
Entre os Chibchas na Colômbia, foram Bochica e sua esposa. No Gênese mosaico, foram
denominados de Adam e Héva, tidos como os pais da humanidade, embora não se diga de qual
"humanidade", uma vez que na terra, existe mais de uma, se bem conhecemos a sua história. Esses
Gêmeos Espirituais, de idade em idade, de século em século, vem se manifestando na terra, para a
preservação de uma semente eterna, de um embrião ou germe, que jamais pode perecer. E ai do
mundo que ele se perdesse, seria a sua ruína total.
E Josué continuou:
– Muitas dessas manifestações essenciais passam despercebidas dos homens ou se confundem
com outros personagens menos importantes. Eu poderia indicar-lhe milhares dessas manifestações
mas isso agora é impossível. Basta o senhor consultar a mitologia, a história, as tradições, lendas de
todos os povos e encontrará ali, as provas do que lhe afirmo. Yet-Baal e sua esposa, cujos corpos aí
estão, foram uma das manifestações e a missão que tinham naquela época, era de resgate.
E explicou-me ainda:
– Quando, há um milhão de anos atrás, desapareceu numa terrível catástrofe todo um
continente, com sua portentosa civilização, uma parte do mesmo foi poupado e essa parte ocupava
uma substancial porção do território brasileiro. Aqui, sete ilhas de destacavam aflorando no mar: lá
para o norte, na região do Parimã e do Roncador, estavam as principais. A leste, a atual ilha de
Itaparica, também aflorava em pleno mar, sendo o seu tamanho, bem maior do que é hoje. Aqui
mais ao sul, outras ilhas se destacavam, sendo de notar-se a Serra do Espigão, com sua misteriosa
Vila Velha, e mais esta região, compreendendo Teresópolis, Petrópolis e circunvizinhanças. Uma
parte da Serra da Mantiqueira, também aflorava ali mais para o oeste. Naqueles recuadíssimos
tempos, a geografia terrestre era completamente diferente do que é hoje. A Cordilheira dos Andes,
nasceu naquela época e o mar a banhava tanto pelo Pacífico como pelo Atlântico, sendo que nessa
plataforma, que se estende de lá para cá, afloravam as ilhas de que acabo de falar. Nas mesmas,
uma substancial população se havia salvo da catástrofe e os mais sábios, aqueles que haviam sido
os expoentes da raça, terminaram por reunirem-se em uma portentosa organização, completamente
isolada dos demais. Estabeleceram o seu quartel general, em um misterioso rincão, cuja exata
localização me é vedado dizer, bastando que lhe diga que, quando em 1925, o célebre Coronel
Fawcett, desapareceu do cenário do mundo, ele se encaminhava para esse local. Essa porém, é uma
outra história, que não vem ao caso relatar.
Josué continuou a falar:
– Com o passar dos séculos, as águas começaram a recuar e os remanescentes daquele
grandioso povo, que não pertenciam àquela organização primordial, já altamente corrompido,
foram se localizando nas novas terras. Com os restos de cultura que possuíam, foi possível a
algumas tribos, organizar núcleos progressistas, de cujo testemunho existem, espalhados por todo o
Brasil, vestígios, os mais evidentes e que são tomados pelos arqueólogos modernos como mero
capricho da natureza. Mas o germe do mal, que habita a alma desse povo, não havia perecido e as
guerras que travaram entre si, na prática de atos animalescos, terminaram fazendo que aquele surto
de progresso fosse interrompido e pouco a pouco entrassem na mais completa decadência, até
perderem todo o saber de seus antepassados e tornarem-se naquilo que hoje vemos: uns pobres
selvagens, vivendo nus nas florestas, guardando em suas lendas, pálidas recordações de um tempo
glorioso. Enganam-se redondamente aqueles que julgam os índios brasileiros, indivíduos
primitivos em vias de progresso. Eles são, na verdade, pobre vergônteas de um grandioso
tronco, que se perdeu depois que mergulhou na mais atroz concupiscência e desregrou-se no
uso da ciência que havia acumulado.

