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ISSN 1415-4498 NUSCRITICA ea & Liye REVISTA DE CRITICA GENETICA Ié Centre de Documentation du Cours de Langue et littérature Francaise WAN USCRITICA @ Revisra DE Critica GENETICA Viroria, ES — DEzEMBRO DE 2006 Conselho Editorial: ALMUTH GRESILLON AMALIO PINHEIRO JULIO CASTANON RAUL ANTELO ROBERTO BRANDAO WILLI BOLLE YEDDA DIAS LIMA Editoria cientifica: ANGELA GRANDO BEZERRA APARECIDO JOSE CIRILLO MARIA REGINA RODRIGUES MARIA GORETE DADALTO GONCALVES: FERNANDO AUGUSTO DOS SANTOS NETO Diretoria Editorial: APARECIDO JOSE CIRILLO Projeto Grafico: LUCIANO ALVES PORTELA VITOR CAMPOS LOUZADA Hustrago Capa: ATILIO COLNAGO SUMARIO 1. Como entender os processos de criaglo vinte anos depois - Philippe Willemart. 9 2. Lecture macro, lecture micro du processus d’écriture_Reéfiexions sur la performativité 22, 36 du détail en critique génétique - Irene Fenoglio.. 3.C1 -a de Proceso - Cecilia Salles. 4, Signo e significagao: Pensamento diagramitico ¢ leis de formagao - Daniel Ribeiro Cardo- so, Al 5. Informagao Estética: Processos de Construgao de Formas na Criagao - Edina Regina P. Panichi. WAT 6. Breviirio das terras do brasil: uma aventura nos tempos da inquisigdo e os varios cami- nhos que os manuscritos nos proporcionam - Isabel Cristina Farias de Lima. 52 7. A Comunidade do Arco-fris: a Génese de um Possivel Novo Mundo - Mara Litcia Bar- bosa Da Silva, 56 8. A presenga de Joao Cabral de Melo Neto ¢ Murilo Mendes em Acervos de escritores es- panhéis - Ricardo Souza De Carvalho. 61 9. Mario de Andrade: epistolografia e processos de criagio - Marcos Antonio de Moraes. 65 am 10. Poética do processo - Roberto de Oliveira Brandio.. II, Estética da Criagdo: a génese de Vidas Secas, de Graciliano Ramos - Vanda Cunha Albieri Nery. 12. O territério do caderno de criagao - Lais Guaraldo.. 13. O cédice 367 (320) da Biblioteca Nacional de Lisboa - Carlos Eduardo Mendes de Moraes., 88 14, Acervos de autores e projetos de edigdo critica: Os casos de Fernando Pessoa e Ega de Queirés - Ceila Ferreira Martins 94 15, Ficgdo e Imprensa no Brasil: os Processos de Criagdo de Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo ¢ José de Alencar - José Alcides Ribeiro... 16. Machado de Assis ¢ 0 Corpus flaubertianum - Verénica Galindez Jorge. eel 16 17, Revisitando a aquisigao de segunda lingua: inglés - Ana Blisa Machado Cysne eevee 18. © portugués do romance de Gabriel Garcia Marques Meméria de minhas putas tristes. - Marie-Héléne Paret Passos..... adugdo literdria e critica genética: Estudo genético do prototexto da tradugao para 19. Drummond e 0 Arquivo-Museu de Literatura - Eliane Vasconcellos. 20. Arquivos de escritores: as tramas no Arquivo Mario de Andrade - Marcia Regina Jaschke Machado. 138 21, Método Van Gogh de formagao em artes visuais - Edson P. Pfittzenreuter... 143, 22. Um dialogo com as cartas de Vincent Van Gogh - A partir do livro Vincent Van Gogh: cartas a Théo - Maria Paula Palhares Fernandes... 150 23, Italo Calvino: reflexdes sobre processo de criago - Maria Silvia Bigareli. 161 24, A Poética de Norma Grinberg: O Arco do Desejo - Sylvia R. Fernandes.....cunnnl66 25. Construgio metodolégica na pesquisa em Educagdo: contribuigdes da Critica Genética - Ronaldo Alexandre de Oliveira e Silvia Regina Ribeito..... 171 26. Processos de escritura na escola: breve panorama de alguns estudos franceses ¢ brasi- leiros - Valquiria C. M. Borba ¢ Eduardo Calil.. selTT 27. Desdobrando as Fungdes dos Documentos de Processo: uma Anilise nas Artes Visuais ~ Aparecido José Cirillo. 