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InProcess Date: 20230724 Indiana University Document Delivery Services 2181401 Ill ILLiad TN: Odyssey Borrower: ABF Borrower TN: 222696 Lending String: CUV,FUG,"IUL,EYM Patron: Journal Title: Brotéria, Volume: Issue: n/a Month/Year: 1955Pages: 23 Article Author: José D. Garcia Domingues Article Title: Aben Mafom e a conquista do Algarve pelos portugueses na 'Adh-Dhakhyra as- Sanyya' (some citations say this was an offprint) Imprint: Caminha : Brotéria, 1925- ILL Number: 220650968 TT Location: B-WELLS__RCSTACKS Call #: AP6S .B84 1955 Borrowing Notes: Borrowing Notes: IFM charges only. Please conditionalize if UPS return required outside of AL. Thanks, ABF. Odyssey Maxcost: 17.001FM Shipping Address: Samford University Library Interlibrary Loan, Rm 410 ‘800 Lakeshore Dr Birmingham, Alabama 35229 United States Fax: (205) 726-2642 Ariel: ‘Odyssey IP: iliad.samford.edu Email: davisill@samford.edu InProcess Date: 20230724 Notice: This material may be protected by US copyright law (Title 17 U.S. Code) Aben Mafom e a conquista do Algarve pelos portugueses” NA «ADH-DHAKHYRA ASSANYYA » A ideia desta comunicagio veio-me ao espitito pelo facto de me parecer de alguma utilidade dar a conhecer dois passos da (Crdnica Anénima dos Merinidas publicada pela primeira vez em Argel, em 1920, por Ben Cheneb) que se relacionam com a historia arabe do Algarve e que, entre nés, nunca foram postos, até agora, devidamente em relevo (°). Para eles chamou a atencdo Levi Provengal néo sé no seu estudo sobre a lapide alméada de Silves (para o que tivemos o prazer de faci- lar reproducées fotogréficas), mas ainda em conversas quando da Diareteege uietate Dacia el) Levi Provencal referiaese a trés passos ¢ néio a dois (*) Consultei a no Instituto de Estudos Arabes de Madrid e ndo encontrei nela a segunda das citagées refe- ridas. A preocupacio de muitos trabalhos néo me permitiu procucar. mais calmamente, 0 passo em causa que cettamente existe, dada a autoridade de quem o indica (+) (1) Comunicago apresentada 20 Instituto Portugués de Arquenlogia, Hist f fe © Etnograia, : 0) A obra inttulase Sxuyell alyS! Aybig odio! Fy SIS (Adh-Dhakhyra AsSanyya fy tueykhi Ad-Dawlai ALMacynyyatl) ow sa “Tesouro dos anos sobre a histéria do Império dos Merinidas f @), Lat Provencal. Linsceiption Almohade de Silves in: Mélanges dtu: des Portugaises offers a M, Georges Le Gentil, 1949, Instituto para a Alta Cub fara, pags. 257-2621. () Paginas 76, 95, 111, (9 © texto da pagina 95 diz respeito a acontecimentos corridos. ein Marroces, 56 BROTERIA Na leitura que fiz, leitura, de resto, atenta, pude notat que os dois treches encontrados tém, de facto, muito interesse para nés. Um 6 referente & maneira. como os portugiteses conquistaram o Algarve e como os muculmanos © perderam, e 0 outro. 0 fim trégico de Aben Mafom, tiltimo rei arabe do Algarve. E precisamente sobre estes dois passos que versa a minha comu- nicagio © como o assunto deles me parece de certa importancia, sou ievado a trati-lo, se bem que de modo algo superficial e com o fim apenas de chamar a atencdo para alguns aspectos novos do problema © para uma diferente valorizagao de fonies. Porque isso estava indicado, tentarci fazer um pequeno esboco do que se conhece sobre os temas versados nos passos referidos A iiltime época do dominio sarraceno no territério hoje porte. gués € uma das mais mal conhecidas. A historiografia portuguesa contempordnea manifesta grande escassez de dados sobre ela e avanga sobretudo & base de supo- sigdes. Herculano ¢ Gonzaga de Azevedo, os que mais desenvolveram ‘0 assunto, pouco