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Nocao de Psicopatologia na Andlise do Comportamento Maura Alves Nunes Gongora Universidade Estadual de Londrina ResuMo Psicopatologia é a disciplina que estuda as “doengas mentais”. No Brasil, esta disciplina tem integrado 0 curriculo dos cursos de graduagao em Psicologia, desde a sua regularizagao, em 1962. Mesmo em alguns cursos nos quais nao ha uma disciplina especifica com esse nome, sua matéria integra alguma disciplina na rea de Psicologia clinica. Isto quer dizer que é esperado de todo profissional de Psicologia uma posi¢ao diante dos temas abordados nessa matéria, os quais tém sido objeto de muitas polémicas. Pretendemos contribuir com algumas nogées que permitam ao aluno iniciante, interessado em Anélise do Comportamento, preparar-se para entrar no debate desse assunto. Centralizamos nosso enfoque na apresentagfio de algumas proposigdes de analistas do comportamento em relacao 4 Psicopatologia. Procuramos demonstrar algumas posigdes que, do nosso ponto de vista, seriam apropriadas aos clinicos que se fundamentam na Andlise do Comportamento. Iniciamos com algumas informagées sobre os primeiros trabalhos de Andlise Comportamental Aplicada nos quais foram tragadas as bases das posigdes atuais a respeito da interpretagdio comportamental de problemas clinicos. Em seguida, ilustramos algumas possibilidades desse tipo de interpretagao. Palavras-chave: psicopatologia; Andlise do Comportamento; modelo psicoldgico. Historicamente, a Psicopatologia tem sido entendida como parte do campo de estudo da Psiquiatria, por isso, em geral, nos cursos de Psicologia, fem sido ministrada por psiquiatras, A Andlise do Comportamento, por sua vez, & uma ei@ncia que tem procurado responder & seguinte pergunta: Por que as 93 Mauna Auvis Nuwis GOGO pessoas Se comportam da maneira como o fazem? (Skinner, 1974). Sey estudo 60 comportamento das pessoas nas suas interagdes com seu ambi, particularmente 0 ambiente sociocultural. A Andlise do Comportameny es inclui em seu objeto de estudo nem a mente (no sentido mentalista em m0 mente é vista como uma entidade), nem as doengas (no sentido da medica a tradicional) e, em decorréncia, nao poderia estudar as “doencas rents” (doengas da mente). Neste texto, procuraremos demonstrar como a Anilise do Comportamento ver tratando o tema — Psicopatologia — trazendo-o para um debate sob a dtica do seu modelo de anilise. No final da década de 1960, a AEC (Analise Experimental do Comportamento) ja havia consolidado em suas pesquisas de laboratério a demonstracao de uma série de principios basics em relac4o ao comportamento (basicamente principios em relagdo a processos comportamentais operantes e respondentes). Pesquisadores da época entenderam que j4 havia um corpo consistente de conhecimento, ao menos 0 suficiente para se pensar em sua aplicagao para resolver problemas humanos, denominados por eles— problemas sociais. Iniciaram entio a chamada Andlise Comportamental Aplicada. O livro “Pesquisas sobre Modificagao de Comportamento”, organizado por Ullmann e Krasner (1972) foi um marco na publicagao dos resultados desses primeiros estudos. Tais estudos se estendiam em diversas reas, entre elas a da fala, a de Jeitura, a de deficiéncia: mental e a do comportamento em enfermaria psiquiatrica. Embora intervindo apenas em algumas classes bem especificas de comportamento, os resultados obtidos levaram a um entusiasmo quanto as possibilidades de se resolver diversos problemas comportamentais com a aplicagao dos principios basicos de Andlise do Comportamento, também denominados principios de aprendizagem. Mas o que as colocagées acima tém a ver com Psicopatologia? Tém muito a ver, porque grande parte dos denominados “problemas sociais” sobre os quais se pretendia intervir com procedimentos comportamentais nada mais eram que algumas das sindromes (conjunto de sintomas) das “doengas mentais”. As descrigdes das sindromes, bem como a denominagao (classificagao) de cada “doenga mental”, tém sido tarefa da Psiquiatria, cujos resultados so divulgados em duas publicagdes tradicionais com respeitabilidade internacional: o D.S.M. (Manual de Diagnéstico ¢ Estatistica de Transtornos Mentais), uma publicaga0 da Associagao Psiquidtrica Americana que se encontra atualmente em sua quarta ae IV, 1994), e uma segunda publicagiio, da O.M.S. (Organizasao Mundial! ae Saiide), conhecida pela sigla C.1-D. (Cédigo Internacional de ne LD. € uma publicago das sindromes € denominagdes diagnésticas apenas um ieee or sendlo peg lassi ficartes) das idoengas mee informatizagdio, oe los. Para facilitar procedimentos administrativos ¢ no C.LD., cada doenga recebe um nimero (cédigo). Objeto de 94, a . ——, A extensio da Andlise Comportam ; psiquiatricos, descritos nas publicacdes pect 4 problemas behavioristas uma tomada de posi¢ao conceitual diante tee exigiu dos em pressupostos das denominadas “teorias da aprencizagen" ipreena formularam uma critica consistente ao conjunto de conceitos médi oe médico) relativos as “doencas mentais”. Em substituigao as con: aed (modelo subjacentes a0 modelo classificatério adotado pela Priquiati, fee cas outro sistema conceitual o qual sugeriram fosse um modelo alternati ara explicar aqueles mesmos fendmenos comportamentais descritos pela eee como “sindromes” das “doengas mentais”. Entre os pesquisadores ue se destacaram nessa reformulagao conceitual, estéo Charles B. Ferster, Leonard Ullmann e Leonard Krasner; inclusive, os ultimos deram o nome pelo qual a nova formulacdo se tornou conhecida — Modelo Psicolégico de andlise da anormalidade. Ferster (1972) e Ullmann e Krasner (1975) esto entre as primeiras publicagdes consolidadas desse modelo. O Mopzto PsicoLdécico O principal fundamento desse modelo é 0 de que todo comportamento aprendido, seja ele considerado “patolégico ou saudavel”, normal ou anormal, desejavel ou indesejavel, segue os