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Mariologia social nos documentos maiores da Sé apostélica Entre os documentos da Santa Sé, tomamos em consideracdo os se- guintes: ‘© a exortagao apostélica de Paulo VI Marialis cultus (1974); + a instrugdo da Congregagio para a Doutrina da Fé Libertatis conscientiae (1986); + as cattas circulares da Comissio Cental do Ano Mariano (1987-1988); + a enciclica de Jodo Paulo Il Redemptoris mater (1987); * a enciclica do mesmo Papa Sollicitudo rei socials (1987); * ea enciclica também do mesmo Papa Evangelium vitae (1995). Digamos de imediato que o tema axial de todos esses documentos em relacio mariologia social é sem divida nenhuma a libertacao cantada no ‘ntico da Virgem, o Magnificat. Por isso, na exposicdo que segue nos de- brucaremos em primeiro lugar sobre esse tema. Mariologia soa: O significado da Viger para a Sociedade i Em seguida, explicitaremos, ainda que sinteticamente, outros temas sociomariol6gicos presentes no pensamento social do Magistério, Por fim, concentraremos nossa atengao nas “cartas circulares” manda- das aos bispos do mundo pela Comissio Central do Ano Mariano de 1987-1988. Esse destaque se justifica pela riqueza ¢ concretude das pro- postas contidas nestas cartas. 1. MAGNIFICAT: TEMA CENTRAL DA | MARIOLOGIA SOCIAL DO MAGISTERIO. 1.1, Marialis cultus 37: textus maior magisterial da sociomariologia © grande texto que imaugurou a reflexao do Magistério em termos de mariologia social e permaneceu em seguida como ponto de referencia constante para o ensino magisterial ulterior é, sem sombra de duivida, on. 37 da Marialiscultus (MC).1 E sobre esse texto que aqui nos deteremos Este niimero ¢ precedido de dois outros, que Ihe dao o enquadramen- to hermenéutico. O n. 35 fala da “imitagéo” de Maria, distinguindo entre © que poderiamos designar como: + uma imitacdo-e6pia, correspondendo a tentativa de reproduzir as for- mas de vida pessoais e socioculturais nas quais viveu a Jovem de Nazaré que hoje se encontram largamente superadas, ‘+ © uma imitacdo-inspiragao, enquanto se busca vivenciar as atitudes espirituais de fundo segundo as quais a Virgem nazarena viveu sua particular aventura historica e que permanecem sempre validas. Jao mimero seguinte, on. 36, estabelece uma segunda distingao, rela tiva a imagem de Maria, que seria de duas ordens ‘+ uma “imagem popular e literaria”, que podemos definir, com mais pre- cisio, como um modelo cultural”; ‘+ e uma “imagem evangélica’, que poderiamos chamar também de “ima- gem teolégica” Ct. Jean-Pierre Plame Lasou.“Bbiogrfia sul" Mars ute (1974-1997, in: Marianum 69, 1987, pp. 87-8, Causa estranheze que nos coments que a fevsta Marianum 38,1977) dedi & cencicie em foc, respectvamente de S. Meo. de A. Sara, na ee faa nenhuma referEnci 20 impor tanto © onto telogicamente nove n. 37. Mariolgiasotial nos documentos maicrs da Sé apostlica Quanto a isso, 0 documento chama atengao para o fato de que a pri- ‘meira imagem é um efeito normal do processo de elaboraco especifica- ‘mente sociocultural da segunda, processo esse que foi chamado depois de inculturagdo". A MC acrescenta, além disso, que a Igreja nao se sente “ligada” a primeira, isto é, aos “esquemas representativos das varias épocas culturais” (modelo cultural), mas somente & imagem evangélica de Maria (imagem teol6gica). Estas duas distingdes so importantes porque nos permitem desblo- quear a figura de Maria de seu contexto historico e das representacdes cul- turais posteriores. Permitem-nos ao mesmo tempo colher, através de uma fidelidade criativa, o significado perene da Mae de Jesus, portanto, valido também para o nosso tempo, tao diverso do passado ‘Apés ter feito essas duas distingSes, a Mariaiscultus introduz o n. 37, que representa para nds o locus maior da mariologia social do Magistério. Nesta passagem, Paulo VI estabelece um “confronto” fecundo entre a Virgem € a 0- ciedade de hoje, confronto que constitu, como vimos no capitulo anterior, 0 exo epistemologico sustentador de toda a matiologia social, Deste contronto decorre uma imagem riqufssima de Maria para o nosso tempo. A partir dai, © Papa desenha um retrato da Virgem como uma pessoa autenticamente “moderna”, no sentido de uma mulher “atva e responsivel”(n. 37,2) ‘Acesta luz, 0 n. 37 passa em revista os grandes episédios do mistério de ‘Mae de Jesus nos evangelhos. Na Anunciagao, por exemplo, Maria emerge como uma mulher que responde de maneira inteiramente livre ¢ responsavel & proposta de Deus em ordem ao opus saeculorum (Sao Pedro Crisdlogo): 0 des- tino decisivo e ultimo do mundo. Ademnais, sua opeio pela virgindade apare- ce ndo como uma forma de “fechamento” sobre si, mas, pelo contritio, como total abertura a Deus, ou seja, como “consagragio a0 Seu amor” redentor, Em seguida, sempre no n. 37, o Papa traca a imagem da Virgem como ‘uma mulher profética e libertadora. E neste ponto que 0 texto toca 0 seu pice. Eis os termos usados pelo pontifice e retomados em seguida pelo Magistério ¢ pela teologia Assim... a mulher contemporénea... veriticaré, com grata surpresa, que ‘Maria de Nazaré, apesar de absolutamente abandonada 8 vontade do Senhor, longe de ser uma mulher passivamente submissa au de uma reli- Giosidade alienante, foi, sim, uma mulher que néo duvidou em afirmar que Deus ¢ vingador dos humildes e dos oprimidos @ derruba dos seus tronos 0s poderosos do mundo (ef. Le 1,81-83) (n. 37,2), a Mariologio soi: 0 significado da Vigem para a Sociedade i ‘Nese texto central notemos, em primeiro lugar, um vocabulirio novo, atém de forte. Fala-se em termos de “passivamente submissa” (nec res vitaeque cursus inermer ferenter), de “religiosidade alienante” (nec alios avertentem quadam religione devinctam), de um Deus como “vingador” (vindicem); fala-se dos “homens oprimidos pela violencia” (vique oppressorum hominum) e dos “poderosos deste mundo” (mundi potentes) (© proprio pontifice se dé conta da originalidade da imagem de Maria aqui esbocada, pois teconhece que tal imagem suscita uma “grata surpresa” (laeta ‘cum admiratione), Em suma, esta imagem mostra-se particularmente vigoro- ‘sa, € mesmo revolucionéria, sem parecer, por outro lado, dura ou intolerante. ‘Nem se pode aqui passar por cima dos fortes acentos do texto, como quando afirma: © que Maria de Nazaré estava “longe de ser uma mulher passivamente sub- missa ou de uma religiosidade alienante”, apresentando-nos uma con- ‘cepcao ativa da figura da Virgem; # que, para Maria, Deus se levantava como “vingador dos... oprimidos”, cexpressio fortissima, mas que se liga a figura biblico-juridica do Goel, o Justiceiro, que a Vulgata traduz por redemptor. Este termo tem cono- tacdes certamente soteriolégicas, mas seu fundo primério € ético- social, como, de resto, se adverte a partir do proprio texto quando fala dos “oprimidos”, termo inequivocamente sociopolitico; + que Deus “derruba dos seus tronos os poderosos do mundo”. A esco- Tha deliberada deste versiculo do Magnificat (Le 1,52a) nao € toa, em particular pelo acréscimo realista: os poderosos “do mundo”, que di frase um teor particularmente realista e cortante; =e que a Mie de Jesus “nao duvidou” em proclamar a Deus como “vin- gador dos oprimidos” e abatedor dos poderosos, o que mostra ser Ela uma mulher corajosa e até mesmo audaz Na verdade, quando, em seguida, o Magistério, tanto romano como lati- rno-americano, for retomar este texto, ja ndo guardaré mais o mesmo vigor, como mostraremos logo adiante. Esse passo permanecera, contudo, no intemo do ensino magisterial, como o ponto culminante da mariologia da libertagao, seja por seu contetido, seja por sua forca expressiva, Pelo que se vera, torna-se claro que, desde a MC 37, 0 Magnificat tornou-se a grande referencia biblica na configuragdo da imagem sociopolitica da Santa Virgem. Marolosiasoia! nos documentos maiars da S¢ apostlca ‘Trata-se, porém, de um Magnificat redescoberto e relido no contexto de nossa época, como diz a MC no inicio do mimero em foco: "Nossa época, ‘do diversamente das precedentes, é chamada a... confrontar (grifos nossos) fas suas concepcoes antropoldgicas € os problemas que dai derivam com a figura da Virgem Maria, conforme esta posta no Evangelho” (n. 37,1). ‘Como se vé, a imagem especificamente libertadora da Virgem emerge do préprio confronto entre 0 dado biblico € a realidade social, muitas vyezes conflitiva, do mundo moderno. Este, com efeito, solicita uma nova representacao de Maria ~ representacdo que lhe seja mais adequada. Diz 0 ‘iltimo paragrafo da MC 37: “A figura da Virgem Santissima nao desilude algumas aspiragoes profundas dos homens do