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NESBITT, Kate (org.) Uma nova agenda para a arquitetura Antologia Teérica 1965-1995 Sao Paulo, Cosac & Naify, 2006 ISBN 9788575035993 Diana Agrest e Mario Gandelsonas Semidtica e Arquitetura paginas 129 a 141 Geoffrey Broadbent . Um guia pessoal descomplicado da teoria dos signos na arquitetura paginas 141 & 162 apresentacao DIANA AGREST & MARIO GANDELSONAS . SEMIOTICA E ARQUITETURA 0 periodo pos-modemo assistiu a uma renovacéo do interesse pelo problema do sentido em arquitetura e & conscientizacao dos termos segundo os quais a disci- plina se definia. Essas duas quest6es coincidiam na “analogia linguistica”, isto é, na ideia de que a arquitetura podia ser entendida como uma linguagem visual. Na década de 1960, reconheceu-se a necessidade de submeter essa hipétese a um exame rigoroso quanto as seguintes indagacées: em que medida a arquitetura é uma convengao, como a linguagem? Suas convengées séo realmente compreen- didas de maneira tao geral que nos permita falar da existéncia de um “contrato social” na arquitetura? Este artigo e 0 préximo, de Geoffrey Broadbent, ressaltam os problemas @ as possibilidades de aplicar a analogia linguistica & arquitetura O ensaio de Diana Agrest e Mario Gandelsonas 6 uma condensagao de um texto mais extenso publicado em Semiotica com 0 titulo de “Critical Remarks on Semiology and Architecture”. Datado de 1973 ¢ incluido no primeiro volume de Oppositions, revista do Instituto de Arquitetura e Estudos Urbanos, a verséo aqui reproduzida estabelece um alto nivel de discurso critico. A influéncia do marxismo e dos estudos do linguista Fer- dinand de Saussure evidencia-se na enunciagao precisa da posigao teérica dos autores Formados em arquitetura pela Universidade de Buenos Aires, ambos estudaram lingufs- tica estrutural em Paris no final dos anos 1960, época de grande efervescéncia estudantil. A influncia de Roland Barthes também é perceptivel na obra tedrica dos dois autores (ver cap. 13). Um exemplo 6 a ideia de “leitura” da cidade, que Gandelsonas investiga em The Urban Text. Agrest e Gandelsonas so cautelosos na distincdo entre o interesse atual pela teoria da comunicagao e pela semidtica e afirmam que a diferenga esté no objeto de estudo de cada campo. A semidtica (que pode ser entendida como um sinénimo de semiologia) é a ci€ncia dos diferentes sistemas de signos linguisticos. Ela estuda a natureza dos signos @ as regras que governam seu comportamento no interior de um sistema. A semistica ocupa-se, portanto, do processo de significaeao, ou da produgéo de sentido, que se rea liza por intermédio da relagao entre os dois componentes do signo: o significante (como uma palavra) e 0 significado (0 objeto denotado). A teoria da comunicagao, por sua vez, trata do uso @ dos efeitos dos signos, de sua funcao e recepgao pelas pessoas envolvi- das na transmissdo de uma mensagem. Agrest e Gandelsonas observam que a confusao com respeito a essa distincdo 6 responsavel por algumas aplicagées duvidosas da teoria semiética por parte de certos arquitetos e criticos. Os autores consideram a semistica um bom caminho para aprofundar o estudo da produgdo de sentido em arquitetura. Na sua opinido, a semidtica faz parte de um projeto maior € no se reduz a importacdo imediata de conceitos externos a disci- plina. Vista dessa maneira, a semiética poderia ser Util como arma contra a ideologia, ou contra a “teoria [arquitetdnica] adaptativa”, que perpetua 0 status quo econémico 129 130 @ politico. Agrest e Gandelsonas esperam que a teoria critica dedicada a producéo de conhecimento sobre a arquitetura e a andlise critica da ideologia possa substi- tuir @ norma adaptativa. (A critica da ideologia reaparece no ensaio de Manfredo Tafuri no cap. 7.) DIANA AGREST E MARIO GANDELSONAS Semi6tica e arquitetura Consumo ideolégico ou trabalho ted: De maneira geral, as teorias da arquitetura e do design tendem a perpetuar a estrutura basica da sociedade ocidental e ao mesmo tempo a manter o design como uma operacao legitima dentro da ordem estabelecida. Os autores questionam esse papel adaptativo da teoria da arquitetura analisando a incorporacao da semistica como um “bloqueio te6- rico”. Afirmam que a teoria somente poderd ser considerada como uma producao de conhecimento se houver uma completa transformagao de sua base ideolégica. Nos tiltimos vinte anos, houve uma extraordindria intensificacao da produgao de“teo- rias” da arquitetura e do design, que destacam o papel especial da teoria arquitetonica que se desenvolveu continuamente ao longo de cinco séculos. A fungo dessas “teorias”, hoje como antes, tem sido a de adaptar a arquitetura as necessidades das formagées sociais oci- dentais,' servindo de elo entre a estrutura global da sociedade e sua arquitetura.? Dessa maneira,a arquitetura tem se modificado para responder & mudanga das demandas sociais, incorporando-se a sociedade mediante operagdes “tedricas”. As mudangas correspondentes introduzidas pela “teoria” na pratica arquiteténica atuam no sentido de perpetuar a estru- tura basica da sociedade e, ao mesmo tempo, de manter a prépria arquitetura como uma instituicao dentro das formagées sociais ocidentais.? Em um artigo anterior,‘ definimos o processo de producao de conhecimento como um projeto tedrico que nao visa nem a adapta¢ao da arquitetura as “necessi- dades” das formagoes sociais nem a manutencao da instituicao como a conhecemos. Nesse ponto especifico, j4 nos referimos a teoria em sentido estrito como oposta & “teoria” adaptativa, que chamamos de ideologia. ‘A ideologia pode ser definida como um conjunto de representagées e crengas - re- ligiosas, morais, politicas, estéticas - a respeito da natureza, da sociedade, da vida e das atividades dos homens sobre a natureza ¢ a sociedade. A ideologia tem a fungao social de manter a estrutura global da sociedade induzindo os individuos a aceitar em suas consciéncias o lugar e o papel que essa estrutura lhes designa. Ao mesmo tempo, a ideologia atua como um obstdculo ao