mesmos principios de aprendizagem. Ullmann e Krasner (1975) afirmam que o comportamento “patolégico” ou anormal no é diferente do comportamento “saudével” ou normal em seu desenvolvimento, em sua manutengo ou na maneira em que ele pode ser mudado. A diferenga entre ambos no é intrinseca aos processos comportamentais. Os principios aqui referidos so, basicamente, aqueles dos paradigmas respondente e operante, com destaque para os principios operantes que permitem a modelagem de novos repertorios comportamentais. Entre os principios de aprendizagem, ja descritos na época, encontravam-se 0S de reforco positivo e negativo, de modelagem, de modelagao (aprendizagem por imitagao), de aprendizagem por instrugéo (ou comportamento governado por regras), de punigao, de discriminagao e de generalizagao. Na perspectiva do Modelo Psicolégico, nao importa qual é 0 principio de aprendizagem, mas a concepgiio de que todo comportamento aprendido pode ser mudado, que todo comportamento aprendido segue algum ou alguns principios e que, uma vez descritos tais princfpios, eles serao titeis na produgao de procedimentos que permitam alterar comportamentos quando houver interesse em fazé-lo. Conforme esse raciocinio, 0 ‘Modelo Psicolégico abrangeria tanto os jpios de aprendizagem ja descritos quando de sua formulagao (e que cipios que viessem a ser princi] . i poderiam vir a ser modificados) quanto novos prin 95 Maura Atves NuNES GONGORA GS descritos a partir de novas pesquisas em Andlise do Comportamento, De modo, conforme esse modelo, os principios de aprendizagem nilo pia red mesmos, nem normais nem anormais, “nem patol6gicos nem saudaveis”; ae aisto, eles sdo neutros. Por exemplo, se uma pessoa for positivamente reforgads de modo intenso e sistematico por comportar-se de maneira agressiva, impulsiva e discordante, ela provavelmente desenvolveré um padrao de comportamento predominantemente agressivo, impulsivo e discordante; do mesmo modo, através de um processo sistematico de reforgamento positivo, uma outra pessoa, ou até a mesma pessoa, pode vir a desenvolver um padrao de comportamento absolutamente calmo, ponderado e conciliador. O primeiro padrao aparece como “sintoma” em alguns “transtornos mentais”, portanto, pode ser visto como “patolégico”; o segundo nfo aparece em nenhuma sindrome, tende a ser visto como “saudavel”. Esse exemplo mostra que as diferengas entre as pessoas quanto ao que pode ser considerado normal ou anormal (saudavel ou patolégico para a medicina) esté no produto da aprendizagem, nos comportamentos aprendidos (no exemplo — agressivo ou calmo, discordante ou conciliador) e nao nos processos pelos quais tais comportamentos foram aprendidos. No exemplo, nos dois casos, 0 processo envolvido foi o mesmo, reforgamento positivo, um processo neutro segundo o Modelo Psicoldgico. Aceitando-se o pressuposto acima, resta a questéo: como entéo um comportamento pode vir a ser considerado patolégico quando nao ha uma patologia bioldgica subjacente, quando a doenga é “mental”? Segundo 0 Modelo Psicolégico, esse é um outro processo diferente daqueles responsdveis pela aquisigo ou alteragdo de comportamentos, é um processo de julgamento ou avaliagao social extrinseco aos processos comportamentais. Os critérios para que comportamentos sejam considerados patolégicos, nesse caso, sao de origem social e seguem normas socioculturais. Sao critérios produzidos por pessoas € institucionalizados em suas praticas culturais. Considerando-se essa proposi¢ao de que os critérios com os quais a Psiquiatria julga os produtos de aprendizagem sio de ordem social (normas sociais), no Modelo Psicolégico, adotaram-se os termos normal e anormal para substituir, respectivamente, os termos saudavel ¢ patolégico na qualificagao dos “sintomas” das “doengas mentais”. Na concepgio acima, como as normas sociais variam de cultura para cultura, de um grupo para outro, em tempo, em lugar e assim por diante, variam da mesma forma aquilo que é classificado como anormal. Em outras palavras, 0 mesmo comportamento (considerando-se a topografia das respostas) que em uma cultura ou contexto € considerado normal em outra cultura ou contexto pode ser considerado anormal. Ent&o o modelo comporta mais um pressuposto: niio h4 uma forma de comportamento (topografia) que seja anormal em si mesma. Exemplificando, respostas de chorar, sorrir, beijar, trabalhar, rezar, agredir, cantar, fazer sexo, etc. podem ser consideradas tanto normais quanto anormais, “a. — 96 _ . dependendo dos contextos nos quais ocorram. Com isso, nao é possivel avaliar se uma resposta em si mesma (fora do contexto) é normal ou nao; ou mais, perante um cliente classificado como “doente mental” cabe perguntar: quais de seus comportamentos, em quais contextos o levaram a receber essa classificagao e, principalmente, quem o classificou. A resposta a essas perguntas permitirao explicitar os critérios de normalidade (normas sociais) adotados pelo agente social responsavel pela classificagdo e, possivelmente, pelo encaminhamento do cliente para tratamento de sua “doenga mental”. Naturalmente, essa andlise coloca em discussao as classificag6es oficiais (C.I.D. ¢ D.S.M.) na sua pretensio de serem “universais” (aplicaveis a pessoas de diferentes culturas e em diferentes contextos). Um argumento a favor da nog4o de que os critérios psiquiatricos para classificar o que é patolégico, freqiientemente, seguem critérios sociais encontra- se no fato de o homossexualismo ter sido classificado até o D.S.M.II como patologia e, posteriormente, ter sido retirado dessa classificagdo. Isto parece ter ocorrido em decorréncia de mudangas culturais a respeito da homossexualidade. Segundo 0 Modelo Psicoldgico, aquilo que tem sido denominado “sintoma de doenga mental” parece fendmeno de natureza diferente de outras patologias médicas, parece mais tratar-se de fendmeno de natureza social. Seria bem mais dificil, por