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Kwame Anthony Appiah NA CASA DE MEU PAI A Africa na filosofia da cultura Tradugio Vera Ribeiro Revisio detraduyse Fernando Rosa Ribeiro eh, Paes Bios ies Cn Mendes conteaponto toni tn rae Ane pee nam ity Aah 92 Saban ees 92 ‘ela neste ting a nna etn so seed er aie Fras ei sn de Tropa 10 ee pak omc atone Aap: tebe tc mv dead erin Ro ibe = akties eshte epg fa 1 Aap 2 Ctr ows Ta Pare ‘Gyamifi, Anthony, Per Kodo, Tomiva, Lami, ‘Ti, Mame Yaa, Maggie e Elizabeth ‘ecm mentéria de meu pai Joe Appiah 1918-1990 Abusuadua yentwa fe meu pai em nossas canversas permanentes — que agora ji data de wma década e meta — sobre assuntos relacionados & Africa © Afio-Amética quanto a0 me pedir contribuigdcs para trés coletineas que editou. Henry entrou na converse sos ‘ltimos anos, ampfiando-the @ 2mbito, Sem os dois Henrys, est livro teria sido muito diferente; na verdade, sem eles, duvido que eu sequer me houvesse aven: turado a escrever um livro sobre esses tems KAA Koumassi, Achanti Janeiro de 1991 1 A invengao da Africa “A Afica pare os africans! excamei.(u.) “Um Estado livre eindependente na Africa. Queremtos poder govermar-s neste nosso pais sem interferéncia externa (.)"" ‘ame Nkrumah M26 DE 1uLHO DE 1860, Alexander Crummell, afro-americano de nasci- mento, liperiano por adogao ¢ padre episcopal com formagao na Uni wersidade de Cambridge, discursou para os cidadios de um condado de ‘Maryland, Cape Palmas. Embora a Libéria $6 viesse @ ser reconhecida pelos Es- tados Unidos dois anos depois, a ocisiao, segundo a estimativa de Crommell, foi o décimo terceito aniversério de sua independéncia, Assim, é particular- ‘mente curioso que scu titulo tenha sido “A \ingua inglesa na Libéria’y e que sexe tema terha sido que 0s africanos “exilados” pela escravidao no Novo Mundo + haviam recebido da divina providéncia “ao menos esta compensacio, ou sea posse da lingua anglo-saxdnica”? Crummel, considerado por mites como um dos pais do nacionalismo africano, nfo tina a menor diivida de que o inglés «ra uma lingua superior a8 “varias linguas ¢ dialetos" das populagdes mativas Afticanas; seperior em sua eufonia, seus recursos conceituais ¢ sua capacidade ‘de expressar as “verdatdes mais elevadas” do cristianismo, Agora, decortido mais, de um século, mais de metace da poputagdo da Africa negra vive em pases em ue o inglés é uma lingua oficial; e a mesma providéncia decretou que quase todo a restante da Africa fosse governado em francés, érabe ou portugues. falvez 0 reverendo Crummel ficasse contente com essa noticia, mas teria oucos motivos para sentir-se otimista, Pois, com algumas excegdes fora dos palses de lingua arabe da Africa do Norte, 2 lingua do governo & a primeira lin- fa de uns pouecas, es € dominada com seguranca por uma pequena parcela da opulagio; na maioria das nagdes anglofonas, até as efites instruidas aprende- tam pelo menos uma das centenas de linguas nativas,além — e quase sempre antes —do inglés, Na Africa franc6fona, existem hoje elites dentre as quais mui {as falam francés melivor do que qualquer outre lingua falam um tipo de fran- ‘ts patticularmente praximo, na pramatica, embora nem sempre no sotaque da $0 casa de mew pa lingua da Franga metropolitana, Mas, mesmo nesses casos, o frances nao & con: fiantemente dominado por nada que se assemelhe a uma maioria. sas dferengas entre os Estados franc6fonos e angléfonos decorte, é claro, das diferengas entre a politica colonial francesa ea brtanica, Embora 0 quadro seja complexo demais para um resumo conveniente,a politica colonial francesa, em