nosso tempo..." Tudo isso, ali, segue a logica do “desenvolvimento dos dogmas", que, como se sabe, vale de modo todo particular para as verdades marianas Continuando o exame do n. 37 da MC, vemos que o texto prossegue com dduas novas imagens, que atualizam a figura de Maria para o nosso tempo: + a da Virgem como mulher ao mesmo tempo pobre e forte ~ tragos ‘marianos que retomaremos adiante; € ‘+ ade Maria como mae “nao ciosamente voltada s6 para o proprio Filho divino”, mas projetada sobre a humanidade inteira — imagem essa que 44 foge ao foco de nosso tema (O notavel n. 37 fecha com a idéia de Maria como ~ digamos — “mu- Iher de sintese”, pelo fato de conjugar os varios aspectos da obra de liber- tacio, Efetivamente, se é verdade que a Virgem foi uma mulher profética e libertadora ~ e € esta a parte original do n. 37 -, € também verdade que Ela permanece sempre a mulher de fé, misericordiosa e testemunha de Cristo, Por isso mesmo, o numero em analise se conclui, propondo Maria de Nazaré como “o modelo acabado do discfpulo do Senhor: * obreiro da cidade terrena ¢ temporal € simultaneamente, peregrino solerte também em direcao a cidade celeste eterna; + promotor da justica que liberta o oprimido e da caridade que socorre o necessitado, + mas, sobretudo, testemunha operosa do amor, que edifica Cristo nos coragdes" (n. 37,3). 2.Ct. Georg Sat. Stora di dog Maran Roma, LAS, 181, especidmentsp. 354 0 Marologia social: 0 significado da Vigem pare a Sociedade oi Desta maneira, podemos concluir dizendo que a MC 37 mostra que o Magistério romano acolheu bastante cedo os impulsos que vinham se de- senvolvendo na Igreja, especialmente na América Latina ¢ Caribe, em dire- glo a uma mariologia sociolibertadora. Doravante, todos os documentos ‘magisteriais se reportardo a este textus maior. Podemos, assim, consideri-lo como o texto inaugural e fundante da sociomariologia magisterial 1.2. Libertatis conscientiae: uma retomada do Magnificat © canto da Virgem, considerado, a partir da MC 37, como o locus biblicus privilegiado da mariologia social, foi relido na linha daquela exor- tagio pela instrugdo da Congregacdo para a Doutrina da Fé Libertatis cons- Gientiae (LC). Este documento sobre a Teologia da Libertacao, de teor posi- tivo, que se seguiu a um outro, esse eritico, 0 Libertatis nuntius, de dois anos antes (1984), entendia oferecer um alveo doutrinal que permitisse elaborar uma auténtica teologia da libertacao.3 A Libertatis conscientiae se refere ao Magnificat em quatro ntimeros: 48, 97, 98 € 100, os trés iltimos pertencendo a conclusio do documento. O primeiro, 0 n. 48, depois de ter falado de Maria pobre, se reporta ao hino da Virgem como um “cantico de louvor”, no qual Ela “canta 6 mistério da Salvagao e sua forga de transformacio”. Mas € sobretudo nos tiltimos nimeros (do 97 ao 100) que o docu- mento apresenta um discurso mais articulado sobre o sentido libertador do Magnificat. De fato, a LC n. 99, retomando uma disting&o posta no n. 23 repetida no n. 71, identifica nesse cdntico as duas dimensdes essenciais hierarquizadas da libertacao pela 6tica crista + dimensio soteriolégica; + dimensio ética, mais especialmente ético-social. Alem disso, 0 texto no n. 97 afirma, de modo muito feliz, que a Vir- gem Maria é, ao lado do Filho, a “imagem mais perfeita da liberdade e da libertagao”. E prossegue dizendo que justamente por isso Ela é "Mie Modelo” da Igreja no que concerne a “integralidade” de sua missio, a ‘3. E bom lembrar que “os documentos dessa Congregaéo,aprovedos expressamonta pelo Papa, pa Yispam do Magistéio ordinario do sucessor de Pedro", como diz expressamente & iastved0 do mesmo deastério romano Donum veritatis, 1900, n. 18, condo, nve outs dacumentes, 0 Codigo de Dreto Conérico, ce. 26081, Marilogia socal nos documentos malares da Sé apostlca saber: segundo as dimensées individual e social, histrica e escatolégica, humana € cosmica.* Dessa sorte, também no campo da missio social da Igteja vale a identificagao mistérica que vimos: como Maria, assim tam- bem a Igreja Mas a contribuigio mais original da instrucdo da Congregagao para a Doutrina da Fé é, a nosso ver, a articulag4o orginica que entende estabe- Tecer entre a {6 e a libertagao social. Propée-na desta forma: a libertacio crista deriva, decorre, provém da propria fé. Por outras, voltando a distin- 40 do mesmo documento, a “libertagao ético-social” nao se acrescenta & “libertagdo soteriolégica”, como se ela se relacionasse com aquela par cum pari, mas, mais precisamente, flui dela e dela depende. Dai a conclusio do documento: “A libertagao, em sua significacio pri- mordial, que € soteriol6gica, prolonga-se (grifos nossos), assim, em missfio libertadora, em exigéncia ética” (n. 99,2). E um pouco mais adiante expli- ca: “A verdade do mistério da salvacdo... da seu verdadeiro significado aos necessirios esforgos de libertacdo de ordem economica, social e politica e ‘os impede de submergir em novas servidées” (n. 99,3). Portanto, a mon- tante da politica, temos a fé. Poderfamos chamar esta perspectiva de “visto do alto”, do ponto de vista de Deus. Em verdade, s6 a partir de cima € que se véem bem as coisas de baixo. Ora, a LC encontra precisamente no canto da Mae de Deus esta arti- culagao ¢ esta hierarquizacao. Maria efetivamente via o mundo a partir de cima, do ponto de vista da fé. Dela diz a LC: Fla nos mostra que é pela fé e na f6 que, a seu exemplo, 0 povo de Deus ‘orna-se capaz de exprimir em palavres e de traduzir em sua vida o misté- rio do desigio de salvagdo e suas dimensdes libertadores no plano da existoncia individual e social (n. 97,1, Passanclo em seguida a aplicagao desse, que poderfamos chamar, “mo- elo epistemol6gico mariano”, a instrugao romana define, de modo original, a verdadeira teologia da libertago como sendo o “eco fiel do Magnificat” (1. 98). O Magnificat € aqui apresentado como se fosse o paradigma arque- tipico de uma auténtica teologia da libertacéo ou, em outras palavras, 4 Lembremos que aida de “iberta¢ointgtl", comoreendendo ums plurldade de cimenstes, pertone arigons da toclogi do ibertac atin-amercara, camo so vé muito bom om sou vo fun ano, 0 de Gustave Gutéres. Toolgie de I iberacion: Perspectives. Slomanca, Sigueme, 1972, Pp. 65.69 anda pp, 16-17, 238-239 6316, a Marologis soi: O significado da Vigem pate a Sorodade fi como uma espécie de teologia da libertagdo originaria ou seminal. Dir-se-ia quase que 0 documento faz da Virgem do Magnificat uma tedloga da liber- tacio radical, no sentido de que poe a raiz teologal para a proposta de uma teologia da libertagao histérica. Evidentemente, aqui o documento da por excluida (nao sem aludir a la, como veremos logo) uma articulagao redutivamente politizada da fé, segundo a qual a fé estaria a servico de um projeto histérico, conferindo 0 primado a politica. Essa interpretacio ja tinha sido descartada na primei- ra instrucdo Libertatis nuntius, principalmente na parte X, intitulada “Uma nova hermenéutica’. Ai se critica especificamente uma “leitura politica do Magnificat”, “leitura redutiva” enquanto faria da esfera politica a “dimen- sio principal e exclusiva” do agir cristao (X,5). ‘Ademais, como na MC, também na LC Maria é apresentada como “mulher de sintese”, ou seja, da nao-redugao, do equilibrio ou, melhor ainda, da reconciliacdo entre as dimens6es plurais da fé. Em verdade, 0 sentido da aurea mediocritas ou seja, da “média superior”, € caracteristi- co do espirito “catélico” €, mais particularmente ainda, do comporta- mento “romano”, ‘Notemos ainda, em nossa andlise, que os n. 97, 98 € 99 dao realce a idéia do sensus fidet do povo de Deus. Em relagao a ele, 0 Magistério assi- nna teologia a tarefa de faze-lo “desabrochar plenamente”, tornando-o capaz de “se exprimir com clareza” no pensamento e “se traduzir na vida", ou seja, “frutificar com abundancia” (n. 98). Poderiamos concluir disso que 0 itinerario teol6gico-pastoral, indicado pela LC, seguiria este sugesti- yo percurso: Sensus -> Logos -> Pris. ‘Além disso, a instrugdo denuncia a “grave perversao” em que pode- riam cait uma teologia € uma pastoral que manipulassem as “energias da religiosidade popular com o fim de desvid-las a um projeto de libertagao ‘meramente terrena”, incluindo muitas vezes a “pretensa necessidade da violéncia”. Isso equivaleria a trair a “esperanca” teologal e a “misericérdia” divina, enaltecidas pela Virgem no Magnificat (n. 98) ALC conclui lancando um olhar de esperanca e de stiplica a “Virgem ‘magnanima do Magnificat” (n. 100, 0 tltimo). Aqui a relagao com a Vir- ‘gem dé-se como uma relagio viva de pessoa a pessoa, cujo significado ser oportunamente posto em realce. Maciologia social nos documents moiores da S¢ apostbice 1.3. Redemptoris mater e sua releitura do Magnificat Depois da Marialis cultus e da Libertatis conscentiae, a enciclica Redemp- toris mater (RMa) € 0 documento mais importante no campo da mariolo- gia socal Esta encilica, nos n, 35-37, opera uma releitura do Magnificat Eniloga a de MC 37, sem, porém cité-la expressamente, o que nao deixa de surpreender.6 ‘A RMa, seguindo a LC (n. 9, passim), interpreta o empenho histori- coa partir do alto, isto ¢, da transcendencia da fé ‘A Igreja.. no cessa de repetir com Maria as palavies do Magniticat *escora-se” na verdade sobre Deus... , a0 mesmo tempo, desea iluminar com esta mesma verdade acerca de Deus 0s dificeis e por vezes intrinca- ddos caminhos da existéncia terrene dos homens (n. 37,2). Prossegue declarando que a misao da Igreja € a mesma de Cristo, isto 6, “anunciar aos pobres a boa-nova (cf. Le 4,18)" (n. 37,2: € 0 Papa que sublinha). Arrancando desta base, a enciclica mariana apela pata o Magni- ficat nos seguintes termos: (0 seu amor preferencial pelos pobres (grifos do Papa) acha-se admiravel- ‘mente inserito no Magnificat de Maria. 