exemplo, imaginar que a medicina deixasse de considerar a pneumonia como uma patologia. Ullmann e Krasner (1975) e Szasz (1979) defendem esse ponto de vista apontando as diferencas em normas sociais e normas médicas. Segundo eles, na medicina, os critérios do que é fisiologicamente normal (o mesmo que saudavel) sio bastante objetivos (podem ser confirmados em exames de laboratério) e seguem normas universais da O.M.S.; neste caso, a atividade de diagnosticar uma doenga é predominantemente de ordem técnica, pois sao pouco influenciadas pelos valores pessoais do terapeuta. As normas sociais, por sua vez, nao séo universais, sio de cunho cultural, ético e ideolégico, por isso, diagnosticar doencas mentais (denominadas “mentais” justamente por nfo se caracterizarem por desvios bioldgicos ou fisiolégicos) é uma atividade nao apenas técnica, mas também de cardter ético, uma vez que envolve a definig&o do que é o “bem” (desejavel) para o cliente e para a sociedade. Na visdo de Ullmann e Krasner (1975), esta mudanga de interpretagao que transporta o debate das “doengas mentais” do dominio médico para o dominio das ciéncias sociais nao simplifica © problema, mas, ao contrario, revela quanto o assunto € complexo. Além disso, a mudanga de concepgao quanto 4 natureza das “doengas mentais” nao quer dizer que os problemas assim denominados nfo existam, nem minimiza a sua gravidade, mas quer dizer que o terapeuta, neste caso, ndo pode ser considerado nas um técnico, ele nfo é neutro quando indica tratamento, mas, ao fazé-lo, ape! aes sume certas normas sociais quanto aos comportamentos socialmente ele as 97 Maura Atves Nunes GONGORA_ Ke§-- oo desejaveis. Isto também nao quer dizer que a atividade terapéutica de avaliar intervir em distirbios comportamentais no seja socialmente relevante; mas quer dizer que, nao sendo eticamente neutra, deveria, entre outras coisas, envolver o cliente (ou o responsavel por ele) nas decis6es a respeito do que alterar e por que alterar certos comportamentos. Do exposto também nao parece adequado qualificar como “patolégicos” desvios que nao sejam de normas médicas. Devido as concepgées anteriormente defendidas, o Modelo Psicoldgico passou a ser conhecido também como modelo “psicossocial” de analise da anormalidade. O Modelo Psicolégico, além dos pressupostos ja descritos, preconiza ainda que a explicagao do comportamento anormal nao exige uma outra teoria ou outros principios especificos, diferentes daqueles j4 formulados para a compreensio do comportamento em geral. Pelo contrario, pressupde que antes de se explicar 0 comportamento anormal é preciso explicar 0 comportamento normal a partir de uma teoria geral do comportamento. Ullmann e Krasner (1975) afirmam que, antes de compreender uma crenga falsa (referindo-se 4 paranoia), é preciso entender como uma pessoa pode passar a acreditar em algo. Trata-se de entender o comportamento de acreditar; isto feito, ser aplicado a explicagdo da crenga falsa. Ou, em outro exemplo, para explicar disturbios sexuais, é preciso compreender antes como funciona a sexualidade ou o sistema de comportamento sexual. Em resumo, uma teoria a respeito do modo como o comportamento pode ser aprendido possibilita explicar tanto comportamentos considerados normais quanto anormais. Neste sentido, o estudo da anormalidade, conforme o Modelo Psicolégico, deve iniciar-se com a compreensao dos pressupostos basicos de uma teoria geral do comportamento humano. 1. Teoria do comportamento humano e processos de aprendizagem Apresenta-se aqui o esbogo de uma teoria geral do comportamento humano derivada das pesquisas sobre processos de aprendizagem. O Modelo Psicolégico fundamenta-se em concepgées gerais das teorias de aprendizagem social e, principalmente, na teoria operante de andlise do comportamento; desse modo, aplica os principios operantes de aprendizagem na interpretaciio de sindromes descritas pela Psiquiatria ou de problemas clinicos em geral. Além disso, compatibiliza com a andlise operante a andlise de processos respondentes. Seguem os principais pressupostos da teoria operante de andlise to comportamento, conforme Ullmann e Krasner (1975). As pessoas nao sao nem estimuladas nem responsivas em um vacuo — a resposta de uma pessoa serve como um estimulo para outra Pessoa, bem como para si mesma. Tais estimulos podem ser eliciadores (nog Processo respondentes), discriminativos ou reforgadores (nos processos op. : homens freqiientemente no respondem a estimulos especificos a A&A erantes). Os de maneira PrimEtos Passos as respondem a estimulos ou Situagdes eg eci maiores. ‘além disso, eles respondem a0 seu ambiente fsio, oe experimentando (na tentativa de) alteré-lo, oO comportamento humano é sem interativo. As pessoas comportam-se nao como recipientes de estimulagio. a trabalham ativamente para conquistar Certas condicdes de estimulacao, tase as comida, dinheiro, cessar a dor, conquistar o sorriso deuma crianga, a ae omo dos colegas ou o amor do parceiro. : Iragao Considera-se que as pessoas respondem ao ambiente sempre da melh e mais eficiente maneira que elas podem. Por isso, além de interativo, " comportamento € sempre adaptativo. Destaca-se, aqui, a nogdo de 7 3 comportamento é funcional, mantido POF suas conseqiiéncias no mee (entendendo por ambiente, principalmente, os contextos sociais e interpessozis) Comportamentos funcionais tendem a ser selecionados pelo ambiente (modelados e mantidos), enquanto comportamentos disfuncionais tendem a se modificar ou desaparecer. . Quanto ao Papel da heranga genética e das condigdes biolégicas: a genética determina maisa diferenca entre os homens e outras espécies que entre os proprios homens. Além disso, as diferencas genéticas em Cor, altura, ligadas a0 sexo € Possivelmente até em responsividade autonémica geralmente sio consideradas dentro dos limites da normalidade (da satide). Pode-se considerar, entdo, que a genética