verdadeiro conhecimento, impedindo a cons- tituigéo da teoria e seu desenvolvimento. A fungio da ideologia nao é produzir conhecimento, mas opor-lhe obstéculos. De certo modo, a ideologia alude a realidade, mas somente oferece dela uma ilusio. A soma de todo 0 “conhecimento” arquiteténico ocidental, das intuigdes do senso comum as complexas “teorias” e histérias da arquitetura, deve ser vista mais como ideologia do que como teoria. Essa ideologia jé proclamou satisfazer as necessidades praticas da sociedade por meio da orgahizacdo e controle do ambiente construido. Para nés, no entanto, a funcdo subjacente dessa ideologia é mais pragmitica, a de si multaneamente satisfazer e preservar a estrutura global da sociedade nas formacées sociais ocidentais. Ela contribui para a perpetua¢ao do modo capitalista de producao, bem como para a pratica arquitetonica como parte dele. Assim, mesmo que a ideo- logia proporcione um conhecimento do mundo, é um conhecimento determinado, limitado e deturpado por essa fun¢ao predominante. Pensamos que hé necessidade de uma teoria, mas que ela seja claramente diferen- ciada da “teoria” adaptativa ou do que estamos chamando aqui de ideologia arquite- tOnica. Nesses termos, a teoria da arquitetura é o proceso de produgao de conheci- mento que toma por base uma relacao dialética com a ideologia arquitet6nica; ou seja, a teoria se desenvolve a partir da ideologia e ao mesmo tempo se coloca em oposicao radical a ela. E essa relacao dialética que distingue e separa a teoria da ideologia. Em oposigao a ideologia, propomos uma teoria da arquitetura, necessariamente fora da ideologia. Essa teoria descreve e explica as relagdes entre a sociedade e os ambientes construtdos de diferentes culturas e modos de produgao.§ O trabalho teérico nao tem como matéria-prima nenhuma coisa concreta ou real, mas crengas, nocées e conceitos sobre essas coisas. As nocées séo transformadas por meio da aplicacao de determinadas ferramentas conceituais, e 0 produto é o conhecimento das coisas.’ A ideologia arqui- tetnica, como parte integrante de uma cultura e de uma sociedade burguesas, supre parte da matéria-prima sobre a qual devem atuar as ferramentas conceituais. As relagées entre teoria e ideologia podem ser caracterizadas como uma luta per- manente, na qual a ideologia defende um tipo de conhecimento cuja finalidade princi- pal é mais a conservacao dos sistemas sociais existentes e de suas instituicdes do que a explicagao sobre a realidade. A historia contém muitos exemplos dessa relacdo. A Igreja apoiou durante séculos a teoria ptolomaica do universo, que corroborava os textos biblicos, contra outros modelos que poderiam explicar com mais exatidéo a mesma realidade. A teoria coperniciana, ao contrdrio, foi o resultado de uma transformagio conceitual dentro da ideologia. Copérnico destruiu literalmente o sistema geocéntrico de Ptolomeu e desprendeu sua teoria dessa ideologia “projetando a terra nos céus”.® A condenagao de Copérnico pela Igreja ¢ a tentativa de cancelar um novo conceito 1 132 do universo, no qual o homem nao estava mais no centro do mundo e onde o cosmos no se organizava mais em torno dele, mostram um outro aspecto dessa luta. A ideo- logia teorica, que originalmente se opés & concepcao cosmoldgica coperniciana, aca- bou por absorvé-la para reacomodar a estrutura tedrica. Cabe distinguir duas etapas nessa relagdo dialética entre teoria ¢ ideologia: a primeira é a da transformagéo produ- tiva, quando a ideologia ¢ inicialmente transformada para prover uma base tedrica; a segunda € a da reprodugéo metodolégica, quando a teoria é elaborada como entidade se- parada da ideologia. Os estudos de Copérnico correspondem a primeira etapa, em que © trabalho tedrico consiste essencialmente na subversao de uma determinada ideologia. Aarquitetura ainda est4 A espera de um Copérnico para iniciar a primeira etapa da explicagao teérica. A verdade é que apenas recentemente comegamos a nos dar conta da necessidade de analisar as relagdes entre teoria e ideologia. Diversas ideologias arquitetdnicas tm aparecido de modo mais ou menos siste- mitico, como evidencia 0 uso ambiguo da denominagao “teoria”. Essa ambiguidade tem se acentuado recentemente em teses pseudotedricas, que usam modelos prove- nientes de diferentes campos do conhecimento, como a matemitica, a légica, o beha- viorismo ou a filosofia. Quando aplicados a arquitetura, esses modelos introduzem uma ordem superficial, mas deixam intacta a estrutura ideolégica subjacente. A intro- dugdo de modelos tirados de outros campos do conhecimento deve ser vista como consumo ideolégico e como um modismo temporario no plano da técnica? Mas 0 consumo de teorias que podem ser pensadas em si como instrumentos para o desen- volvimento da teoria sobre a arquitetura atua como uma forma especial de obstdculo ideoldgico, que denominamos de bloqueio tebrico. Muitas teorias que se apresentam como teorias numa acep¢ao estrita sao, na rea- lidade, justo 0 oposto. Elas funcionam como obstdculos & producao te6rica. Mas mui- tas das “teorias semidticas da arquitetura” produzidas recentemente contribuem tao somente para o consumo de uma teoria da semidtica, a qual, a nosso ver, poderia pro- piciar uma série de instrumentos titeis para a produgao do conhecimento sobre a ar- quitetura. Essas teorias sao a esséncia de um bloqueio teérico. A transposicao de conceitos semidticos e linguisticos para 0 campo da arquite- tura nao faz mais que manter a ideologia da arquitetura. Nao se pode confundi-la com um processo teérico que deve basear-se na reflexao critica e na subversdo das noges ideoldgicas. Em nossa opiniao, a semiética somente poderd cumprir essa tarefa critica, como importante ferramenta para a produgiio de conhecimento, se compreendermos 08 conceitos semidticos no marco de referéncia de uma teoria geral da semidtica e nao como férmulas isoladas. Isso implica a necessidade de distinguir os conceitos se- midticos pertinentes a uma teoria geral da semidtica dos conceitos similares relacio- nados