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A FOTOGRAFIA COMO FONTE HISTORICA Introdugao a uma colecao de fotos sobre a “Escola do Trabalho"* RESUMO Este trabalho € resultado de varias ctapas de pesquisa, visando a reconstrugdo histérica da relacdo trabalho ¢ educagdo no pensamento educacional brasileiro, buscando aprender algumas de suas ‘mediagées histéricas e, finalmente, tentando reconstruir a “escola do trabalho" por meio de fontes documentais escritas, do trabalho de historia oral ¢ de fotografias. Neste texto, no primeiro momento, abordamos bbrevemente aigumas mediagdes histéricas da “escola do trabalho” e suas transformagdes rumo a0 modelo industrial. No segundo momento, buscamos aprofundar 0 uso da fotografia como fonte histérica tendo como referéncia uma colegto de 95 fotos sobre trés escolas do Estado do Rio de Janeiro. Descritores de assunto: Fotografia - Fonte Histérica - Historia da Educagao - Escola do Trabalho ~ Mediagio. MARIA CIAVATTA FRANCO“ Universidade Federal Fluminense, Brasil " A humanidade permanece irremediavelmente ‘presa na Caverna de Platdo, continuando a deliciar-se, ‘como & seu velho hbito, com meras imagens da verdade." (Susan Sontag) ABSTRACT The scope of this research is to evidence the relevance of photography as historical documentation. ‘The text shows that photography has been used as a means for recovering the memory of the relations between work and education. The significant contribution of the work developed by the professional schools in the State of Rio de Janeiro during the first half of the century is also pointed out. The schools mentioned are: Jofo Alves in Vila Isabel, Visconde de Maua in Marechal Hermes and Henrique Lage in Niteroi Deseribers: Photography - Historical documentation = Work - Education - Professional Schools. * te reto tem por bases eve de Professor Titular de Trablho ¢ Edocag2o da Universidade Federal Fluminense, "Trabalho e Edicaglo~ Histiia € Imagens", Nt, Rio de Jane, 1994, efi preparado para a 17" Reunigo Anval da ANPE4, Hotel Glia, Coxumbu, 23 227 de outro de 194, Licenciada em Fuosofia, Douora em Ciencias Humanas (Educa), Professora Tiler da Universidade Federal Fluminense, Membro do Consejo Directivo internacional da Asocacin de Edscadores de Latinoamérica y Caribe Edu, Rev., Belo Horizonte (18/19), 27-38, dez. 1993) jun. 1994 27 (© que € a fotografia? Como ir alfm de seu fascinio de recriagdo da realidade, do seu mistério de simulacro que € ‘que nao é, ao mesmo tempo, o objeto real? Como apreendé-la naquilo que ela mostra do real ¢ naquilo que ela dissimula, esconde, eria e recria como se fosse uma outra realidade? Como utilizé-la como documento para a reconsirugao da Escola do Trabalho? © uso da fotografia como fonte histérica ainda é pouco explorado na érea de educagto. Os trabalhos pioneiros concentram-se mais na atividade indispensdivel de identificago ¢ organizacdo de acervos fotograficos e de outras fontes documentais (NUNES, 1992; ALMEIDA, 1992; BARROS, 1992, entre outros). As referéncias usuais para o estudo da fotografia sao da érea de comunicagdo (BARTHES, 1984; SONTAG, 1986; MACHADO, 1984) ou de histéria (BENJAMIN, 1987; FERRO, 1976; ANDRADE, 1993; HUNT, 1992; LEITE, 1986). Neste texto, nos limitaremos a comentar alguns aspectos da discussdo tedrica sobre objeto fotografico, ‘apontados por BARTHES (ibid.), MACHADO (bid), BENJAMIN (Ibid) na sua doutrina das semelhangas (op. cit), © sobre algumas questdes de pesquisa histérica levantadas por LEITE (1986), PAIVA (1987) ¢ ANDRADE (1991 ¢ 1993). Observagdes complementares foram encontradas em HAGEN (1983), DELSAUT. (1988), BENTES (1993), FABRIS (1991) © produto deste trabalho ¢ resultado de varias tapas de pesquisa, durante, aproximadamente, dez anos, visando & reconstruglo histdrica da relagdo trabalho © educago no pensamento educacional_ brasileiro; ‘buscando apreender algumas de suas mediag6es historicas «,finalmente, tentando reconstruir a "escola do trabalho” através de fontes documentais escritas, do trabalho de historia orale de fotogratias. No primeiro momento, abordamos brevemente algumas mediagdes hist6ricas da "escola do trabalho" que toma forma na primeira metade deste