185 28. Problemas de transcri¢éo na Missa no. 7 de Francisco Mignone - Carlos Alberto Figueiredo., 193 29. Proceso de criagao: dialogo com a cultura - Cristiane Miryam Drumond de Brito 199 30. Espagos de criagiio de duas ceramistas brasileiras - Maria Regina Rodrigues..........206 31. Acaso como tendéncia: 0 projeto pogtico de Milton Montenegro - Maria Gorete Dadalto Gongalves. oe 21S 32, Edigdo Critica da Poesia Completa de Liicio Cardoso - Esio Macedo Ribeiro.....-225 33. A poesia machadiana: versdes, tradugdes, revisdes ¢ didlogos ~ uma musa de roupas embebidas - Francine Fernandes Weiss Ricieti...... 31 34. O fazer naturalista em 0 mulato, de Alufsio Azevedo - Laura Camilo dos Santos Cruz. 237 35. Perspectivas sobre a génese de Casa de pensao - Marizete Liamar Grando. 244 36. A escrita literdria é sempre uti pratica critica, Mas critica do qué? Do proceso - Claudia Amigo Pino. 249 37. O proceso telejornalistico na edigao - Aline Grego.. 259 38. A Critica Genética na Propaganda - Prof. Joao Vicente Cegato Bertomeu.... 268 277 86 41. A condicdo fotogrifica da arte contemporanea - génese ¢ 0 processo de criagao - 287 42. O processo de criagao de Cidade de Deus - Keila Prado da Costa. 289 39. O Processo de Criagdo e Produgao em Os Simpsons - Profa. Chantal Herskovic. 40. O Caderno Rosa de Hilda Hilst - Cristiane Grando, Evandro de Freitas Gauna.. 43, Generalizagdes sobre 0 proceso criativo servindo como suporte no caminhar de uma 290 essuais na miisica de HJ. Koellreutter.......295 oficina terapéutica ocupacional com psicdticos .. 44, Disciplina ¢ liberdade: leituras pro: Manuscritica v.° 14 . 161 23. IrALO CALVINO: REFLEXOES SOBRE PROCESSO DE CRIACAO Manria SiLviA BIGARELI Puc - SP Costumo andar com uma idtia na cabeza durante anos antes de deciir-me a dar-lhe forma no papel, e muitas vezes nesta espera deico-a morrer. No entanto, a idtia morre sempre, mesmo quando me decido a por—me a escrever: a partir desse momento sb existirdo as tentativas para a realizar, as aproximagies, a batalha com as meus meios exxpressinas. Para comegar a escrever calguma coisa preciso sempre de um esforgo da vontade, porque svi que me espera a fadiga e a insatisfagio de tentar e voltar a tentar, de corrigire de re-escrever (Calvino 1985: 247). O propésito desta comunicago tem como foco apontar questdes referentes ao processo de criagio através de reflexdes de Italo Calvino. O projeto de pesquisa — em desenvolvimento - tem como principal objetivo inves- tigar ¢ analisar os procedimentos criativos sob uma perspectiva processual a partit da obra do escritor, enfaticamente os mecanismos denominados jogos combinaté- rios, apresentados como regras ¢ estratégias Iidicas que se ampliam em outros jo gos com a interpretacio do leitor, numa configuragio que se movimenta de forma ilimitada e miltipla. Aqui apresentaremos aspectos que nos permitem pontuar algumas caracteristicas processuais, a partir da auto-refle: encontrados nos jogos combinatérios. Um dos capftulos da tese utilizaré pensares de Calvino sobre processos de criacio, tanto de sua propria produgio, quanto de observagées generalizadas sobre o tema. Comunicaremos aqui parte desta elaboragao, através da compilacio de citages do artista. ‘ do autor, suas buscas estéticas, os desafios A obra do escritor se materializa em metamorfoses literarias e midiaticas, onde encontramos o Calvino Fabulista, da escrita de encantamento e fantastica, o critico, ensaista, leitor e re - leitor de seu tempo e de sua obra, o “pds - moderno”, o metali- terdtio, Calvino tem na literatura a expressfio maxima de seu pensamento, mas 0 seu curriculo também se constitui de significativa experiéncia na drea editorial, criagao de textos para agdes dramaticas, pecas radiofonicas, cangdes, livretos de dpera, séries televisivas, roteiros