linhas geras, foi de assimilation — transformas os africanos “selvagens” em negros e negras franceses “evoluidos” —, ao passo que a politica colonial br: tanica interessou-se bem menos por farmar as angla-saxdes negros davisio de Crummell. ‘Apesac dessas difecengas, as elites francéfonas e unglofonas nap apenas nsam as linguas coloniais como meio de governo, como também conhecein ¢ amitide adrian a literatura de setss ex-colonizadores, havendo optado por esctever uma literatura africana moderna em linguas européias. Mesmo depois de urna ‘brural historia colomial e de quase duas décadas de continua resistencia armada, «a descolonizagao da Africa portuguesa, em mieados dos anos 70, deixou atrés de si uma elite que redigiu as eis ea literatura africans em portugues. Isso nao equivale a negar que haja vigorosas tradigoes vives de cultura oral —~ religiose, mitol6gica, poética ¢ narrativa — na maioria das linguas “tradicio- nais” da Africa abaixo do Saara, nem a ignorar a importincia de algumas lin _guas tradicionais escritas, Mas, para abrir camino fora de suas préprias comu- nidades e adquitir 0 reconhecimento #acional, para nto falar do internacional, a maioria das inguastradicionais— coma excecao bvia do swahili — tem que ser traduzida, Poucos Estados negros africanos tem a privilgjo de correspon der a uma nica comunidade lingitstica tradicional, Por essa simples razao, quase todos os escritores que pracuraram crigs uma tradigdo nacional, tans- cendendo as divisbes étnicas dos novos Estados africanos, tiveram de escrever emalinguas européias ou cotter 0 risco de ser Vistos como particularistas,identi- ficados com as antigas fidelidades e niio com as novas. (Uma excesio interes- sante € a Somiélia, cujo povo tem a mesma lingua € as mesmas tradigoess nao obstante, ela conseguin passar uma década, depois da independéncia, em que ‘suas Hingnas oficias foram-o ingles italiano € o Srabe.)” ses fatosrefletem-se cm muitos momentos; permitam-me apresentat ape- nas dois: um, quando 2 decisto do escritor queniano Ngugi va Thiong’o de escrever em sua lingua materna, o gikuyu, levou muita gente em seu prOprio paisa vé-lo — erroneamente, ern minha opiniio — como uma espécie de im- perialistagikuyu (0 que nao é uma questao nada trivial no contexta das relagies, interétnicas no Quénia); ¢ outro, quando 0 antigo “Haute Volta” encontrou Replica democrsicee popular da Aca Olden co cern de @ ithe de habitants, _que canqiston a indepenencia em 19, denominendo-s Naute Volta, Mud de nome em 198. (8 a) say Seren tag mene aa Re mmo A mvenyaoda Sica 1 tum nome “auténtic, denominando-se Burkina Faso, com palavras extraidas de duas das linguas do pats — embora comtinvass,¢ caro, a condurir grande parte de seus assuntos oficiais em franets. Em certo sentido, temos usado as finguas exropéias porque, na tarefa de consteugao nacional [nation-building ino podiamos nos dar ao luxo, politcamente, de usa as linguas uns dos outros. ‘Convérn dizer que ha outras ra2Ges, mais ou menos honrosas, pata a ex traordindria persistencia das linguas coloniais. Nao podemos ignorar, por exemplo, do Tado hons0oso, as dificuldades préticas de desenvolver um sistema educacional moderno numa lingus em que nesthum dos manuais ¢ livros didé ticos foi redigidos tampouco deveinos esquecer, na coluna dos débitos, a posi bilidade menos nobre de que essis Iinguas estrangtiras, cuja dominio havia marcado a dlite colonial, tenham-se transformado ern marcas de status precio- sas demais para serem abandonadas pela classe que herdox 0 Estado colonial Tunas, essas foreas dispares conspiraram no sentido de