século, primeiro como escola artesanal ¢ de oficios; e depois como escola profissional industrial acompanhando as transformagdes dda sociedade brasileira e o crescimento da indstia rumo @ industrializagdo, No segundo momento, buseamos aprofundar o uso da fotografia como fonte histdrica tendo ‘como pano de fundo uma colegdo de 95 fotos cujo tema sto trés escolas do Estado do Rio de Janeiro: o Instituto Profissional Joao Alfredo, no Rio de Janeiro, em Vila Isabel; a Escola Visconde de Maud, no distante subirbio de Marechal Hermes; ¢ a Escola do Trabalho, mais tarde Escola Profissional Henrique Lage, no bsitro *proletério" do Barreto, em Niteréi. 28 1, Mediagdes histéricas da "escola do trabalho" © recurso a historia parece ser o lado mais tangivel dda producto cientifica para quem trabalha com a pesquisa ‘em educagto. Isto porque € a rea do conhecimento que pode revelar como se produz a vida social, que pensamentos, sorhos, aspiragBes ¢ interesses impelem os homens nas suas opgdes de vida, Mas trabalhar com a histéria ¢ rabalhar com fragmentos de um tempo que nto mais, que foi e apenas deixou vestigios, como adverte Marc Bloch. E vestigios so pegadas, sao rastos, sinais, indicios, partes de um todo que $6 aproximadamente podemos reconstruir. Dai se segue a importincia das fontes alternativas, das diversas "linguagens’ de aproximegio histérica do passado "gue relampeja irreversivelmente no momento em que € reconhecido” (BENIAMIN, 1987), A tentativa de apreender algumas_mediagbes hist6ricas da tealizagdo das “escolas do trabalho obrigou- ‘Ros a0 processo complexo de ir das determinagdes mais, .gerais do trabalho ¢ da educacdo a singularidade dos fatos empiricos ¢, destes, voltar a0 geral, apreendendo-os nas suas. mediagdes especificas, na sua particularidade histérica, enquanto duraco, espago e movimento da Tealidade sob a ago cotidiana dos homens (LUKACS, 1979, CURY, 1985, ZEMELLMAN, 1987), Assim, 0 primeiro aspecto a destacar é sua historicidade. O que implica a negago da ideologia dominante que, 20 tratar como natural o que ¢ histérico e, como permanente, 0 que € passageiro, reifica real, retirando-Ihe o movimento e a contradigao, "A historia é 0 mundo das mediagdes. E a historia, enquanto movimento do proprio real, implica o movimento das medias@es. Assim, elas sfo historias e, nesse sentido, superiveis ¢ relativas" (CURY, 1985, p. 43). 0 termo "escola do trabalho" nao é unfvaco. Como sugere a palavra trabalho, mais do que uma ago ou um ‘objeto, seu melhor significado é "mundo do trabalho”. Mais do que um conceito singelo, a "escola do trabalho" deve ser entendida como um processo, um agir humano, um movimento de idéias e agdes que acompanham a introdugto do trabalho na escola como um principio ‘educativo. Fomos buscar 0s textos escritos ¢ nas entrevistas referéncias a escola do trabalho e a algumas de suas, mediagdes histricas (FRANCO, 1993). Eles deixam entrever uma realidade que apenas vislumbramos e que, ossivelmente, pode ser ampliada pela via do simulacro de realidade que nos € dado pelo &xtase das fotografias. ‘Talvez avancemos um pouco mais na ilusto por meio do relato de antigos professores. E assim, teremos chegado a0 conhecimento possivel. Edue. Rev., Belo Horizonte (18/19), 27-38 , dez. 1993/jun, 1994 Em 1898. 0 prefeito refere-se ao IP Joto Alfredo em termos elogiosos: "E a mais democratica das academia, viveiro de mestres para as indastrias, curso de estudos priticos para os oficios mecinicos, a melhor das escolas de trabalho"(BRAGA, 1925, p. 70). Nos anos 30, 0 poeta e pensador conservador Tasso 4a Silveira assim discursa: "O forte pensadortraduziu em sintese admiravel @ inseguranga de nosso momento historico e a confianga em que a mocidade vira redimir 0s ‘erros do passado, desde que seja educada na escola do trabalho e da ordem"(ALVES, 1936) Nos jomais de Niter6i, nos anos 40, a escola do. trabalho esti sempre em evidéncia: pelo bom funcionamento da caixa escolar; pelo encerramento do ‘ano letivo com a presenca de autoridades ou pelos "novos. profissionais de escola do trabalho" (O ESTADO, 1940). De contetido moral da ideologia autoritéria do Estado Novo € a referéncia de Deldato de Moraes, escrevendo