limita o potencial do comportamento humano, mas a variabilidade e a especificidade comportamental que caracteriza cada pessoa, em condigdes adequadas de satide do organismo, sio basicamente produtos de aprendizagem. Contudo, na pratica, nfo se pode perder de vista o fato de que as condigdes genéticas e biolégicas sdo condicionantes e limitantes do comportamento em toda e qualquer situagao, mesmo em condigdes étimas de satide. Ainda que nao patolégica, parece haver entre os individuos pequenas diferengas nas condigdes genéticas e biolégicas que podem facilitar ou nao certos tipos de aprendizagem, por exemplo, diferencas em responsividade autonémica parecem facilitar o desenvolvimento de certos distirbios emocionais. Além disso, condigées fisicas possuem “significado” social; isto pode ser visto na maneira como uma sociedade responde 4 aparéncia (ou condi¢ao) fisica no caso de defeitos fisicos, cor, sinais de etnia, sexo, idade, Portador de doenga crénica ou contagiosa. Neste caso, a pessoa sofre 0 efeito nfo diretamente de sua condigdo genética ou biolégica, mas da teagdo social a essas condigdes. Portanto, trata-se aqui de processos de aprendizagem, de interagao social € no 5 bioldgico. Diante dessas consideragdes a Tespeito das variaveis de en légicas, parece que o caminho mais indicado a Psicologia é genéticas : Bae sa dos processos de ordem ontogenética, processos Eee pe individuo vai se modificando ao longo de sua vida, em interagao ee individuos, e tormando-se tinico, diferente dos demais. . 99 , Maura Atves Nunes Goncora. eR Como se apresentam os ambientes nos quais ocorrem os processos ontogenéticos? Podemos considerar as caracteristicas mais amplas do ambiente como contextos. Estes so condigdes das quais é praticamente impossivel escapar. Pode-se dizer que tais contextos sfio 0 “local” do comportamento. Vejamos alguns deles: a) O contexto fisico, por ser o mais ébvio, nao ha porque estender- se aqui na sua descricao; b) O contexto representado pelas condigées genéticas e bioldgicas, j4 descrito; c) Os contextos sociais sio os mais complexos e relevantes. Entre eles, destacam-se: Papéis sociais; classe social; educag4o; raga; religido; condigao politica; condigao econémica; condigdo geografica; tipo de organizago social (burocratica, por exemplo); condigdes demograficas: idade, sexo, estado civil, profissfio, etc. A aprendizagem humana tem lugar dentro desses contextos e cada pessoa, apesar de ter caracteristicas particulares e Unicas, carregaré também as caracteristicas préprias dos contextos nos quais se desenvolveu. Cada um desses contextos maximiza a aprendizagem de certos comportamentos as expensas de outros. Além disso, em cada contexto ha limites (normas sociais) que demarcam quais comportamentos so apropriados ou nao. No entender de Ferster (1972), cada cultura delimita o potencial de comportamento que seus participantes podem aprender. O potencial de comportamentos prdprios de uma cultura so aqueles que serao reforgados pela comunidade. Esse autor lembra, ainda, que os comportamentos complexos dos adultos sio modelados pela cultura, ao longo do tempo, por aproximagées sucessivas, através de reforgamento diferencial proprio das praticas culturais. Assim, mesmo limitados pela cultura, os homens sao notaveis pelo grande nimero ecomplexidade de padrdes comportamentais que podem aprender e, desse modo, adaptar-se a diferentes ambientes. Comportamentos de origem filogenética (préprios da espécie) sao pouco suscetiveis a mudangas; comparativamente, os comportamentos de origem ontogenética sao extremamente maledveis e passiveis de alteragdes ao longo da vida da pessoa. Por isso é comum entre os tedricos de processos de aprendizagem aafirmagao de que “tudo que é aprendido pode ser desaprendido”. Isso é valido tanto para os comportamentos considerados normais quanto para os anormais. Aderir a esse pressuposto implica um certo otimismo quanto as possibilidades de tratamento de algumas sindromes descritas pela Psiquiatria, aquelas sindromes (ou parte delas) que podem ser explicadas como resultado de aprendizagem e as quais se aplicam um ou mais principios de aprendizagem. Os principais pressupostos referentes a teoria operante de aprendizagem podem ser assim resumidos: a) O que as pessoas aprendem depende de seu ambiente fisico e social, ou seja, dos contextos aos quais esteve exposta; b) O que se aprendeu no passado interfere naquilo que se aprenderé no futuro; c) Mantidas constantes as varidveis demogrdficas e biolégicas, as diferengas entre as pessoas podem ser consideradas, basicamente, diferengas na aprendizagem 100 we Primeiros Passos a __Prrmtnos Passos pessoal ou lidar com seu ambiente; d) Comportamentos so mantidos por sua fi luncionalidade €m contextos especificos, por isso, sem alterar sua funcionalidade, edi ficil alteraro Comportamento; e) Nao ha nada nos processos de aprendizagem em Si Mesmos que seja certo ou errado, doente ou saudavel; os processos de aprendizagem sdo neutros quanto a isso; f) Nao ha comportamento (considerada a morfologia da resposta) que possa set considerado funcional em si mesmo, a funcionalidade do comportamento s6 pode ser avaliada dentro das condigdes (contingéncias) especificas nas quais ocorre. Conforme o Modelo Psicolégico, os pressupostos acima, além de fundamentarem uma teoria geral do comportamento, fundamentam também a andlise dos comportamentos considerados anormais ou indesejaveis, incluindo as sindromes de “doengas mentais”. Sao pressupostos derivados diretamente dos estudos da AEC (Anilise Experimental do Comportamento). A aplicagao dos principios da AEC somados a outros principios de interpretagio do comportamento, formulados fora de situagdes experimentais, tem sido denominada apenas — Andlise do Comportamento. Este é 0 caso da interpretagao de comportamentos-problema em situagSo clinica. Em geral, analistas do comportamento, na pratica clinica, além de aplicarem os principios da Analise do Comportamento, seguem também principios de uma filosofia do comportamento denominada Behaviorismo Radical (Skinner, 1974). 