garantir que 0 corpo ‘mais importante de textos da Africa absivo do Saara, mesmo depois da inde- pendéncia, continuassea ser redigido em inglés, francés e portugues. Para mai tos de seus mais importantes fins culturais, a maioria dos intelectuas africans ao sul do Saara € 0 que chamamos de “‘eur6fona’ sa situagio lingifstica é de suprema importancia na vida cultural dos in- telectuais africanos, Obviamente, é de imenso peso, para os cidadios dos Esta- dos afticanos em geral, que stas elites dominates sejam orientadas ¢,em mul- tos casos, constituidas por intelectuais eursfonios. Mas, a preocupagao com as relagies dos mundos conceituais “tradicional” e “moderno”, com a integragao dos modos de compreensao herdados ¢ 0s otiundos das teorias, conceitos € crengas recém-adquiridos, esté fadada a ser de especial importancia na vida daqueles dentre nés que pensam escrevem sobre 0 futuro da Africa em ter- ‘mos basicamente tontados ce empréstimo de outros lugares. Podemios reco nhecer que a verdade nao € propriedade de nenhurnz cultura; devemos apode- rar-nos das verdades de que precisamos onde quer que as encontremos. Mas, ara que as verdades se transformem ns base da politica nacional gem terrnos ‘mais amplos, ds vida nacional, ha que se acreditar nelasse saber se as verdades que retiramas do Ocidente serio on nao dignas de crédito depende, em grande ‘medida, de como consigamos administrar as relagdes entre nossa heranga con- ceitual e a idias que corrern a nosso encontro, vindas de outros mundos. © discurso de Crummell é-nos mais facimente acesstvel numa coletinea de seus textos, publicada pela primeira vez em 1862 ¢ intitulada The Future of Afra {© futuro da Africa), Um marco do sucesso de uma imagem do mundo que ele compartithava € que, nos tltimos cem anos, poucos das leitores desse livre — isto é, poucos dos europeus, norte-americanos ¢ africanos dotados do ingles necessério para lé-lo — viram algo estranho nesse titulo, no interasse 22 Navcase de meu pai particular de seu autor pelo futuro da Arica, ou em sua alegagio de esta fala do em nome de um contintente, Treta-se de amma imagem que Crummell apren- dew nis Estadas Unidos e confirmou na Inglaterra; embora houveste de estar- recer a maioria da populagio “nativa" da Libéria, essa imagem tornou-se, em ‘nosso século, uma propriedade comum de grande parte da humanidade. E ht em sua raiz uma compreensio do mundo que faremos bem em examina, ques- tionar ¢,talvez, no fir, rejeitar No cere da visio de Crumnel] hé um s6 conceito norteador: a raga. A “Africa” de Crammell & a patria da raga negra, e seu direito de agir dentro dela, falar por ela ¢ arquitetar seu futuro decorria — na concepgao do autor — do fato de ele também ser negro. Mais do que isso, Crummell sustentavat que hhavia um destino comum para os povos da Arica — pelo que devemnos sempre entender 0 povo negro*—~, mia porque eles partibassem de uma ecologia co- ‘mim, em porque tivessem uma experiéncla histérica comum ou enfrentas- ‘sem uma ameaca comuum da Europa imperial, mas por pertenceren a essa tini- ca raga, Para cle, o que tornava a Africa unitéria era ela Ser a pitria dos negtos, assim como a Inglaterra era a patria dos anglo-saxGes, ou a Alemanha, « dos teutoes, Crummell foi uma das primeiras pessoas. falar como negro na Africa, € seus textos efetivamente inauguraram o discurso do pan-africanismo, £ que ele ppensava no pove da Africa (em termas que 0 nacionalismo do século XIX torna- va naturais) como sendo um nico povo, a ser concebido, a semelhanca dos italianos ou anglo-saxdes, em certo sentido, como uma unidade potitica