na Revista de Cultura Politica: "A Escols Brasileira Nacionalizadora, adaptando-se as necessidades decorrentes da _época € respeitando os princfpios fundamentais do Estado Nacional, tornou-se @ Escola do ‘Trabalho, da iniciativa e da fortaleza moral” (MORAES, 1943), Os documentos selecionados registram aspecios, tempos ¢situagdes que acompanham a discussdo sobre 0 ‘que deveria ser a escola para formar homens produtivos no Brasil. Na mesma época, Gramsci, na ltl, teorizava sobre a criagio de um novo mundo, enfatizando a necessidade de formar homens omnilaterais, produtores mas também dirigentes. Seria a Escola do Trabalho a escola "desinteressada" do fazer imediato, a escola voltada para 2 eiéncia, a técnica , 0 mundo da historia e das artes ¢, também, © mundo da técnica e da produgdo, mas como "Escola do Trabalho desinteressada” (NOSELLA,1992, p16) Nao é esse 0 discurso que repercute no Brasil. A ‘busca de um modelo da “nova escola” passa, primeiro, la preocupagdo da assisténcia aos desvalidos, do valor disciplinador do trabalho ¢ do atendimento as necessidades da indisiria nascente. Os documentos esetitos, os depoimentos ¢ as fotografias permitem-nos recuperar algumas das mediagbes histOricas, alguns dos processos socisis particulares a algumas escolas ou a luma delas, que dio forma ¢ legitimidade & educagao como preparacto para o trabalho: o assistencialismo; a formacio moral; 0 disciplinamento e a formagao de habitos © comportamentos adequados « futuros trabathadores da industria; a valorizagio do homem pelo trabalho; a alternativa cultura geral ou cultura técnica; a industializagao das escolas. Educ, Rev., Belo Horizonte (18/19), 27-38, dez. 1993/ jun. 1994 Seus antecedentes devem ser buseados no tecido social escravista que perpassa secularmente a sociedade © alimenta a hegemonia dos "naturalmente” ricos sobre os “naturalmente” pobres (ANDRADE, 1990, p, 447) ¢ da educagao pelo trabalho para os filhos dos proletdrios, ‘Além do assistencialismo e da formago moral para a ordem, @ busca de um modelo da "escola do trabalho passa pelo ideério escolanovista que incorpora as atividades manuais como um proceso pedagogico de superagao do beletrismo tradicional © como meio psico- pedagdgico de desenvolvimento intelectual pela via do slojd, 08 trabalhos manuais. (© que vai prevalecer na educagao para o trabalho é lado pregmatico do ensino profissional, o ensino das ‘éenicas e a metodologia do trabalho industrial em que , progressivamente, os objetos fabricados e a propria formagdo de méo-de-obra assumem a naturcea de mercadoria, ‘A formagao de homens produtivos para a sociedade industrial, desde seus primérdios, requer disciplina, formagdo moral e uma ética do trabalho. Esses sto aspectos profundamente imbricados na “escola do trabalho”. Essa explicitacdo inicial & importante para que os diversos aspectos da disciplina interna das escolas do trabalho possam ser entendides como parte de objetivos mais amplos, 0 da construgao da hegemonia domninante na sociedade e sua expressto nas diversas formas de dominio localizadas nas escolas. A fotografia, mais do que os documentos escritos, parece ser 0 meio privilegiado para captar detalhes. E como se a disciplina ou a indi mesmo que seja s6 a de olhar para 0 fotdgrafo no momento proibido, na hora exata da foto - € mais elogiente na imagem que a explicita silenciosamente, com toda a eloguéncia do gesto. 2. A fotografia: 0 exercicio da compreensao pelo olhar Tentar conhecer um objeto por sua fotografia & como lider, simultaneamente, com a multiplicidade de olhares dos sujeitos envolvidos no ato de fotografar, no ato de se deixar fotografar ¢ na aso de, pelo proprio ‘oar, compreender a realidade da imagem e a imagem da realidade, A fotografia é um documento visual, um registro ue mostra que algo aconteceu. O que esté na foto no se pode negar que aconteceu, diz BARTHES (1984, p. 127). E um testemunho, como ¢ a palavra empenhada de 29 alguém. "A Fotografia nio fala (forgosamente) daquilo que nto & mais, mas apenas e com certeza daquilo que foi. Essa sutileza é decisiva”, ( grifos do autor) ‘Mas com Barthes, com sua andlise fenomenolégica, estamos aqui, a0 coragao de uma polémica: a fotografia fala por si s6? "O noema da Fotografia ¢ simples, banal; nnenhuma profundidade: Isso foi" (..) A imagem, diz a fenomenologia, ¢ um nada de objeto. Ora, na Fotografia, © que coloco no € somente 2 auséncia do objeto: ¢ também, de um mesmo movimento, no mesmo nivel, que ‘este objeto realmente existiu e que ele esteve onde eu 0 vejo" (ibid, p. 169). Mas uma foto ¢ um documento coletivo, isto & precisam existr, no minimo, dois sujeitos ou um sujeito @ uum objeto produzido por aiguém, em alguma situagao, para que a foto ocorra. 