dizem ou adiantam © mesmo se pode dizer da historiografia espanhola excepcdo fella da obra de Cagigas sobre «Los Mudejaress. Nao $6 os historiadores portugueses e espankois falam pouco sobre este periodo, como algumas das suas assercdes sto manifesta- mente erréneas. Dediquei-me iltimamente, ao estudo desta época. O presente tra balho é apenas 0 inicio da apresentacdo de algumas achegas ¢ correc $6es para um dia se poder tragar 9 seu quadro geral, depois de rigo- rosamente apurada a realidade des factos. Para 0 nosso estudo se fazer segundo uma ordem coerente, di- vidiremos idealmente 0 assunto em duas secgdes: a figura de Aben Mafom © a conquista do Algarve pelos portugueses, se bem que estes temas se encontrem intimamente relacionados entre si Na elucidac#o e discussio dos diferentes pontos conside- raremos: 1) 0 que dizem os historiadores portugueses ¢ espanhiis sobre © assuto (estado actual do problema) 2) 0 que dizem as fontes arabes : J. GARCIA DOMINGUES— ABEN MAFOM aur 3) 0 que dizem as crdnicas cristis espanholas e portuguesas : 4) qual 0 valor relativo das crénicas arabes e cristas. Finalmente tentaremos fazer a eeconstitwicéo da realidade dos factos & luz das fontes drabes e eristas, 1 © estado actual do problema Em Herculano, Ibne Mabfot € uma figura indecisa, Aparece como vali (?) de Niebla. Fala-se dele dizendo-se que tomou parte na defesa de Sevilha, quando do cerco de Fernando Ill, como chefe da cavalaria do Garbe (*). Diz-se, depois, que cle surge em 1253, j& depois de haver per- dido o Algarve, como vassalo de Afonso X. Fala-se da amizade entre © Infonte D. Afonso de Castela e Ibne Mahfot e da doacio que est2 teria feito aquele, do Reino do Algarve, Também se fala da perda de Niebla por Ibne Mahfot a quando da conguists de Afonso X, erradamente colocada em 1257. ‘A personalidade d- Aben Mafom em Herculano fica mal defi aida. Vali, ou chefe da cavalaria do Garbe? Gonzaga de Azevedo © Angelo Ribeiro néo acresceatam muito mais (*). Que era o reino de Niebla? Como se tinha formado? Quais 05 seus limites? Como desapareceu? Quem era, verdadei mente, Aben Mafon? Como e quando desapareceu do tablado da historia? Eis ai uma série de questées que, nas obras dos autores referidos, nfo sfo resolvidas, Também, sobre a conquista definitiva do Algarve, o depoimento dos nossos historiadores contemporaneos ¢ muito deficiente. Assim, Hereulano nega 0 valor da Crénica da Conquista do Algarve que hoje se sabe pertencer a Cronica dos Sete Primeiros (©) A. Hexcurano, Histéeia de’ Portugal, 1858, Lisbos, Vidva Bertrand © FPihos, Tomo Il, pag. 15 © pag. 395. ‘ () Lufs Gonzaca om Azaveno, Histérin de Portugal, 1935/1944, Lisboa, t Esigses Bilton i =:ANGELO Rimtiz0, Llkimas conquistes e definisdo. teectoril, (In: Misti a de Portugal, Ed, Barcelos, Vol. IL pag. 251) PE oe 208 BROTERIA Reis de Portugal. Recusa-se a aceitar a data de 1242 para conquista definitiva de Silves e afirma, a seu talante, que Silyes deve ter caido ‘em poder dos portugueses depois de Faro, hipétese a favor da qual flo aduz qualquer facto comprovativo. No mais, segue, de um modo geral, a crénica referida Gonzaga de Azevedo pretende que D. Afonso III ndo foi quem fez a conquista definitiva do Algarve, baseando-se em raciocinios muito probleméticos que vao contra as afirmagGes categéricas da Crénica. © Algarve teria sido conguistado pelas Ordeas e visitado, depois, pelo Rei (’). Angelo Ribeiro nada acrescenta ao que Herculano afirmara, ‘Assim, estamos, também aqui, com ideias muito imprecisas sobre 0 assunto. Sobre a figura de Aben Mafon (Ibne Mahfot) pronunciou-se, +m Espanha, Conde que, na sua