natu- ral. Esse € 0 pressuposto Fundamental do pan-africanistto, ‘A miaioria das pessoas de hoje sabe como € dificil avaliar a vida e as pretensoes de outras culturas e tradigoes sem cair presa dos preconceitos decorrentes das _perspectivas das nossas. Quando deixamos de avaliar os outtos com imparcial dade, torna-se muito improvavel receber defes tratamento imparcit, Esse tipo de etnocentrismo, por mais que nos afi, jd nde tem como nos suspreender. Podemos rastrear sua feigtrajetdria na propria historia recente da Africa. Ainda assicn, ao medos a principio, é surpreendente que até afto-americanos como Crommell, que deram inicio a0 diseurso nacionalista sobre a Africa na Attica, tenham herdado um par de antolhos conceituafs que os impossibitiou de ver qualquer virtude na Africa — muito embora precisassern dela, acimaa de qual- quer outra coisa, como foate de validacan. Uma vez que coneeberam of africa- ros em ermaas racials, sua opinito negativa sobre a Africa nao foi facil de dis- Linguir de uma opinio negativa sobre os negros; através da vinculagao da raca 40 pan-africanismo, eles nos deixaram um legado incdmode, A centralidade da raga na historia do nacionalismo africano é ammplamente presumida e freqlentemente ignorada. Havia muitos estudantes coloniais da Atria briténica ceunidas na l.ondres dos anos subseqiientes & Segunda Guerra Aimvengioda Africa 38 ‘Mungial— uma guerra em que muitos africanos morreram em nome da liber: dade —,¢¢ta natural que cles se aproximassem uns dos outros, dado seu anseio comum de tornarem-se politicamente independentes de um mesmo Estado zmetropdlitano. Eles também foram unidos pelo fato de que os britanicos — tanto os que ajudavam quanto os que prejudicavam —osviam a todos, antes de mais nada, como afficanos. Mas foi através de um discurso herdado do pan: africanismo de antes da guerta que conseguitam articular uma visio comer de Africa pés-cofonialye esse discus fai basicamente produto de cidados negros a Nove Mundo, Posto que o que unia esses pan-africanistas afto-americanos € fto-caribe- thos era a ancestralidade parcialmente africana que eles compartilhavam, € ‘ina vez que esse ancestralidade tina importancia no Novo Mundo, através de suas varias teorias populares da raga talvez a compreensio racial de sua solida- riedade tena sido ure desdobramento inevitave; isso fo; reforgado pelo fate de que algumas figuras csuciais — entre elas, Nkrumah — haviam rumado na di- seg40 oposta 3 de Crummel, procurando educar-se nas faculdades negras dos Estados Unidos. A tradisao em que se pautavam os intelectuaisfrancofonos da era do apés-guert,fosse ela urticutada por Aimé Césaite,* do Novo Mundo, 02 Leopold senghor,”* do Velho, partlhava da visto curopéia e porte-americana da aga. Tal come 0 pan-africanismne, a négriude*** comega pela siposigdo da solidariedade racial dos negros. Na era do pré:guerra, os africanos coloniais vivenciaram o racismo Europeu em graus radicalmente diferentes, em situagdes diferentes e, em consondacia com isso tinham diferentes graus de preocupagio cart o axstni Mas, com 3 realidade do racism nazista plenamente 2 vista — uma reaidade que ainda hoje esgota os recursos de nossa linguagem —, era ficil para qualquer um, na cra do apos-guerra, ver 05 maleficios potenciais da raga como principio orga~ nizador da solidaiedade politica. Dificil era ver a possbilidade de abandonar or completo a raga como nogio, Poderia algo ser mais real do quco fo de ser judeu, num mundo em que se jadeu significava a ameaga dos campos de exter * Facitre police francts, natcdo na Marinica em (915, que fer ds