0 Deus da Alianga, cantado pela \Virgem de Nazeré, com exultagao do seu esprit, & a0 mesmo tempo Aque- le que “derruba os poderosos de seus tronos e eleva os humildes; sacia de bens os famintos, despede os ricos sem nada. Dispersa os soberbos... seu ‘amor para sempre se estende sobre aqueles que o temem” (0, 37,3). 1. Sune wot eric, cf 0s sonvntceoetudoe: Giusappe Besut 1a Marte cel Radentre, Commion- to. note espicntve. Miso, San Paolo, 1987; René Laurentin. Un aro de gracia con Mari. £1 monssie {e lo Redemotoris mater. Barcelons, Herder, 198, Ecgso tala, Brescia, Quernisna, 1987; Joseph Rating © Hans Urs von Balthasar. Mari, Js) Dio alfvom.Inrduione e commento afenccica Fedemptors mater. Bosc, Cuerinisne, 187; Chavies Melati eta, La Mire du Redemptour Refi one sctuales sure Me Ome. Sassion de la Socéts Frangsise Etudes Mavis. Pris, Médias: pus 1994, PAM, Redemptoris maar. Contant = prospetive dottrnlepastral At del convegno di tuto con il pacino del Comitto centrale per Anno rerano, Roma, 3-288/1968), Roms, PAM, 1868; Elena Turn del ie. “Redempioris mater, in: Stefano De Fores @ Savatore Meo Ir), Diions- rio do maroiogia. St Paulo, Paulis, 1995, pp. 1.117.120; assim como os qumeresos ests inter ‘Gacbneres aparcidos na evista Maru. 60/1, 1988/1988, Chama a engin, cont, 0 fato de tue, ene ca mals de 0 estudos destes coi toms, ndo so enconira um sequer ue se detenho sobre On 37, que trata co Magnificat fata que feemos notar também para ot. 37 (1977) da mesma revi ta, daccado este 8 MC. 6. Sea ids, cto que @ RM om todo 0 su texto nunca cia a MC, com exzogio donot © anda en ‘possaneferindo no meio de outros decurentos marianos i Matologia sci: significado da Vrgem pata» Soiecede 1 ‘Como se pode constatar, o Magnificat é al compreendido como 0 can- tico da opcao preferencial pelos pobres, ainda que o Papa prefira a palavra, dligamos, mais religiosa de “amor preferencial’, em vez de “opcao preferen- cial”, de conotacao mais politica. Deus af ¢ apresentado ao mesmo tempo como: +0 revolucionario, pois que “abate os poderosos de seus tronos", segundo 0 nticleo duro do cAntico da Virgem (vy, 52,53 de Le 1); € + 0 misericordioso, segundo o v. 50: “seu amor para sempre se esten- de”, que 0 Papa actescenta, certamente de propésito, pois inverte os versfculos (cf. n. 37,3). Depois, o documento passa a insistir sobre a unidade profunda entre a salvagio de Deus e a libertagao dos pobres, colocando-a nos seguintes termos: Haurindo certeza do coragéo de Maria, da profundidade da sua f6, expres- sa nas palavas do Magnificat, lgrja renava em si, sempre para melhor, essa propria certeza de que néo se pode separar a verdade a respeito de Deus que salva... da manifestagéo do seu amar preferencial pelos pobres « pelos humildes... cantado no Magnificat. (rifos do Papa, n. 37.4) Que a Igreja deva seguir Maria no que tange a estes dois temas, “orga- nicamente conexos”, vem do fato de sua identificacdo mistérica com a Mae de Deus, em virtude da qual esta, como “icone da liberdade e da liber- taco”, é para ela “mae e modelo”, também, por suposto, no que diz res- peito a sua missio social. E 0 que diz a enciclica (n. 37,5), retomando, porém, ad litteram a LC (n. 97), Assim, nao fica de modo nenhum diminuida a “importancia” da “opcao pelos pobres”. Antes, pelo contratio — diz o pontifice -, a “certeza” desta copsio “na nossa época... reforca-se de modo particular” (n. 37,5). Ademais, 0 documento apresenta Maria como figura de sintese, que sabe conjugar em si as duas dimensoes fundamentais da fé: a que diz tes- peito a Deus ¢ a que concerne a pessoa humana, especialmente ao pobre. Devemos, contudo, observar que, quanto a relacao entre a salvacio divi- na ¢ a libertagao humana, a RMa se contenta em insistir com vigor sobre sua “conexio organica”, sem, porém, ir mais longe. Sua posicdo € funda- mentalmente assertiva, poderiamos dizer, tética. Ela nao entra no campo te6rico, na tentativa de articular essas dualidades de modo hierarquico, Marologia sora! nos documentos malar da S¢ apostlea como tinha feito, com sucesso, a Libertatis conscientiae da Congregacao para a Doutrina da Fé. Alem disso, nem seu estilo ¢ tao conciso, nem o tom é to sustentado como na Marialis cultus de Paulo VI. 1.4. A Sollicitudo rei socialise a referéncia ao Magnificat ‘Também este documento apela para o locus maior da mariologia social, ‘o Magnificat. Em seu ttimo numero, 0 49, repete o nticleo duro do canto da Virgem, isto é, Le 1,52-53: “Derrubou os poderosos de seus tronos etc. Ena nota 91 faz a devida referencia ao n. 37,2 da MC, ja constituido © texto magisterial mais autorizado em termos de mariologia social. Sem embargo, a Solicitudo rei socialis (SRS) apenas cita o canto da Vir- ‘gem, sem fazer comentario algum. Parece nada, mas jé € alguma coisa Pois é a primeira vez que um texto da Doutrina Social da Igreja dat lugar a Maria, como jé fizemos notar (Parte 1). Nesse sentido, a SRS 49 emerge no seio do corpus do ensino social do Magistério como um verdadeiro hapax. sociomariolégico em termos de mariologia social ‘Além da referencia ao Magnificat, a SRS contém alguns pontos interes- santes para a mariologia social, como a questo da “solicitude” de Maria pela sorte do mundo e aquele, conexo com esse, do seu “protagonismo” celeste dentro da historia terrestre — pontos esses que iremos explictar logo mais. 2. OUTROS TEMAS SOCIOMARIOLOGICOS, DO MAGISTERIO ECLESIASTICO ‘Alem do tema-chave do Magnificat, que se traduz concretamente em amor pelos pobtes e por sua libertacio, percebemos, nos documentos do ‘Magistério acima listados, alguns outros temas significativos para a elabo- raga de uma mariologia social, que aqui elencaremos, para em seguida explicté-los, Fi-los: 1. A solicitude de Maria pelas necessidades humanas de todo tipo. 2. A condigio pobre e humilde da Virgem de Nazaré. 3. Sua personalidade forte e até combativa ou “agonal” 4. Enfim, a forca de sua intercessao em relagao ao curso da histéria. i} Notiologia soda: sigiticado do Vrgem par a Sociedade I 2.1. A solicitude de Maria pelas necessidades humanas Esse tema emergiu pela primeira vez na MC 28,2, em base justamente a0 principio hermenéutico da identficagao mistérica e de missio entre Maria a Tgteja. E passo referido é formulado na forma deste principio diretivo: “A aco da Igreja no mundo é como um prolongamento da solicitude de Maria...” ‘A Igreja aparece aqui como a extensdo mistérica e mistica de Maria na hist6ria, de tal modo que a missao da Igreja aparece como a continuacao da miso da prépria Virgem. Poderfamos assim tracar a equacao: Solicitude de Maria -> Missdo social da Igreja. Isso vale como uma fecundissima diretiva pastoral, mais precisamente, como um principio sociomariano-pastoral. Para a MC, tal missdo se exerce em dois planos, entrelacados entre si. ‘Temos, em primeiro lugar, o plano da missto especificamente “religiosa”, que € primaria para a Igreja, como ensina a Gaudium et spes.? Essa misao diz propriamente respeito 4 evangelizagao. Eis, nas palavras da MC, 0 objetivo dessa missao religiosa: Para que todos os homens chequem ao conhecimento da verdade (cf. 11m 2.4). 