sHistoria de la dominacion de los Ara- bes en Espafa» se refere a presenca de Aben Mafom no cerco de Sevitha (') (© passo de Conde dir 0 seguinte: «El Rey Aben Alahmar esta- ba con su gente cerca de Hasnalfarag y delante de Je puerta del al- azar: ali habia mui refiidas y sangrientas escaramuzas con Ja cabe feria del Algarbe que acaudillaba Muhammad, sefior de Niebla y dio ocasion & grandes proezas y hechos maravillosos de armas de parte de Aben Alahmar y sus caballeros» (’). ‘Amador de los Rios, na sua fala abundantemente dele, dando pormenores interessantes pouco conhe- cidos (). Nao utiliza, no entanto, as informagées importantes da «Adh- -Dhakhyra As-Sanyya> para que Levi Provengal chamou a atengio e isto, apesar de nao desconhecer a referida crénica anénima que cita na bibliografia, © seu conhecimento da foi, a0 que parece, posterior a redacgfio do seu trabalho. Importa, no entanto, ter em conta as duas referéncias em causa num estudo mais completo sobre Aben Mafom. 0 As Fontes Arabes Antes de entrarmos na reconstituigéio da figura de Aben Mafom vamos ver 0 que nos dizem as fontes histéricas sobre o assunto, B, por isso que € arabe a figura de Aben Mafom, comecemos pelas fon- tes arabes. Estas fontes so essencialmente, 0 «Cartas» de Ibne Abi Zara, © Manuscrito Anénimo de Copenhague e a IE. 310 BROTBRIA bateram-se Aben Al-Ahmar, Aben Hud e Al-Baji nos atredores de Sevitha. Venceram os outros dois a Aben Hud. Depois da desrota deste, Aben Al-Ahmar matou, a traigéo, Al-Baji e entrou em Sevilha; mas, ao fim de um més, expulsaram-no os seus habitantes, No més de Jumada iiltimo (15 de Margo a 12 de Abril de 1234) sublevou-se Xaib Ben Mohamede ben Mahfud, em Niebla e intitn- louse Al-Motassim>. (' No Anénimo de Copenhague 1é-se Neste ano de 661 (1262-63) entraram os cristdos em Niebla, de pois de um prolongado sitio, Bra seu senhor —sahib — Ibn Mahfuz gue nao entrou na paz concertada entre Ibne Al-Akmar e os cristios, mas que se entendera independentemente durante alguns anos, por uma quantia anual, Entsegou a cidade aos infigis quando se viu cer- cado nela e perdera toda a esperanca; entao sairam dela os seus ha- bitantes ¢ 0s cristdos ocuparam-na, Diz-se que isto sucedea a05 fins do ano anterior. Ibn Mahfuz e os seus apresentaram-se a Al-Mortada, em Marrocos ¢ ali foram alistados nas tropas>. (*) © primeizo depoimento da sobre Aben Mafom € 0 seguinte: (‘). pide pafl byhce od Josl Yad » dts JIS 9 (om ane 8 yeah ) pale biden g 6 Sy 9 rel? Oe ae wa fyha: a at:a: ibn Mah:furz: al rum madyna Tabira wa al ‘Ulay we Xilb wa Ajaz wa al Khaza:na wa Marsu:xa wa Batirna wa al(b)ah-aly)ra (8) BL Cartés—Noticia de los Ress del Mogreb y histéria de Ia Ciudad de Fes por Aken Abt Zara—ttad, eastelhana com prélogo ¢ notas por A, Hulct 1918, Valencia, Analas del Instituto General y Tecnico de Valencia, pag. 281 (4) Citado por Cagigas em A propésito da documentag&o drabe sobre Ibe Mahfot julgo que devo referir-me a uma moeda Arabe de que fala Vives Escu- dezo ("). Essa moeda tem no anverso a legenda Alé € 0 nosso Senhor, Mohamede 0 nosso Enviado, o Aba- cida 0 nosso Emirs. E no reverso: 2123, pag, 362. Destas moedas possuls um exemplar D, Serafin Estbaaes Caldeicon, Refe- riramse a elas Fermandes y Gonstles em . ‘Sao dirhemes quadrados que se confurdem. pelo seu aspecto, com as saoedas de prata anénimas dos alméadas. aie BROTERIA grande parte do seu govemo, pois Ibne Mahfot teve que se manter a mesmo tempo contra Ibne Al-Ahmar de Granada e contra os al- méadas, i As Fontes Espanholas e Portuguesas Maria » de Afonso X 0 Sabie ¢ as crdnicas cantelhanas € aragonesar As «Cantigas dé 5: sigan