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RESISTENCIAS EM ANALISE DR. ANTONIO SAPIENZA Palestra promovida pelo GRUPO DE ESTUDOS DE PSICANALISE DE RIBEIRAO PRETO e pelo NUCLEO DOS PSICANALISTAS DE RIBRIRAO PRETO EM 16 de Abril de 1.994. Dr, Gilberto Mestriner : Pelo Nticleo dos Psicanalistas de Ribeiro Preto, eu quero dar as boas vindas ao nosso conferencista, Dr. Anténio Sapienza, e também as boas vindas a esse piblico que nos prestigia com sua presenga. Vou pedir ao colega e presidente do Grupo de Estudos de Psicandlise de Ribeiréo Preto, Dr. David Azoubel, para fazer a apresentagdo do nosso conferencista. Dr. David Azoubel Neto : A presenca do Dr. Ant6nio Sapienza entre nés, hoje, é um fato muito significativo. O Dr. Sapienza € muito conhecido de todos nés e ele representa, neste momento, um encontro. Um encontro de colegas de Séo Paulo; um encontro de colegas do interior. Isso se deve ao fato de que o Dr. Sapienza tem sido, para nés todos aqui, além de uma pessoa que tem se destacado pelos seus trabalhos psicanaliticos, pela sua atividade como Didata da Sociedade Brasileira de Psicandlise de S4o Paulo e pela sua participacéio em movimentos da nossa “Sociedade” de Sao Paulo como uma pessoa que realmente é muito querida. Entio ele, nesse momento, representa alguma coisa no somente traz para o interior, mas aquilo que a gente também traz do interior, aquilo que em termo do nosso trabalho, do dia-a-dia do nosso trabalho, significa essa possibilidade de encontro do externo com o interno. Eu poderia apresentar o Dr. Sapienza como um psicanalista que tem se destacado cientificamente, um Didata muito respeitado e muito reconhecido por todos os colegas que tem trabalhado junto com ele € que tem recebido dele ensinamentos, mas a melhor maneira de dizer quem é o Dr. Sapienza € dizer que ele € realmente uma pessoa muito amiga e que estA aqui conosco exatamente para dividir essa amizade, Foi muito gentil da parte dele aceitar o nosso convite e participar deste momento que significa para a Psicandlise, no s6 em Ribeiro Preto, mas em So Paulo eno Brasil, um movimento de tentativa de fundagéo de um Grupo de Estudos que 6 uma nova “Sociedade” no cendrio psicanalitico brasileiro. Ribeiro Preto est, de fato, desenvolvendo uma experiéncia que precisa ser pensada em termos de Brasil, em termos da expansio da Psicandlise no Brasil. Entiio eu nfio vou me estender; eu penso que, na verdade, a presenga do Dr. Sapienza aqui dispensa qualquer tipo de apresentaco — ele é por demais conhecido -, mas eu quero deixar bem claro o nosso agradecimento por essa presenca © por esse esforgo de estar aqui conosco num fim de semana, dividindo os seus conhecimentos e nos ajudando a pensar sobre Psicandlise ¢ a aprender um pouco mais sobre Psicandlise. Muito Obrigado ao Dr. Sapienza pela sua gentileza de estar aqui conosco. Dr. Anténio Sapienza: Eu agradeco as palavras do Gilberto e do David que so dois trabalhadores incansdveis, e a presenca de todos os que aqui esto, para nés trocarmos idéias do que cada um de nés sente diretamente na propria pele, nos consultérios e também enquanto grupo de Ribeittio Preto, Brasilia, Uberaba e de quantas cidades do Brasil que esto aqui representadas. Estamos empenhados em que a Psicandlise, se aprofunde em termos de lidar com situages de realidade, e principalmente, com a realidade mental. Falaremos desses anos que nés temos trabalhado com esse instrumento ao mesmo tempo tio delicado e tao poderoso, que é a Psicandlise. © tema dessa conversa de hoje, vai procurar destacar “As Resisténcias”. Eu vou me referir inicialmente, as acepgGes que existem em termos de Resisténcias e vou me valer de alguns elementos de disciplinas que cercam a Psicandlise, para em seguida mais diretamente me dirigir ao tema de Resisténcia na cexperiéncia psicanalftica. Quando se pensa em Resisténcia, se pensa em “ato de resistir’. Algo que oferece resisténcia e no cede; que faz “oposi¢ao a”. No estudo de Resisténcias de materiais em Engenharia, em Fisica, a idéia de resisténcia é a idéia de uma forga que se opée a outra. Quando a gente lembra da Fisica, se diz que “a toda acéo corresponde uma reagio igual, e no sentido oposto”. Nés estamos sentados, e nosso corpo encontra ‘uma resisténcia nas cadeiras; se n4o houvesse resisténcia, onde é que nés iriamos parar 2 Isso ¢ importante, porque tem pessoas que imaginam que é possivel trabalhar em Psicandlise sem lidar com “resisténcias”. A tradic&o psicanalitica nos mostra que a Psicandlise se desenvolve & custa de “mapear” e de lidar continuamente, com resisténcias no Analista e no Analisando. Entdo, nao é para se queixar de que exista resisténcia. Existe resisténcia e sem resisténcia, nada é possivel. Nés irfamos parar talvez na China, se nao houvesse resisténcia aqui. A propria tradicao de desenvolvimento da Psicandlise, nos mostra que o corpo tedrico da experiéncia analitica Freudiana, se desenvolveu a custa de Freud estar continuamente ligado em diregdo das resisténcias e de pesquisar resisténcias. B por af que a gente pode continuar a caminhar. Nao existe “nada mole nem facil” nesse sentido. Também é uma ilus%o querer que haja uabalho analitico ou mudancas sem resisténcias. Outra acepgdo de Resisténcia, vem da Biologia. A resisténcia é uma forga que defende o organismo de desgaste, de cansago, de fome, de doencas. Entio, o sentido de resisténcia af ligado, é o vigor com o que se tira o sentido de resisténcia, como sendo patolégico. Se vocé néo tiver resisténcia ao que vem, vocé est perdido. Quem quiser também, acabar com a resistncia do paciente, no sentido de vitalidade, vai destruf-lo em vigor e autonomia. Todo ser humano, tem caracteristicas semelhantes as de uma nacéo. Entéo, tem uma autonomia ¢ tem resisténcias. Seria uma idiotice, por exemplo, e até possivel, digo, impossivel, estruturar um pafs sem exército, sem lidar com fronteiras, sem lidar com questdes de seguranca. Com o ser humano, é a mesma coisa. Resisténcias sao defesas. Queremos dizer que resisténcias, também tem a ver com defesas. Nao pensar que resisténcia tem a ver unicamente com patologia. Tem a ver com defesas, Defesa de territério. Freud chama atengio disso fazendo uma conexio entre narcisismo ¢ defesas. A maior parte das defesas tem a ver com o defender o qué ? Defender o self de anguistias, e As vezes de angiistias intoleraveis. Uma outra forma de resisténcia é a ligada as questies de Aerodinamica. Quando eu vinha vindo agora, de aviéio, de So Paulo para Ribeiro Preto eu pensava: “se eu nfo tivesse a resisténcia do ar, os avides nao se manteriam em v6o. Em Psicandlise é a mesma coisa, precisa haver resisténcia porque é também uma maneira de a gente mapear a sensibilidade de um parceiro com quem a gente estd. E vice-versa. Isso vale para andlise e vale para outras situagdes na vida. Se néo houver tesisténcia, 0 avido no se sustenta; o péssaro ndo voa. E preciso saber lidar com a resisténcia. Com isso, quero dizer que, resisténcia pode ser um fator que favorece movimento. Essa é a tradigéo de Freud: lidar com os fatores que de inicio parecem oposicéo, e aquilo poderd servir para um desenvolvimento da parceria. Em Artes Marciais, também se fala de resisténcias. E nessas Artes, se aproveita a resisténcia do adversério para tentar controllo. Em andlise, hé momentos que € um corpo a corpo. As vezes pode lembrar a luta de Jud6, “Tai-chi- chuan”, e depende as vezes com armas, as vezes sem armas, 4s vezes armas declaradas, as vezes armas nao declaradas, no é mesmo ? Na questo de Artes Marciais, pensando em resisténcias, podemos lembrar hoje em dia: a) em estruturas narefsicas; b) em pacientes com miicleos autistas; c) as vezes nés mesmos, Os analistas, evitando entrar em determinadas situagSes, com