8 tenham parte na Salvagéo que a morte de Cristo lhes mereceu (282) ‘Temos, em seguida, 0 plano da missao propriamente “social” da Igreja, a qual missto “decorre” da primeira, como explica a mesma constituicao pastoral.8 Ora, a essa missao concerne a libertago integral dos oprimidos. Acerca de tal missto, enquanto conectada a “solicitude” de Maria, o docu- ‘mento pontificio se exprime assim: : Aquele amor operoso de que a Virgem Santissima dé mostras, realmente, ‘em Nazaré, em casa de Isabel. em Cand e sobre 0 Gélgota... encontra a sua continuidade... também) nos seus (da lgreja) cuidados para com os humil- des, 05 pobres eos fracos, ¢ na sua aplicago constante em favor da paz e da concéitia socal... (28,2), Observemos que, quanto ao epis6dio de Cand, o Vaticano II jé se tinha referido a solicitude da Mae de Jesus em favor dos noivos em dificuldade, através da expressio original misericordia permota, “movida de misericor- dia” (LG 58). 7. "A missdo propria que Cristo confi 8 su Ig por carton @ do ordem poltica, econdmica ou socal. mas de ordom retilosa” IGS 42.2 8. “Mas desta mesma missioreligiosa dacorem bonis. ote» Comunidade humene..” idem Marologiasoial nos documentos maiores da S¢ apostlica ‘A SRS 49, que jé havia citado o Magnificat (Le 1,52s), também se reporta ao mesmo relato evangélico (Jo 2), atribuindo, porém, a solicitude da Virgem uma dimensio especificamente social: “A sua solicitude mater- na interessa-se pelos aspectos pessoais e sociais (o Papa sublinha) da vida dos homens sobre a terra” (n. 49,3). Veremos logo mais que também as “cartas circulares” para o Ano Mariano de 1987-1988 deram realce ao mis- tério da Visitacao como modelo para a acao social dos fis. Por contraste, o Documento de Puebla, abordando o tema da solici- tude de Maria na Visitaggo e em Cand, déi-the surpreendentemente uma interpretagao religiosa e espiritual antes que social, ainda que esta nao fique de todo excluida. Diz com efeito: “Todo o servico que Maria presta ‘aos homens consiste em abri-los ao Evangelho e a convocé-los a obedecer- The...” (n. 300), Podemos, em breve, afirmar que, em comparacao com 0 compromis- so mariano de tipo “forte”, inclusive politico, expresso no Magnificat, aqui, na Visitagao e em Cana, nos encontramos diante de um empenho de tipo “fraco”, mais cotidiano, mas nao menos relevante, especialmente nos tem- pos atuais, ditos pés-modernos. 2.2. Maria, mulher pobre e forte Este tema também deve ser inserido na mariologia social. Esta em geral ligado ao de Maria mulher humilde, confiante em Deus, ou entao a idéia de Maria mulher forte, intrépida, corajosa, ‘A pobreza socioecondmica da Virgem de Nazaré, assim como a forta- leza a que vem associada, foi posta em relevo por Paulo VI na MC 37, ‘Neste passo, 0 pontifice afirma o que Documenta de Pucbla, no n. 302, ‘em seguida retomou. Eis as palavras do Papa: Maria, que 6 a “primeira entre os humildes e 0s pobres do Senhor” (LE 55), (¢} uma mulher forte, que conheceu de perto a pobreza e 0 saftimento, a fuga e o exo (cf. Mt 2,13-23] — situagBes essas, que néo podem esca- par & atengéo de quem quiser secundar, com espitito evangélico, as ener- Gia lbertadoras do homem e da sociedade (MC 37.2) ‘Tambéem a Libertatis conscientiae fala da pobreza da Virgem, mas acen- tuando seu aspecto espiritual de humildade e confianca em Deus, Vé na figura da Mae de Jesus a representante do “povo humilde e pobre” e da sua esperanca de libertacdo: “Personificando essa esperanga (dos anawim), Qn Marialogi social: significado ds Vrgem para a Sociedade 1 Maria ultrapassa 0 limiar do Antigo Testamento, anuncia com alegria 0 evento messianico e louva o Senhor que se prepata para libertar 0 seu Povo (cf. Le 1,46-55)" (LC 48,2). No mesmo sentido espiritualizante, Joao Paulo Il, na RMa, afirma que “Ela proclama... a vinda do ‘Messias dos pobres” (cf. Is 11,4; 61,1) (37,4). Podemos dizer, em conclusao, que, nos textos analisados do Magist rio, a idéia da pobreza propriamente material de Maria, sem excluir seu significado espiritual, foi apenas tocada, necessitando, portanto, de maio- res desenvolvimentos. 2.3. Uma imagem “agonal” de Maria Proxima a imagem da Virgem, mulier fortis (cf. Pv 31,10), esté a de Maria ‘mulher lutadora, aguerrida, digamos aqui, “agonal”, no sentido de agon = luta. E uma idéia que nao é tao nova na tradigao mariano-mariologica. E so Jembrar a aplicagio litargica a Virgem do versiculo do Cantico dos Canti- cos segundo a Vulgata: terribilis ut castrorum acies ordinata (Ct 6,9). Pense- ‘mos também na representagao dogmtica, devocional e artistica da Virgem em posigdo de “esmagar a testa da Serpente com seu pé virginal”, como diz © Offcio da Imaculada > ‘Alem disso, desde pelo menos Pio IX, Maria serviu a Igreja em seu enfrentamento com o mundo modemo, como uma valiosissima aliada, como diremos no excurso, posto no fim desta parte. Foi, entretanto, o marianissimo Papa Jodo Paulo Il que tragou, com vigor particular, um perfil da Virgem como figura de luta. E 0 fez nas enci- clicas Redemptoris mater (1987) e Evangelium vitae (1995). Examinemo-las uma depois da outra 2.3.1, Maria lutadora na Redemptoris mater Esta enciclica nos brinda com quatro passagens em que se delineia ‘uma imagem “agonal” de Maria. Sdo 0s n. 11,1-2; 16,2; 47,3; € 52,5. Inter- pretemo-los. RMa, 0. 11,1-2 Aqui, para sua mariologia combativa, o pontifice arranca do classico te- ma do proto-evangelho, referindo-se a luta entre a Mulher e a Serpente de 8. Vesiculo ds hor this do atualBroviésio roma, Mariotogia socal aos documentos mors da S¢ apostlea Gn 3,15. Diz 0 documento: “.. A vit6ria do Filho da Mulher nao se verifica- risem uma ardua luta, que deve atravessar toda a historia humana’, ou seja, como explica o Papa, do Génesis (cap. 3) ao Apocalipse (cap. 12) (n. 11,1). E preciso reconhecer que aqui e alhures o Papa se mostra possuidor de uma visio da historia de amplo descortino e carregada de dramaticidade. Para ele, é todo o processo historico que é “agonal"!®. De fato, Joao Paulo IL continua com estas palavras: “Maria... esta colocada no proprio centro dessa ‘inimizade’(grifos do Papa), dessa luta que acompanha o evoluir da histéria da humanidade sobre a terra e a propria historia da salvagao” (n. 11,2). Acrescenta, porém, que no seio mesmo desta luta a Virgem traz em si a graca e a beleza, tornando-se assim um “sinal imutavel e inviolavel” da divina eleigao. Esta se mostra “mais forte que toda a experiencia do mal e do pecado e de toda aquela ‘inimizade’ pela qual est4 marcada toda a his- toria do homem”. E é bem no coragao desse drama universal que a Virgen emerge como “sinal de segura esperanca” (n. 11,2). RMa, n. 16,2 Aqui, de mariologia “agonal”, encontramos apenas um traco, na medi- da em que o Papa vé a “espada” profetizada por Simedo como efeito das “contradicées" vividas por Jesus € com as quais Maria mostrou-se absolu- tamente solidatia. Desponta também nesse passo a idéia do conflito como expresso da “dimensto historica conereta” que circundou a vida e a missto da Virgem Ihe trouxe “incompreensio e dor’. Foi, ao mesmo tempo, um convite & “obediencia de {é no sofrimento ao lado do Salvador que sofre” e a uma “maternidade obscura e marcada pela dor”. Nesse sentido, o pontifice vé na fuga para 0 Egito o inicio das dores profetizadas pelo anciao do templo. RMa, n. 47,3 A idéia da luta da Mulher e da Serpente volta a emergir na enciclica, quando, referindo-se ao “mistério daquela ‘Mulher” que, do Genesis a0 Apocalipse, “acompanha a revelagao do designio salvifico de Deus...", 0 10. Ads, visdo dramética que Jodo Pauo Il om dabistéia da savagbo est presents também em sua cts apostdica Mutris gnitatem (1988): “No paradigm bibico da ‘mulhar‘esth insta, dose ®inco até a fi da het, lta conta o mal @convao Malgno. Esta também alta pao horsem, Doo seu verdadeio bem, psa sua sahvacio. Nio querer a iba dizenos que precsament ra ‘mu Ihe EveMari, a histvia resto ume lit damaties em favor de to o homem, lua pelo Seu un {arental ‘sim oun @ Deus @ a0 seu designioetoro sobre o hornem?” In. 302 i Mariolgia sori: 0 signiiado da Vigem pare a Sctiedade i} Papa declara: “Maria... participa maternalmente naquele ‘duro combate contra os poderes das trevas’ (cf. GS 37), que se trava ao longo de toda a historia humana” (n. 47,3). Prossegue o documento: “Em virtude da identificagao eclesial com a “Mulher vestida de sol’ (Ap 12,1), pode-se dizer que a Igreja alcancou na Virgem Santissima a perfei¢ao", embora deva “ainda esforcar-se por cres- cer na santidade” (n. 47,3). RMa, n. 62,5 Na ultima pagina da enciclica mariana, volta o tema da “Iuta incessan- te entre o bem ¢ o mal” que atravessa toda a histéria humana e na qual Maria esta “profundamente enraizada’, Por isso Ela se faz “presente e par- ticipante nos méltiplos ¢ complexos problemas... de cada um, das famtlias, e das nagdes” (n. 52,5) Asta altura, o Papa apela para a antifona Alma Redemptoris mater, que, aliés, deu o nome a enciclica.1! Fixa-se na passagem Succurte cadenti surge- re qui curat populo: “Socorrei o povo que cai, e anela por erguer-se” (n. 52,1), Infere-se dat que, para o pontifice, Maria é vista e tratada como uma pessoa viva, que vem em “auxilio do povo cristo” e para a qual néo s6 as pessoas mas também as “nagdes ¢ povos” podem se voltar, para “no cait” e para “erguer-se” (n. 52,5). Sobre a percepgao devota de Maria como pessoa viva, que como tal intervém na histéria, voltaremos em breve. 