mais antigo documento de Espanha que nos fala de Aben Ma- fom é, sem divida, 0 livro das «Cantigas dé Santa Maria» de Afon- so X, 0 Sabio, que teve uma bela edic#io promovida pela Real Acade- mia Espafiole ¢ levada a efeito sob a orientagao do Marques de Valmar (**). Ai diz Afonso X ‘na «cantiga de loor» a Santa Maria n CEXXXNI Diesto direi un micagre que fez en Faaron @ Ulitgem Santa Maria em tempo d’Aben Mafon que 0 reino do Algarve tijnn'aquela sazon 4 guisa'd'om’esforcado quer em gueera quer em paz (") Vemos assim que um dos primeiros escritores a se referirem 9 Aben Mafom foi Afonso X. O depoimento do Rei Sabio tem um espe- cial valor pois se trata de um amigo, protector e suserano do Senhor de Niebla, Diz Afonso X. no passo transcrito, que Aben Mafom tinha, naquels altura, 0 Reino do Algarve a maneira de chomem es- forcado quer em guerra, quer em paz». Na verdade, Aben Mafom era um auténtico caudilho dos mu- gulmanos do Algarve. Desejava, acima de tudo, manter a sua indepen- (8) Cantiges de Sonéa Maria de Alfonso El Sabio, ed. da Real Acade tnia Espatiola, com introducdo, notas © glossirio do Marqués de Valmar, 188, Slade, () Obra citada, Vol, I, pags, 257/8, fo di ot J. GARCIA DOMINGUES— ABEN MAFOM 43 déncia © defender-se, o melhor possivel, da ameaca dos cristios do Norte. Na Crénica de Afonso X 0 Sabio podemos ler, a propésito das condigées da rendicéo de Niebla: “uel rey Aben Mafom envio pedis por merced al rey don Al- fonso que los desejase salir a salvo a el é a los que com él estayam com todo Io suyo € a él que le diesse herdades llanas en gue se pu- diesse mantener em toda su vida é que le entregaria la villa de Niebla € la tierra de! Algarbe. B él rey don Alfonso tovolo por bien é fuéle otorgada la villa de Niebla por esta manera E el rey don Alfonso dio a aquel rey Aben Mafot tierra en gue viviesse para en toda su vida, que fué ésta el lugar del Algarb que es cerea de Sevilla con todos los derechos que avia y el, el Rey, € com el diezmo del aceite dende, ¢ didle da huerta de Sevilla ¢ cuantias ciertas de maravedis en la juderia desta cibdad de Sevilla, é otras cosas en que este rey Aben Mafot ovo mantenimiento honsado en toda su vida», () Entre as fontes espanholas para o conhecimento de Aben Ma- fom encontra-se ainda a «Estoria de Espana», na qual se pode ler, 4 propésito da tomada de Sevilha por Femando Il o Santo: () «Oviéronsse a acoger a fazer voluntad del rey cn tal que se le vaciassem € dexassen solo, ¢ el rey que diesse a Axataf é al Arcayaz €4 Aben Xuel Sanlicar ¢ Aznalfarache € Niebla> (*) Isto mostra que logo depois da tomada de Sevilha devia ter sido zeconhecida s soberania de alguns pequenos Estados na regio do Rio Tinto, Mostea, por outro lado, que Aben Mafom, em 1248, tame bem era conhecido por Aben Xuel (ou: Xaib 2) Se Xuel esta por Xaib teria logica a hipstese de Amador de los ) 0 texto € da Cronica de Dom Afonso Décimo 0 Sibio, integrada ma Cronica Geral de Espanha, Seguimos a versio publicada nas da Biblioteca de Autores Espafoles diigida por D, Cayetano Rosell— 1910— Madrid, Imprenta de lot Sucs, de Hemando— Tomo EXVI, igs. 6/7. A tradugio portuguesa da Crénica Geral de Espanha tal como se encontra ‘no Man, iluminado (I-A) da Academia das Ciéncias de Lisboa, diz em ver de (*). Colmenares afitma, na sua «Historia de Segovia> que o mais antigo documento em que Aben Mafom figura como vassalo do Rei de Castela ¢ de 1253 () Garibay refere-se a um privilégio de 15 de Maio de 1260 em que Aben Mafom ainda aparece como conlirmante, 0 que denota que so depois desta data se teria dado o desentendimento entre Afonso X ¢ Aben Mafom (®) Estas, as fontes cspanholas mais importantes para 0 conhecl- mento da vida de Abea Mafom, iltimo senhor arabe do Algarve As erdnicas portageesas antigas As cronicas portuguesas antigas falam-nos, também, de lbne Ma~ fot, ao quai chamam ora Alamafom ora Aben Afan, Sob estas de- signacses, trata-se, sempre, do mesmo personagem, o Ibne Mahfot das crénicas arabes, o Aben Mafén das cronicas espanholas. Todavia, as crénicas portuguesas nfo consideram Aben Mafom Senhor de Niebla, mas, sim, Senhor de Silves ¢ Rei do Algarve, (8) Zumetn, Anais do Aragio, 1.5, cap. 97. ) Coumenares, Historia de Segovia, Cap. 22, parg. 1 (@2) Ganmav, Lib, XIX, cap, 47, Per aten ida cast dent atti fren tad vind que, um | pois, da pet Sen! Puke no F de I ‘Mal bes ton verd act Mat ria’ tugu eas J. GARCIA DOMINGUES— ABEN MaFoM 315 © Aben Mafom portugues ¢ o Senhor de Silves, a quem D. Pato Peres Correia conguistou esta cidade, Isto explica-se, facilmente, se atendermos a que Silves, embora muito decaida, era entio, ainda, a cidade com mais prestigio histérico no Algarve, possuidora de um castelo forte, residéncia natural de Aben Mafom, quando, no Oci- dente dos seus estados. © Aben Mafom portugués, depois de ter sido vitima de uma artimanha de guerra de D. Paio Peres Correia, luta com este em frente da Torre da Azoia, tenta, depois, entrar no Castelo pela Por- ta da Traigo e, nfo 0 podendo fazer, procura a salvagio na fuga, vindo a cait no Pego do.Pulo, no rio Arade, onde teria motrido. Esta queda de Aben Mafom no Pego do Pulo deu origem a uma interessante lenda medieval, que ainda hoje se conserva, Diz-se que, na noite de S. Jodo, & meia noite, se dé ai uma aparicio. Surge um rei mouiro a cavalo, ¢ ouve-se ele gritar: «Salta, meu cavalo», De- pois, cavalo e cavaleito caem na agua e distingue-se o ruido da que- da e todos os outros ruidos, até ao estertor do sei Qual a origem desta verso lendaria ? Seré este Aben Mafom apenas um alcaide de Silves, que teria sido confundido com 0 valoroso Senkor de Niebla que, no entanto, nfo teria morrido no Pego do Pulo? Ou dar-se-a 0 caso de Ibne Mahfot ter, de facto, morrido no Pego do Pulo e de que 0 Ibne Mahfot que o continua seja seu filho ou irmAo, havendo, assim, dois Aben Mafons, como quer Amador de los Rios ? Tudo isto sfo questées a elucidar posteriormente. Estamos, porém, em que se trata de uma s6 figura em Ibne Mahfot, que 0 nosso Alamafom 6, de facto, o Ibn Mahfot dos ara- bes eo Aben Mafon dos castelhanos, ¢ que @ luta relatada nas nossas c#6nicas antigas deve ser considerada como, sas suas linhas gerais, verdadeira. Apenas quanto & morte de Aben Mafom no Pego do Pulo su- omos tratar-se de pura versio iendaria, registada pela hist6ria como facto auténtico, mas explicavel pelo desaparecimento sibito de Aben Mafom que parece nao mais ter tornado a segifo. A lenda explica- ta perfeitamente, para 0 povo, 0 seu desaparecimento, Quando, neste paragrafo, nos referimos as crénicas antigas por~ tuguesas, pretendemos designar a «Cronica da Conquista do Algar- ver. a «Cronica de Cinco Reis», a «Cronica dos Sete Primeitos Reis» € as crénicas dos antigos Reis de Portugal, de Rui de Pina, de Ace- iis Per ise ie 36 BROTERIA mheiro e de Duarte Nunes de Lido, assim como & , que, sendo uma obra modema, reflecte tradigtes dos nossos antigos cronistas (*). IV © valor relativo das fontes arabes ¢ cristas Ha dois feiticismos na apreciaclo do valor relativo das crénicas frabes € cristis. Em tempos antigos, as fontes cristés eram as Gnicas dignas de crédito. As fontes muculmanas eram vistas como eivadas de vicios © cheias de falsidades, redigidas segundo os interesses dos