medio de desfazer certas estruturas muito rigidas em nés mesmos. O proceso analitico nao termina quando a gente termina a andlise, porque a rigor, 0 processo analitico ndo tem término. A maioria de nés continua trabalhando com os pacientes, porque é uma forma de continuar a aprender de experiéncia emocional, ndo é isso ? Eu estava brincando na hora do café, com um colega que falava assim : “Vocé é um mito!” “Mito é a mae”, eu falei. “Mito é Analista...” Porque se o sujeito acha que ele jd € Analista, ele nao pode aprender mais nada. # como uma mae que diz : “Eu JA sou Mae”. “Vocé jé é mae”, Claro que vocé é mie. Desde que vocé tem um feto na barriga e um bebé, vocé jd é mie ! Agora, eu quero ver vocé continuar a querer ser mae de um bebezinho, depois de uma menininha, depois de uma adolescente, depois de uma mulher, depois de um homem, af, voc8 vai continuar sempre tentando vir-a-ser-mae. Analista também, pode ter titulos : de didata, etc, ete. Acaba a sesso, nés vamos ver se vocé vai continuar ser analista ou tentar ser analista, de quem ? Daquele pessoa, senio Yocé fica amarrando seu burro na sombra da sua fama e dos seus titulos, e isso, pode acontecer com qualquer um de nés. As tentagdes so muito grandes para a gente virar burocrata, n&o € isso ? Os Pais, também sao assim, Maridos também séio assim. Ah! Vocé 44 € Marido ? Vocé jé € Esposa ? Nao precisa estudar, aprender mais nada, j4 tenho titulo; $6 titulo de Marido ou de Esposa, 6 titulo, ... e tera um belo par de chifres na cabeca... (Risos). Porque hé resisténcias as mudangas em todos nés, no quotidiano. £ preciso a gente se atualizar, a ter humildade para continuar a querer aprender de experiéncia emocional. Nés temos todas as resisténcias em todos nés, para nos paralisarmos e nos transformarmos em imimias, com um monte de titulos e um monte de condecoragdes. Essas so as ciladas narcisicas para todos nds, em diferentes contextos. Outra questo ligada A resisténcia (ainda no campo das Interdisciplinas) : 6 em Hletricidade, quando a gente passa ou vé passar uma corrente elétrica por um fio metdlico : uma das formas em que a resisténcia se manifesta, é através de emissio, dependendo do material, de calor e Juz. Isso é & custa de resisténcia, ndo € ? Tanto que isso vai ser usado para esquentar café, 4gua, tomar um bom chuveiro, com gua quente, morninha, ou para haver emissdo de luz. Em andlise, até certo ponto, a gente pode pensar em funcdes da resisténcia ligadas &s questées de calor e de luz. “E alguns momentos da andlise, hd mais calor e atrito do que luz. Em outros momentos, ha mais luz. Tem algumas andlises que caminham mais no campo da luz, outras que caminham mais no campo dos atritos e dos calores, As vezes excessivos. Isso também tem a ver com resisténcias. Nos analistas, somos psicossomdticos. Nés no somos anjinhos nem do bem, nem do mal. Os nossos analisandos também so seres humanos, de came ossos alma, Entéo, sempre haverd quest6es de resisténcias. Eu estava conversando com o Cesério antes de vir para cd, e ele estava me lembrando de algumas questées de um filme recente chamado “O Leopardo”. Hum filme sobre a Sicilia, que mostra questées de resisténcia em telag&o aos invasores e dominadores franceses. H4 movimentos de resisténcia, que so movimentos de oposicéo em relaco a forcas opressoras. Na propria 2* Guerra Mundial, havia forcas de resisténcias dos franceses contra os nazistas. EntZo, isso é para a gente ficar atento para modelos desse tema sobre o geral nés estamos conversando aqui, sobre as . Quando duas pessoas esto numa mesma sala, ou quando hé mais de duas pessoas, (E Bion fala isso em : “Como tirar proveito de um mau negécio” ) entre esas, pessoas desencadeia-se uma corrente de luta no nivel de quem é que domina e quem é que vai ser dominado. Entéo, existem resisténcias! Em toda relagéo humana, existem questées dessa natureza. A diferenca é que em andlise, a gente conta com equiparamento de “setting” e microscopia para estudar essa e elucidar os componentes afetivos implicados. Nos movimentos de resisténcia de natureza politica, a gente pode encontrar desde movimentos de resisténcia mais tedrica, que séo relativamente civilizados, até movimentos de guerrilhas, ameacas de seqiiestros, terrorismo, etc. Tem pacientes que podem comecar, em funcdo da din4mica de drea parandide, a ameagar voce, ameacar sua mulher, ameacar os seus filhos, etc. Isso tem a ver com esse tema ‘Resisténcias” e Intimidacdes. Finalmente, ligado a esse campo de Resisténcias, na Medicina ha uum setor que trata s6 do campo de resisténcias, a Imunologia: as vacinas, os soros, que so produzidos &s custas das resisténcias. Andlise também funciona muito por af, por vezes homeopaticamente ou nio. As vezes, existe necessidades de a gente renovar 0 campo ¢ 0 arsenal daquilo que a gente est utilizando. Nés sabemos pelo estudo de Biologia, que as bactérias, os parasitas, se acostumam com os antibidticos e podem aparecer depois, por isso, super-infeccbes hospitalares, resisténcias méximas. Na Agricultura : insetos e pragas que eram exterminados com DDT podem desenvolver resisténcias e daf a pouco, os insetos e as pragas comem o DDT, incluindo-o como alimento em seu metabolismo. Tem algumas interpretacdes analiticas, que se a gente no tomar cuidado, com 0 que se esté falando, vai acontecer isso af. Bion diz que as melhores interpretacdes dos melhores analistas, com o tempo, se transformam nas associagées livres dos analisandos. (Risos) As melhores e as piores... (Risos) so usadas como resisténcias ! Ligados ao tema das resisténcias, ainda em Imunologia, vocés vao ter ainda as questdes dos Antigenos e dos Anticorpos. Isso é bom pata usar como modelo de compatibilidade e intrusividade. Antigamente, se falava em incompatibilidade conjugal. As vezes existe incompatibilidade de certas 4reas, de certas situagdes em andlise, ndo é ? Freud jé chamava a atengio, para situagdes nao elaboradas nos analistas, falando da necessidade de o analista de fazer Ré-andlise. Mas, também, o analista vai ficar em andlise 400 anos, nem se vive isso, nao é ? Tem-se que ficar atento a essas questdes, desenvolvendo instrumentos e bons hébitos mentais além da andlise pessoal. Sdo questdes de habitos mentais. Tudo isso, esté ligado a questiio de “resisténcias”. Até aqui se apresenta a introducéio ao tema. A medida que o método psicanalitico visa a sondar o inconsciente (essa é a fungao da psicandlise) para objetivar a ampliacdo e desenvolvimento mental do par analitico. Andlise € para se aprender com experiéneia emocional na dupla. Nao é para um s6, no, é para os dois. £ ‘como casamento, é para os dois. Deve-se cogitar como resisténcia, a tudo aquilo que se opée a essas mudangas em fungao de caracteristicas e de limitages de quem ? Da personalidade do analisando, da personalidade do analista e das limitagSes do método psicanalitico. Porque o método psicanalitico, também, (se a gente nfo for fandtico) ele tem limitacées, tanto que, nés temos que estar atento ao qué ? Aos instrumentos que estamos usando; referenciais teéricos e termos capacidade de observacao analitica face ao trabalho clinico. H4 um livro que eu ganhei recentemente de presente chamado “A morte de Napoleao”, escrito por Simon Leys (Cia das Letras - Sao Paulo 1993) . £ uma fico que um sujeito fez sobre Napoledo. No perfodo ele diz que supostamente o Napoledio, verdadeiro, conseguiu escapar da ilha de Santa Helena. Nessa ilha cles introduziram um s6sia dele e, 0 Napoleao verdadeiro ficou meio perdido pela Europa, tentando se reunir com antigos oficiais do exército, que estavam espalhados em alguns lugares, disfargados, como em Paris. # um livro muito bonito para se ler, e é uma “nova vacina” contra a megalomania para todos