de cinema. Atuagdes diversas que devem ser levadas em consi- ‘ervar 0 seu processo, pois o escritor permaneceu ao longo de quarenta anos na area editorial, tendo atuado como representante, tradutor ¢ conselheiro. © autor sempre demonstrou grande interesse em documentar € comentar 0 seu proceso criativo, tornando publico este registro na forma de ensaios, comentitios, notas, preficios, introdugdes, anexos, 0 que nos instiga a analisar sua obra a partir desta dtica de proceso, Em seu primeiro romance A Trilha dos Ninhos de Aranha, publicado em 1947 aos 25 anos de idade, apresenta um capitulo (cap.9) que se dife- rencia dos outros, “quase um prefacio inserido no meio do romance” (Calvino, 2004. deragio 2 162 Manuscritica N.° 14, p. 10), uma “quebra” narrativa onde reflexdes tedricas € filoséficas sio inseridas nos pensamentos de um personagem. E, no famoso “preficio a segunda edicio” deste mesmo livro, em 1964, escrito dezessete anos apés a primeira edigao, o autor mantém registrado diversos modos de prefaciar a obra, interrompendo e reiniciando a.escrita mais de dez vezes. O preficio de 1964 é um dos textos mais citados pela critica, pela maestria técnica da escritura. Este prefaciar plural indica miltiplas tra- jet6rias da escrita em elaboracio, com questionamentos € anilises criticas sobre a constituicio da obra, sobre o contexto histérico e literatio da época. “UM PREFACIO ESCRITO HOJE SO TEM SENTIDO SE FOR CRITI- co” Seguem abaixo trechos do Prefacis Este romance é 0 primeiro que escrevis quase posso diver: a primeiva coisa que escrevi, se exxcetuarmos alguns contos. Que inspressio me causa, ao retomé-lo agora? () (6 dese ponto que poderia comegar o preficio)(..) Mais uma vez sinto a necessidade de corrigir 0 andamento que o prefacio tomou... (6 melhor ex retomar 0 fid.) (..) Este romance & 0 primeiro que escrevi Como posso defini-o, agora, ao reexaminéslo santos anos depois? Ainda tenho de recomegar o preficio, desde 0 inicio. Assim nao esté bom (..) E isso: encontrei a abordagem para o preficio (..) Quando comecei a escrever historias em que eu néio entrava, tudo passou a funcionar (..) Comecei a compreender que um conto, quanto mais objetivo e andnimo, mais meu era (..) Este romance é 0 primeiro que escrevi, quase a primeira coisa que escrevi. O que posso dizer dele, hoje? Dire isto: o primeiro livro, melbor seria nunca té-lo escrito (..) Um livro escrito nunca me consolaré daguilo que destrui ao escrevé-lo: aguela experiéncia que, guardada por todos os ano: da minha vida, talvex tivesse me servido para escrever 0 Liltimo livro e me bastou apenas para escrever 0 primeiro (Calvino, 2004: 5 - 25). Seria esta publicacio realmente uma esctita calculada, uma organizacio meta ~processual ou um percurso de elaboracio do preficio? Afirmacées somente aces- sando os documentos de processo, mas hipoteticamente podemos pensar que 20 se deparar com os seus rascunhgs, e consciente do seu interesse pelo proceso da escritura, Calvino tenha escolhido, ao invés de excluir dentre os diversos inicios, ¢ linearmente editar um modo de apresentar a obra, deixar A mostra o caminho de suas diividas, de seus anseios, suas insatisfagdes. De qualquer forma, 0 que temos é a intencio explicita de deixar registrado o proceso de construgio da escrita seja enquanto tema, ficcionalmente, ou como documento. Em Seis Propostas Para o Préximo Milénio, obra péstuma, o autor aponta pers- pectivas para a literatura que se apresentam como um programa literario, um projeto de estilo, uma observagao critica da propria produgao, uma definigio de seu projeto poético. Com o auxilio de Cecflia Salles, entendemos Projeto Poético como: princlpios ticos ¢ estétcos, de