2. Modelo Médico e Modelo Psicolégico Comparando-se, esquematicamente, o Modelo Médico tradicional com 0 Modelo Psicolégico (incluindo-se os principios da Andlise do Comportamento € a filosofia behaviorista radical) pode-se verificar a importancia do segundo modelo na proposi¢ao de novos conceitos. Na concepgao médica publicada pelo D.S.M. e C.LD., predominam as seguintes caracteristicas: a) Os distirbios (aanormalidade) sao tratados como conceito universal; as sidromes (por exemplo a “fobia social”, a “sindrome do Panico”) so definidas conforme critérios que se aplicam a qualquer pessoa, em diferentes contextos e diferentes culturas. Essas publicagdes fazem observagdes quanto as diferengas culturais, mas estas sao vistas apenas de maneira periférica, nao alteram a esséncia do modelo médico de andlise [Ver em (Alarcén, 1995, pp. 205-256) andlise do D.S.M.IV, incluindo comentarios a respeito da questo cultural]; b) Pressupdem uma dicotomia entre “normal e anormal” ou melhor entre “patologia e satide”; o tratamento pressupde um diagnéstico especifico (0 diagnéstico de um distirbio é condigdo para o tratamento) e, mais importante, as explicagdes pressupdem um modelo teérico especifico para explicar os distirbios mentais. Por exemplo, faz-se uma distingao entre depressao normal e depressio patolégica e explica-se cada uma delas de uma maneira diferente; c) O diagnéstico é entendido como uma atividade 101 Maura Atves Nunes GONGORA predominantemente técnica, o avaliador é visto como sendo neutro em relagfio aos diagnésticos que formula; d) O diagnéstico baseia-se em andlise predominantemente topografica do comportamento; e) Aplicam 0 conceito de patologia tanto para desvios de normas biolégicas quanto para desvios de normas sociais; f) O enfoque do tratamento é sobre a queixa, Procura-se livrar ° paciente de sua doenga; g) A visio de homem é dualista tanto na distingaio corpo-mente quanto na distingao mental-comportamental; h) Uma caracteristica marcante — 0 conceito de comportamento é¢ restrito as ocorréncias observaveis (abertas) de comportamento; identificam 0 comportamento de uma Pessoa apenas com suas aces e, com isso, tratam os comportamentos encobertos (sentimentos, pensamentos, fantasias...) como fenémenos mentais; i) E, finalmente, o comportamento em si mesmo nfo é 0 objeto de estudo, é apenas “sintoma” dos processos que interessam, dos processos “patolégicos” subj jacentes, sejam eles processos biolégicos ou mentais. Estes processos so vistos como interiores a pessoa, seja interior ao seu corpo ou a sua mente. Em comparag&o com os mesmos itens anteriores, o Modelo Psicolégico originalmente formulado, bem como as atuais proposigées da Andlise do Comportamento e do Behaviorismo Radical apresentam as seguintes caracteristicas: a) Os disturbios sio vistos como dificuldades especificas de cada pessoa em seus contextos de vida, desvios de normas sociais so vistos como problemas diferentes em culturas diferentes e em diferentes contextos, ou seja, a “anormalidade” de ordem social é vista como critério relative e nao universal; b) Tratando-se de processos comportamentais, ndo pressupde dicotomia entre “normal e anormal” ou “patologia e satide”; 0 diagnéstico (dar a classificagao do D.S.M. ou do C.LD.) de um distirbio nao é condi¢ao para o tratamento (embora analistas do comportamento possam utilizar as classificagdes do D.S.M. para alguns fins de Pesquisa e comunicagio entre cientistas); a decistio para intervir em certos comportamentos depende de se avaliar, para cada Pessoa, se tais comportamentos representam um problema e se a intervengio traria beneficios para a pessoa e a sociedade, As explicagdes dos problemas clinicos so baseadas nos mesmos principios teéricos que explicam o comportamento em geral. Por exemplo, os mesmos modelos de depressao aplicam-se a qualquer comportamento depressivo, seja considerado um problema clinico ou nao; c)O ato de indicar tratamento para alguém, além de Pressupor preparo técnico Andlise do Comportamento, é visto, também, como uma atividade ética, por envolver o julgamento do que é socialmente relevante e 0 melhor para aquela Pessoa; d) A avaliacdo dos comportamentos-problema baseia-se predominan- temente na andlise funcional destes em conjunto com o modelo de variacgao e selego por conseqiiéncias; €) O conceito de patologia é aplicado apenas para desvios de normas bioldgicas de funcionamento do organismo; comportamentos- problema devido a idiossincrasias em relagdo as demandas sociais e interpessoais 102 Primeiros Passos ee nio sio qualificados como patoldgicos; f) O enfoque da intervencdo nem sempre & sobre a queixa € nao visa simplesmente eliminar os “sintomas”, visa também ensinar ds pessoas como intervir mais eficazmente em seu ambiente (Follette Naugle e Linnerooth (2000); g) O homem é visto como um sistema unitario; nig ha dicotomia entre Corpo € comportamento, porque é 0 Corpo que se comporta; h) Uma caracteristica marcante — 0 conceito de Comportamento no estd restrito as ocorréncias observaveis (abertas) de comportamento; a Andlise do Comportamento, seja de problemas clinicos ou ndo, abrange toda a atividade de uma pessoa € no apenas as suas acGes; isto quer dizer que inclui as atividades encobertas, tais como sentimentos, pensamentos, fantasias, sonhos...; i) E, finalmente, 0 comportamento em si mesmo é 0 objeto de estudo, nao é visto como “sintoma” de outros processos interiores, interessa a compreensio dos proprios processos comportamentais, A explicagao das origens do comportamento operante inicia-se com as Contingéncias piiblicas que o modelam; da mesma maneira, a explicacao de problemas clinicos de ordem Operante, tanto de comportamentos em ocorréncias publicas quanto em ocorréncias