2.3.2. Maria lutadora na Evangelium vitae O assunto central dessa enciclica é a vida e seu valor. E na conclusio que o documento se reporia a figura de Maria, considerando-a como a Mac da vida.!2 ‘Mas antes de introduzir o agon da Virgem contra as poténcias de morte, a Evangelium vitae (EV) desenvolve a identificacao Maria-Igreja em fungao da afirmagao da vida. De fato, 0 ponto que conjuga ambos os mistérios é justamente a maternidade, entendida como “acolhida e cuidado da vida’ (n. 102,4). Tal é, de fato, uma das expresses mais eminentes da antropo- logia feminina. A base biblica para esta identificacdo particular a enciclica TI.Ct.A.Catanese. “Letfona Alma Redemptoris mater. commento Giovanni Paola", n: Mare rum, 51,1989, pp, 959378, 12, OF Salvatore M. Perla. “Le Vorgne Mara in leu srt tologicicontemporenei, in: Manu, 1.58, 1996, pp, 17-108, especialmente “Mors, serve del Vangelverbo dela Vita" pp. 72.78, Marolgiaeotia! nas dacumantas maiors da Sé apostlca ave no Ap 12: 0 “grande sinal” — 0 da “Mulher vestida de sol”, que € a Igre- ja-Mie e simultaneamente Maria—Mae (n. 103,1-2). Embora articulada de modo pouco claro e vigoroso, na EV opera, uma vez mais, a “relacio recfproca entre Maria e o mistério da Igreja” (n. 103,1), agora estabelecida em base a maternidade comum. A maternidade de uma ilumina a da outra (102,3-4), especialmente sob o aspecto do sofrimento, concretizado nas “dores de parto”, no meio das quais Maria ¢ a Igreja dio Cristo a0 mundo (n. 103,3-4). Jao n. 104 da EV poe-nos de cheio dentro da “mariologia agonal” ‘Agora, 0s “sofrimentos do parto” sao os reais sofrimentos histéricos, cau- sados, nas palavras do documento, por “todas as forcas do mal que agem ra historia” (n. 104,D. Na verdade, o que esta aqui em foco € o aborto, pois era essa a proble- ‘matica concreta que deu origem a enciclica e permanece nela latente, Ora, ‘o Papa ve no “recem-nascido”, que o Dragdo quer “devorar”, a “figura de cada crianga, sobretudo de cada criatura fraca e ameacada” com a qual Cristo se identificou, de tal modo que rejeitar esta vida é rejeitar Cristo (a. 104,3). Com esta aproximacao o Papa induz pateticamente a pensar que abortar uma crianga, qualquer que seja, € abortar 0 préprio Cristo. Mas a encfclica nao fica numa visio meramente “agonal” de Matia e avanca em diregdo a visio de luz e de vitsria. com esse quadto de esplen- dor, tragado no ultimo nimero, on. 105, que o pontifice quer terminar a enciclica. Assim, permanecendo ainda no intemo do vocabulétio da luta, Joao Paulo II afirma que “Maria é uma mensagem de viva consolagao para a Igreja na sua luta contra a morte” (n. 105,1). Relembra entao 0 duellum miran- dum, o “duelo prodigioso” da seqtiéncia pascal, que se conclui com o grito de triunfo: “O Principe da vida, que estava morto, agora triunfa vivo!” (Ibidem). (O Papa finalmente fecha sua enciclica com uma prece de entrega a Mae de Deus, na qual Ihe confia, de modo todo especial, as criancas impedi- das de nascer, os pobres, as vitimas da violencia, 0s ancidos ¢ os doentes (n. 105,4). Como se vé, aqui se passa de Maria ~ modelo a se imitar — para Maria — pessoa viva a se invocar. 13, A mesma iia se enconra no documento de Confréncia dos Bispos dos Estedos Unidos Eis tue Maier de f.Carta pastoral sobre Santa Viger Mara (21/11/1873). Dizem a os bispos este- ‘unidenses: “Bendio 60 futo do vosso venta: sso, quo vale para Jesus, val também para cada ‘rianga inde no naseiga, com a qual Jesus se dene, porque pequena e gk: PAM La Macke det Signore. Vatcano, Ed, PAM 2000, . 64, p. 107 1 Mariologia sci: significado da Vigem para ® Soiedsde It Que conclusao tirar da andlise acerca da visdo “agonal” que tem Joao Paulo Il da Santa Virgem? Devemos reconhecer que, embora nao seja abso- lutamente nova, a imagem combativa de Maria recebeu desse pontifice novos tons ¢ um novo vigor. Haurindo da forga de sua origindria tradicao polonesa e de seu carisma pessoal, o Papa Wojtyla deu & mariologia social uma contribuicdo bastante original e, ao mesmo tempo, fecunda em des- dobramentos pastorais ¢ teoldgicos. 2.4, Maria: forga de intercessao diante dos desafios da historia Como vimos, Maria € vista, em relagdo a problematica social, como ‘uma figura exemplar, mas também como uma pessoa que continua miste- riosamente envolvida nas vicissitudes histéricas da humanidade, Vejamos agora como, segundo 0 Magistério de Joao Paulo Il, a Virgem emerge jus- tamente como um ser vivo e atuante, cuja intervencdo eficaz na historia pode ser invocada nos perigos, seja pelas pessoas, seja pelas coletividades. Devemos logo dizer que foi, de novo, o Papa Joao Paulo II quem expri- ‘miu com mais énfase esta visio personalistica e orante de Maria, Fé-lo exa- tamente na conclusio de suas trés enciclicas que ja examinamos: a RMa, a SRS e a EV. Expliquemo-las pela dtica referida, uma depois da outta. RMa, n. 52 ‘Também neste texto o Papa olha para a Virgem como para aquela que a Igreja inteira e também “as nagdes ¢ os povos” (n. 52,2) invocam com 0 grito: “Socorrei”, evocando agora uma outra antifona, a Alma Redemptoris mater (n. 52,5). O que inspira essa atitude orante é sempre a conviccao de {6 da Igreja, a qual, segundo o pontifice, Ve... a Bem-Aventurada Mée de Deus... profundamente radicada na histé- ria da humanidade... vé-a presente como mée e participando nos maitiplos © complexos problemas que hoje acompanham a vida das pessoas indivi- dualmente, das familias e das nag6es... 0, 52,5). Observa-se ai uma imagem de Maria imersa no coragio da historia, enfrentando as grandes questoes que agitam o mundo contemporineo. ‘Trata-se, porém, aqui, de uma sociomariologia que nao fica na reflexao, mas que se faz oracio. E uma oragio carregada dos gritos que os grandes dramas da politica internacional arrancam do coragdo crente e este, por sua vez, lanca aos pés da Mae de Deus. Mariologia social nos documents maiores da Sé aportlica SRS, 1. 49 E precisamente neste documento que aparece, de modo mais claro, como, para o Papa, é a pessoa mesma de Maria que esta implicada, como protagonista celeste, na historia dos homens. De fato, no n. 49 da SRS, 0 pontifice quer “entregar” a pessoa da santa Virgem ¢ & sua poderosa inter- cessio a “dificil conjuntura do mundo contemporaneo” eos “esforcos” fei- tos em favor do “verdadeiro desenvolvimento dos povos” (n. 49,1) Para Jodo Paulo Il, de fato, Maria, por sua “solicitude materna” “se in- teressa pelos aspectos pessoais sociais (grifos do Papa) da vida dos homens sobre a terra” (n. 49,3). Daf dirigit-se pessoalmente a Ela em forma de ora- fo, lembrando a antifona Sub tuum praesidium (n. 49,2) ‘Justamente nesta linha, e para fechar sua enciclica, Joao Paulo Il faz — como se dizia ~ um “ato de consagracao” ou — como diz o documento ~ ‘um “ato de entrega” do mundo atual a Santissima Virgem. Como se pode ver, 0 texto desse ato contém acentos fortemente sociais, inclusive eco- nomicos: Apresentamos-the também as situardes sociais e a propia crise interna- con gritos do Papa com seus aspectos preocupantes de miséria, desem- prego, falta de alimentos, corida aos amamentos, desprezo das direitos hhumanos e situagdes ou perigos de confit parcial ou total (n. 48,2). EV, n. 105 Finalmente, também a enciclica EV, que versa sobre o valor da vida, conclui-se com uma ora¢do 4 nova Mae dos viventes, Ela que é “para a Igreja mensagem viva de consolagao na sua luta contra a morte” (105, 1). Assim, em nome de toda a Igreja, que € “o povo da vida e pela vida’, © pontifice “volta o olhar” para a Virgem (n. 105,3) e The dirige uma bela esentida prece: “O Maria, aurora do mundo novo, Mae dos viventes, a vés confiamos a causa da vida...” (n. 105,4). Concluindo, podemos dizer que a andlise destes trés passos mostra que para o Magistério de Joao Paulo Il Maria nao € apenas uma imagem exemplar ou uma figura dogmatica, mas uma pessoa viva e protagonica, enquanto continua a intervir decisivamente na hist6ria humana. Ha de se reconhecer que essa relacdo diretamente pessoal com a Virgem, o povo de Deus jamais a perdeu de vista, ¢ dela a histéria social dos povos cristaos. a exemplos abundantes, como veremos mais adiante (Parte II). 