canéter geral, que direcionant o fazer do artista: princtpios \gerais que norteiam o momento singular que cada obra representa. Trata-se da teoria que se manifesta no “contesdo” das aries do artista: em suas escolbas, selegdes e combinagdes. Cada obra representa uma possévelconcretixardo de seu grande projeto (Salles, 2001: 39). O escritor coloca no inicio do tema leveza: “Chegou a hora de eu procurar uma definicao global de meu trabalho” (Calvino, 1998. p.15). As Seis Propostas—_Leveza, Rapidez, Exatidio, Visibilidade, Multiplicidade, Con- Manuscritica v.° 14 163 sisténcia (nfo esctita) apontam as buscas, as escolhas, os seus escritores cleitos, in- satisfagdes, as suas obsessdes. Tais propostas atuam como programas de trabalho, tarefas, regras auto-impostas a serem cumpridas, jogos de criacio de dificuldades. Como exemplo citamos uma entrevista onde Calvino enfatiza seu interesse pelo proceso da escritura, bem como sua busca pela clareza, limpidez: Entrevistador: Queria ihe fazer uma siltima pergunta com respeito a arte de escrever. Sua ‘prosa sempre me parecen ao mesmo tempo linpida e complesca. O senor aborda problemas dificeis com uma exctraordindria clareza. Essa’ combinagio de clarega e complexidade, esse estilo, seré um dom dos deuses ox 0 fruto de uma elaboragio consciente, estudiosa, aplicada? Calvino: E. um programa de estudo, uma tarefa que deve ser aleangada, O que me importa é descobrir a complescidade: fago questo de clarificd-la, quando necessario; e em todos 0s casos, quero representé-la. Gosto do que & complexo, emaranbado, dificil de esorever; ¢ procuro expressé-lo num estilo 0 quanto mais limpido (Calvino, Agora, UNP) A busca pela limpidez, precisio, clareza é “numerada”, listada pelo escritor em Exatidio: Para mim, exatido quer dizer principalmente trés coisas: 1) Um projeto de obra bem definido e caleulado 2) A evocagio de imagens visuais nitidas, incisivas, memoriveis (..) 3) Uma linguagem que seja a mais precisa possivel como léscico ¢ em sua capacidade de sraduezir as nuangas do pensamento e da imaginagio. (Calvino, 1998: 71-2). Ao reunit numa mesma edigao os trés livros: O Visconde Partido ao meio, de 1952, O Bardo nas arvores, de 1957 ¢ O Cavaleiro inexistente, de 1959, publica em 1960 Os Nossos Antepassados, e insere um prefécio em que analisa seu processo de ctiagao: (..) No comego de toda histéria que escrevi existe uma imagem que gira em minha cabeca, vinda nao se sabe de onde e que talvez eu carregue durante anos. Pouco a pouco me dé vontade de desenvolver essa imagem numa historia com principio e fim, e ao mesmo tenipo — mas os dois processos sio com freqiiéncia paralelos e independentes — convengo-mme de que ela encerra algume significado. Quando comego a escrever, porém, tudo isso ainda se acha em estado lacu- oso em minha cabega, nada mais do que um esbogo. E. sé & medida que von escrevendo que cada coisa acaba encontrando o seu lugar. (Calvino, 1990: 9) Em trecho da mesma entrevista acima citada, o autor enfatiza seu interesse pelo processo: - Entrevistador: Tem fundamentarao pensar que a consciéncia de auto-reflexividade do texcto Literirio se afirma verdadeiramente no senbor com a trilogia Nostos Antepassados, o1 se, entre o fim dos anos 50 e 0 inicio dos anos 60? Italo Calvino: Exato. No fim de o Barao nas drvores, a escritura, 0 ato material de escrever fica em primeiro plano, a pagina escrita & mito assume um papel central e ocitpa precisamente a espaco onde se desenrola 0 romance — isso demonstra que ex ja estava consciente das processos de escritura e dos meios de exspresso enquanto tais, Dentro do Projeto Poético de Calvino, o nosso interesse predominante, como j4 dissemos, se