nés. # uma ficgHo bem escrita, Porque nés, analistas, de um certo lado, somos presungosos pra valer, nao ¢ isso ? Trata-se de busca enio de conquista do desconhecido, como distinguir presuncdo de ousadia ? O prefacio desse livro contém uma ep(grafé escrita por Paul Valery, extraido de “Mauvaises Pensees” Et Autres, do qual vou ler um trecho : “(...) £ uma pena ver uma grande cabeca como Napoledo e dedicar-se as coisas insignificantes, como séo os Impérios, os acontecimentos, 0 troar dos canhées e das vozes, e acreditar na gléria, na posteridade, em César — ocupar-se das massas que se agitam e da superficie dos poves... Ele no sentia, afinal, que se tratava de uma Outra Coisa ?” ‘Vou passar a fazer agora, a leitura de algumas idéias e anotagées extrafdas e baseadas de trés textos: 1) um dos textos é aquele que foi indicado como leitura prévia a esse encontro, que é um texto de 1925 de Freud : “Resisténcias & Psicandlise”. Os outros dois textos, tratam também de resisténcias e sio : 2) “Dificuldades no caminho da Psicandlise”, que é um texto de Freud de 1917 e 3) um texto do Bion que esta em “Cogitations” de 1992, aonde ele com detalhes estuda as diferencas que existem entre as resisténcias nas nossas areas neuréticas e psicéticas (pg. 37 ; 25/julho/1959). Nao sei se vocés chegaram a ver esse trabalho de Bion, que é um conjunto magnifico de anotagdes que a mulher de Bion recolheu ao longo de mais ou menos 30 anos através de anotacdes que Bion deixou em cadernos e que depois, ela selecionou e publicou postumamente (1992). Af entio, tem-se a oportunidade de acompanhar ao vivo a génese de algumas das idéias que depois foram transformar-se em textos, em livros. Esse livro, eu recomendaria, para se estudar a maneira diferente como aparece resisténcia na vibracdo da personalidade neurdtica e na vibragao da personalidade psicética. Algumas indagagdes que a gente pode fazer, agora, voltadas para a experiéacia de resisténcia em psicandlise. Ao que é que se resiste? Hé resisténcias da cupla psicanalitica 4 emergéncia de fendmenos da posi¢ao esquizo-parandide; pode haver resisténcias 4 emergéncia de questées de posig&do depressiva. As vezes, vocé vai notar que para questées esquizo-parandides, nfo ha resisténcias; as vezes, € a0 contrério, pode haver uma resisténcia quase que 86 se intensifica para questdes de posigdo depressiva. Enquanto vocé est transitando em uma direcéo ou em outra direcao vocé nao encontra resistencias, f para a gente ficar atento, porque a resisténcia nao é uma coisa fixa : ha oscilagSes que estéo acontecendo da mesma relacdo analitica. Se a gente tomar como ponto de referéncia “posicBes”, vocé vai verificar quando aparece resisténcia e em direcdo ao qué? Pode-se imaginar que a resisténcia vai ser universal a tudo que acontece em andlise. B isso que vai entreter alguns conluios em andlise, onde ocorre entéo resisténcia & oscilagio das posicdes. Pode haver resisténcias & presenca do analista. Pode haver resistencias do analista & presenga fisica do paciente. Pode haver resisténcias & possibilidade de surgir uma interpretacdo. Isso ¢ interessante para a gente ter uma gama ou espectro de questies e, nao achar que a resisténcia é um fator singular ¢ isolado. Resisténcia, a gente poderia colocar como uma configurago psicodinamica que contém varios fatores. Isso terd que ser pesquisado a cada sessiio. 1)- Esse trabalho de Freud de 1925, foi escrito para “La Revue Juive”, de Genebra, na Suica por solicitacdo de um editor chamado Albert Cohen, em 1924. A metodologia dessas anotacdes consistiu no seguinte : eu lio texto e A medida que foram surgindo algumas questdes, em mim, de ressondncias ligadas ao texto, eu fiz essas anotagdes que vou passar a ler e, vou fazer o mesmo em seguida, com relaco ao outro texto de Freud (1917) e 0 mesmo com relagdo ao texto de Bion em relacdo a essa questo de resisténcias na drea neurética e na drea psicética da mente. Existem resistncias que s6 se manifestam em diregdo aquilo que nenhum dos dois conhece, uma vez. que o vinculo do Conhecimento deva estar dirigido para aquilo que ndo se conhece. Resisténcia no aparece em diregdo Aquilo que jé se falou ou que jé se interpretou. Bion chama ateng&o para que o analista deva tentar manter a direco do conhecimento em busca de “O°, do infinito, que é inalcansdvel. Espera-se que 0 analisando também esteja ali presente, em certo nivel para isso mesmo. Nao € para chover no molhado. Nés somos treinados para lidar continuamente com 0 qué ? Aonde é que estd a angiistia ? Nao é isso ? Ficamos pior que céo de caca, néo é 7 Temos é que nos haver com a resisténcia, no é isso ? Quer dizer que num nivel, vocé estard aflito, pois vocé est4 com uma proposta que é sempre subversiva para 0 paciente e ele aflito com vocé também; nao estamos ali para “brinear em servico”. Queremos dizer que esta atitude do analista tem a ver com qué? Com uma capacidade de observago muito apurada, com uma capacidade de abrigar incertezas, com uma capacidade de manter essa condicéo junto ao analisando : para ir na direcdo do que ndo se conhece, ndo é? Quer dizer que, as vezes, é necessdrio resistir ao que jd se conhece. Uma boa parte da proposta de Bion, a respeito de “Meméria e Desejo” e de disciplina, tem a ver com isso. O analista deve resistir as “memérias”, deve resistir a certos desejos, sendo, no vai haver andlise. Pode ocorrer outra coisa, que pode ser “gostosa”, “gratificante”, mas no vai haver andlise! Isso é importante para nés, analistas, com relagio a como se manter “a forma psicanalitica”. Ha muitas tentagSes e convites para o analista perder a forma analftica, (no é s6 a forma fisica que a gente pode perder), nao ¢ isso? As vezes vocé perde fungio analitica numa sesso, em duas sessdes, as vezes num perfodo analitico com uma pessoa. Ai se vocé tiver capacidade de critica, vocé recupera a sintonia analitica. Porém, se isso passa a ser uma constante e com diversos analisandos, talvez. vocé devesse comegar a pensar : sera que no estd na hora de colocar as costinhas num diva? Se vocé perde a funcdo analitica com o paciente A, com B, com C, com D, os escapes contratransferénciais se ampliam. Vai ver, esté na hora de comecar a deitar novamente num diva! Plagiando um pouquinho Guimaraes Rosa, digo o seguinte : a nossa vida mental (mental quer dizer psicossomatica) é feito um sertao : é desbravado, implanta-se uma fazenda, com laranjas, gado, netinhos, piscina, casa, mas, se nfo se tomar cuidado, o sert4o vem de novo e invade, por baixo, pelos lados, para arrasar tudo de novo. As pragas, como maus hébitos mentais, voltam a se instalar com muita facilidade. # por isso, que uma boa parte de nés, para manter forma analftica, continuamos trabalhando em anilise, necessitamos escrever, estudar e conversar entre nossos pares, querendo ouvir e também trocar idéias, para o qué? Para manter forma fisica, os médicos nos mandam andar pelo menos 4 Km por dia, no é? Os analistas fazem higiene psicossomatica aonde, heim? Deviam fazer gindstica mais vezes por dia, porque, o que tem de analista torto af, heim, nao €? O corpo no foi feito sé para ficar sentado na poltrona. Tem que andar, nadar, passear com a netinha. (Risos) “Nao s6 de psicandlise vive 0 homem e nem a mulher. Ao se tornar fandtico de psicandlise, fica-se bobéio”. Tem gente que sé fala de Psicandlise, se droga com psicandlise. Nao é s6 cocaina que é droga nao. Psicandlise pode ser droga também, ndo 6? (Risos). Este é 0 uso perverso da Psicandlise. Andlise é um instrumento preciso e precioso para microscopia, sendo que por enquanto, é o tinico instrumento microse6pico que existe para lidar com questdes de vinculos emocionais significativos e, se a gente no tomar cuidado com isso, a psicandlise vira arma que