4 Marolgia soi: 0 significado da Vigem para a Sociedade ol Entretanto, nio € supérfiuo recordar aqui essa verdade viva, porque a mariologia, como, als, toda a teologia ocidental, é propensa a fixar-se nas propostas éticas (Maria como modelo) ou nas meras especulacoes (Maria como icone), descuidando da oratio como lex credendi e, por conseguinte, como lex intelligendi, ou seja, como fecundo e indispensivel locus theologicus 3. CARTAS CIRCULARES PARA O ANO MARIANO 1987-1988 Vale a pena expor as orientagdes e as propostas feitas pela Comissto central para a celebracdo do ano mariano, decretado pelos 2 mil anos do nascimento de Santa Maria de Nazaré. A razdo € que ai se vé ao vivo como a piedade mariana, segundo o Magistério romano, aplica-se na vida pasto- ral e social.!4 As “cartas circulares” so um documento privilegiado que ‘mostram 0 quanto a dimensio sociomariolégica penetrou na consciéncia da Ipreja. Jéa primeira carta circular (27/3/1987), falando da “finalidade e da impostagao do ano mariano”, poe todo o ano mariano in medias res da pro- blematica social: ‘Toda a Igreja.... aprofundando o préprio caminho espiritual a luz da Serva do Senhor, modelo de vida exemplar e de servigo aos homens, deve empenhar-se com tadas as suas forgas na promogdo humana. A fome e a indigéncia, a paz e a justiga, a perseguigdo e 0 exilio, a marginaliza- G40, 0 sofrimento ¢ @ dor dos seres humanos em tantas partes da terra, as reivindicag6es justas da mulher, a necessidade da liberdade religiosa, devem encontrar em todo membro da Igreja um renovado compromisso Aue torne eredivel a salvagio operada por Deve em Criato Jesus Nosso Senhar(n. 4)" Na segunda carta circular (7/10/1987), atando dos “santuarios marianos”, a Comissao Central dedica todo 0 n. 4 a0 tema “Santuétio, lugar da caridade”. Referindo-se ao tema central do Magnificat, diz 0 documento: 14.Cl. Comitato Centrale. Lanno mariana: Lettre crcola. Padua, Messeggero, 1988. Ci. também CCongregszione per it Culto Divino, “Orientamens preposte per la clabravione del anno marino” (344/987, in: Enon Vaicanum,n 1481-1562, pp. 1.053-1.112 O primeita documento cada foi Tonge & tente 60 segundo, 18. Comitato Cental, op. ci, pp. 15:16. Mariolgia sora nos documentos malar da Sé apostlca Todo 0 Santuério mariano.. celebra a presenga... da Virgem do “Magni- fiat". € por isso mesmo um foco que irradia... acardade, Isso se depreende das patavras e dos conteddos expiitados por Maria em seu céntico. Por tanto, 0 Santuério deve se modelar sobre a atitude da Mie de Jesus, sem- pre atenta e solicita para com os necessitados... (cf. Jo 2,2-10)."® Alargando 0 conceito tradicional de “caridade”, documento ensina que esta compreende “solidariedade, partiha acolhida’, Passando para 0 lado prético da questao, o documento lembra que as abundantes ofertas, deixadas pelos figis nos santuarios, devem ser aplicadas também nas “obras assistenciais’, como “hospitais, institutos de educacto para criancas necessitadas, casas para as pessoas da terceira idade” etc, Acrescenta que é preciso pensar em criar “novas estruturas” que estejam a altura dos “gran- des males da sociedade contemporanea”, citando entre esses a Aids, as drogas, 0 abandono dos idosos e dos sem-teto.!7 A terceira circular (21/11/1987), a mais importante para nosso tema, € dedicada por inteiro a questao social. Intitula-se “Solidariedade e servi- 0 dos pobres”.18 Em sua “introdugao”, a carta quer colocar-se explicitamente “em sin- tonia” com o Magnificat, tal como foi posto em relevo pela Redemptoris mater n. 37. Esta justamente declarou que aquele hino, junto com a glori- ficagao do Senhor, canta 0 amor preferencial que Deus tem pelos pobres, Nessa linha, a carta poe claramente o compromisso em favor dos necessi- tados como critério de uma auténtica piedade mariana: A solidariedade para com os pobres... toma-se caracterstca e revelago de uma existéncia autenticamente transformada pelas exigdncas do Reino de Deus. E uma escolha muito exigente, cujas dificuldades poem & prova a seriedade com a qual olharnos Maria como inspiradora da vid crit." Lembrando as palavras da referida enciclica, segundo as quais, de acordo com o Magnificat, “nao se pode separar a verdade sobre Deus... de seu amor preferencial pelos pobres", o documento declara que Maria “ins- pira a Igreja a nao cessar de repetir com Ela as palavras do Magnificat ea pO-las em pratica” (n. 1). 16. dor, p. 32 7 dor, pp. 3229, 18 dor, pp. 3051 18. dor, p 4, Maioogia sci: 0 significado da Vrgem pare» Sociedade Wl Enfoque original desta circular € a ligacdo que propde entre culto a Maria e compromisso de caridade para com os pobres. Lembra, em parti- cular, o ensino de Sto Joao Criséstomo de que participar da santa ceia € desatender os pobres é “desprezar 0 Corpo do Senor” (n. 2).2 Para o documento, o culto mariano deve levar decididamente ao cuida- do dos necessitados, concretizado em “obras sociais’ que sejam aptas a enfrentar “velhas e novas pobrezas", como dispensérios, cursos de alfabeti- zacio, educagdo sanitéria, centros de acolhida para imigrantes, ex-carcerd- rios e jovens maes, assim como comunidades terapeuticas para aidéticos etc Em suas propostas priticas, o documento vai ainda mais longe. Levanta a sugestio de os figis poderem dedicar um ano de voluntariado a servico dos pobres, dizendo que, para isso, eles podem inspirar-se em Maria, “lim- pido modelo” de “Serva do Senhor, cheia de solicitude pelas necessidades dos irmaos”. Encoraja também as igrejas particulares e as congregacoes reli- giosas a tecer parcerias com comunidades dos paises pobres, bem como a empreender iniciativas concretas em favor da *reconciliagio ea paz” (n. 3)? Para estreitar 0 laco entre culto a Maria e compromisso social, a carta oferece a interessante sugesto de cumprir as atividades de promocio social seguindo o espitito das diferentes fases do ano littirgico, assim: + para o Advento e o Natal, lembrar a Vitgem que acolhe o Messias pobre que veio para os pobres; levar também em conta Maria em sua ‘Visitagdio e em seu Magnificat, Ela que se fez serva de Isabel; + para a Quaresma, considerar a Mae de Jesus junto da cruz do Filho, de modo a induzir a comunidade comprometida no social a fazer-se “presenga ativa e conereta junto das inumeraveis cruzes dos homens” ‘A meméria da Mae das Dores leva a comuntdade eclesial a viver © tempo penitencial atenta ao estrangeiro, a0 6rfao e a vitiva; * por fim, para o tempo da Pascoa e de Pentecostes, pensar na imagem de Maria presente no meio da comunidade eclesial, “estimulando os fieis, cheios do espirito, a fazer-se proximos de todas as formas de sofrimento” (n. 4)22 20. dem, pA. 21. dom, pp. 47-48 22. dam, pp. 4960. Matologia social nos documentos m ‘Além de indicar, nos termos acima, uma espiritualidade sociolivirgica, a circular recomenda, mais simplesmente, que durante as celebragdes da comunidade sejam lembradas as “inictativas de caridade”, particularmen- te no momento da oracio dos figis, na liturgia das horas e nas celebragoes, marianas.3 Com grande pertinéncia pastoral, 0 documento ensina também que, na preparagao para o Batismo (catecumenato), para a Crisma € para a Primeira Eucaristia, se devem “iniciar os candidatos no sentido da caridade"*4, ‘A circular se conclui, a modo de sintese, com estas palavras: Portanto, 0 compramisso da caridade operasa encontra na contemplagéo de Maria um estimulo e um exemplo a seguit...Na visita a Isabel, nas todas de Cand, aos pés da Cruz e no Cenéculo, Maria nao se subtrai aos necessitados, mas abre seu coragao, dando-se a eles coma Deus deu-se a Ela por primeira 25 Segue a quarta carta circular (2/2/1988), versando sobre a “comunhao com os itmaos do Oriente”. Mas esse documento nao traz particular con- tribuigao para o nosso tema. Temos, por fim, a quinta e tltima carta circu- lar (26/6/1988), “Despedida dos bispos” 26 At a Comissto Central oferece ainda um derradeiro elemento relevante: adverte da importancia de “har- monizar", na questio mariana, estudo, piedade e caridade (n. 3, a)27 Fecha a circular propondo que os figis reflitam a partir da seguinte suges- tiva pergunta: “Que significa ‘tomar’ Maria ‘consigo’, primeiro como José, depois como Joao?" (n. 3,0)28 Importa aqui mencionar ainda o tema de “Maria e as mulheres", que a Comissao Central uatou num apéndice, redigido pelo secretatio-geral da ‘mesma comissio, Mariano De Nicold.29 Eis os elementos a destacar no documento: 23. tdom, p50. 24. dom, p. 51 25. idem, 26. der, pp. 89-88, 21. Idem, p87 28. gem, p. 8. 