com outros campos tedricos. Assim, por exemplo, apesar de 0 conceito de “c6- digo” pertencer tanto a semidtica como a teoria da comunicagao, seu lugar em cada um desses campos ¢ diferente. A maior parte dos usos correntes da semistica nao elabora explicitamente a distingao entre nogdes que pertencem a diferentes campos tedricos — semidtica, teoria da comunica¢ao e semantica tradicional - e se serve delas de maneira arbitraria e aleatéria. Um aspecto do bloqueio tedrico nos parece surgir numa situagao em que os respon- séveis pela formulagao da “teoria” nem distinguem nem relacionam com suficiente preci- sdo discursos de base epistemoldgica e orientaao obviamente discordantes. E 0 que se vé na confusao que se faz atualmente com os conceitos de comunica¢ao e significagao. Para esclarecer a natureza dessa confusio, examinemos rapidamente o artigo de George Baird, “La Dimension Amoureuse in Architecture”."° Baird escreve, por exemplo: no sentido mais moderno da distingio, considera-se que a langue de um fendmeno social & seu “cédigo” e a parole sua “mensagem”. Em determinados aspectos, essa distingéo ‘mais interessante, porque traz para a semiologia uma quantidade de técnicas matemiticas precisas de anilise, geralmente agrupadas sob o titulo de “teoria da informacao”." A confusio esta na associa¢io entre os conceitos de langue e parole com a nogao de significagao, e de cédigo e mensagem com a nogao de comunicagio. $6 € possivel inter- relacionar os pares conceituais de langue-parole e cédigo-mensagem em pouquissimos casos. A confusdo entre esses conceitos cria uma situacao de indefinicao e indistingao entre teoria da comunicagao e semidtica, vista como uma teoria da significagao. O pro- blema se repete em outra afirmacio de Baird, em que os dois campos tedricos sio no- vamente considerados intercambidveis: “Inspirando-se na antropologia estrutural de [Claude] Lévi-Strauss, a semiologia moderna observa todos os fendmenos sociais como sistemas de comunicacao; nao s6 os mais 6bvios [...] mas também [...] a arquitetura”.? Para que a semictica se torne uma ferramenta importante para o desenvolvimento da teoria arquitetonica, parece-nos necessario elucidar a distingao entre as nogées de comunicagdo e o conceito de significa¢4o, bem como sua relevancia para a arquitetura. A semistica, a teoria dos diferentes sistemas de signos, tem sido vista como um | primeiro estégio para uma futura teoria geral das ideologias."* No estagio atual, a se- mi6tica pode nao s6 proporcionar modelos, mas também sugerir estratégias tedricas para a luta contra uma ideologia especifica, a ideologia arquitetonica. a Na definigao de semistica de (Ferdinand de] Saussure'* esté ausente a nogao de comunicagdo exatamente porque se trata de um fendmeno nitidamente distinto do de significagdo. O estudo do fendmeno da comunicagao, que analisa como os signos sio enviados € recebidos, € diferente e nao pode ser confundido com um estudo que analisa “de que consistem os signos” ou “que leis os determinam”.'° De fato, a nogao de comunicagao diz respeito a uma caracteristica que é compar- tilhada por todos os sistemas de signos, que é o fato de proporcionarem uma via de 133 134 comunicagao entre os individuos. A nogao de[significaco) ao contrario, depende da estrutura interna especffica dentro de um determinado sistema cultural, como o da arquitetura, do cinema ou da literatura. A estrutura especifica desses fendmenos cul- turais emana de sua existéncia como instituicdes sociais e nao do uso que lhes dao os individuos. Na arquitetura, por exemplo, a significagao particular dos edificios japo- neses origina-se da estrutura interna do sistema de signos arquitet6nicos que é deter- minado pelo contexto social e cultural e nao por seu uso funcional, que é semelhante a0 uso dos edificios em outras culturas, isto é, como abrigo, reuniao etc{Em outras palavras, a nogao de comunicagao se liga & funcdo e ao uso de um sistema, enquanto anogao de significacao remete as relacdes dentro de um sistema./A comunicagao tem a ver com 0 uso e os efeitos dos signos, enquanto a significagao Temete & natureza dos signos e as regras que os governam.' Essa diferenca pressupde, em primeiro lugar, que, mesmo que os fatores pertinentes ao processo de comunica¢4o sejam bem compreen- didos, ainda assim podemos nao saber coisa alguma sobre a natureza da significacao em si; em segundo lugar, que, como a significagéo depende da natureza especifica de diferentes sistemas de signos, ela tem de ser redefinida para cada sistema semidtico distinto, de acordo com o funcionamento de sua estrutura interna e com os fatores que diferenciam cada estrutura interna. O objeto da semistica € precisamente o de estudar os diversos sistemas semidticos como dispositivos que produzem significagao e determinar como a significacao € produzida. O método usado por Saussure para definir a semistica, a linguistica e a significa- ao linguistica deve ser examinado tanto como uma solucio para a andlise de nogGes ideolégicas como para o estabelecimento do valor heuristico dos conceitos e procedi- mentos semiéticos como ferramentas para a elaboracao de uma teoria sobre a arquite- tura. Em Saussure, a nogao de semidtica abrange a propria linguagem. A definigéo de lingufstica requer a definicao simultanea da semistica. Saussure define semistica (ou semiologie) como a ciéncia dos diferentes sistemas de signos e 0 estudo da langue (0 sistema da linguagem) como 0 exame de apenas um dos varios sistemas semisticos. Ele define 0 conceito de “signo” (as unidades do sistema) como uma entidade de duas faces formada por um “significante” (a imagem aciistica) e um “significado” (0 con- ceito). Portanto, a significacao é definida como uma relagio interna ao signo que une significante e significado, Saussure demonstra, em seguida, 0 carter arbitrério da sig- nificagdo no signo e mostra que ele ¢ determinado por outra relagao ~ a relacdo entre signos exteriores aos signos em si, que ele denomina de valor. Com essa definicdo, Saussure se opde ao conceito