0 coletivo, o social, esté na Telagdo criada a0 fotografar e nfo, necessariamente, na presenga de um outro sujeito. De modo que o acontecimento esta sempre ligado a uma situagdo, a condigbes de tempo, espago e movimento em que as coisas acontecem sob algum tipo de intervengao de quem fotografa, que produz um novo objeto, a fotografi imagem ou representagdo da realidade fotografada Mas qual a natureza dessa imagem ou simulacro? tum objeto que reproduz 0 objeto original, que mantém com ele semelhangas capazes de identificar um com 0 outro, mas que € outro, € diferente na esséncia e na aparéncia. Um € 0 objeto real, material; 0 outro, a imagem, é a construgo imaterial e simbolica, enquanto imagem, e material enquanto fotografia, produto da ago a luz sobre ceras substincias quimicas e da formago da imagem, por meio de um dispositivo 6tico, produzida por um sujeio. ‘A fotografia como fonte de prazer, como objeto estético, como fonte histérica ou como documento, como registro que transmite uma informagdo ou comprova uma afirmagto, € sempre produto da visto de realidade privilegiada pelo fotografo, mas que, ao ser contemplada, passa pela visto, pela interpretagao daquele que @ vé. Como as outtas fontes documentais, 0 texto escrito ou a entrevista, a objetividade do mundo exterior registrado na fotografia € perpassada pela cupla subjetividade dos Ao, 0 clima da fotografia, o tom, o que entra ‘© 0 que sai da cena; ¢ a daqueles que véem e decodificam a fotografia segundo seus préprios pontos de vista, seu lima interior e seus interesses na apropriagdo da foto © de suas mensagens. isso podemos inferir que, como outras produsses sociais, a fotografia ¢ altamente ideologizada. Sto 30 inerentes a ela concepgdes de mundo, pontos de vista de classes, de grupos. familias, individuos, culturas, E indcuo teniar avaliar seu grau de objetividede ou subjetividade, salvo em fungdo de afirmagdes especificas as quais 3 fotografia acrescenta informaga0. Como o olhar humano, cla € profundamente afetada pelo desejo, pelo inconsciente que direciona sem se mostrar (BENJAMIN, 1984), MACHADO (1984), ao lado de uma visd0 profunds © abrangente da génese da fotografia, enfatiza suas relagdes com a ideologia da sociedade ou do grupo que a produz. A ilusio especular, se é produto do "didlogo” da mara com as informagdes luminosas que advéem do mundo visivel, tem, nela, muito mais uma forga formadora do que reprodutora da realidade. “As cémeras so aparelhos que constroem as suas préprias, configuragdes simbélicas, de outra forma bem renciada dos objetos ¢ seres que povoam 0 mundo: imais exatamente, elas fabricam “simulacros", figuras autdnomas que significam as coisas mais do que as reproduzem” A “intengto formadora que esti na base de toda significagao” fica, normalmente, oculta sob a imagem processada tecnicamente que se impSe para a massa de espectadores como se fora uma "entidade objetiva transparente” de modo a parecer "dispensar 0 receptor do esforgo de decodificasio ¢ de deciframento, fazendo ppassar por natural e universal o que nfo passa de uma construgdo particular e convencional (ibid). Machado chama ainda a atengio para os determinantes téenicos da fotografia, de sua produto, nto apenas dos produtos, das fotos. & como se a fotografia, por depender da maquina e por incorporar a racionalidade matemética em sua produgdo, gozasse da suposta neutralidade assegurada pela ciéncia. "Durante muito tempo, a arte renascentisia fez estorar 0 seu efeito especular no recurso as maquinas, pois a méquine, na sociedade capitalista emergente, dava garantia’ de Cientificidade aos seus produtos: a cimera fotografica é apenas um eco tardio dessa