28. dem, pp. 93-100, pubcado também no LOsservetre Romano, 3031/1988, es da Sé aposolica a Mariloia soca; O significado da Vigem para a Soeodade a * afirma que Maria, embora mulher tinica por seus privilégios, €“solid- ria’ com as mulheres na “normalidade e cotidianidadle da existencia"; * lembra o titulo, prezado por Paulo VI, de “Maria irma’3®; * retoma o locus classicus da Marialis cultus (n. 37), apresentando Maria como modelo para a mulher de hoje, especialmente pelo fato de ter ousado proclamar a Deus como o “vingador dos humildes oprimidos”; + esclarece que, na Visitacao, Maria se apresenta como exemplo de soli- citude para com as necessidades do proximo. Este mistério constitui- tia‘ “festa do encontro”, inspiradora do encontto, primeiro, de Maria com a mulher, na pessoa de Isabel; depois, do encontro das mulheres crentes com as ndo crentes; e enfim de tantos outros encontros que as mulheres so chamadas fazer acontecer, Que dizer, a0 fim de nossa andlise, das cartas circulates do ano maria no? Podemos verificar que se trata de reflexdes € propostas corajosas ricas. Esse documento pastoral representa, sem duivida, uma consciencia bastante avancada das implicacdes sociais da piedade mariana. E mister, contudo, reconhecer nesse texto um. limite muito sério em. termos de compromisso social. A diferenca de outros documentos do Magistério romano, como os que vimos, as cartas citculares permanecem no nivel comunitario e, no maximo, social. Nao levam a devogao marial até 0 nivel do compromisso sociopolitico, Nao chegam, por exemplo, a recomendar uma agao de conscientizacio, de organizacéo ¢ de mobiliza- Ao, voltada para a mudanga das estruturas sociais — ponto que ja tinha sido alcangado pela Doutrina Social da Igieja e, mais ainda, pelos docu- ‘mentos do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), especialmente os de Medellin Puebla Mas esse limite ¢, de certa forma, compensado pela qualidade teoldgi- cado documento e até pelo caréter inovador de alguma perspectiva, como a que se refere ao nexo vivo que ha de se por entre compromisso ¢ culto Iariano. Pois a relacio fe sociedade s6 se consolida quando passa pelo ambito litargico. 30. Cr, Tuo F Ossana. Mare nossa rma Sto Paulo, Pauls, 1996, especisimente pp. 16-18: 0 tu to ‘nossa ima om Paulo VI" Mariotogia socal nos éoeumontes maores do é apostlica Seja como for, o simples fato de o Magistério romano descer do plano da doutrina para o da pratica pastoral, propondo para todas as igrejas par- ticulares a figura da Vingem Maria como inspira¢ao para o trabalho social, daa medida do quanto jé se estendeu na Igreja a consciencia e a vivéncia da mariologia social isso nos veremos logo confirmados a partir dé estudo que faremos fem seguida acerca de algummas homilias marianas de Jodo Paulo II, feitas em encontros multitudinatios 6 Mariologia social em algumas homilias de Joao Paulo II © Papa Wojtyla foi certamente aquele que, mais que todos os outros Papas, relacionou a figura de Maria com os grandes problemas sociais. Deu, assim, um contributo notivel ao desenvolvimento da “mariologia social” no Magistério e, a partir dat, também na teologia. Queremos mostrar isso por meio da andlise de algumas homilias desse Papa, mesmo se elas ndo contam com o mesmo grau de autoridade que os documentos, também de sua autoria, que analisamos ha pouco. Entre as hhomilias mais significativas de Joao Paulo II, relativas ao nosso tema cen- tral, foram escolhidas as seguintes: Marclogia soi: O significado da Vigem para a Sociedade + A homilia pronunciada no Santuério de Nossa Senhora de Zapopan, no México, em 30 de janeiro de 1979.1 + A homilia feita na missa celebrada em Roma pelo 450? aniversério das aparigdes de Nossa Senhora de Guadalupe, em 12 de dezembro de 19812 + A homilia pronunciada no Congresso Eucaristico do Haiti, em Porto Principe, em 9 de margo de 1983.3 + A homilia do “apelo” de Jasna Gora em Czestochowa, na Polonia, em 19 de junho de 1983.4 +E, enfim, a homilia proferida no santuario mariano de Chiquinquira, nna Colombia, em 3 de julho de 1986.3 Depois de termos examinado esses documentos, podemos afirmar que a “mariologia social” de Jodo Paulo II, em suas homilias, estrutura e arti- cula-se segundo os seguintes grandes principios: * © aspecto social da mariologia coloca-se no interno a totalidade do Mistério de Maria e mais ainda do Mistério da salvacéo em Cristo: nele se baseia ¢ dele tira sua forca # A dimensao social da mariologia desenvolve-se a partir da dimensao cultural-religiosa do povo em questéo. * No seio dos acontecimentos sociais, Maria é vista como uma pessoa viva e ativa a quem se pode recorrer e exerce, dentro dos conflitos sociais, uma particular tarefa de reconciliacao e de paz Vejamos, nas homilias referidas, como se apresenta cada um destes pontes. 1.0L nsegnament a Givanni Paolo I. Vaticano, Libera Ed, Vaicana, tI, 1879, pp. 186287. 2 dom, 172, 1981, pp. 924831 3. dom, t WI, 1885, pp. 682689, 4. dom, V1, 1983, pp. 1596-1600 5. dom, 1X2, 1986, pp. 8290 Mariologiasoial em algumas homlis de Jodo Palo i 1. LIBERTACAO SOCIAL: UMA DIMENSAO QUE PERTENCE A FE E DELA PROVEM (© Papa ve a libertacdo social como uma dimensto particular da fé. Con- sidera-a um relevo desta, ndo um sistema independente, Em outras pala- vvras, 0 compromisso social se destaca sempre sobre o fundo do Mistério maior, que € 0 Mistério da Salvagao. Precisamente em base a esta compreensio, o pontifice articula o enga- jamento social a partir de uma op¢4o mais ampla, que é aquela da fé em Cristo. Esta € para ele como a fonte de onde flui a acio sociolibertadora. Tal a logica que preside e estrutura as homilias do Papa que estamos ora ana- lisando ¢ em geral todo o seu ensino social. Que esta articulacao légica seja consciente ou menos ndo importa tanto quanto o fato de que o discurso papal opera efetivamente segundo essa logica Para mostré-lo, tomemos em exame a homilia pronunciada no Congtes- so Eucaristico do Haiti, em marco de 1983. Ai o Papa parte, naturalmen- te, da Eucaristia, mas chega logo ao compromisso social: “Quem participa da Eucaristia € chamado a seguir o exemplo de Jesus... e a comprometer- se a fundo em favor do bem dos irmaos e das irmas, de todos, mas sobre~ tudo dos mais pobres” (n. 4). Em seguida, Joao Paulo Il, assumindo o lema do congresso: “Precisa que algo mude aqui”, enfatiza: *Precisa que os pobres de toda sorte voltem a esperar. A Igreja conserva neste campo uma missio profética e inseparavel de sua missio religiosa” (ibidem). Passando entao da Eucaristia para a devocdo mariana ~ ponto que nos interessa neste estudo -, o Papa desenvolve uma catequese que poe er acdo a logica jé referida. De fato, falando da devocao do povo do Haiti para com sua patrona, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, o ponaafice afirma simples ¢ claramente: “Esta devogao deve ser libertadora’ (n. 5). Partindo entio da Virgem, que “mediante seu consentimento livre” contribuiu para a “nossa libertacao", 0 Papa convoca os haitianos @ liberdade e ao “com- Ppromisso... na situacdo concreta” do pais (ibidem). Vejamos, em seguida, um texto significative, que mostra como, em termos Iimpidos e corajosos, 0 Papa conclama 0 povo para, com Maria, partir para a conquista da liberdade — uma liberdade que seja libertadora, tanto das opressdes religiosas, como do sincretismo “vuduista’, a que faz alusio, como também das opressdes sociais, evocando, no final, o cantico da Virgem Maria: i} Mariologia soa: O significado da Vigem para a Sociedade (Que vossa devogao soja inteligentee atva... Que ela no seja.. uma nova forma de escravidéo, como certas préticas sincretista, inspiradas pelo mmedo e pela angistiaciante de forgas desconhecidas! Nao, vés soi fihos e filhas de Deus, ivertados por Cristo Jesus, nascido da Virgem Maria, Sede dignos de vossafiliagdo dvina e daquela que vos liga a Maria Depois de ter renunciado ao pecado e dado vosse fé a Cristo, com Maria, levantai a cabega e reconhecei com Ela @ prdilegio de Deus pelos humildes, polos famintos, pelos que praticam 0 amor (cf. Lc 1,46-55: Magnificat (n. 5) Também na homilia feita no Santuario de Nossa Senhora de Zapopin, no México, o Papa segue a mesma ldgica: primeiro, a fé em Cristo ¢ em Maria e, depois e em forca desta mesma {é, 0 compromisso na vida e na sociedade. De fato, 0 pontifice chama, antes de tudo, a atengao para o fato de que os santuarios s4o, em primeiro lugar, lugares de “abertura ao dom de Deus”, lugares onde se faz a experiéncia da “dimensao transcendente” da existencia, tal como “resplende em Maria’. Eis, pois, af uma pertinente referencia mariolégica Em seguida, Joao Paulo It passa para o social: “Ela (Maria) nos permi- te superar as multiplas ‘estruturas de pecado’.. Ela nos permite obter a sraca da verdadeira libertacao...” (n. 3) — palavras que serao logo retoma- das pelos bispos latino-americanos em Puebla (n. 281). E mostrando como ‘© compromisso sociopolitico decorre justamente da fé e, em particular, da piedade mariana, o Papa prossegue assim: aqui parte também, como de sua verdadeira fonte, o auténtico compro- rmisso pelos autras homens, nossos irmaos, especialmente pelos mais pobres @ necessitados, e pela necesséria transformagéo da sociedade. For- {que isto € 0 que Deus quer de nds...