vai para o limbo, porque nio vai servir para mais nada e vai ser feito anjinho ou criancinha que nao conseguiu vir A vida e amadurecer. Questo importante ¢ a das resisténcias que agem contra nés mesmos, os analistas; surge a busca de se criar bAbitos mentais, para a manutengéo da capacidade de amadurecimento. Agora, para ter capacidade de amadurecimento é preciso ter humildade de reconhecer onde é que no se esté maduro. ‘Mas, é s6 na sala de andlise ? Se for assim faz-se um “splitting” ¢, entéo na sala de andlise é investigador, disponivel, e fora nfo : “Jd € 0 tal, 00°!” “Vir a ser analista” — 6 gostosinho de ler, ndo é ? Essa é uma questo continua. As vezes se passa como um cego ou um surdo, duas, trés, quatro semanas sem perceber isso, até vocé levar um choque ¢ realizar insight a respeito de escotomagao de base narcisica. A analisanda a dizer : “Nao sou analista”. E o analista : “Bu é que sou o Analista ! Eu sou Analista”. Entio, se eu no violentar a pessoa que me estd dizendo que para vir a ser analista tem que se saber que ainda nfo se é analista ¢ que sé se vai poder ser analista no aprender vivencial com determinado paciente na sesso. Vamos ter que aprender a nos despojar de que j4 somos Analista ; porque, quem 4d € definitivamente analista, devia ir para 0 Museu. Entao eu jé devia estar pendurado num museu, empalhado como arrogante e jé “pronto”. Ribeiro Preto caminha na direco de institucionalizacéo e autonomia cada vez mais fortes. Assim sendo, os analistas de Ribeiro Preto, como os de Sto Paulo, de Londres, da Suécia, iremos sofrer cada vez mais problemas de responsabilidade e press6es ligados de um lado & prdpria instituicao e comunidade a que se pertence, e de outro lado, a forcas de conformismo, desvitalizacio. Quer dizer que vao existir tentacSes cada vez mais complexas, principalmente para-os psicanalistas mais competentes e que mais se destacam, e so reconhecidos, para se tomarem burocratas. Bion dizia algo do seguinte teor : se vocé quiser destruir um analista ou um bom investigador, d&-lhe cargos e bastante condecoracées. Mas isso néo significa ter medo ou inibigdo de exercer cargos e funcdes de importdncia, pois ha pessoas que, por inibicdo e resisténcia, se ocultam em suas tocas, alienados ou criticos omissos. Aqui esto em jogo as capacidades de exercer lideranca e servir a comunidade de que se faz parte. Nao se trata de fugas fobicas ligadas a poder, dinheiro, prestigio, etc. uma iluséo que a pessoa s6 vai amadurecer como psicanalista, Essa so questdes que também é gostoso de ler nos livros : 6 “ato de f€”, de experiéncia emocional. Vocé vai aprender agora, vocé poder aprender dai a 3, 4, 5 ow 10 anos, nio sei; e af a pessoa néo est mais com vocé. E af? Ent&o, se a gente for pensar com bastante amplitude, a Psicandlise est4 continuamente ferindo o narcisismo de todos nés. Entéo ¢ inevitdvel que vd existir ddio 4 Psicandlise. Por parte de quem? De quem pratica a Psicandlise. Entdo as maiores resisténcias A Psicandlise, nao esto apenas por parte de quem néo est4 no campo; so por parte de nds que estamos no campo. Nao é assim? Também nao é para ficar falando : - Ai, que horror! Tem analista que odeia a Psicandlise. Tem padres que odeiam Deus, a religiéo, querem acabar com a Igreja. Entfio, no meio de casados, ndo véem a hora que acabe com esse casamento. Ai, que édio que eu tenho daquela mulher! (Risos). Entéo, porque se eu nfo estiver disponfvel para aprender a realizar 0 meu édio em relagéo a outra pessoa — que € indispensdvel para eu poder ser uma pessoa casada ~, eu nunca vou poder realmente amar essa pessoa. Tem gente que quer primeiro realizar o amor pela psicandlise, 0 amor Por aquela mulher! Eu sou totalmente contra isso. Primeiro, vou realizar minha raiva que eu tenho dela, a vontade que eu tenho de matar aquela desgracada, porque ai, eu Posso realizar o amor que eu sinto. Por que é que eu no a mato e por que é que ela nao me mata? Nao é? Endo o contririo. Porque sendo, a gente comeca a ficar escandaloso quando ama. Nao ficar escandaloso e falar assim : ~ “tentou me bater”. Ainda bem! E foi uma vez 86 na vida! (Risos). Sou irresistfvel, quase! Uma ver, eu estava falando com uma pessoa em andlise, e falei assim : -’Vocé nunca tentou bater no seu. marido?” Porque ela estava me enchendo... ~"Eu ndo!” “Por que nfo?” "Porque ett estou conhecendo a espécime que nunca tentou bater no marido!” “Surpresa ! Nunca bateu nele! Ele é intocdvel em todos os sentidos!” Porque se ndo souber bater, néo saberd acariciar! (Risos) Resistel Nao toca! Tem medo de matar... vai ter medo de acariciar! Senio, ficam os dois dormindo um de “bunda” para o outro, Em andlise, também, niio é para ser genital? Modelo de cépula? Fica-se com toda a pré-genitalidade amarrada, nlio @ Bonde é que vai parar a anélise, a sexualidade? Nao estou falando sé de corpo! Podem pensar que sou perverso, mas néo tanto! Também ninguém aqui é anjo! Estou falando com analistas, que lidamos profundamente com isso, no dia-a-dia. 2)- Bom, apenas mais algumas anotagdes que sio ligadas, mais a0 outro artigo do Freud que é “Uma dificuldade no caminho da Psicandlise’, é um trabalho de 1.917. A parte inicial do artigo é um pequeno sumario “Sobre 0 Narcisismo” (1.914). Nesse artigo de 1.917, ligado a esse tema que estamos conversando, Freud usa, novamente aquilo que ele descreveu na Conferéncia n° 18, de 1.917, sobre as ués feridas do narcisismo humano, em que ele apanha o modelo de Darwin, o modelo de Copémico eo modelo da Psicandlise. As feridas do narcisismo : nés no somos 0 centro do Universo, nés néo somos as criaturas que Deus privilegiou separada das origens do reino das plantas e dos animais, e nés somos néo-inteiros ou divididos por natureza, uma vez que a gente nunca chega a integracdo total e a conhecer totalmente o que é 0 nosso Inconsciente. Essa é a ferida narcfsica principal do instrumento analitico, também, para os psicanalistas. Esse trabalho de Freud (de 1917) chama a atengdo para algumas questées em andlise e eu vou ler algumas coisas que esto ali. Freud diz que : “Onde falta simpatia e compreenséo, ou melhor, aonde falta simpatia ou empatia, vocé néo pode ter compreensdio para outra pessoa.” E mesmo para a pessoa mais hostil com voce, (em ser estdpido ou perverso no sentido de oferecer masoquisticamente a cara para receber uma pancada da pessoa com quem vocé quer trabalhar). Se vocé néo tiver uma condig&o de empatia, vocé nfo vai poder realizar um trabalho de compreensio. E claro que a pessoa pode dizer assim : “Mas se é uma crianca, e ela tenta te dar uns pontapés, eu tento separé-la. E se for adulto, e quer Ihe dar uns pontapés nas canelas, o que é que © adulto vai fazer, heim ? Se for crianga ela vai tentar arrebentar a janela do teu consultdrio, quebrar os teus dculos.... Se for um candidato da sociedade, bem comportado, ou um analista de fama deitado no seu diva, que seré que ele vai fazer para expressar a drea psicdtica ? Como vocé acha que vai ser, ou vocé espera que isso no acontega na sua sala ? Vocé est preparado para isso, em nfvel de empatia ”” Uma outra chamada que Freud dA nesse artigo, & a respeito de quando existe uma perda de nogio de pertinéncia, quando o psicanalista fica achando que ele pode tudo, sabe tudo, e pode dar solucdo para tudo. Vocé imagina o seguinte (um pouco baseado num semindrio clinico de Bion lé em Buenos Aires) um paciente t iilcera duodenal. le vem para uma andlise com uma recomendacio de um gastroenterologista, de que ele tem uma iilcera duodenal e que o problema dele & emocional. Ele vai comegar uma anélise e embora tenha sido encaminhado por um gastroenterologista, é funco do analista investigar se essa pessoa faz “dieta”, ou se ndo faz “dieta”, ou se a pessoa espera