mucul- manos. No século passado, surgiu uma corrente contraria, A fonte Grabe era a fidedigna e a cristé a suspeita. Estamos na altura de comegar a julgar as fontes de harmonia com 0 seu valor auténtico, ‘Nem todas as fontes arabes so dignas de crédito, como nem todas as fontes cristds 0 so, Ha que estudar comparativamente as fontes e que lhes atribuir os seus valores proprios, Devemos ter em conta quem escreveu a cronice, que elementos tinka 4 sua disposi- ‘40, que imparcialidade revela. Por outro lado, determinada crénica pode ser muito valiosa para uma época ¢ fraquissima para outra, Igualmente se pode admitir que uma crénica arabe seja completada 9) Coaronigua de como Dom Payo Correa Mestre de Santiago de Castella tomou esta terra do algarve acs moras. Man. descoberto en 1788, 2a Com. Mun, e Tavira, por Fre Joaquim de Santo Agostinho, Publ. em Menorias de Luittera furs da Real Academia das Sciencias de Lisboa, I ~Crinica de Cinco Reis de Portugal Man, da Bibl, Mun, do Porto, publ por A. bg Macauicins Basro, 1945, Porto, Liv, Cuullizacko. Grénica dos Sete Prineiros Reis de Portugal — Encentrada xa Bibl. da Casa Cadaval e publicada pela Academia Portuguese de Histéria, sob a orienta Go do Rev. Pade Cantos Da Sixva Tanouca S. J, 1952, Lisboa. Rut ve Pra, Cheénice FELRe D, Alonso Il Original na ‘Torre do ‘Fombo. Bd. de 1728 da Off, Ferreyriann, —Cnustovio Roowicuss AceNuti0, Chronicas dos Sentiores Reis de Por ‘uugal — 1824, Lisboa, Publicacio de Real Academia das Seiéncias de Lubes, —Dunare Nunes on Linas, Cheénica dos Reis de Poctugal cefornade 1677, Lisbos, Imp. nas Off. de Francisco Vilela & & sua custa —Dauror Fret Anroxio BranoXo. Quarte parte da eNonarchia Lustane» 1632, Lisboa, Imp. no Mostsire de 8. Bemardo por Pedro Cacsbeack, Inpresior ‘cl Rey. po ass tiv ui tug tor Xx Mi por di pu se SS eae ee ee J. GARCIA DOMINGUES — ABEN MAFOM a for une crisis, num certo ponto, e que outrb, exists, 0 seja por uma arabe, num outro. Para se poderem reconstituir os factos como cles se passaram, ha, assim, que utilizar todas as fontes existentes com o seu valor rela- tivo. De acordo com estas ideias, a figura de Aben Mafom ¢ a con- quista do Algarve devem ser estudadas @ luz, néio s6 dos documen- tos arabes, como dos cristéos, distinguindo-se, nestes, os galaico-por- fugueses, os castelhanos, os aragoneses e os portugueses. S6 assim se podera fazer uma ideia perfeita de como as coisas se passaram, e da natureza ¢ caracteres das individualidades his- toricas. Vv O verdadeiro nome de Aben Mafom ‘Antes de passar mais além, vejamos qual o verdadeiro nome deste homem, nome que nos surge com tantas modalidades diferen- tes entre arabes, espanhois © portugueses. © «Cartaz» de Ibne Abi Zara da a Aben Mafom 0 nome de Xaib ben Mohamed ben Mabfut, e intitula-o de ¢Al-Mutacim>, Todos ou outros autores arabes que falam dele se limitam a e5- crever [bn Mahfut ou Ibn Mahfi Nax moedas, porém, que existem de Aben Malom, figura um nome completo, que parece nao merecer dévidas: Al-Mostain Billak ‘Muga Ibne Mohamed Ibn Nacer Ibn Mahfuz. As moedas dio-thes, portanto, o nome de Mua e nfo o de Xaib, e o titulo de Al-Mostain, € nflc o de Al-Mutacim. Tratas-se-é, na verdade, em Muga de um outro personagem, diferente de Xaibe? Se assim sucedesse, nfo nos parece que Musa pudesse ser, como supds Amador de los Rios, filho de Xaib. Ambos se assinam Ibne Mohamede, e, portanto, deveriam, entfo, ser ismfos. Mas nenhuma destas hipéteses nos parece de aceitar. Quer no chama-se a Ibn Mahfut(:) sahib, isto €, , No diz-se e na *Adh-Dhakyra As-Sanyya> , 0 nome figura como Alamafom; na «Crénica dos Cinco