de significagao da semantica tra- dicional. Nesta, a conjungao particular de uma forma e de um significado dé lugar a0 mundo, como, por exemplo, no triangulo semioldgico de [Charles Kay] Ogden e [Ivor Armstrong] Richards. Em outras palavras,na semantica tradicional, o significado, em si, éinerente ao mundo."” Na viséo de Saussure, as palavras somente adquirem sentido por causa do lugar que ocupam na linguagem, como sistema semictico; isto é,a palavra ndo tem nenhum significado inerente. Saussure é contrdrio a tese do significado inerente, segundo a qual os significados dos elementos componentes da linguagem refletem seu contetido; dito de outra forma, a tese que considera a lingua como representagéo de um pensamento que preexiste ou independe de qualquer atualizacao linguistica." O pres- suposto de Saussure € que a lingua é um dispositivo ~ nao um espelho - para a comuni- cacao. Esse dispositivo é um sistema de signos que, por sua vez, se estrutura a partir de uma relacao interna arbitréria. Como afirma [Roland] Barthes: Partindo do fato de que na linguagem humane a escolha de sons ndo nos é imposta pelo significado em si (0 boi nao determina o som boi; alids, o som é diferente em outras lin- guas), Saussure havia falado de uma relacao arbitraria entre significante e significado.” Em lugar de examinar essa relacéo ~ como se fosse determinada pelo pensamento -, Saussure estuda-a como 0 resultado de um contrato social. “A associagao entre som e representacao é fruto de uma pritica coletiva’” A andlise da arquitetura como sistema de signos € teoricamente valida se usada como uma ferramenta conceitual negativa; isto é, quando noges como as de arbitrd- rio e valor so usadas para uma reflexao critica acerca da arquitetura como ideologi Saussure define 0 arbitrério como um instrumento para levantar obje¢Ges e analisar criticamente a nogao ideolégica da linguagem como representagao. A tese do arbitra- rio permite a Saussure livrar-se da tese representacional sobre a natureza da linguagem. Uma vez que ele concebe a linguagem como um sistema nao determinado por seu con- tetido, Saussure institui as condig6es para a defini¢ao de um objeto tedrico e auténomo da linguistica: a langue. A importancia do arbitrério na linguagem nao reside na nogao em si, mas na introdugao de hipéteses socioculturais na linguistica em substituigéo a hipétese naturalfstica. O conceito de arbitrério ainda nao foi admitido nas teorias se- midticas da arquitetura, assim como nunca se fez, em arquitetura, uma distingao entre a semintica tradicional e a semistica. A semintica tradicional torna explicita uma concep¢ao implicita do significado que fundamentou a ideologia arquiteténica desde os tratados cléssicos até a aborda- gem funcionalista. Segundo a semntica tradicional, os objetos no ambiente tém um significado inerente. Assim, os conceitos da semantica tradicional reforcam e con- servam a fungao da ideologia arquitetonica como obstéculo & produgao de conheci- mento. O conceito de significado inerente ¢ incompativel com a nogao semidtica de significado determinado pelo sistema. Por esse motivo, conceitos semidticos impor- tantes, como os de arbitrdrio e valor, foram perdidos. Além disso, é dificil determinar a nogao de arbitrério em arquitetura, porque ele é contraditério com certas nogées ideoldgicas, tais como as de funcao e expressio, que se acredita serem naturalmente 135 136 comunicadas pelos objetos arquiteténicos, como se os significados Ihes fossem ine- rentes. Admitir que 0 nexo entre objeto e significado é arbitrério implica negar o vinculo supostamente natural entre a fungao e a forma de um objeto, o que, por sua vez, demonstra sua natureza sociocultural. Em outras palavras, atribuir uma deter- minada fungdo a um fato arquiteténico pressupde uma convengdo subjacente; um objeto arquitetonico é percebido como tal nao porque tenha determinado significado inerente que é “natural”, mas porque o sentido que lhe foi atribufdo é fruto de uma convengio cultural. A anilise do vinculo arbitrario entre objeto e func&o arquitetonica ou outros sig- nificados invalida a nogéo de funcao como tinico determinant da forma do objeto. Invalida igualmente a ideia do significado inerente ao objeto. Em consequéncia, é ne- cessrio modificar a nocao tradicional de significado. A consideragio do significado transposto para uma teoria da arquitetura pela nocao de arbitrdrio tem de lutar contra certas nogées ideolégicas como as de funcao ou de significado inerente. O fato de essas duas nogdes serem obstaculos a introducao do arbitrario explica, em primeiro lugar, por que nao houve nenhuma sugestao de aplica-lo ao campo da arquitetura e, em se- gundo lugar, por que se introduziu, em troca, a nogdo de motivagao. Charles Jencks afirma em “Semiology and Architecture” que “esta talvez seja a ideia mais fundamental da semiologia e do significado na arquitetura: que toda forma num ambiente, ou todo signo numa linguagem, é motivada, ou suscetivel de ser motivada”.*' Essa concepso perpetua a compreensao do ambiente construido como um resultado de demandas funcionais ou como transmitindo um significado determinado pelo que “o motivou”. E isso nao faz mais que reforcar algumas nocées ideolégicas que enfatizam o caréter natural ou causal da forma arquiteténica e que ao mesmo tempo negam sua natureza convencional e sociocultural. O conceito de arbitrério, que mostra que o par forma- fungao nao pode ser explicado por si mesmo, indica a necessidade de explica-lo por suas relagdes com outros pares dentro de um sistema de convengées. De modo geral, € posstvel dizer que, se todo signo fosse uma imitacdo daquilo que representa, pode- rfamos explicé-lo por si mesmo e nao seria necessdrio que ele tivesse alguma relago com 0s outros signos de um sistema. Mas, como nao € este o caso, temos de investigar a natureza dessa relacio.” Dissemos acima que Saussure define a relacdo entre os signos, que 0s relaciona no interior de um sistema, como um valor. E posstvel afirmar que, com a nogo de valor, Saussure