Josué calou-se um instante, como que para concatenar a suas idéias. Eu o contemplava sem
nada dizer, embora estivesse louco para sair daquele lugar.
– Como é penoso e difícil relatar-lhe todas essas coisas. O senhor não pode entender tudo o
que desejava transmitir-lhe, pois vive em um mundo que ignora totalmente a sua própria história e
os profundos segredos que ela encerra. Mas, assim mesmo, eu vou arriscar-me num esforço para
fazer-me entendido.
Josué prosseguiu.
– Em nosso mundo, no conceito vulgar, punir ou castigar o que pratica o mal contra outrem ou
contra a sociedade, é uma operação de justiça e para tanto fizeram leis, que os homens aplicam sem
sentirem-se culpados. Nós, contudo, sabemos que não é assim. Quando por motivo extremo,
temos que aplicar uma punição em alguém, sabemos que nessa mesma ocasião, assumimos
uma responsabilidade do resgate do punido, mediante o sacrifício espontâneo, do qual não
poderemos livrar-nos, sob pena de contrariarmos uma lei universal e termos que arcar com
penas ainda mais pesadas. Essa é uma lei natural e enganam-se os que julgam poder livrar-se dela.
Foi justamente em função desta Lei, que tanto sofrimento temos colhido. Aquele que possuindo em
suas mãos, o poder e que decretou a destruição de todo o continente, com seus reis decadentes, com
seus homens e mulheres corruptas e perversas, tem também que resgatá-los e repô-los em sua
dignidade primitiva. Ele simplesmente poderia não ter intervido e deixar que os maus destruíssem a
si mesmos, porém, a sua piedade e o seu amor pelos que permaneciam justos e fiéis aos princípios
da Boa Lei, fizeram com que atendendo aos seus rogos, interviessem em favor dos últimos,
determinando a destruição daquela terra empestada pela maldade e transformada num grande
"curral anímico".
E continuou contando:
– Antes determinou a saída dos melhores e várias correntes migratórias tiveram lugar no
último século, antes da catástrofe. Umas foram para o Oriente, através da Europa e são chamados
povos pelasgos (os que vinham do mar). Outros foram para o Ocidente e durante alguns séculos,
floresceram nas culturas maias, astecas, etc. Muitos permaneceram naquele continente maldito, de
permeio com a violência e o deboche que caracterizava a maioria. Esses pereceram também,
quando chegou a hora trágica.
Josué calou-se por um longo tempo e com um suspiro completou:
– A Atlântida, também chamada de país de Mu, Kiteah, etc., não foi destruída apenas por
causas naturais. Outras forças foram postas em ação, algumas tão terríveis que, em um minuto
poderiam arrasar nações inteiras. Essas energias repousam no imo da matéria e quando liberadas,
são inconsoláveis em sua força destruidora.
– Como lhe disse – prosseguiu – restos desse colossal continente, permaneceram à superfície,
depois que a maior parte afundou sob as águas. Alguns desses restos, ocupam posições diversas,
onde hoje se situa o território brasileiro. O resgate desta região, se faz necessário e há séculos vem
sendo tentada. Esses jovens que o senhor aí vê, são o que resta de uma frustrada tentativa. Eles
deveriam aqui fundar e fazer prosperar um grande império, calcado na justiça e na verdade e a ele
incorporar os remanescentes daquele povo, cuja pátria havia sido destruída, oferecendo-lhes uma
oportunidade para reerguerem-se moral e socialmente, integrados em uma nova comunidade
organicamente perfeita. Infelizmente, apenas uma parte daquelas sementes originárias do fruto
malsão havia adquirido, com o passar dos milênios, uma condição melhor e com alegria, acolheu
aqueles que vinham libertá-los da ignorância em que viviam. Outros preferiram continuar vivendo
nas velhas fórmulas do passado. Haviam perdido a capacidade de praticar o mal, calcado na ciência
de seus antepassados, porém, continuavam tão apegados ao obscurantismo, nas suas formas mais
vis, que logo buscaram anular todo e qualquer esforço libertador que até eles chegassem. Essa foi a
razão pela qual aniquilaram Yet-Baal e sua esposa.
Josué calou-se mais uma vez. Seu rosto severo, assumia enquanto falava, um aspecto ainda
mais duro e seus olhos pareciam desprender lampejos, quando se referia a certos personagens. Por
fim prosseguiu:
– Por causa disso, por haverem cometido mais esse atentado, contra os que procuravam
redimi-los, foi que eu, por conta própria, tomei a resolução de puni-los, na pessoa de seu chefe,
assumindo uma terrível responsabilidade perante a Lei. O quanto esse meu passo me tem custado
em sofrimentos, ninguém pode avaliar! O isolamento e o esquecimento dos séculos, passaram
sobre mim, na mais atroz solidão, pois eu lhe digo agora, eu fui e sou Kut-Bél - arrematou Josué.