Reis», como Almofao e, tam- them, como Athomafom; na , Hi agui, manifestamente erro, nfo s6 na data (0 acontecimento Ab tra peri Ma fina fend (126 J. GARCIA DOMINGUES — ABEN MAFOM 383 dew-se incontestavelmente em 1249) como na sequéncia, visto que essas prasas no caicam todas no mesmo ano nem pela ordem ine dicada. Mas a expressfio centregou» € rigorosa, visto que Faro, a prin- cipal delas, de facto, se entregou, como no ano anterior fizera Sevilha, oferecendo as chaves ao conquistador, Afonso X subiu ao trono de Leo e Castela em 1252, Nesse mesmo ano parece haver estabelecido tratados de paz ¢ amizade com of reis arabes do Andaluz que se reconhecem seus vassalos, No entanto, o mais antigo documento em que Aben Mafom aparece como vassalo do Rei de Castela € do ano seguinte, 1253, A dar-se crédito ao documento citado por Zurita, o entendi- nento politico entre Afonso X e Aben Mafom provinha, pelo menos, de 1249, A amizade € as boas relagdes entre ambos prolongaram-se por muitos anos. Nao sabemos mesmo gue determinou a quebre boas relagées em 1261. Fim do Reino de Em 1261, Afonso X de Ledo e Castela marcha para o sul e pie cerco a Niebla, Qual 2 causa da mudanca de sentimentos e ideias de Afonso X em relago a Aben Mafom, até pouco antes seu amigo e aliado? Ha quem avente a hipdtese de isso ter sido devido ao facto de Aben Mafom ter atxiliado o Principe Henrique na sua rebelifio. con- fra Afonso X, quando este procurava ocupar 0 trono do Santo Im- perio. Outros sustentam que isso se deveria a uma alianca que Aben Mafom tetia feito com 08 mouros do sul da Peninsula, apavorados finalmente, perante 0 avango da reconquista cristh De quaiquer modo, 0 facto deu-se ¢ Aben Mafom teve que de- fender a sua cidade, Depois de um apertado cerco de nove meses, Niebla rendeu-se (1262). Consta que os mouros, na defesa de Niebla usaram, pela pri- 3m BROTERIA ‘meira ver na Peninsula, armas de fogo. De nada, porém, isso thes valeu, Niebla rendeu-se ¢ passou para o dominio de Castela. Afonso X respeitou, no entanto, ainda, os privilégios mouros, nomeando para governador da cidade Ibne Yacoque ("). B curioso notar gue mesmo depois da conguista de Niebla, Afonso X nfo deixou de mostrar alta considerago por Aben Mafom, Em 5 de Maio de 1263, a0 mesmo tempo que em Sevilha dew fo- ral a Niebla, concedeu novas franquezas e privilégios a Aben Mafom, No Arquivo Municipal de Niebla conserva-se um documento de 13 de Julho de 1263, em que se concede a Aben Mafom novo pri- vilégio. E assim se verifica que mesmo depois de destronado, Aben Ma- fom foi muito honrado por Afonso X. Ha uma tradigfo seguado a qual Aben Mafom teria conservado, mesmo para além da perda de Niebla, o titulo de rei deste cidade, Mas essa tradigao nao deve ter grande base. ‘ De que nfo hi divida ¢ de que a amizade de Afonso X por ‘Aben Mafom se parece haver prolongado mesmo para além da perda de Niebia por este Ulkimor tempos de Aben Mafom Os aitimos tempos de Aben Mafom depois da perda do Reino de Niebla sf mal conhecidos. Sobre eles ha trés versOes: 1—a das erénicas castelhanas que dizem que Aben Mafom, depois de destronado, passou a viver numa quinta que the teria dado Afonso X com aumerosos e importantes rendimentos. Segundo esia versio ai teria mozrido serenamente, em avancada idade. 