que com anilise, tudo se resolva. Que a pessoa pode comer pimenta e caruru, 4 vontade, que nao tem problema nenhum, porque est4 com uma anéllise, nfo ¢? Entio a andlise deveria fazer 0 equivalente da dieta. No tempo que eu trabalhava em Medicina na Santa Casa, em Cirurgia, tinha um colega meu que tinha uma tilcera duodenal e ele estava bravo, primeiro porque tinha ilcera, segundo porque a tilcera aparecia quando ele menos esperava. EntAo, ele ia fazer uma cirurgia um dia, e a tilcera estava “picando” ele. Hle conversava com a tileera (Era um tipo engragado !) : “Fica af, pode ficar af, depois da operagdo eu vou comer e vou jogar pimenta em vocé”. (Risos). “E vou te liquidar! Antes que vocé acabe comigo. Vou jogar pimenta e umas pingas em vocé”. (Risos). Estou falando isso, porque analista acha que é ao contrério: estd em andlise , e a andlise esta tudo bem, entdo, nao precisa ter restrigdo absolutamente de nada. Basta ter disciplina e ir ali conversar algumas vezes por semana, e a tilcera est ali, abrindo...ndo é? E a questdo de quando a gente é tentado por questo de arrogancia ou de onipoténcia. E nesse sentido que estou entrando um pouco na questo de resisténcias. Sao questdes que podem tirar o analista da sua fungéo 3. Bion, no trabalho “Cogitations”, que eu citei no inicio da palestra, destaca a diferenciagio de resisténcia na 4rea neurética e na drea psicética. Hle diz umas coisas curiosas para a gente pensar: a) quando a gente faz um ato criativo, que pode ser um ato analitico, pode ser a geracdo de um filho, pode ser a escrita de um trabalho, e para nés aqui pode ser esse encontro; para Ribeirdo, pode ser a consolidagéo ea expansdo da Instituicdo Psicanalitica em Ribeiro. Bion dé a seguinte chamada : “Um. ato criativo 6 sentido como sendo sinal para descoberta de tarefas de reparacéo futuras e maiores. (E para a gente nio ficar sé satisfeito). E muito freqiiente em andlise, observar-se 0 seguinte : Existe uma sesso forte, criativa e na sessio seguinte, as vezes 6 o analista e as vezes é o analisando, que ficam dizendo que esto “cansados”. Vocé ja ouviu gente falar assim ? “Estou cansado !” Porque ? Porque a pessoa vai tendo a percepcaio de que junto A satisfacio do ato criativo daquilo que é desenvolvido, aparece uma abertura de consciéncia que vai requerer mais tarefas : TA certo ? Mais trabalho. E como quando um casal resolve gerar um bebé. Af aparece o bebé. Daf, ha célicas de bebé, fraldinhas de bebé, tem risadinhas de bebé; tem vové que pega o bebé e passeia com o bebé. Mas, vem mais trabalhos, mais trabalhos. Em drea de que natureza ? De posicdo depressiva — espera-se ! Todo ato criativo vem acompanhado de uma sensagéo de satisfacdo e de abertura de campo, para novas tarefas e novas fungbes. b) Segunda coisa, cada vez. que vem um ato criativo, é como que em algum nfvel da nossa mente, ou da mente da parceria, ou da mente da Instituicdo, emerge um superego primitivo para aniquilar o bebé ou que esté sendo gerado, ou que jé nasceu. Isso tudo tem a ver com questées de resisi@ncia e de a gente ficar com “antenas” ligadas ~ sem ficar parandico. Antenas ligadas, quer dizer prudéncia, nao é ? Sem parandia demencial e com prudéncia, isto é estado de atencdo e prontidao. Freud fala muito do estado de atencdo flutuante. Flutuante, nfo quer dizer flutuar..., € ndo perder o senso de observacéo; no ficando s6 satisfeito, feito um bobio inchado. “Como eu sou grande !” “Como a Psicandlise 6 grande !” Agora somos todos grandes | Jé teve um que se foi Id pro espago aqui no pais. Foi inchando.... Nés estamos aqui. (Risos) Uma boa maneira de acabar com poténcia de qualquer pessoa e de qualquer grupo, é a mania e a vaidade de achar que no haverd mais resisténcia, n4o haver4 oposicao. “Bastava encontrar um analista adequado, e daf por diante, nés seremos felizes para sempre, sem resisténcias...” Suave é a noite ! c) Bion chama atengdo nesse trabalho, para as questées de resisténcia mais presentes na drea psicética. Entéio, quando estava lidando com essas questées de resisténcias, quando ele fala da grade, ele diz assim : que as resisténcias na drea psicética, néo tem como um modelo 0 confronto de Edipo versus Laios, mas sim 0 confronto de Edipo com a Esfinge, é 0 confronto de Edipo com Tirésias. Tirésias é um adivinho, cego, sabe tudo, jé foi homem e jé foi mulher. Os analistas precisamos saber do prdprio “Tirésias”. Nunca foram tentados para ser Tirésias ? Nao conhecem os “Tirésias” dos outros ? Conhecem bem a sua “Esfinge” ? Quando voc8 conhece a sua Esfinge e vé a outra Esfinge, talvez nao vai se propor a : “Vou decifrar a Esfinge !” Apresente ao Hdipo da outra pessoa as facetas da Esfinge que a mesma pessoa contém. ‘Vo haver momentos de uma andlise, para ndo ficar uma coisa muito idealizada, quando a pessoa estd muito brava, e quer lhe estrangular, pode haver momentos em que vocé precisa mostrar também que vocé contém também sua Esfinge. Nao é sé ser treinado para ser “bonzinho” ou “boazinha”. Precisa conhecer a Esfinge. Nao é estrangular o analisando, mas, também, nfo é se deixar estrangular, nao. Vocés néo fazem assim, com. 05 filhos de vocés ? Aqueles “anjinhos” que vocés tem em casa ? A gente tem as vezes resisténcias, ndo é que a gente vai ficar analisando os netos, os filhos, e perceber que cles tem também, uma Esfinge... “Mas, os meus netinhos, os meus filhinhos tem também, uma “figura combinada” ? Eles nunca viram a gente no quarto... Sera que é preciso ver os pais no quarto, para conter figura combinada ? A Psicose parece as vezes estar solta ! Tem Psicose af, as custas de ideologias supostamente “psicanaliticas” de liberacdo ingénua quando por exemplo, os pais tem que andar sem roupas para os filhinhos néo se reprimirem. Uma parte dessa questéo da Esfinge vai acabar entrando na paralisagéo da oscilagio das posicées, principalmente se nés analistas, néo conseguirmos em certos momentos cruciais de andlise, agiientarmos que o analisando deposite a Esfinge no analista. Quer dizer que se espera que vocé com sua andlise pessoal conheca relativamente bem as suas facetas enigmaticas, de estrangulador dos jovens curiosos. Para terminar essa parte inicial, vou ler uma poesia, que um amigo meu de Campinas, que fez supervistio comigo, me deu. # uma tradugao do Guilherme de Almeida de uma poesia de um autor Inglés ignorado, chamada assim : “Nao se incomode !” HA duas coisas s6 que podem incomodar : ou vocé ser bem sucedido, ou vocé ser mal sucedido. Se vocé for bem sucedido, nfo hé motivo algum para incomodar, (a gente nfo concorda ) ; se voeé for mal sucedido, de duas, uma : ou voc8 conserva sua satide, ou voce fica doente ( de raiva, citimes, ete. ), Se vocé conserva sua satide, nfo h4 motivo algum para se incomodar. Se vocé ficar doente, de duas, uma : ou vocé sara ou vocé morre. Se vocé sarar, no h4 motivo algum para vocé se incomodar. Se vocé morrer, de duas uma : ou voe8 vai para o céu, ou vocé vai para o inferno. Se vocé for para o céu, ndo hé motivo algum para se incomodar. ( Dizem que se os analistas forem para 0 céu, vo encontrar inimigos ld que nao imaginavam ). (Risos) Se vocé for para o inferno, vocé vai ficar cumprimentando tantos conhecidos, (Risos), que vocé nao terd tempo para se incomodar”. @ DEBATES ¢ Dr. Gilberto : Vamos dar prosseguimento & troca de idéias, e medida que os presentes quiserem trazer suas idéias, suas indagagées e apresenté-las, 0 microfone se acha A sua disposic#io. Vamos tentar nao s6 fazer perguntas, mas possibilitar fazer um debate sobre as idéias que forem surgindo. A pessoa que fizer uso do microfone, em primeiro lugar, se identifique e depois, fale sobre sua questo. Dra, Lenise Azoubel : Eu quero de inicio, parabenizar Sapienza. Eu acho que a conferéncia abriu