poesia tun motivo de ‘toons as Santer do negr ude eprolamo em Ses enaios e pasa odesejo des libertar das formas tradiionas da cultura ecidental, legeunsedeputado em 1946, pesidindoo Patio Progresista martniquenho, (8. da.) {copoid Sedar Senghos potticoeesrtor senegal, nastido em Joa (pero de Daca em 1906, Foi um dos criadotes do movimento da négrtud e presidente do Senegal desde 1960, 116 1981, nd sido teeta tts ene (N.daT.) * Aqui @ em outtas passgens; muntiveros 0 gente Franc, sad pelo Brito aMto, para _moyear qu nfrinude, nese contest, na se reer simpesmente condo der e708 4m movimetto muito especsico,historiamentesitiad, O substantive negnitd, em ser ti generic, tambem aparecert a ety sem detogue (dae 4 Niteasa de meu pai minio? Num mundo em que ser judeu passara ater umn significado — racial — {crrivel para todos, o racismo, a6 «jue parecia, 96 poderia ser enfrentado me diante a aceitagdo das categorias raciais, (Esse ¢0 tipo de situagao que Michel Foucault entenden através de sua nogdo de “discurso imvestide”) Para 06 pam africanistas do apés-guerra, o problema politico era o que fazer coma situagio do negro. Os que voltaram para casa para crias a Affica pés-colonial ndo preci savam discutir ow analisar a raga. Ela era a nogo que os havia unido, para co- ‘megar. A Higio que os afticanos aprenderam com 06 nazistas — a rigor, com a Segunda Guerra Mundial como um todo — néo foi o perigo do racismo, mas 8 {alsidade da oposigao entre wma “modernidad.” européia humana ¢ 0 “barba- rismo” do mundo néo-branco. Soubéramos, no passado, que 0 colonialismo ‘europe podia devastar as vidas africanas com despreocupada faciidads nesse ‘momento, soubemos que os povos brancos podiam tomar os instrumentos montsferos da modernidade ¢ usé-l0s uns contra 9s oxttos. Mas 0 que a raga significava emocionialmentte para os novos africanos nao 1a, de modo geval, que significava para os negtos instruidos do Novo Mundo. ara muitos afro-americanos, criados numa sociedade norte-ameticana segre- gacionista e expastos 4s formas mais cruas de discriminacao, o intercdmbio so- cial com os brancos eta doloroso ¢ desconfortivel. Muitos dos africanos, por outro lado (mea pai entre ets), levaram de volta para casa ¢sposas européias € lembrangis calorosas de amigos eufopeus: poucos deles pareciam estar com- prometidos com idéias de separasso racial on doutrinas de Séio racial, mesmo quando voltavam das culturas de “colonos brancos da Africa Oriental e do Sul, Uma ver que provinhain de coltwras em que 08 negtos exam majoritarios © em que a vida continyava a ser basicamente controlada por coneepges morais, € cognitivas toca, ees nao tinhamn motivo para crer que fossem inferiores a0s brancos e, conseqilentemente, tinkiam menos razéo para se ressentir deles. Esse fato € de importancia crucial para compreender a psicologia da Africa és-colonial, E que, embora essa afirmagao possa ser facilmente aceita pela majoria daqueles que, como eu, vivenciaramn wma ctiagao afticama na Africa bricanica da segunda parte do século XX, ela ndo ha de parecer ébvia aos obser vadores externos, sobsetud, a meu ver, cm virtade de wma importante fonte de equivocag Para a maioria dos observadores externos europeus e norte-americanos, hi de parecer que nada poderia ser uma base mais Gbvia para o ressenimento do que a experiéncia de um povo colonizado, forgado a aceitar a presenga arrogante do para preervar a diferensa presente na lingua ingles, wsamos“colonosbrancos" para tradsir eters €"siitoscoloniais” pata trade calmly Fa nltuna pala designava expeciic mente os sits io rancor do mpfio(N, aT.) Aimvencto da Africa 8 colonizador, Isso parece alvin porque se presume uma comparagdo com a si- tuagao dos negtos no Now Mundo. ‘Meu prineiro sentimento pessoal dessa situagio veio, penso eu, da leitura do exemplar de Family and Color i famaicn (8 fraia.