encobertas, nao se inicia no interior da pessoa, mas nas contingéncias publicas que os modelaram e naquelas que os mantém. Antes de finalizar esta segao, é preciso fazer algumas ressalvas a respeito de dois conceitos que integram 0 Modelo Psicolégico, conforme proposto por Ullmann e Krasner (1975). Trata-se dos conceitos de comportamento “anormal” e de comportamento “desadaptativo”. Examinando-se os Pressupostos do Modelo Psicolégico, podemos afirmar, grosso modo, que todos eles funda- mentam a pratica clinica derivada da Andlise do Comportamento e mais, Tepresentaram certamente um enorme avango em relagio as PosigGes médicas tradicionais. Entretanto, gostariamos de chamar a atencao para algumas conseqiiéncias de se ter substituido o conceito de “patologia” pelo de “anormalidade” na andlise de problemas clinicos. Esse tema mereceria uma longa analise que este texto nao comporta. Mas cabe destacar que na formulagio do Modelo Psicolégico (Ullmann e Kransner,1975) ha uma certa ambigiiidade que Possibilita dois tipos de interpretagdo. Em uma primeira interpretagdo, terapeutas entendem que seguir o Modelo Psicoldgico implica apenas substituir as nogdes de “patologia” pelas de “anormalidade”, afinal os autores 0 denominaram um modelo de “andlise da anormalidade”. Neste caso, os comportamentos-problema nao so mais denominados “patolégicos”, mas “anormais”, Contudo, 0 raciocinio continua 0 mesmo do modelo médico, inclusive adotando-se os critérios do D.S.M. para fazer diagnéstico e indicar Psicoterapia, Entendemos que aqueles terapeutas que fizeram essa interpretagao néo se beneficiaram, de fato, das novas concepgées que integram o Modelo Psicoldgico. ' ; ; ‘Uma segunda interpretagio do Modelo Psicolégico Nos parece mais apropriada e mais promissora para o analista do comportamento: é a interpretagio 103 Maura Atves Nunes GONGORA. La na qual ele é visto como um conjunto consistente de criticas aos critérios diagnésticos do modelo médico tradicional. A postura dos terapeutas que fizeram essa interpretagdo se aproxima do que esta descrito anteriormente na lista de caracteristicas do Modelo Psicolégico, principalmente, ao assumirem que os critérios de normalidade ou do que é socialmente desejavel sao relativos, entram no debate ético. Entendido dessa forma, 0 comportamento “anormal” passa a ser tratado como comportamento-problema (nem patolégico nem anormal). Nessa interpretagio, os conceitos do Modelo Psicolégico podem fundamentar praticas terapéuticas que ajudam o cliente a analisar, a compreender a agir de maneira mais eficaz em relaciio as normas de seu proprio contexto social. Inclusive, por vezes, 0 cliente tem que ser auxiliado a se livrar de “armadilhas” produzidas por praticas culturais e psicolégicas fundadas em concepgées de “patologia” e de “anormalidade”. Em outros termos, o cliente sempre deveria ser tratado, pelo terapeuta, como pessoa normal. Nossa pritica clinica tem mostrado que classificar 0 cliente, seja como “doente”, seja como “anormal”, nao favorece a superagdo de seus problemas; os ganhos sio maiores quando os terapeutas interagem com seus clientes como pessoas normais (Sant’ Anna e Gongora, 1987). Além das implicag6es ja discutidas, denominages do tipo Psicologia da “anormalidade” podem sugerir que o papel do terapeuta seja o de “ajustar” seus clientes (no sentido de se “conformarem”) com o sistema social vigente ou comas normas sociais mais tradicionais ou reaciondrias. Quanto a isso, pensamos que uma terapia fundada na Andlise do Comportamento pode ou nao ser reacionaria, mas a no¢io de comportamento operante, conforme a filosofia behaviorista radical, no pressupde conformismo, pelo contrério, comporta a possibilidade de transformagao do ambiente sociocultural (Skinner, 1977). O conceito de comportamento desadaptativo sofre restrigdes semelhantes. A origem darwiniana do termo “adaptacaio” para referir-se 4 evolugdo das espécies favorece a concep¢ao de que se trata de um processo passivo no qual a pessoa apenas “se ajusta” ao ambiente sem procurar alterd-lo. Nos processos de selegao natural, as espécies 6 que mudam para se ajustar (adaptar) ao ambiente; este, por sua vez, permanece estavel. Entretanto, 0 problema ¢ utilizar 0 termo em relagdo ao comportamento operante. Como ja foi dito antes, neste caso, o comportamento ¢ interativo, o comportamento operante age sobre o ambiente, podendo transformé-lo, inclusive, no sentido de torna-lo (0 ambiente) mais favoravel para a propria pessoa e para os demais (Skinner, 1977). Entendido dessa forma, pode-se dizer que é possivel um comportamento operante ser adaptativo sem ser passivo ou “conformista” em relagio ao que estd socialmente estabelecido. Resumindo, a postura terapéutica mais apropriada quanto a questio da “anormalidade” e da “desadaptagao” parece ser a de tratar os clientes como pessoas normais ¢ ativas, capazes de alterar seu proprio ambiente fisico, —_ / F PRIMEIROS PASSOS interpessoal € sociocultural. Alids, nas ultimas duas décadas, a psicoterapia fundamentada no modelo operante de andlise do comportamento e no Behaviorismo Radical afastou-se, cada vez mais, da énfase em procedimentos terapéuticos que manipulavam diretamente o ambiente (VI) para alterar o comportamento-problema (VD) (um método de intervencio denominado “modificagao do comportamento”). Em contrapartida, atualmente, a tendéncia dos terapeutas fundamentados no modelo operante é a de analisar o repertério global do cliente e intervir de modo a possibilitar que o préprio cliente possa vir a desenvolver um repertério potencial de analisar, enfrentar e, se for 0 caso, alterar seu ambiente, tornando-se responsdvel pela busca de interagdes mais reforcadoras e de um ambiente de melhor qualidade. ANALISE DO COMPORTAMENTO E INTERPRETAGAO DE PROBLEMAS CLiNICOS Procura-se demonstrar, nesta se¢do, algumas possibilidades de andlises gerais de problemas clinicos com base na