localiza nos jogos combinatérios, nos caminhos das vatiantes, nas possibilidades miiltiplas de trajetérias. Instiga-nos entender as regras de cada jogo ctiado, percorrer o desenho diagramético implicito em cada texto, observat as esco- Thas, as selecdes dentre tantas configuragdes potenciais. B relacionar posteriormente as similaridades e generalizagdes do seu projeto como um todo. Em varios relatos, Calvino coloca as dificuldades que teve em escrever perante a diversidade criada pelas muitas alternativas possiveis."Dar conta” da multiplicidade 164 MAanuscritica 2° 14 Ma com a intengio obsessiva pela exatidao, pela clareza, é tarefa complexa e almejada pelo escritor, como um desafio aos seus proprios limites: Esta conferéncia nao se deivca conducir na divegdo que me havia proposto. Eu me propunha falar da exatidao, nao do infinito ¢ do cosmo. Queria thes falar de minha predileeao pelas “formas geomitricas, pelas simetrias, pelas séries, pela anélise combinatéria, pelas proporgies numéricas, explicar meus escritos em funcdo de minha fidelidade a uma idéia de limite, de medida... Mas quem sabe nao serd precisamente essa idéia de limite que suscita a idéia das coisas que no tem fim, como a sucessao dos niimeros interos ou as retas euclidianas?... Em obs vex de Uhes contar como escrevi aguilo que escrevi, talvex fosce mais interessante falar dos pro- ‘tit blemas que ainda no resolvi, que nao sei como resolver e que tipo de coisa eles me levarito a eserever.. As vexes procura concentrar-me na histéria que gostaria de escrever e me dou conta Ca de que aquilo que me interessa é uma outra coisa diferente, ou seja, no uma coisa determina da mas tudo o que fica excluido daquilo que deveria escrever: a relado entre esse argumento rev determinada e todas as suas variantes¢ alternativas possveis, todos os acontecimentos que 0 ec tempo ¢ 0 espago possam conter. E. uma obsesséo devorante, destruidora, suficiente para me co bloguear. Para combaté-la, procuro limitar o campo que pretendo dizer, depois dividi-lo em do campos ainda mais limitados, depois subdividir também estes, e assim por diante, Uma outra M. vertigem entao se apodera de min, a do detalbe do detalhe do detalbe, vejo-me tragado pelo tet infinitesimal, pelo infinitamente minima, cono antes me dispersava no infinitamente vasto 4 (Calvino, 1998:83). a No livo © Castelo dos Destinos Cruzados o escritor parte da iconografia de baralhos para realizar um jogo de tradugio intersemistica com as cartas de tard, R combinando-as e criando narrativas que se cruzam até compor uma forma final, cw A obra é dividida em dois textos: O Castelo ¢ A ‘Taverna. O primeiro foi escrito em 1969 para a edigao de um livro de tard. Calvino registra em nota ao final do livro & a intensa dificuldade que encontrou para esctever A Taverna, publicada juntamente _ com O Castelo em 1973. Enquanto escreveu o primeiro em uma semana, levou cerca - de trés anos para concluir o segundo, embora tenha utilizado basicamente a mesma - proposta que no outro. Resolveu publicar “para libertar-se” do emaranhado proces- u so das possibilidades combinatérias. - Citaremos aqui alguns trechos da nota: 16 . Passava dias inteiros a compor e recompor o men quebra-cabera, imaginava novas regras do Ss, jogo, tragava centenas de esquemas, em quadrado, em losango, em estrela, mas sempre haviam a cartas essenciais que permaneciam fora e cartas supérfluas que ficavam no meio, ¢ 0s esque- = mas se tornaram tao complicados (adquirindo atl mesmo una terceira dimensao, tornando-se R catbos ¢ poliedras) que ex proprio acabava me perdendo neles. i Em varias ocasiées, a intervalos mais ou menos longos, nestes iltimos anos, ew voltava a