rompe com a seméntica tradicional e se insere no campo da linguistica mo- derna. Nesta, o significado nao é mais uma propriedade intrinseca de um signo isolados a0 contrério,a definicao do sentido se dé pelas diferencas ou pela relagio de valores que se estabelecem entre os signos dentro de um sistema formal de relacbes: a langue. Para definir valor, Saussure compara a lingua com a economi Para que um signo (ou um “valor” econdmico) exista [...] deve ser possfvel, por um lado, trocar coisas dessemelhantes (trabalho e saldrio) e, por outro lado, comparar coi- sas semelhantes entre si. Isto é podem-se trocar cinco délares por pao, sabonete ou uma entrada de cinema, mas também se podem comparar esses cinco délares com dez ou cinquenta délares etc.; do mesmo modo, uma “palavra” pode ser “trocada” por uma ideia (isto 6, por uma coisa dessemelhante); mas também € posstvel compard-la com outras palavras (isto 6, com coisas semelhantes): em inglés, o valor da palavra carne de carneiro deriva de sua coexisténcia com carneir significado s6 é comple- tamente fixado ao cabo desta dupla determinacio: significagao e valor.” Portanto, o valor provém “da situagdo recfproca das partes da linguagem” e é ainda mais importante que a significacao. “A quantidade de ideia ou de matéria fénica que estd contida num signo é menos importante do que o que est ao redor dele [...]* Ser possivel construir um sistema no dominio dos objetos com o uso desse pro- cedimento semiético? Acreditamos que sim. Mas entendemos que a definicao desse sistema exige uma série de precaugdes metodol6gicas. Em primeiro lugar, é necessdrio definir as caracteristicas especificas da “arquitetura” com que vamos lidar. Em outras palavras, com que “arquitetura” vamos lidar nesta situa- 40? Trata-se de uma arquitetura ocidental ou de uma arquitetura indigena? Ou estamos pensando em definir a arquitetura numa sequéncia temporal, como o Renascimento ou co Moderno? Uma anilise comparativa do conceito de valor na arquitetura ocidental € do mesmo conceito em outro sistema da mesma cultura (a lingua natural, por exemplo) poderia ajudar a determinar algumas caracteristicas especificas da arquitetura. O que se deve evitar nessa anélise é a aplicagio mecanica do modelo da linguagem & arquite- tura, como fizeram diversos estudos semiéticos. A aplicago mecanica de um modelo especificamente desenvolvido para a linguagem em outros sistemas semiéticos, como a arquitetura, apenas permite reconhecer o que é semelhante a linguagem no nivel da ideologia, mas nao define as diferencas de estrutura interna entre a linguagem e os outros sistemas semiéticos. Mesmo que seja poss{vel conceber a linguagem como um sistema complexo de regras subjacentes, e, portanto, que seja vidvel compard-la com os sistemas explicitos e implicitos de regras da arquitetura, as regras arquitetonicas sao definidas por uma determinada faccéo de uma determinada classe social, ao passo que a lingua nao € propriedade de ninguém, nem em geral nem em particular, Os sistemas de regras. arquitet6nicas nao exibem nenhuma das propriedades da langue ~ nao sio finitos, no tém uma organizacio simples nem determinam a manifestagao do sistema. Ademais, as regras arquiteténicas estao em constante fluxo e mudam radicalmente. A aplicagao mecnica do modelo da lingua/fala 4 arquitetura ocidental fortalece a ideologia arquiteténica, porque nega as diferencas entre a arquitetura e a lingua e ignora o lugar da linguagem natural na arquitetura.* Além disso, fato mais impor- 137 138 tante talvez seja que essa aplicagio automética nega a presenga de “algo” que define uma importante diferenga entre a arquitetura e a linguagem - 0 aspecto criativo da arquitetura. Na lingua, o individuo pode usar, mas no modificar o sistema da lingua gem (langue). O arquiteto, ao contrario, pode e faz modificacées no sistema, que é in- ventado a partir de um sistema de convencées. O resultado da aplicagao mecanica do conceito de linguagem & arquitetura é que o carter fabricado, convencional, do sis- tema fica oculto sob a aparéncia de ser natural, como na linguagem. O modelo lingua/ fala nao explica, mas omite a criatividade na arquitetura, entendida aqui como um jogo complexo de conservacao e variacao de formas e de nogées ideoldgicas dentro de determinados limites.” Na nossa opiniao, uma anilise da criatividade faria melhor se tomasse por base a nocao de valor. Deve-se comecar pelo uso, como matéria-prima, dos sistemas ideol6gicos de regras que atribuem e mantém determinadas relacdes de valor entre formas e significados, para o desenho, uso ou interpretagao. A descrigdo da estrutura dessas regras € um primeiro passo necessdrio da andlise semidtica, para a qual devem ser criados ferramentas e conceitos adequados & superago de obstéculos ideolégicos especificos. Cabe distinguir, porém, essa tarefa descritiva preliminar, que & nossa preocupacio imediata, da explicagdo do sistema subjacente de regras respon- sdvel pela criacdo da estrutura ideolégica, nosso objetivo final.” A anidlise das nog6es ideoldgicas por meio das ferramentas conceituais da semistica comporta um outro problema que também é preciso enfrentar. A ideologia age como obstaculo & produgao da teoria nao s6 por perpetuar nocées ideolégicas como as de funco ou significado inerente, mas também porque perpetua as fronteiras tradicionai que definem os diversos campos - ou regides ideolégicas -, como a literatura, 0 pro- jeto urbano e a arquitetura, onde essas nogées operam.