teoria geral do comportamento delineada em segio anterior. Considera-se que se alguém procura (ou é levado) para tratamento “psicolégico” é porque alguém (seja a propria pessoa ou outros) deseja algum tipo de mudanga. Nao se tratando de mudanga de ordem biolégica ou fisiolégica (médica), entende-se que a mudanga esperada seja comportamental. Pode-se dizer, entéo, que algum ou alguns comportamentos estio sendo considerados indesejaveis. Seguem algumas possibilidades de interpretagao, em uma perspectiva de aprendizagem, dos motivos pelos quais comportamentos podem ser considerados problematicos ou socialmente indesejaveis. Ullmann e Krasner (1975) afirmam que para ser considerada “normal” uma pessoa precisa ser socialmente habil. Habilidades sociais podem ser entendidas como qualquer outra habilidade. Trata-se da resposta “certa”, no lugar ou contexto “certo”, no tempo (momento) “certo”, em diregao a pessoa “certa”, por motivos “certos” e assim por diante. Os autores apontam para a dificuldade em se especificar o que é comportamento socialmente habilidoso, Porque trata-se da dificuldade em se definir 0 “jeito certo” de viver. Dito de outro modo, comportar-se de maneira apropriada ou apresentar comportamento socialmente habilidoso é extremamente complexo, porque os contextos mudam continuamente, porque ha conflitos entre os comportamentos esperados em diferentes contextos, porque as respostas e as discriminagdes exigidas sio extremamente variadas e sutis. Por outro lado, Skinner (1989) afirma que a aprendizagem de comportamento operante por processos de selegao do ambiente, tanto quanto as mudangas nas espécies pela selegao natural, preparam a pessoa para viver apenas em ambientes semelhantes aqueles nos quais 0 comportamento foi 105 Maura Atves NUNES GONGORA. selecionado. Ou seja, um comportamento é adaptativo apenas em Telacio ao x ambiente especifico no qual ele se desenvolveu (no qual foi selecionado ou aprendido). Com isto, uma pessoa sé pode ser socialmente habilidosa em ambientes semelhantes aos que experienciou em seu passado. Segundo o autor, este é um limite inerente ao processo de selecdo por conseqiiéncias, Dessa maneira, um comportamento operante que é positivamente reforgado em um ambiente (adaptativo) pode ser ineficaz ou punido em outro; da mesma forma, um comportamento de esquiva que é eficaz em um ambiente pode ser ineficaz em outro. Note-se que diferengas em ambientes sociais podem ser minimas e sutis. Assim, embora se pressuponha que todo comportamento aprendido é adaptativo, isto parece ser verdadeiro apenas em relagdo ao ambiente no qual foi selecionado (ou ambientes semelhantes). Isto quer dizer que um mesmo comportamento considerado adaptativo em certos ambientes pode ser desadaptativo em novos e diferentes ambientes. Do exposto, Ullmann e Krasner (1975) apontam uma importante possibilidade de andlise de problemas clinicos — eles afirmam que grande parte dos comportamentos considerados socialmente indesejaveis, em uma Perspectiva operante, podem ser avaliados como disfuncionais ou desadaptativos. Isto significa que as pessoas podem ser consideradas “anormais” simplesmente porque nao aprenderam certos comportamentos que se esperam delas, ou porque aquilo que aprenderam nio é eficaz em determinado contexto. Isto se torna mais evidente quando a pessoa muda bruscamente de ambiente ou quando seu ambiente sofre amplas transformagées. Entretanto, mudangas ambientais minimas, nao identificaveis facilmente, podem ser significativas para uma pessoa no sentido de tornar seu repertério comportamental ineficaz. Pode tratar-se ent&o de uma ou mais das seguintes opgdes: a resposta “errada”, no lugar ou contexto “errado”, no tempo (momento) “errado”, em diregao 4 pessoa “errada”, por motivos “errados” e assim por diante. Em relagio a essas variagdes, duas possibilidades sao mais freqtientes: a pessoa pode ter em seu repertério a resposta apropriada, mas néo discrimina as condigdes apropriadas para emiti-la; neste caso, a dificuldade esta no repertério discriminativo; ou a pessoa pode discriminar a resposta que a situagdo demanda, mas nao ter como apresenta-la por nao té-la aprendido. Os objetivos e as estratégias terapéuticas em cada um desses casos seriam, naturalmente, diferentes. Em outra possibilidade de andlise, Skinner (1990) ao discutir 0 efeito Conjunto dos trés tipos de selecdo por conseqiiéncias (filogenético, ontogenético e cultural) sobre o comportamento, lembra que problemas comportamentais podem ser decorrentes de diversos tipos de conflitos: entre contingéncias, entre culturas ou subculturas e até entre partes do repertério comportamental de uma mesma pessoa. 106 » Primeros Passos Ferster (1972) esteve entre os primeiros pesquisadores de Anilise Comportamental Aplicada a sugerir que se fizesse andlise funcional de problemas clinicos, um procedimento fundamental na pratica clinica atual em Analise do Comportamento. Ele lembrou que as descrigées predominantemente topograficas das respostas que compdem as sindromes classicas ajudam muito pouco na compreensao do comportamento. Como exemplo, ele diz que ao ver alguém andando devagar e cabisbaixo nao da para saber se ele esta ou nao depressivo, ele pode estar cansado ou simplesmente refletindo. Para saber se trata-se de um problema clinico e se caberia um tratamento, é preciso proceder a andlise funcional do comportamento-problema. E preciso ver quais varidveis sio responsdveis Por esse comportamento e também quanto ele pode ser desadaptativo para a pessoa. Ele sugere ainda outro procedimento importante na andlise de certos casos clinicos — a analise do repertério total do cliente e no apenas de uma classe isolada de comportamento. Por exemplo, ele afirma que a sindrome depressiva pode ser explicada pela propor¢ao de comportamento do repertério, em uma pessoa, que pode estar sob o controle de contingéncias positivas ou negativas. Neste