(n. Para confirmar a equilibrada articulago que o Papa promove na rela- gio entre piedade mariana e compromisso social, vejamos uma outra homilia, a proferida na dedicagao da Basilica Nacional de Nossa Senhora Aparecida, no Brasil, em 4 de julho de 1980.6 Partindo, como sempre, de uum horizonte teologico geral, insiste af, por um lado, no fato de que 0 “amincio de Cristo... ndo pode ser reduzido a um mero projeto humano” 6.1. CNBR. Pronunciamentos do Papa no Gras. PetGpols, Vozes, 1980, pp. 125-190. Dest hori {oi eeborada a2 leitur do Oi pro da latia no Bri raferanto&soleniede de Nossa Senhora ds Conosigbo Apareida, em 12 de outubro, que, alm de Ser festa religiosa, é festa civil no Brel “dom” do president Figuocedo por ocasié justamenta da primo visita do ponte a pas Marologiasorial em algmas honlis de Jodo Peula I €, por outro, que “a comunhio com Deus nao prescinde de uma comu- nnhao dos homens uns com os outros” (n. 7,1) Vindo agora, na mesma homilia, ao tema especifico da piedade mariana popular, o Papa, depois de realgar seu valor propriamente de fé, destaca também suas implicagdes sociais com as seguintes palavras: ‘A devogdio a Maria é fonte de vida erst profunda, é fonte de compromis- 0 com Deus e com 0s més. Permanecei na escola de Maria. E, como cutrora em Cand da Galigia, ela encaminha ao Filho as dificuldades dos homens (n. 9:3, Voltando a homilia papal de Zapopan, nao podemos concluit sem chamar a atengio para a “queda de tom profético” que teve ai a hermenéu- tica mariol6gico-libertadora. Com efeito, retomando, por sua conta, o ja lissico locus socio-mariologicus instituido pela Marialis cultus (n. 37), 0 bispo de Roma declara: Maria... € modelo... para aqueles que néo aceitam as circunstancias ad- versas da vida pessoal e social, néo sBo vitimas da “alienagao” ~ como se diz hoje ~, mas proclamam com Ela que Deus & “vingador dos humildes”e, se € 0 caso, “depie os poderosos do trano”...n. 4) Embora reconhecendo a coragem de Jodo Paulo Tl em retomar a intré- pda mensagem de Paulo VI, e isso logo no inicio de seu pontificado, é imposstvel nao perceber aqui a clara atenuacao hermenéutica que sofreu a mensagem origindria em sua boca, como se mostra pelos varios bemis que nela colocou: * 0 ‘nao duvidou em prociamar (que Deus ¢ vingador)” de Paulo VI tomou-se, nas palavras de Joao Paulo II, simplesmente “proclamam com Ela"; * “Deus vingador dos humildes e dos oprimidos” tornou-se o “Deus vin- gador dos humildes” apenas, desaparecendo a categoria dos “oprimidos”; * 0s “poderosos deste mundo” viraram simplesmente os “poderosos” sem mais, abrindo o passo para uma interpretagao desencarna * enfim, a expressfo direta incondicional de Paulo V1 (alias, da propria Vitgem nazarena) “Deus derruba de seus tronos os poderosos deste mundo" recebeu uma clausula inefavel, de teor hipotético-restritivo: “se € 0 caso”. Marolgia social: 0 signitiada 6a Vigem para a Sociedade i] ‘Assim mesmo, para o Papa Wojtyla, Maria é e permanece mestra de libertagao integral. “Isto € o que viemos aprender hoje d’Ela” (n. 6) - diz ele apés a afirmacao que reportamos antes. Além disso, para ele, a “opgao pelos pobres” deve servir de “parametro” para a pratica do cristao, a con- digdo, contudo, de esta opcaio mostrar-se aberta a todos e em particular a “vocacao eterna do ser humano” (n. 6). 2. A PIEDADE MARIANA POPULAR: BASE PARA O COMPROMISSO SOCIAL DO POVO Este € um tema intimamente ligado ao anterior. Mais, é seu corolatio. Joao Paulo II pensa a piedade mariana popular como um modo particular de inculturagéo da fé de um povo no chao de sua cultura originatia. Pro- cura entao explorar o potencial evangelizador e também sociolibertador da piedade popular para com a Mae de Deus. Segundo seu pensamento, esta piedade mariana representa uma mediacdo poderosa por meio da qual a religiosidade do povo pode fazer- se praxis hist6rica. Nesta perspectiva, primeiro vem a inculturagao da fé e depois a sua pratica social. Seria a escansto: fé > piedade popular > em- penho social. Segundo isso, nao haveria, para o povo em geral, passage direta da {é para a praxis, sem passagem pela piedade. Eis, portanto, outra ligéo: aqui, a cultura precede a politica como sua condigéo (pastoral) de possibilidade (historica). Papa se mostra de imediato consciente da identidade religioso-cul- tural, existente na América Latina, entre 0 povo e a Virgem Maria. Afirma, por exemplo, na homilia de Zapopan: “Maria seus mistérios pertencem 4 identidade prépria destes povos”. E um pouco mais a frente: “Esta piedade popular... em toda a América Latina é indissoluvelmente mariana” (n. 2). Em relagio a0 México, de modo particular, o pontifice, na homilia pelo aniversario das aparigoes, declara: “Guadalupe... expressa, do modo ais pleno, os tragos salientes da cultura propria do povo mexicano” (n. 5). Diz 0 mesmo a propésito da Colombia, na homilia que pronunciou no Santudrio de Nossa Senhora de Chiquinquira, patrona da nagdo: “A devo- cdo mariana... faz parte de vossa alma nacional” (n. 5). Ora bem, Joao Paulo Il vé nesta religiosidade popular, marcadamente ma- riana, um duplo potencial: de evangelizacao e de libertacao social. sso se pode coristatar nas duas homiliascitadas: a de Guadalupe e a de Chiquinquira, Mariologia social om algumas homillas de Jodo Paulo I Na primeira, 0 Papa declara: “Esta realidade cultural, assinalada pela presenca assim viva da Mae e Senhora, é um potencial que deve ser apro- vyeitado em todas as suas virtualidades evangelizadoras frente a0 futuro, para conduzir 0 povo fiel das maos de Maria até Cristo” (n. 67). Depois, ppassando & potencialidade social da piedade mariana, acrescenta, por ‘modo de consequéncia: “A partir dat (ou seja, da evangelizacao da teligio- sidade popular) se devers tirar a inspiragao para 0 urgente compromisso em favor da justia...” (n. 6). E prossegue, profetico: Ernecessério e urgente que a mesma fé mariana e cristé impulsione para uma ao ampla em favor da paz para aqueles povos que estéo sofrendo he tanto tempo. E preciso por em prética medidas eficazes de justiga que superem a crescente distancia entre os que vivem na opuléncia © 0s que ccarecem das coisas mais indispenséveis.. (n. 6.7 Como faz muitas vezes, o pontifice conclui a homilia em exame com ‘uma prece, na qual recomenda a Virgem de Guadalupe os diversos atores piesentes na cena eclesial e social. Devemos, porém, notar aqui que, enquanto 0 Papa pede aos “detentores do poder econémico e social” um. comportamento ativo, como o de praticar a justica, pede aos camponeses, numa linguagem bastante passiva, que “sejam providos de um nivel de vvida justo” e que “Ihes seja concedido um lugar digno na sociedade” (n. 7). Contudo, veremos que o pensamento de Joto Paulo I evoluira, pasando de uma concepeao dos pobres, entendidos como objeto dlos cuidados da Igteja e do Estado, a uma concepeao dos pobres, vistos como sujeito de sua prépria libertacdo, ‘Tomemos agora a homilia feita em Chiquinquira. Aqui joga a mesma escansao que vperou na de Guadalupe. Falando aos camponeses pobres da Colombia, o Papa apresenta, em primeiro lugar, a figura popular de Maria como forca de evangelizacao: “Maria... aproxima todos, especialmente os pobres, dos mais sublimes mistérios de nossa religito” (n. 6). Em seguida, © Papa poe 0 dedo na potencialidade sociotransformadora da piedade ‘mariana, falando, nao sem evocar o Magnificat, nestes termos 7.0 mosme pensamento, segundo a mesma lsic aiculadre, emerge na mansagem papel poferide ‘3 hora do Angolus em 13 de dezombx de 1987, no cia sepuinte& festa de Nossa Senhora de Gus slupo; “Nosss Senhora de Guadslpe... a voz que conida 0s homens & comunho entre no rs. Brito dos recproces diets ena juss parties nos bens da tra... Pegamos & Mara que susten te o estar de quantos tabathem pela alirmacio da justgae da sobdereded nas relagGes entre os homens.” nsegnament a Giovann Paci op. t,t. M3, 1987, p. 1.389, 4)

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