* As nogées ideolégicas sempre envolvem uma regio da ideologia a que pertencem, assim como, inversamente, toda regido ideolégica é construida a partir de um conjunto de nogées ideolégicas mais ou menos sistematizadas. © que denominamos de bloqueio tedrico diz respeito nao s6 ao uso equivocado de conceitos semisticos, mas a um problema de ordem mais geral: a confusdo entre uma regio ideoldgica e um objeto de estudo. Jé dissemos que a aplicagio de concei- tos semidticos 4 arquitetura pressupde uma teoria e um método semidtico que serao aplicados a ela. No nosso entender, faz pouco sentido construir uma semistica da ar- quitetura, 0 que supe uma teoria dividida segundo as divisdes correntes de pintura, literatura, cinema, projeto urbano, arquitetura etc. Uma abordagem ideolégica que identifique uma semi6tica da arquitetura implica a aceitacao das divisdes existentes entre as praticas mencionadas e nega o fato de que essas compartimentalizagdes tém um carter institucional e convencional. Isso significa que o sistema tedrico ou objeto de estudo é confundido com os objetos reais, concretos e singulares. A diferenca entre objeto real e objeto tedrico pode ser verificada em ciéncias sociais como a linguistica ou o materialismo histérico. Por exemplo, o objeto tedrico da lingufstica estrutural nao éa fala, mas 0 conceito de langue, que se desenvolve mediante o estudo de objetos reais, isto , de diferentes linguas. O objeto tedrico do materialismo histérico nao é uma dada formagao social, como a Franga ou a Inglaterra, mas 0 conceito de histéria, que se de- senvolve com 0 estudo dos diferentes modos de produgao em formagées sociais reais. Analogamente, o objeto teérico de uma semiética do ambiente construfdo deve ser © desenvolvimento de uma estrutura conceitual abstrata que explique a produgao de significagio na configuracao do ambiente construido, a qual, por sua vez, deverd pro- duzir 0 conhecimento de objetos concretos, como a arquitetura ocidental. A produgao dessa estrutura conceitual exige ferramentas conceituais que no presente estdgio inicial nao existem-e devem ser elaboradas de acordo com as demandas do trabalho teérico. Essa elaboragao serd feita com base em conceitos semisticos abstratos e em estraté- gias tedricas semidticas empregadas como dispositivos heuristicos. Em nossa concep- gio da teoria, sua raison d’étre fundamental é 0 conhecimento de objetos concretos, no caso, do ambiente construfdo numa época e num lugar determinados. Mas esse conhecimento resulta unicamente de um processo de transformagao de nogées que pertencem a uma ideologia arquitetonica. Conforme assinalamos anteriormente, s6 é possivel desenvolver uma teoria como producdo de conhecimento mediante uma luta constante contra a ideologia. A produgao de conhecimento somente pode ser realizada pela desarticulacao nao s6 das nocées ideol6gicas como pela eliminacao das fronteiras que separam as diferentes préticas no interior de uma cultura e pela observacao de outras culturas situadas em outros pontos do tempo. O trabalho teérico nao pode ser realizado de dentro da ideologia arquitetonica, mas a partir de uma posi¢ao “exterior” a teoria, separada da ideologia e contra ela, Este deve ser o primeiro passo na constru- do de uma teoria materialista dialética da arquitetura como parte de uma teoria mais geral da ideologia. (“Semiotics and Architecture: ideological consumption or theoretical work’, extraido de Oppositons 1, set. 1973, pp. 93-100. Cortesia dos autores.) 1. Formacao social (formation sociale) é um conceito marxista que designa a “sociedade”.“A for- magio social € a totalidade complexa concreta que compreende as préticas econdmica, politica ¢€ ideol6gica, num lugar e num estagio determinados de desenvolvimento” Louis Althusser, For ‘Marx. Nova York: First Vintage Books, 1970, p. 251. 2. Hé outras fungées das teorias da arquitetura e do design que ndo mencionamos neste artigo, isto 6,a teoria cuja fungao € estabelecer determinado ordenamento das operagdes de projeto dentro da pratica arquitetonica. 3. As transformages ocorridas na sociedade introduzem reformas que permitem a sobrevivéncia do sistema vigente. Contudo, essas mudancas nunca sio verdadeiras — pois as relacdes estruturais 139 140 permanecem intocadas -, mas meras transformacSes daquele sistema. Por exemplo, o desenvol- vimento do modo de producdo capitalista em diferentes estgios ~ mercantilismo, capitalismo industrial, imperialismo etc. ~ baseou-se numa série de transformacées realizadas em diferentes dominios, mas que néo modificaram de forma alguma a estrutura de classes. 4, Diana Agrest e Mario Gandelsonas, “arquitectura/Arquitectura’, Materia, Cuadernos de Trabajo. Buenos Aires: 1972. 5, Para sermos mais exatos, deverfamos falar em ideologias no plural, ainda que, neste artigo, esteja- mos tratando de uma ideologia especifica, a ideologia burguesa. 6.Esta € uma definigdo parcial do objeto especifico deste artigo: a relagio entre teoriae ideologia arqui- tetonica. Esse cardter parcial decorte do fato de que o importante problema tedrico da relagio entre a pratica arquitetOnica e 0 “inconsciente” (Freud) nao foi considerado neste artigo. 7. Procuramos seguir aqui 0 capitulo “Metodologia”, em Karl Marx, Introdusio a critica da econo- mia politica, recentemente analisado por Althusser, em Pour Marx. Essas duas obras sio uma base fundamental para qualquer abordagem materialista dialética da teoria em contraste com as formas de concep¢io idealista da teoria. Ver a classificagdo althusseriana da teoria idealista como “empirismo” e“formalismo”. Usamos esse termo, no entanto, com 0 objetivo de contrasté-lo com © que se deve considerar hoje simplesmente uma concepgao ocidental da teoria e para enfatizar seu cardter provis6rio como etapa atual do processo de desenvolvimento de uma teoria mais geral das ideologias. 8. Alexander Koyre, La Révolution Astronomique. Paris: Hermann, 1961, p.16. 8. Diana Agrest, “Epistemological Remarks on Urban Planning Models”, palestra no 1aus, Nova York: 1972. 10. Charles Jencks e George Baird, Meaning in Architecture, Nova York: Braziller,1970. 1 Ibid, p. 82. 12. Ibid., p. 87. 13 Julia Kristeva, Le Lieu Semiotique”, in J. Kristeva, J. Rey-Devove e J. K. Umiker (org,), Essays in Semiotics (The Hague e Paris: Mouton, 1973). Ver também Eliseo Vern, “Condiciones de pro- duccién de modelos generativos y manifestaci6n ideol6gica’, in El Proceso Ideolégico, Buenos Aires: Ed. Tiempo Contempordneo, 1971. 14, Ferdinand de Saussure, Course in General Linguistics. Nova York: McGraw-Hill, 1966. 15 Ibid, p.16. 