hipostase” (ibid. p. 75). Quesizo semelhante se coloca quando Barthes Pergunta: as imagens sto mais vivas do que as pessoas? "Uma das marcas de nosso mundo talvez seja essa inversdo: vivemos segundo um imaginério generalizado". Generalizada, a fotografia “desrealiza completamente 0 ‘mundo humano dos conflitos e dos desejos, sob o pretexto de ilustré-lo. O que caracteriza as sociedades ditas avangadas € que hoje essas sociedades consomem imagens ¢ nflo crencas como as do pasado” (...) . (BARTHES, 1984, p. 173-174) Educ, Rev., Belo Horizonte (18/19), 27-38 , dez. 1993/iun, 1994 [Nio apenas as sciedades dias do Primeito Mundo, mas também todos os povos do Tercciro Mundo vivem a sedugfio da imagem. Vivemos, neste final de século, t80 imersos no mundo visual, ‘no mundo aparente da fotografia, do cinema, do video, da televisto, de uma cultura da imagem que se universaliza, de tal forma que 8 pessoas ¢ suas obras $6 parecem existir se aparecem nos meios de comunicagio. Esse € o novo senso comum do critério de verdade, Nesse sentido, & importante avaliar © potencial mobilizador da fotografia, sua eficécia na propaganda, na producdo da ideologia da valorizacao do trabalho, na veiculagao da idéia de “escola do trabalho" , principalmente, se nos remetermos ao tempo em que ai fotos mais antigas foram produzidas contemporineas do cinema mudo ou quando mal se iniciavam o cinema sonoro ¢ o ridio, Guardadas as diferengas de contetido de cada situagio, ¢ esse mesmo fascinio, 0 da verdade transfigurada nas belas imagens da escola do trabalho, {que nos envolve quando percorremos as colegBes de fotos sobre seus escolares, jovens aprendizes, filhos de trabalhadores, semelhantes aos trabalhadores precoces de hoje. Ac impacto das fotos, no primeiro momento, de nnada nos vale toda a teoria da alienagto do trabalho, da serviddo do trabalhador na sociedade industrial em formagao naquela época. O problema para o pesquisador est em ir além da seduséo, da vivéncia estética, ¢ desvelar a histéria subjacente, oculta no seu "mundo encantado". BENJAMIN (984, p.108) considera o olhar sobre a esfera do semelhante de fundamental importancia para a compreensto daquilo que ele chama de "grandes setores do saber oculto”. Mas adverte: "Porém esse olhar deve consistir menos no registro de semelhangas encontradas que na reprodusio dos processos que engendram tais diferengas. A natureza engendra semelhangas; basta pensar na mimica. Mas é o homem que tem a capacidade suprema de produzir semelhangas” © circulo existencial regido pela semelhanga teria sido, outrora, muito mais vasto, era o mundo do micro e do macrocosmos. Mesmo hoje, h# incontaveis semelhangas que percebemos, umas conscientemente ¢ ‘muitas mais, inconscientemente. Benjamin fala em uma “faculdade mimética", uma capacidade de leitura de uns fatos em outros, como a leitura de um nascimento na constelagdo dos astros, praticada pelos antigos. Com 0 tempo, "com a passagem dos séculos, a energia mimética, € com ela o dom da apreensto mimética, abandonou certos espacos, talvez ocupando outros". Talvez por ser esse um dom frégil. "Pois o universo do homem modemo parece conter aquelas correspondéncias mégicas em muito menor quantidade que o dos povos antigos ou primitivos" (ibid., p.109) (gros nossos). Nao dispomos mais de uma pereepgio que “nos pernita falar da semelhanga entre uma constelacdo ¢ um ser humano". Mas restm como que vestigios na Jinguagem, nos seus elementos onomatopaicos, desde que se conceba a linguagem ndo como um sistema convencional de simbolos. Walter Benjamin trabalha com a idéia de que existem semelhangas de natureza extra~ sensivel que se manifestam na linguagem, por meio de ligagses entre o escrito e o falado (a mais visive), entre 0 falado e 0 intencionado, entre o escrito © 0 intencionado, sempre “de um modo novo, origindrio, irtedutivel". A escrita, pela faculdade mimética manifesta na atividade de ‘quem escreve, e a linguagem oral seriam um arquivo de semelhanras, de correspondéncias extra-sensiveis" (ibid, p. 110-111). Essa dimensto extra-sensivel, que pode ser chamada de magica, ndo se desenvolveria separada de uma outra

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