um leque amplo, mostrando a Resisténcia da dupla analitica, Na medida que o Sapienza ia falando, uma série de associacdes livres me apareciam e eu acho que tem a ver com o contetido da palestra. Trata-se de duas experiéncias minhas pessoais que eu quero colocar aqui e conversar um pouco. Trata-se do seguinte : hd muitos anos atrés, eu tive um analisando que esteve comigo, durante 9 anos. Ao cabo de 9 anos, nés dois, resolvemos a situagio do desligamento. O que me surpreendeu nessa proposta, sobretudo algumas semanas antes dele se desligar, eu comecei a ter “flashes” de lutos meus, pessoais. Eu via cenas do luto do meu pai, eu via cenas do luto do meu inmio, que para mim ew havia perdido em dois dias e meio. E eu ‘me surpreendi muito, porque o papai e o meu irméo, haviam falecido jé hé alguns anos, 10 a sumpresa para mim foi grande porque eu achava que esses lutos tinham sido amplamente elaborados pela minha pessoa. Foi entfo, que eu me dei conta, de que quando a gente 1é em Psicandlise sobre a dupla Analista-Analisando, que o Sapienza enfocou téo bem, é que eu vivi emocionalmente essa situagio. Quer dizer, eu estva vivendo emocionalmente, também, a separacio do meu analista. Até que eu me dei conta da natureza do vinculo, e de que o Analista é um ser humano, e de que ele estd ali numa relacdo realmente humana com o seu analisando. A tendéncia do analista é colocar sempre a resisténcia no analisando; a transferéncia no analisando; o tempo de desligamento, no analisando, que vai tentando se desligar. HA poucos dias, eu estava escrevendo um caso clinico que nés tinhamos dado 9 meses para o desligamento, e eu como analista, também precisava desse tempo. Alguém que estava junto de mim, disse : —Mas isso é muito seu, no é ? Bem, acontece que essa foi a minha experiéncia; essa é minha experiéncia, e ela vai ser escrita como eu percebi. Agora eu ndo sei se esté nos livros ou onde quer que seja. Mas, nesse caso, eu precisei desse tempo, tanto quanto ele, Eu acho que é apenas um adendo ao que vocé falou. Dr. Sapienza : Agradeco suas palavras. Vocé é uma pessoa que ‘também cultiva essa qualidade de esséncia que nds, analistas, como pessoas, devemos cultivar, que & a questo da autenticidade. Eu acho que sem a gente cair em confissdes contra-transferéncias, os trabalhos nossos de escuta e de reflexo, devem tentar se dirigir cada vez mais na dire¢o do que acontece com os analistas, porque o que acontece com os analisandos, nés conversamos com facilidade. Quer dizer um dos pélos que € necessério a gente ter atengio é exatamente esse que hoje vocé focaliza. Eo que € que vocé focaliza ? Vou dar um viés de leitura do que eu aprendi do que vocé apresentou, HA uma reativagdo mo quotidiano de todos nds, de dreas de angiistia catastroficas. Na medida em que nds estamos permedveis a ir na direcdo dessa camada de mudancas catastroficas, de angistias catastroficas, que nao deixam de existir em nenhum de n6s, af, nds estamos preservando uma qualidade de natureza de vitalidade. Sem esse contato, nbs vamos “secar” como pessoas, néo ¢ s6 como analistas. Espera-se que numa andlise, essas camadas tenham sido, em parte, mapeadas, mas, no hd andlise que esgote esse mapeamento. Entéo, isso vai continuar a ser reativado e ha essa questo de disponibilidade para poder ir nesta direcdo. Entdo, por que ? Porque quando a gente pensa em transferéncia, se supée que o analisando faga uma depositagio via identificagéo projetiva, de camadas arcaicas, ligadas a objetos significativos tanto Paternos, quanto maternos, quanto filiais, quanto fraternais, etc. Da parte do analista, existem varios trabalhos nesse sentido, que mostram o que & que em certas camadas também areaicas, 0 analisando representa para o analista. EntZo véo ser reativadas qnestdes como essa, que vocé esté sinalizando, de elaboragao de fendmenos de luto. B uma oportunidade em que certas situacdes de configuragées arcaicas se reapresentam e isso pode aparecer através de sonhos, de devaneios e de diferentes outras maneiras. A pessoa, no caso, o analista, se dispor a poder elaborar isso. Eu penso que isso nao é contra-transferéncia, é uma reativacéo de camadas arcaicas da mente. Entéo, na medida em que hé essa permeabilidade, vdo passar a existir anguistias ligadas ao qué ? Quais so 0s recursos do ponto de vista de simbolizacto, do ponto de vista de linguagem para poder dar forma ao que se representa? E por isso que alguns de nés vamos nos apresentar no sentido de ter uma conversa como essa que estamos tendo aqui para lidar com essa complexidade que é a vida mental. H& quem diga que o trabalho cléssico de Freud “Luto e ‘Melancolia” deveria ter seu tftulo mudado, passando a se chamar “Luto ou Melancolia” — numa disposi¢ao de elaborar fendmenos dessa natureza, porque, na medida em que isso no elaborado, vao aparecer solugdes ou melancélicas, ou manfacas, ou somatizacoes graves. Agradeco, o depoimento assim bem vivo dessa questo de continuidade quando © analisando se vai; dessa atividade nossa inclusive quando 0 analisando se vai. So ul questées de natureza que devem nos interessar. Se a gente observar os ultimos congressos de Psicandlise, a directo em que os trabalhos vo, é exatamente em direcio do “funcionamento” do analista. Nos primeiros tempos, a tendéncia era examinar mais a questéo da transferéncia, da psicopatologia do analisando; nao que isso nao continue tendo importincia, porque o instrumento nosso de trabalho é sempre a nossa personalidade, e é com ela que a gente vai ter que se haver até o fim da vida, inclusive se a pessoa quiser deixar de ser analista, as fungdes psicanaliticas vio continuar a ocupar a ateng&o dessa pessoa, a ndo ser que a pessoa resolva um caminho mais rapido de cura total, que se chama suicidio. Dr. Gilberto: Vou dar oportunidade novamente para Lenize continuar esse debate. Dra. Lenize Azoubel: Vocé falou algo que eu achei muito importante, Vocé falou algo que me chamou a atengio que € 0 seguinte: quando 0 analisando se desenvolve, o desenvolvimento & da dupla, é de ambos. Eu acho isso tio interessante, porque isso € pouco pensado e eu fico pensando o seguinte: quando analisando tem uma percep¢do profunda do seu conflito ou de como lidar com sua inveja, en acho que nese encontro, nese momento, nessa realizacdo, o Psicanalista, também se desenvolve, porque 0 analista nao é desprovido de inveja, nao é desprovido de conflitos, por isso que acho que em certos momentos que acho, que hd certos momentos que isso pode acontecer. Eu achei muito importante vocé colocar isso. Dr. Sapienza: Vocé destaca a funcio desse fator que pode estar localizado no analista ou no analisando, e as vezes ndo esta localizada nem no analista, nem no analisando: é um “fator terrorifico” que pode aniquilar aquilo que os dois conseguiram desenvolver. Talvez por isso, em algumas andlises, mais do que em outras, hd necessidade que o analista esteja atento para néo ficar se alimentando de psicopatologias de analisandos e destacar, sem ser um fator de sedugéo ou de entretenimento, os talentos e a qualidade que aquele analisando tem, para ele poder cuidar da propria vida mental vida afora. As vezes, quando a gente pensa em modelos de relacao primitiva, as vezes a gente se esquece de que a funcio que existe na relacao primaria bebe-mée, e mée-bebe, implica em que o bebe vai desenvolver um continente interno também, e que é imprescindivel que isso seja levado em conta. Acontece que os analisandos, quando vem para nds e nds vamos em direcio ao analisando, j4 existiram n, n, m situagdes de encontros e de desencontros mas, a fungéo principal é de que, aquela pessoa vai ter que se haver com ela vida afora. Nao vai ficar vivendo com analista, interminavelmente, Entdo, ha uma importancia