16. Paolo Valesio, “Toward a Study of the Nature of Signs”, Semiotica n1t,2,1971: p.160. 17. John Lyons, Introduction to Theoretical Linguistics. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1968, p. 404. 18. Oswald Ducrot e Tzvetan Todorov, Dictionaire Encyclopédique des Sciences du Langage. Paris: Seuil, 1972, pp.15-16. 19. Roland Barthes, Elements of Semiology. Nova York: Hill and Wang, 1968, p.50. 21. Jencks e Baird, Meaning in Architecture, op. cit, p. 1. 22, Essa comparacio nao diz respeito as similaridades entre os pares forma-funcio e os signos, mas as semelhangas das relagdes entre os pares forma-funcio e as relagbes de valor entre os signos. A aplicagao do conceito de valor aos estudos tedricos sobre a arquitetura encontra apoio nio sé em andlises recentes que demonstram sua validade (Jacques Derrida, De la Grammatologie, Patis: du Minuit, 1967), como também nos escritos de Roman Jakobson sobre metéfora e metonimia, em apresentagao R Jakobson, Essais de linguistique générale (Paris: Ed. du Minuit, 1963). Christian Metz adota uma concepcao semelhante em vérios estudos sobre a“se 23, Barthes, Elements, op.cit.,p.55- 24, Ibid. 25, Mario Gandelsonas, “Beyond Function”, em preparagio. 26, 1d,, "Linguistics in Architecture”, Casabella 374, fev.1973. 27. Diana Agrest e Mario Gandelsonas, “Critical Remarks on Semiology and Architecture”, Semiotica 51973. 28, Julia Kristeva, “Le Texte Clos", Languages 12, Paris: Didier-Larousse, 1968. Ver também a resenha de Jean Louis Scheffer sobre L. Marin, “Elements pour une Semiologie Picturale”, Semiotica v1,5 1971. GEOFFREY BROADBENT . UM GUIA PESSOAL DESCOMPLICADO DA TEORIA DOS SIGNOS NA ARQUITETURA Escrito em 1977, este artigo é parte da critica pés-moderna publicada pela revista briténica Architectural Design. Arquiteto e professor, Geoffrey Broadbent desen- volve a tese de que os edificios sao portadores de significado e que os arquitetos devem compreender os processos pelos quais tal significado ¢ atribuido. Criar sig- nificado de modo intencional, diz o autor, evita leituras fortuitas, Broadbent afirma, por exemplo, que o funcionalismo moderno falhou na tentativa de obter uma ar- quitetura “projetada como uma maquina e isenta de significado", devido & “inescapavel dimensao seméntica” da arquitetura 0 estudo da semidtica (o sistema de signos) é um modo de abordar a questdo do significado. Charles Sanders Peirce identifica duas dimensdes do sistema: 0 semantico e © sintético, que correspondem as dimensdes associativa e sintagmética de Ferdinand de Saussure, genericamente equivalentes a significado e estrutura. Broadbent acha que 0 as- pecto seméntico é mais decisivo para a arquitetura e cita como exemplos do histor ismo pbs-moderno de orientagao seméntica as obras de Robert Venturi, Michael Graves, Robert Sterne Charles Moore. Como Diana Agrest e Mario Gandelsonas, Broadbent reconhece a importancia do ‘contrato social” na linguagem; trata-se de um conjunto de convengdes que faz funcionar © signo linguistico e cria consenso sobre o significado. No entanto, Broadbent afirma que ndo ha contrato social na arquitetura e que essa falta explica a diferenga entre a arquitetura @ a linguagem. Paradoxalmente, ele afirma que os edificios podem ser “indubitavelmente” lidos como signos na forma que Saussure pretendia. Broadbent oferece um panorama dos campos da linguistica @ da teoria da comuni- cacao, bem como da psicologia comportamental e ambiental. Além das abordagens se- midticas de Peirce e de Saussure, apresenta varios paradigmas tedricos de outras orien- tages, inclusive os de Noam Chomsky, de Louis Hjelmslev e Charles Kay Ogden e de Ivor Armstrong Richards. Ele endossa o acréscimo feito pelos Ultimos autores citados do 11 192 conceito de referente a oposigao significante/significado de Saussure. Broadbent tem ra- 280 em enfatizar a fascinagao dos arquitetos pela teoria estruturalista de Chomsky acerca da formago da expressao com o uso de regras gerativas ¢ transformacionais da gramitica. Essas ideias sintéticas tém claro potencial tedrico como fundamento para uma metodolo- gia racional do projeto e seu impacto pode ser apreciado no neorracionalismo italiano (ver cap.7), bem como na obra sintética de Peter Eisenman. A influéncia sintatica ainda hoje perdura na pedagogia de ensino de arquitetura. Apesar de seu interesse pela analogia linguistica, Broadbent observa que 8 ar- quitetura nao deve ser lida apenas visualmente. Diferentemente do ensaio de Agrest ¢ Gandelsonas, ele frisa que a arquitetura afeta todos os sentidos. A importancia do corpo na arquitetura ¢ tratada mais detalhadamente nos capitulos 13 ¢ 14. GEOFFREY BROADBENT Um guia pessoal descomplicado da teoria dos signos na arquitetura Geoffrey Broadbent desenvolve neste ensaio uma minuciosa andlise da semistica arquiteto- nica, em que desmistifica esse discurso complexo e cheio de jargoes e apresenta uma defesa sucinta dos arquitetos que voltaram a se preocupar em projetar edificios com significado. Dez anos jé se passaram desde que George Baird escreveu o primeiro artigo em inglés a respeito da aplicacao da teoria dos signos a arquitetura.' Suas ideias provocaram hos- tilidade em pessoas como Reyner Banham,’ para quem a declaragao de Baird de que as obras arquitet6nicas “séo portadoras” de significado era simplesmente a defesa de uma nova monumentalidade elitista. Como todos nés, os criticos de Baird foram edu- cados para acreditar numa arquitetura “funcional”, projetada com preciso mecanica em torno de uma sintese especifica e realizada em trés dimensées de acordo com a til- tima novidade tecnolégica: estrutura de ago, estrutura de concreto ou - o que Banham preferia na época ~ uma espécie de estrutura inflavel. Os dois artigos foram republica- dos mais tarde no primeiro livro em inglés sobre o assunto - Meaning in Architecture -, organizado por Baird e Charles Jencks.’ Esse livro também foi bastante hostilizado quando de sua publicagao em 1969. Mas os tempos mudaram. Hoje é perfeitamente possivel que pessoas como Ven- turi,*° Charles Moore,’ Brent Brolin,’ Charles Jencks* e muitos outros declarem que a arquitetura projetada com a intengao deliberada de conter um significado esta tomando a frente do funcionalismo, e sejam levados a sério ao dizer isso. Pelo menos trés no- vos livros estao para sair sobre esse assunto ~ de [Juan] Bonta,’ de Broadbent, Jencks e Bunt," e de Broadbent e [Thomas] Llorens,'' de modo que o tema vem obviamente se tornando objeto de crescente interesse. Certamente, j4 houve, no passado, tentativas conscientes de dar significado as construgdes. As mais evidentes talvez sejam os gran- des jardins pitorescos do século xv1u1, como os de Stourhead em Wiltshire, que, com seu espléndido arranjo de templos, grutas e pontes despontando por entre as drvores ao redor de um lago, realmente “contam” uma histéria, ou, quem sabe, duas histérias simultaneamente. Cada edificio simboliza um certo epis6dio da vida de Henry Hoare ~ que fez 0 jardim - com determinados lances da narrativa da Ilfada, de Homero. Hoare estabeleceu um paralelo entre as vicissitudes de sua vida e as de Eneias."? Entretanto, a ética funcionalista vem nos acompanhando hé tanto tempo que a maioria das pessoas ainda sente que, no fundo, isso é moralmente “correto”. Arqui- tetos como Le Corbusier," [Walter] Gropius,"* e Mies," para nao citar historiadores como [Siegfried] Giedion,'’ [Nikolaus] Pevsner,” e [J. M.] Richards'® nos conven- ceram de que a arquitetura nao deve ser uma questdo de mera estilizacao superfi- cial aplicada cosmeticamente a fachada dos edificios. A palavra “funcional” acabou associando-se especificamente aos prédios de estrutura de concreto € aco, de for- mato simples e retangular com revestimento de reboco branco, concreto cinza ou vidro. O curioso é que, quando analisamos esses edificios a partir de um conceito sensato de “fungao” (0 melhor que conheco € o de Bill Hillier: que os edificios delimitem 0 espago de modo a facilitar ou impedir uma variedade de atividades, filtrem o ambiente externo, consumam recursos e atuem como simbolos culturais, quer isso nos agrade ou nao. Ver meu artigo no novo livro de Dennis Sharp so- bre The Rationalists), eles acabam se mostrando alguns dos piores jé construidos na histéria em termos de adequagio & finalidade, superexposicao ao calor do sol, perda de aquecimento, permeabilidade aos ruidos, custos de manutengao, e assim por diante. Tanto assim que quase nenhum dos edificios “funcionais” pioneiros da década de 1920 permanece hoje em seu estado original. Os que ainda estdo de pé sofreram muitas reformas para continuar como habitagdo, e se a Maison la Roche e a Villa Savoye, em Poissy, de Le Corbusier, foram restauradas & condi¢ao original, 0 objetivo foi para abrigarem museus! 143 144 Contudo, por mais deficiéncias que esses prédios contenham para 0 uso pratico, nao deixam de ser, com certeza, magnificos simbolos da década de 1920, Em outras pa- lavras, eles so exatamente 0 que nao deveriam ser, 0 que nao chegaa ser surpreendente, pois, goste-se ou nao, todos os edificios simbolizam ou, pelo menos, “sao portadores” de significados. Até Pevsner admite isso agora na tiltima pagina de seu livro A History of Building Types* ele escreve: “Todo edificio cria associagoes na mente do observador, quer © arquiteto 0 queira ou nao”. Ele chama isto “evocacao”, embora insista em dizer que 0 moderno internacional “transmite clareza, precisao, ousadia tecnolégica e uma completa recusa do supérfluo”. Néo hé como escapar disso; da mesma forma que a Catedral de Chartres carrega significado, o menor quiosque de jardim também o faz. E por isso que 0 sonho “funcionalista” de uma arquitetura projetada como uma maquina e isenta de significado nunca passou de sonho. Se todos 08 edificios sao portadores de significado, temos razdo de investigar de que modo 0 fazem. No minimo, isso vai nos ajudar a compreender melhor todos os edificios. E se, de qualquer modo, é inevitavel que nossos edificios simbolizem - ape- sar de nossas melhores (ou piores) intengdes -, entender como isso acontece pode nos. ajudar a projeté-los de forma que o fagam melhor. A maneira mais promissora de exa- minar essas coisas parece ser a teoria dos signos, que vem sendo elaborada a partir dos estudos de Ferdinand de Saussure, filésofo suigo cujas aulas na Universidade de Gene- bra, entre 1906 e 1911, foram coligidas pelos alunos e publicadas com 0 titulo Curso de linguistica geral, e Charles Sanders Peirce, pesquisador norte-americano cuja alen- tada colecao de textos (1860-1908) jd chegou aos oito volumes. Peirce e Saussure tencionavam construir uma teoria geral da significagéo: como uma coisa, qualquer coisa - uma palavra, uma pintura, um diagrama, nuvens, fumaca, um prédio - “representa algo”, “faz lembrar” outra coisa; a teoria que denominaram, respectivamente, de semiética (Peirce) e semiologia (Saussure). (Atualmente, a maio- ria prefere o termo usado por Peirce.) Lamentavelmente, a profusao e 0 conflito de termos nesse campo tornaram-se 0 maior obstéculo, principalmente no mundo anglo- sax6nico, a aceitagao de todo 0 campo como merecedor de estudo. De fato, muitos alegam que a palavra “semistica” faz lembrar - ela mesma um signo para - “ididtica”. E assim foram ambos descartados, o que ¢ uma pena, logo hoje que a investigacao basica, de Peirce e de Saussure, ja foi feita. E a quantidade de palavras que se usam nao precisa ser todo aquele colosso. O Glossary of Linguistic Terminology, de Mario Pei, in- clui cerca de 1,800 entradas, cuja maioria se refere especificamente aos mecanismos da lingua, em grande parte irrelevante para a semiética como um todo. Na realidade, ficam faltando os termos mais importantes de Peirce, sobretudo porque, até recentemente ~ devido a auséncia de traducées -, tinham pouco impacto nos circulos linguisticos da Europa continental. Mesmo que todo o glossdrio de Pei fosse relevante - 0 que nao é ver- dade -, ainda faria um contraste favordvel com, digamos, a terminologia da construcao.

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