¢ a cor na Fampaica}, de Fernando Henrique, que George Padmore, 0 panvafricanista das Indias Oci- dentais, deu 2 meus pais como presente de casamentos¢ € impassvel lee 0 Soul on Ice [A alma no gelo) de Eldridge Cleaver, por exemplo, sem ficar com uma ‘poderosa sensaczo de como deve ser pertencer a una subculturs estigreatizada, viver num mundo em que tudo, desde seu conpo até sua lingua, &definido pela correme dominarte” como inferior. Mas, ler dessa mmanecira a situaci dos sti- ditos coloniais que chegsram 2 idade adulta antes da década de 1950 é fazer ‘uma suposigao que Wole Soyinka identificow, numa passagem que discuticei no capitulo 4 deste livso:a suposicio da “igualdade potencat, em qualquer sitwagao dada, entre cultura estrangeira © a local, no solo efetivo desta iltima”’ Q que invalida essa suposigao ¢ o fato de que a experiéncia da vasta maioria desses cidadios das colbnias europtias na Aftica foi a de uma penettagko essencial- mente superficial por parte do colonizador. Se lermos 0 Aké de Soyinks, uma autobiografia de sua infincia na Nigéria colonial do pré-guerra — ou as narrativas mais explicitamente ficcionalizadas de seu comerraneo Chinua Achebe —, seremos vigorosamente informadas das ‘maneiras como até as criangas, arrancadas da cultura tradicional de seus pais € avés e colocadas was escolas coloniais, estavam, ainda assim, plenamente inet sas numa experiencia priméria de suas proprias tradigaes. Esse mestno sentido aro transparece na nevoa romanceada de UEnfant noir (0 menino negra, de Camara Laye.* Nessas condigies, insist na alienagio dos stiditos coloniais de ‘educagao ocidentil, em sua incapacidade de apreviare valorizas suas proprias tradigdes, ¢ correr o risco de confundir 0 poder dessa experincia priméria com ‘0 vigor de muitas formas de resistencia caltural a0 colonialism. 0 ventimento de que os colonizadores superestimam o alcance de sua penetragdo cultural é compativel com a raiva ou 0 bdo, oa com a Ansia de liberdases mas no implica as deficiéncias de autoconfianga que levam a alienagao. ‘Quando eu discutir, no capitulo 3, 0s intelectinis coloninis € pos-coloniais, terei mais a dizer sobre a pequena classe de pessoas instrufdas cuja aliena- <0 constitui um fendmeno real {poderosamente caracterizado por Franke Fanon**). Mas, a verdade é que a maioria dos que fomos criados durante a era colonial, ¢ por algum tempo depois dela, temos uma agua conscitneia de * ertor da Guiné (Kourcussa, 1921 costumes adiionas(N dT.) Priquiatra€ erco politico francés (Rort-deFrance, 1925 Bethesda, Maryan’, 1961) fo um dos pimps teorizadores do antcoloniaisme.(N, da) scar, 1980) que evocou em ses romances as crnase 26 Naausude meu pai como os colonizadares nunca detiveram um controle tao pleno quanto os mais vethos de n6s deixavam-nos parecer que tinham. Todos vivenciamos 9 poder persistente de nossas proprias tradigdes cogaitivas e morais: na teligido, em eventos sociais como os funerais, em nossa experiéncia da musica, em nossa prdtica da danga e & claro, na intimidode da vida Samniliay. As autoridades co. oniais procuravam estigmatizar nossas crengas religiosas tradicionais, Cons- pirdvamos com essa flegaa ocultando nosso desdém pot grande parte do cris- tianismo curopeu, nas criativas fusbes de idéias religiosas que discutirei no capitulo 6:0 Estada colonial estabelecia um sistema