de se destacar esas qualidades, com a mesma lisura com que se destacam fatores destrutivos tipo inveja, arrogancia, voracidade, e destacar outras qualidades, como: amor, gratidéo, para que a pessoa possa levar adiante, a pardbola dos talentos. Vocés néo querem que eu conte agora, a parabola dos talentos? Vocés lembram da pardbola dos talentos? Nao lembram mais? Analista nao 1¢ mais Evangelho... Foi criado no Colégio Santa Marcelina, ficou com raiva das freiras, e néo 18 mais o Evangelho, ou entéo ficou com raiva dos padres... (Risos) Nao 1é... Bion cita a Torre de Babel... O Freud também era leitor de Biblia; agora, tem analista, que nao 1é mais Biblia... Vocés vo me poupar de contar a pardbola dos talentos... Eu vou resistir.. (Risos). Dr. Gumereindo: Eu sou psiquiatra e psicoterapéuta. Eu tenho ‘uma experiéncia de vida como cirurgitio. Nao sei quanto tempo o senhor foi cirurgio. Eu jé entendi bem que a mudanca da gente é muito dificil; 2 mudanca interna. Uma vez 12 eu disse isso num grupo de terapia, e fui expulso do grupo. O que eu quero saber é de como vocé conseguiu mudar de cirurgiéo para psicanalista? (Risos). Dr. Sapienza: Nao vou chegar a me deitar aqui, mas vou dizer alguma coisa. (Risos) Olha, vou contar primeiro uma historia: ha uns anos atrds, houve um Congresso Pré-didético Brasileiro, em Séo Paulo. E naquela época, se discutia entre 6s didatas, quais cram as qualificagSes minimas para que uma pessoa pudesse entrar em treinamento analitico. Eu estava destreinado nessa bendita fungdo, entio, ouvi, falei algumas coisas, mas, fiquei mais ouvindo algumas pessoas. Para minha swpresa, uma pessoa comegou a nos dizer o seguinte: “A fulano de tal, eu disse: vocé nfio pode ser analista!” Por que? Hla falow o seguinte: “Que analista no pode ter linguagem de agéo, tem que ter prevaléncia de linguagem de éxito e de pensamento verbal.” Isso nds estamos de acordo, nao é? E essa pessoa tem algumas caracteristicas curiosas: era um sujeito que gostava de esportes desde crianga, até gostava de jogar bola, gostava de gritar e gostava de nadar, atleta, gostava de se mexer, gostava de jogo de futebol... Além do mais, essa pessoa de aco, que era um cirurgifio, gostava de cortar as pessoas, cortar corpos, entrar nos corpos das pessoas, curioso, pessoa de aco, nfo é? Eu vou dar uma ica de quem era essa pessoa: (Risos) pessoa bem parada, bem “pensadora” e que confunde a meu ver, “acting-out” com “acdo”. Porque, pessoa de aco, todos nés precisamos ser. Porque a propria andlise, visa uma aco. f uma atividade, é uma aco, pretende ndo ser um “acting-out”, nem manipulacdo, mas é uma atividade de aco. Entéo, a idéia que essa pessoa me mobilizou foi a seguinte e que nao cheguei a falar naquela época: Curioso, se 0 Bion fosse para essa pessoa, 0 Bion no ia poder ser analista. Ele era bom jogador de futebol, treinava equipe de natagdo no tempo da Universidade, Era um “cortador’, foi cirurgiao, antes de ser psiquiatra, foi ver como era cirurgia. Ai, falei: “Ainda bem que o Bion ficou por ld!” (Risos) Se ele tivesse ido Id, néo ia poder ser analista. Entéo, voltando ainda para o seu aprofundamento de questdes: a gente tem que distinguir entéo, o que sto pensamentos que geram ago, ¢ 0 que séo pensamentos que ficam em nfvel de “pensamentos” e que a pessoa s6 fica pensando ¢, pensando... que a gente nao chama isso de pensamento, chama de “ruminagio obsessiva”. (Risos) Hé outra coisa: tem acdes que vem sem pensamentos, no campo da impulsividade mas, tem ages as vezes, que vém através de intuig&o. Isso no é facil também, de discriminar. Agora, poder ficar se libertando de preconceitos de Porque uma pessoa tem uma atividade em nivel, por exemplo, de politica, “Quem fica numa funco de exerc{cio de coordenacao de trabalho institucional, tem func de acio e tem que ter uma certa acessoria também, para nfo ficar s6 no nivel de ago. Terd de abrir um espaco para poder eserever e ter um espaco para poder pensar. Supde-se ento, que essa questio do cirurgido, agora vamos falar s6 do cirurgifio. Vamos dizer que et tenho um analisando que é cirurgido, ou que é uma emfermeira, ou que é um dentista ou que é um politico, Séo pessoas de aco e eu vou ter que discriminar junto com essa pessoa, quando a aco esté a servico de fantasias sAdicas, por exemplo, ¢ quando é uma acdo a servigo de reparago. Assim, eu espero caso venha a ter um problema cardfaco, que tenha solucdo cirurgica, que o Dr. Paulo venha abrir o meu peito, e que ele saiba abrir o meu peito de modo competente. Agora eu no vou ficar falando para ele: “Nao seja homem de aco, néo. Fique pensando.” E a minha artéria corondria estd entupida... aqui, ¢ eu fico lé! “Cuidado heim, Paulo, cuidado com seu bisturi” No, eu quero que ele seja um homem de aco. Assim também se eu estiver com um pneu furado no carro, eu quero que a pessoa que v4 trocar o pneu seja de acdo e de boa acdo. Porque as pessoas de aco tem que ser de aco, mesmo no quotidiano. A gente nao quer gente de competéncia ¢ aco? Quer? Analista de crianca ndo tem que ser de agdo também? A crianga As vezes, quase estd quase pulando pela janela da sala de andlise e voc? fala 0 qué? “Té querendo acabar com meu cartaz em Ribeirao?” (Risos) Tem que ser de aco, vai ld, e puxa a crianea. (Risos) Depois voc8 analisard, sendo vocé vai analisar cadéver. B (Risos) 0 paciente vem te meter a mao na cara e vocé faz 0 qué? Vocé nfo deve segurar © paciente? Heim? (Risos) Aprendeu, que é para ndo agir... é para néo agir! (Risos) Entéo, distinguir a ndo agéo quando ela é uma escolha ¢ no uma inibigao, ou masoquismo. Também analista nao é para ser capacho de pacientes. Concordam? Por que? Porque analista é s6 para ficar pensando, heim? S6 porque esté sendo pago? Entio, ajuntando um pouco o que o colega trouxe, com o que a Lenise jé destacou, é preciso ter uma certa liberdade de conversar com o analisando, como vocé conversa na sua sala com seu filho, com seu irmao, com sua mulher, sua filha € tentar manter uma qualidade de considerac&io mtitua. Saber também que vocé tem uma parte escondida ou um bisturi. O Freud dizia isso, nfo ? Que a lingua do analista é uum bisturl. Espera que vocé use ndo sadicamente, mas sabiamente... mas, ndo é para ficar lambendo s6 paciente, é necessério que saiba cortar adequadamente. Obrigado! Dra Maria Luisa: Antes de mais nada, eu queria agradecer. Eu achei de grande profundidade tudo que voc® falou e com muito humor. Dr. Sapienza: Sem humor a gente seca. (Risos) Dra, Maria Luisa: Eu queria ler o ‘ltimo pardgrafo que vocé pediu para a gente ler, e, que na verdade me fez. pensar... O texto é 0 seguinte, que eu ‘vou ler s6 0 final (Freud, 1.925): “Talvez sequer seja inteiramente um item do acaso, que o primeiro advogado da psicandlise fosse um Judeu. Professar crenca nessa nova teoria, exigia determinado grau de aptidio a aceitar uma situago de oposicio solitéria — situag&o com a qual ninguem esta mais familiarizado do judeu. Eu achei muito interessante que voc’ procurou mostrar na palestra sobre o fato de o analista nao ser uma pessoa completa, perfeita. O analista ser sempre uma pessoa em processo de transformagéo e de quase existir uma impossibilidade de ser um analista. Eu gostaria que vocé pudesse colocar um pouco mais essa situagio, porque uma coisa, é essa busca de autonomia, e o Freud buscou ¢ nos Iegou para posteridade, todo um tratado sem se deitar no diva. Ele préprio no se deitou no diva. E, quando fica uma certa reinvengao que a gente tem que fazer da Psicandlise, e como fica essa nossa conquista da autonomia e todas as dificuldades que vocé trouxe aqui, do Psicanalista resistir A prdpria Psicandlise. Eu gostaria de ouvir um aprofundamento desea situaco que eu acho muito complexa. Dr. Sapienza: Quero agradecer