Diante daquela declaração abrupta, eu não pude conter um movimento instintivo e meu corpo
estremeceu, uma espécie de vertigem se apossou de mim e senti-me naquele instante,
profundamente angustiado. Positivamente eu estava diante de um demente. Como poderia ele
fazer-me crer que aquele Kut-Bél, que havia vivido segundo ele, há mais de dois mil anos, fosse o
mesmo homem que eu tinha diante de mim? A partir daquele instante eu não tinha mais dúvida de
que a minha vida corria perigo, e instintivamente apertei a lanterna que tinha nas mãos. Era a única
arma que eu possuía para defender-me. A minha reação não passou despercebida a Josué. Vi-lhe no
rosto, um lampejo de desprezo e um sorriso vago de comiseração. Ele parecia divertir-se às minhas
custas.
Disse Josué com voz tranqüila:
– Compreendo perfeitamente aquilo que se passa consigo, eu posso ler os seus pensamentos
mais íntimos. Acalme-se! Eu não sou o louco perigoso que o senhor julga e nem a sua vida corre
perigo algum.
Sem saber o que lhe responder, guardei silêncio, limitando-me a olhá-lo nos olhos. Neles não
encontrei qualquer sinal de agressividade e isso me tranqüilizou um pouco.
– A revelação que acabo de fazer-lhe, é realmente inusitada e o senhor não estava preparado
para tanto. Apesar disso, o que eu lhe disse é a pura verdade: Eu sou Kut-Bél e a minha ciência me
permitiu conservar a vida até hoje, nem só para tragar até a última gota do meu cálice de
sofrimentos, como para manter acesa uma chama que não deve apagar-se, sob pena de jamais haver
a operação de resgate de que lhe falei.
Josué fez uma pausa e prosseguiu:
– Daqui, precisamente há 25 anos, nós nos encontraremos outra vez. Nessa ocasião, o senhor
terá um papel importantíssimo a desempenhar, junto ao governo deste país. Essa sua missão será
tanto mais importante, quanto alterará definitivamente os rumos a serem seguidos pelo povo
brasileiro, com repercussão no mundo inteiro.
Eu estava sem saber o que dizer diante daquele homem estranho, que me fitava com seu olhar
penetrante e que parecia ver o futuro com tanta segurança, como se ele já fosse o presente.
–Para completar tudo o que lhe disse, devo acrescentar que também tenho vários nomes e
personalidades. Durante muito tempo, eu fui conhecido como o "Ermitão da Glória". Aliás, eu
sempre estive nesta região, desde os tempos de Yet-Baal. Ali, no Outeiro da Glória, eu cumpri um
duplo papel: o de "Guardião deste Santuário" e de mantenedor do grande culpado, que eu
emparedei vivo ali no Pão de Açúcar. Ao puni-lo, da maneira que fiz, fiquei preso àquele malvado
e responsável por sua vida. Pelos séculos afora, ele tem vivido às minhas expensas, adormecido e
incapaz de praticar o mal. Eu devo visitá-lo periodicamente, despertá-lo momentaneamente de seu
sono letárgico, afim de não perecer e fazê-lo dormir novamente, até que se cumpram determinados
eventos, quando então ganhará definitivamente a liberdade e eu também estarei liberto. O Gigante
Adamastor voltará, quem sabe, a aterrorizar os mares e eu partirei em peregrinação, para juntar-me
aos da minha própria estirpe.
Josué calou-se uma vez mais e em seu rosto havia um misto de tristeza e alegria.