legal cuja lagrante falta de correspondéncia com ps valores dos colonizados ameacava, nao esses valores, ‘mas 0 sistema legal colonial. Um breve episédio serviré para ilustrar essa afirmago, Em meados dos anos 70, eu rodava com um amigo inglés (branco} pela cidade ganesa de Ta. Koradi. Meu amigo estava ao volante, Num cruzamento, paramos atrés de um Brande camtinhio de madeira, ¢ 0 motorista, que ndo nos viu por seu retro. visor, deu marcha a réem diregao a nbs. Mew amigo inglts tocou a buzina, mas © motorista continyoy recuanda... até bater ¢ quebtar nosso pira-brisa, Era 1utoa dre movimentada, perto das docas, ¢ hove muitas testemunhas, Ficou bastante claro de quem era a culpa — no sentido do sistema legal — pela aci- dente. Contudo, nenhuma das testemunhas dispds-se a corroborar nossa ver so da historia Nouttos contextos, poder-se-ia presumir que isso foi um reflex da solida- riedlade racial. Mas, o que as testemunhas disseram deixou claro que se julgt- mento tinha uma base diferente, uma base cujo equivalente euro-americano ‘ais préximo teria sido, no a solidaciedade de raga, mas de classe. Para elas,» ‘questio era entre uma pessoa — um estrangeiro e, portanto, alguém endinhei. rado— caper de pagar por sew para-brisa, ¢ uma outra pessoa — o motorista de caminhao — que era um empregado que perderia seu emprego ¢ seu ganha- io, se fossejulgado culpado de uma infracao de transito, Na opiniio de nossas {estemunbas, era provavel que o sistema formal da autoridade estatal penalizas- Se 0 motorista de caminhao — que nada fizera de mais sétio do gue danificar ‘uma propriedade— de um modo que elas julgavam totalmente desproporci nalaseu delito. Assim, sem nenfiuma coordenagao, elas “conspitaram”no sent, do de sofapar o sistema legal formah* Esse sistema legal era o de Gana, sisteraa de um Estado nacional pos-colo- lal independente, Mas era, em esstncia 0 sistema colonial, com sus normnea japastas pelos britanicos, Nos dez anos seguintes a esse episodio, a“Revolusao do Povo’, de Jerry Rawlings* tentou desmantelar boa parte desse sistema, com * Ofca!« poten de Gane (Aer 1947), que seve no poder em 1978. ae tonow apts 0 ope de Estado de 1981. (8. 87) A anvengdo da Atvca bastante apoio popular, eo fez, creio ev, precisamente por estar claro que o sistema estava longe de teletic as normas populares. Pessoalmente, ndo creio que fossem erradas as nogdes de direitoe responsabi- lidade imoplicitas na maneira como o sistema legal genés de meados dos anos 70, operando em condigdes ideais, teria resolvido a questio, Mas, isso serve apenas pata marcar miata distancis das conceprbes morais vigentes nas ruas de Tako- radi. (Mesmo assim, nv estou tao distante da realidad do sistema legal ganés— ‘ou dos sistemas Jegais em geral — a ponto de acreditar que houvesse qualquer sgarantia de que o caso fosseformalmente decdido segundo padres ideas.) Os sistemas legais —- como os da Franca, Gri-Bretanha ou Estados Unidos —que evoluiram em resposta @ uma mudanga da moral politica focal tém por esteio uma espécie de consenso popular, ao qual se chegou através de uma longe historia de acomodacio miitua entre @ pritica fegal ea norma popular. Qual- quer um que tenha testemunhado um desses aos de opasigio espontnea e des- complicada a um Estado cujo funcionamento saa se baseia nesse consenso po- deimaginar, com facilidade, 0 quanto os siditos coloniais eram capazes de criar ats de resistencia stailares. Assim, repetindo minha afismagin, era natural que os siditos coloniais que voltaram para a Africa depois da Segunda Guerra Mundial fossem, em sua maio- sa, menos alienados