me 2 enfurnar nesse labirinto que logo me absorvia inteiramente. Estava ficando lauco? Seria 0 3 influsco maligno daguelas figuras misteriosas que nao se deixavam manipular impunemente? Ou era a vertigem dos grandes niimeros que se desprende de todas as aperagies combinatorias? > De sitbito, decidia-me a renunciar, deixava tudo de lado, ocnpava-me com outras coisas: era 8 sum absurdo perder mais tempo com uma operagiio da qual ja havia exxplorado as possibilida- t des impliitas que sb tinha sentido como hipétese tebrica. é Passava meses, um ano inteiro talvez, sem pensar mais nelas; e de repente me vinha a idtia de que podia voltar a elas fentando um outro método, mais simples, mais répido, mais seguro. Recomegava a compor esquemas, a corrigi-los, a complici-los: deixava-me novamente engolfar por aquelas arcias movedizas, trancava-me numa obsessio maniaca. Havia noites em que Manuscritica n.° 14 165 acordava para ir correndo anotar uma corregao decisiva, que acabava arrastando consigo uma cadeia interminével de modificagaes. Outras havia em que me deitava com o alivio de baver encontrado a formula perfeita; ¢ de manhé, mal me levantava, rasgava-a. A taverna dos destinos craados tal como hoje finalmente via luzé frato dessa génese tormen- tosa (Calvino, 1991: 151 — 157) Cabe ressaltar que Cidades Invisiveis, considerada por muitos criticos como a obra maxima do autor, e também citada por Calvino como o0 texto onde actedita ter dito mais coisas, foi concretizada ¢ editada em 1972, periodo intermediario entre O Castelo - 1969 € A Taverna -1973. Finalizando, novamente esclarecemos que nossa inten¢io aqui foi simplesmente reunir pensamentos de um autor que faz do proceso matéria e tema de reflexio, € que busca como método de criagao, abrir-se ao maximo das potencialidades, da combinatoriedade, para poder limitar-se, e encontrar num exercicio de clarificacio do complexo a lapidagdo de um texto limpido e exato como a forma de um cristal. ‘Mas em meio aos movimentos ¢ interacdes presentes nos processos de criagao, exis- tem as vertigens, as perdas do auto controle, por mais listadas, declaradas e nomea- das forem as propostas e buscas de exatidao. Referéncias Bibliograficas: CALVINO, ftalo. O Castelo dos Destinos Cruzados. Sio Paulo: Companhia das Letsas, 1991 __--_---- AGORA. Revista da Universidade Potiguar ~ UnP (Entrevista publicada pela Revista Europe, n° 817, Pacis, margo 1997, realizada por Gregory L. Lucent). ‘Um Eremita em Paris, Lisboa: Teorema © Castelo dos Destinos Cruzados. Sio Paulo: Companhia das Letras, 1991. Cidades Invisiveis. Sao Paulo: Companhia das Letras, 2002. _______.. Cibernétiea e Fantasmas: Apontamentos Sobre a Narrativa como Processo com- binatério (1967). In: Una Pietra Sopra. Tarim: Einaudi, 1980. __.. Seis Propostas para 0 Préximo Milenio. Sio Paulo: Companhia das Letras, 1998. SALLES, Cecilia Almeida, Gesto Inacabado, Processo de Criagio Artistica, io Paulo: Annablume, 2001. — _. Critica Genética e Semistica: Uma Interface Possfvel. In: ZULAR, Roberto (rg). Criagdo em Processo — Ensaios de Critica Genética. Sio Paulo: uminuras, 2002. SANCHEZ GARAY, Elizabeth, Escritura Lidica y Visiones Del Mundo: Voluntad Poética, Em: Italo Calvino. Voluntad e Ironia. Zacatecas: Universidade Autonoma de Zacatecas; Fondo de Cul- tura Econémica ~ México, 2000. ZULAR, Roberto (org). Criagio em Proceso — Ensaios de Critica Genética. Sao Paulo: Huminuras, 2002. Notas: 96. (Entrevista com Italo Calvino publicada pela revista Europe, n° 817, Paris, marco 1997, realizada por Gregory L. Lucente; traduzida por Florence Dravet, in Agora ~Revista Cientifica UNP sem data).

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