2°—a do Anénimo de Copenhague (que se supSe ser um tre- cho do «Bayan al-Mugrib») segundo a quel, depois de perdida Nie- bla, Aben, Mafom teria passado a Africa onde se haveria colccado 20 servic do Sulizio Al-Mortada. —a da «Adh-Dhakhyra As-Sanyya> que informa haver (2) Da época nuguana bt ainda mumerosos vexigios em Nicla: mee ques convertidas ex Igelas, panos de marathas e porias de arco de feradur Em Silves, a mena de Aben Mafom esta patente na Torre de Menagem, ta tem chamada de Aben Alan, na Porta da Troigio, sda exstete «no Pego do Palo, ligado 8 tredigao da mort: de Abea Mafom, tir Se me ten An fom esp tos aa esta perd nab seria teria conc come J. GARCIA DOMINGUES — ABEN MAFOM 385 Aben Mafom sido aprisionado em 1263/64, quando da investida dos Merinidas no sul do Andaluz Estas vers6es no so completamente antagénicas. Pode admi- tir-se que depois de perdida Nicbla, Aben Mafom tenha passado a Sevilha, com honras especiais. Isso prova-se pela existéncia de docu- mentos de 1263 em que lhe sto concedidos particulares privilégios, Podemos compreender, no entanto, que nesse mesmo ano, se tenha dirigido a Africa e colocado as ordens do Califa alméada, As ordens dele teria defendido as pracas mugulmanas do aul do Andaluz ¢ nessa defesa, caido prisioneiro dos Merinidas em 1264, Para além desta data ndo se encontram referéncias a Aben Ma- fom, nome que durante 30 anos soou pelos campos dos Algarves, espanhol ¢ portugués, como um sinal de guerra e de esperanca para os muculmanos que ai viviam. VIL A Conquista do Algarve pelos Portugueses Quanto a conquista do Algarve pelos portugueses, os documen- tos de que dispomos sio, essencialmente, os portugueses, © os es- paahois. Dos documentos érabes temos, que eu saiba, apenas essa «Adh- -Dhakhyra As-Sannyya> que, de resto, pouco nos diz. © valor principal da «Adh-Dhakhyra As-Sanyya>, neste caso, est em que € a Gnica crénica drabe, segundo parece, que nos fala nessa conguista do Algarve pelos portugueses, dando-a como uma perda de Aben Mafom a favor dos cristéos, E com esta documentagéo, mais ou menos deficiente, que temos gue fazer face ao problema, A. conquista do Algarve pelos portugueses em nosso entender, no deve ser vista pela perspectiva de Herculano, segundo a qual seria devida, essencialmente, a Afonso III que na Primavera de 1249 teria marchado para o sul com as tropas das ordens religiosas, as concelhias e a hoste real, Ha que atender mais as crénicas portuguesas e que valor como merecem. Parece que o Gnico critério seguro sera admitir, embora com certa 38 BROTARIA reserva, as afirmagies que fazem sempre que essas afirmagSes no sto contraditadas por documentos fidedignos. Desta maneira temos que ver as coisas de modo diferente. A grande conguista do Sul é feita, no no reinado de D. Afonso Ill, mas sim no de Sancho Il. Nisto estamos de acordo com Gonzaga de Azevedo, No reinado de Sancho II se fizeram as conguistas que yao de Elvas (1229) a Silves (1242 ou 46), pasando por Moura, Serpa, Mértola, Ayamonte, Cacela e Tavira. Quando Afonso III leva a efeito a sua expedicéo militar, tra- tase, néo ja de conquistar o Algarve mas de reduzie a praca de Faro © pequenos castelos como os de Loulé, Albufeira e Aljezur que ainda se encontravam em poder dos mouros ‘A maior parte da provincia estava jé nas mos dos portugue- ses, Tratava-se de uma operagio de limpeza, Damos cetta razio a Gonzaga de Azevedo quando pretende reduzir a importancia da ex pedigio de Afonso IIL ‘Nao aceitamos no entanto, a sua tese de que no fol Afonso 111 6 conquistador dos iiltimos redutos do Algarve, sobretudo, Faro. Segundo a «Cronica da Conquista do Algarves D. Afonso II entrou no Castelo de Faro para conversagbes e depois os mouros enttegaram-Ihe as chaves da cidade, rendendo-se. Houve, portanto, um ataque e uma rendigfo (*) Esta ideia de que 05 mouros entregaram ao Rei de Portugal as lltimas pracas do Algarve € a que se encontra também na

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