do que presumiram muitos europeus ¢ norte-atnericanos. B patente que figuras como Keniata’ e Nkrumah, Kaunda** e Nyerere 6 viven- ciaram plenamente a cultura ocidental a0 visitarem a Buropa ¢ a America; todos les, em casa, viviam comodamente enraizados nas tradigdes de seus povos. De fato, falar em “tesisténeia” nessa fise da cultura colonial j@ & exagerar os aspectos em que o Estado cofonial fo invasivo, Mina historieta provéms da Ta froradi urbana do fim do sécula XX;emt questOes como a vida familiar, mas quais © Bslado ndo pode intervie efetivamente; nas Areas rarais (pelo menos onde nio havin plercations) nas classes dominantes locais tradicionais eem meio Aqueles que escapacam a uma exposicao expressiva 3 educagao colonial, mesmo nas ci dades; ¢ anteriosmente as penetragées cada vez mais profundas de uma mo. dernidade estrangeira — em todos esses aspectos o sistema colonial anterior de ser ignorado para quase todos os fins. ‘Uma comparasio adequada, no Novo Mundo, nao seria com a experidncia ‘urbana de Soul on fee, mas com 9 mundo que Zora Neale Hurston registra ee Alte, tanto em seus textos mats einograticos quasto emt seu brithante romance, * Kamau Johnstone wa Ngengi Kenta, dito Tomo Keniats, polio do Quénia (1893-1978) que chogou a primeiro-ministro em 1963, apis aindpendéncia dy pase fo presente da Rep Sica de 1968 1998.0. 64) "Kenseth Davis Kaun, pity zambiuno(Asbwa, 1928) ¢ primo presidente da Republica Ae Zambia, sucesivaniente reli desde 1964 (Nd) 28 Nacasade meu pai Their Eyes Were Watching Cid [Seus olhos observavam Deus]: wn mundo ne- gro no qual o mundo norte-americano influia de modos culturalmente margi- nais, ainda que politicamente esmagadores em termos formais. Hé muitos mo- mentos de autonomia cultural na América negra, que atingem um sentimento igualmente vivido de seu pr6prio valor, opondo-se a desvantagens ideolégicas ‘muito maiores do que jamais foram enfrentadas pela maioria dos povos coloni- zados da Attica. (© que a geragao do apés-guerra de africanos britinicos retirou de sua estada ‘na Europa, portanto, nao foi um ressentimento em relagio & cultura “branca’. (O que eles retiraram de sua experitncia comum, ao contritio, foi o sentimento de que, como africanos, tinham muito o que compartir: tomaram por verda- deiro, assim como todo o mundo, que esse sentimento comum estava ligado & sua “africanidade” companttheda e, em sua maioria, aceitaram a visio euro- péia de que isso significava sua raga comum. Para os cidacdldos da Africa francesa, uma situacao diferente \evan aos mes- ‘mos resultados. Para os évalué franceses, de quem: Léopold Senghor é a epi- tome, nio havia como pensar numa explicagao cultural de sua diferenga da Eu- ropa, pois, culturalmente, como exigia a politica francesa de assimilation, era fatal que acreditassem que, independentemente do que mais pudessem ses cles eram no minimo franceses. Uma histéria que merece ser recontada com fre gaéncia é que essa politica resultow em que as criangas africanas do Império Francés liam livros didéticos que falavam dos gauleses como “nos ancétres” [nossos ancestrais) ‘Naturalmente, sé em sentido figurado uma crianga senegalesa podia afirmar descender de Asterix; ¢, como mostrou Camara Laye em L’Enfant noir, a esco- larizasao colonial fracassou, tao notavelmente na Africa franc6fona quanto na angl6fona, em seu propésito de “libertar” seus objetos de suas raizes culturas. [Nao importa em que sentido os gauleses fossem seus ancestras, eles sabiam que cram — e que se esperava que continuassem a ser —“

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