caso, se a propor¢ao de contingéncias negativas for muito alta (acima do toleravel para aquela pessoa) pode explicar seu comportamento depressivo. Os problemas clinicos, em geral, apresentam-se como distirbios emocionais, sejam respondentes emocionais como a ansiedade, sejam distirbios em sentimentos, tais como depressdo, inseguranga, culpa, citimes e tantos outros. Na teoria operante, disturbios em sentimentos e emogées sao interpretados como produtos colaterais (que acompanham) processos operantes (Skinner, 1974; 1989). A explicagiio e a intervencdo nesses distirbios sGo baseadas na andlise do repertério operante do cliente (resultante de contingéncias passadas) e na andlise das contingéncias operantes que atuam no presente, Em um exemplo, pessoas pouco habilidosas socialmente, com um tepertério pouco eficaz para obter reforgo social positivo, com o tempo, podem vir a se sentirem deprimidas, como um possivel efeito colateral de um repertério pouco reforgado positivamente. Sobre esse tema, ver “terapia por contingéncia” em Guilhardi (1997). Essas sfio apenas algumas das possibilidades de andlise comporta- mental de problemas clinicos, as quais foram bastante ampliadas nas duas Ultimas décadas. Uma tendéncia atual dos analistas de comportamento tem sido acrescentar em suas analises os fundamentos filoséficos do Behaviorismo Radical conforme apresentados em Skinner (1974, 1989). Para uma visdo atual e mais detalhada das possibilidades de se analisar comportamentalmente as sindromes descritas no D.S.M. IV, sugerimos a leitura de Follette at al. (2000). SS Maura Atves Nunes GONGORA —$— << ——————— CONSIDERACOES FINAIS Antes de finalizar, resta esclarecer duas questdes. Uma delas refere-se 30 pressuposto do Modelo Psicoldgico de que os principios operantes sao “neutros’ em relago aos “produtos” da aprendizagem. Em linhas gerais, este pressuposto tem sido aceito por analistas do comportamento, mas ao menos para um dos principios ha que se fazer uma ressalva — para a punigdo — ou ao menos para algumas de suas formas. A puni¢ao tem sido amplamente debatida por Skinner (1953/1998) e Sidman (1995) em relago aos seus efeitos supressores de respostas operantes e aos prejuizos emocionais que tendem a produzir. Embora nao seja possivel debater aqui esse assunto, ele nao poderia deixar de ser lembrado. Outra questio refere-se 4 manutengiio de uma linguagem médica e mentalista na andlise comportamental de problemas clinicos. Ullmann e Krasner (1975) ja haviam apontado para as dificuldades do Modelo Psicolégico em romper com outros enfoques por nfo se ter ainda os termos apropriados e distintos dos tradicionais. Assim, apesar do esforgo para introduzir novos conceitos, os analistas do comportamento ainda mantém o uso de termos de origem médica, tais como: “terapia”, “clinica”, “tratamento”, “diagnéstico”... Além dos termos médicos, mantém também termos de origem mentalista, principalmente os de prefixo “psi” — psicoldgico, psicoterapia, Psicologia. Mesmo para aqueles termos que ja possuem substitutos ainda se usam os tradicionais; exemplos disso sao a substituig&o de “terapia” e “psicoterapia” por “intervengao”, “diagndstico” por “avaliagdo”, Contudo, entendemos que o uso dos termos tradicionais nem sempre traz dificuldades. Seu uso pode facilitar a comunicagao dos psicélogos clinicos, analistas do comportamento, com pesquisadores e profissionais de dreas afins e de outros enfoques, bem como com o publico em geral, ja acostumado com a linguagem tradicional. Desenvolver o tema proposto foi um desafio. O assunto € complexo e polémico. Mas este € um contexto do qual o Psicélogo clinico ndo tem como se livrar. Esperamos ter contribuido para o debate do tema e, principalmente, como esforgo dos terapeutas que se empenham em encontrar caminhos para auxiliar aqueles que procuram ajuda na Psicoterapia. REFERENCIAS Alarcén, R. D. (1995). Classificacién de la conducta anormal: E] DSM-IV. In V. E. Caballo, G. Buela-Casal & J. A. Carrobles (Orgs.), Manual de Psicopatologia y Transtornos Psiquidtricos, v. I (pp. 205-256). Madrid: Siglo Veintiuno. American Psychiatric Association. (1994). Diagnostic and ‘Statistical Manual of Mental Disorders. (4th ed.). Washington, DC: American Psychiatric Association. 108 7 “a i all panos Pie Ferster, C. B. (1972). Classificagao da Patologia do Comportamento. In L. Krasner &L.P. Ullmann (Orgs.), Pesquisas sobre Modificagao de Comportamento (pp.7- 34), (Trad. C. M. Bori). Sao Paulo: Herder. (Trabalho original publicado em 1966.) Follete, W. V., Naugle, A. E., & Linnerooth, P. J. (2000). Functional Alternatives to Traditional Assesment and Diagnosis. In M. J. Dougher (Org.), Clinical Behavior Analysis (pp. 99-126). Reno: Context Press. Guilhardi, H. J. (1997), Com que contingéncias o terapeuta trabalha em sua intervengao clinica. In R. A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento e Cognicao: Aspectos tedricos, metodologicos e de formagao em Andlise do Comportamento e Terapia Cognitiva (pp.322-337). Santo André: ESETec Editores Associados. Sant’ Anna, R. C., & Gongora, M. A. N. (1987). Por uma postura behaviorista no contexto Clinico. Conferéncia apresentada no I congresso de terapeutas comportamentais de Brasilia. Brasilia, Departamento de Psicologia da FAFI- CEUB/DF. Sidman, M. (1995). Coergdo e suas implicagées. (T1 rads. M. A. Andery & T. M. Sério.) Campinas: Editorial Psy. (Trabalho original publicado em 1989.) Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: Knopf. Skinner, B. F. (1977). O que é o homem? In O mito da liberdade (pp. 145-168). (Trads. L. Goulart & M. L. F. Goulart). Rio de Janeiro: Ed. Bloch. (Trabalho original publicado em 1971.) Skinner, B. F. (1990). Can Psychology bea science of mind? American Psychology, 45, 1206-1210. Skinner, B. F. (1995). Quest6es recentes na andlise comportamental. (Trad. A. L. 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