Eymar Franco
(Escrito no Rio de Janeiro, na década de cinqüenta).
_________________________________

(*) Dizeres da carta que o autor enviou à Zélia Scorza Pires, como forma de agradecimento pela divulgação de seus trabalhos:

Santarém (PA), 01 de setembro de 2005

Venerável Irmã Zélia - PAX

Foi com surpresa que recebi a sua carta de 16.p.passado chegada em minhas mãos ontem, e mais surpreso ainda, ao saber que o
meu conto sobre o Mundo Subterrâneo de Duat, havia sido divulgado e acabara indo parar na Internet (...).
(...)
Assim, foi uma grata surpresa tomar conhecimento que alguém o havia lido e dado a outros Irmãos para lê-lo. Afinal de contas eu
achava que o conto era muito interessante, especialmente para os Irmãos daquele lugar (Maria da Fé, MG). Os nomes dos personagens
são reais (Edgar e Nelson), o resto veio a mim como uma inspiração uma semana depois.
Não sei se a Irmã prestou atenção para o fato de que o conto encerra no seu conteúdo, os quatro elementos: terra, água, fogo e ar.
Creio também que a poesia "Redenção" tenha saído na Internet.
Mas deixemos isso para o passado. Você fez bem em divulgar a estória e já nem me lembro de haver pedido para não divulgá-la.
Agora estou lhe remetendo o conto "O Segredo da Pedra da Gávea", espero que também agrade, pois o mesmo envolve um assunto
fascinante (pelo menos assim o penso) e possivelmente agradará aos leitores (...).
(...)
Com referência ao Outeiro da Glória, o Professor dizia que era uma "embocadura" para o mundo subterrâneo e ele costumava
visitá-lo.
(...)
Se algum dia você for à Itaparica e ler a inscrição escrita numa placa de bronze que lá está, lembre-se que fui eu o autor daqueles
dizeres.
Paremos por aqui e deixemos que a pátina do tempo cubra nossas memórias.
Mais uma vez agradeço a sua carta.
(...)
Para terminar envio-lhe um verso esotérico que fiz sobre Brasília.
Disponha sempre deste seu Irmão e admirador.

Eymar C. Franco.

Eis os versos que fiz:

Brasília, cidade impossível


Construída num mundo irreal
Brasília, cidade mistério
Encravada entre o Bem e o Mal.

A oeste, Corumbá, um "cascão"


A leste, o imortal Salvador
Ao sul, Vila Velha, já morta
Ao norte, o feroz Roncador.
Quem souber decifrar essa cruz
Projetada de um céu sem senil
Será dono de grande verdade
Encravado no chão do Brasil.

Eymar Franco, Brasília, ano 1973.

De: Marcus Vinícius Rigo <mvrigo2000@yahoo.com.br>


Para: PP <projetoportal@yahoogrupos.com.br>
Enviadas: Sexta-feira, 4 de Maio de 2012 9:59
Assunto: [projetoportal] O Segredo da Pedra da Gávea

Olá amigos.

O Wilmar tentou várias vezes enviar um arquivo pelo Yahoo eu também tentei, mas ao
que parece está com algum problema no site e determinados arquivos não estão
anexando.

Para ajudar a resolver, publiquei o texto em nosso espaço da lista reservado


especialmente para o armazenamento de arquivos.

Vocês podem acessar o link a baixo:

http://br.groups.yahoo.com/group/projetoportal/files/

Lá existe uma lista de arquivos que está meio desordenada, mas vão encontrar com o
nome

"O SEGREDO DA PEDRA DA GÁVEA.DOC"

Vibração!

Marcus Vinícius Rigo


51-9292-0632

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