Maria Luiza pelo interesse e por sua insergdo ligada a esse texto, em que o Freud destaca: a)- uma condigéo de identidade analitica, e b)- uma questéo dentro da dindmica dele como judeu. As vezes é importante que a gente também se recoloque dentro das préprias raizes, como “caipira”, como brasileiro, como homem, como mulher em 1.994, e quais so as condiges que podem existir e que tentam de alguma maneira nos colocar em certas situacdes de evisceragio, O Freud estava dando um depoimento a respeito da condicao dele ter uma certa experiéncia, rigorosa de conseguir funcionar dentro de um trabalho que até certo onto, era visto como, em parte, é visto ainda hoje, como o da marginalidade. Nés os analistas, por exemplo, nao temos profissdo reconhecida, néo é isso? Em geral, a gente declara que é ou médico, ou psicdlogo, nao €? O que esta condigio de exercer uma fungo que nem sempre tem um reconhecimento até em nivel de documento. Entéo, ew estava pensando um pouco no que a Maria Luiza falou, mas falando de judeu eu me lembrei de um filme italiano: 0 ator est percorrendo a Itélia, querendo reencontrar os filhos que esto espalhados. E com Marcelo Mastroiani. E chama-se: “Estamos todos bem”. E tem uma certa hora que ele se perde nos cais de Roma e 4 morte ele é abordado por dois policiais, que percebem que ele estd um pouco confuso, sem saber que diregao ele est tomando, porque ele foi se meter nos becos de Roma, e acabou chegando numa 4 drea, que era uma zona de interdig&o do cais. E os policiais pedem para ele os documentos. Ele mostra os documentos. Os policiais olham os documentos, e falam assim: “Ma, tu sei siciliano?” E responde: “Sim, sou siciliano. Por que? E muito grave?” Entdo, também nds podemos dizer para alguns analisandos: vocé é caipira, nao €? Por que, é muito grave? Porque de alguma maneira, esses elementos vao entrar na maneira com que a gente lida com andlise. Nao existe formula pronta para ser analista, e a gente pode ter resisténcias a assimilar essas raizes e a expressar essas raizes. Entdo é tomar certos cuidados com essa questo de pessoas que em nome de que a psicandlise nem sempre est na marginalidade, vai se propor a ser uma grande familia de gri-finos, e a pessoa vai entrar nessa familia e ficard sem a assimilagio das origens proprias. £ por isso que em algumas andlises, a pessoa vai ter que retomar a vivéncia analitica para elaborar uma dinamica edipica, ou questdes arcaicas em dois, trés ou quatro niveis de geracdes. Eu vou me estender um pouco, falando o seguinte: tem andlises em que a questo edfpica é abordada em niveis de pai e mie, inndos e filhos. Ha algumas andlises em que a pessoa vai ter que aprofundar na direcdo de av6, bisav6, raizes culturais, para pensar também nas quest6es do futuro, Em funcao do qué? ‘Quando a gente Jé os trabalhos do Freud, isso estd, de alguma maneira, espalhado no modelo estrutural do aparelho psiquico, com relagio ao que ele chama de superego e ideal de ego. Af, os avés da gente em geral, morrem, os bisavos esto mortos, ndo é isso? Ai, a gente vai ter que retomar quais so essas func6es ligadas a tradig6es. E curioso que o elemento que a Maria Luiza destaca apanha a questo do judaismo no Freud e uma certa experiéncia do judeu como perseguido. A gente podia pensar o seguinte: e quando os psicanalistas nao séo mais perseguidos, o que acontece? ‘Quando as instiruigdes psicanaliticas podem entrar na moda e essa op¢ao gerar alguma coisa de prestigio, como € que a pessoa que esta inserida néo maliciosamente na Instituigdo, vai continuar a perseguir as questées de marginalidade que existem no mundo mental? Porque hoje em dia, vocé vai se deparar predominantemente com questées psicéticas, questes perversas e questdes borderlines. Quem é que estd disposto, com um equipamento analitico, para ir a esas margens? Dr. Gilberto: Eu perguntaria a Maria Luiza, se teria algo mais a acrescentar. Dra, Maria Luiza: Nao, obrigada. Dr. Gilberto: Passa o microfone ao Dr. David. Dr. David Azoubel: Vou pegar uma carona na questo levantada pela Maria Luiza, querendo também, destacar muita satisfacdio de ouvir o Sapienza e, poder nesse momento de reflexiio e de troca de idéias sobre temas psicanaliticos, tio primdrio, nfo no sentido elementar ou rudimentar, mas no sentido transcendente. O fato de Freud ser judeu, provavelmente como ele deu destaque de que estava escrevendo um artigo para uma revista judia, certamente deve ter contribuido para ele destacar as questées de judafsmo e certamente o ajudou a entender e a perseverar nas questdes dos problemas das resisténcias. Essa recomendago para lermos esse artigo de Freud nos permite ouvir essa Conferéncia do Sapienza de uma forma mais aberta. Eu Penso que aquilo e penso que a questiio deve ser colocada como 0 artigo de __(autor) partindo da resisténeia parcial. (autor) trata do problema da maneira que habitualmente se trata, essas questées analiticas, quer dizer, faz uma abordagem na qual coloca quase uma espécie de acusacdo, examina o papel da filosofia, o papel da medicina, tenta situar as dificuldades tanto numa como na outra em relagdo A psicandlise e depois ele vai desenvolvendo esse trabalho de uma forma que lidar com resisténcias @ Psicandlise ele tem na maneira de escrever, embora isso no aparega explicitamente no texto, uma relagéo com o Inconsciente. No Inconsciente néo é 15 exatamente como se passa no consciente. Quanto mais inconsciente o advento de um conhecimento, de uma situacdo que traz a inquietagio do novo, com’ a transgressio, porque s6 pode haver contato com 0 novo através da transgressio, é diferente, assim no existe oposi¢do. Em Psicandlise nao existe os termos contrérios, nao existe o bom, € no existe o mal. Entéo, na Psicandlise, que lida com essa nogo de Inconsciente como um parametro essencial, favorece o trabalho com a questo da resistencia e permite 0 desenvolvimento do estudo, da investigagio da questio da resisténcia em funcdo daquilo que é um treino de um analista que esté pesquisando debrugado sobre esta questo. E isso que eu queria falar. Dr. Sapienza: Agradeco, porque acho que vocé expande uma série de diregdes desse cerne do trabalho analitico que é ligado & noco de conflito. Quer dizer que se no existir conflito, nao é possivel existir vida mental. Nés sabemos que na drea neurética e na drea psicética, ha uma tendéncia a depositar uma parte do conflito no mundo interno de maneira que, quanto mais a pessoa for capaz, sem perder contato com o mundo externo, de abordar questdes de conflitos intrapsiquicos, mais a gente esté dizendo que aquela pessoa est4 sendo capaz de conter realidades significativas na vida mental. © por qué disso? Uma questéo que deve merecer nossa atencdo continua, é a questo de natureza narcisica. Se a gente for examinar esse nivel da questo narefsica, hoje em dia, se estd estudando na érea narcfsica de todos nés um conflito que se chama: Narcisismo de Vida X Narcisismo de Morte. A rigor, isso vai impregnar uma série de questées intraps{quicas. Quer dizer, de que maneira nds lidamos com essa questiio de conflitos intrapsiquicos, nessa drea bem arcaica? Essas inscrigdes narcisicas véo aparecer de que maneira? Véo aparecer através de residuos dos fendmenos introjetivos em todos nds, de culturas arcaicas e de tudo aquilo que impregna uma pessoa antes de nascer com os “sonhos” dos pais ou sonhos que cercam a pessoa que esta “sem falar’, ou sem linguagem de pensamento verbal. Entio, esse é um primeiro ponto. Um segundo ponto tem relagéo com o que fala Bion ao comentar em “Atengfo e Interpretagéio” o impacto da Psicandllise na histéria do mundo: Freud néo tinha uma idéia clara das esperangas messifnicas que a Psicandlise desencadeou. Nio existe nenhuma andlise, que no se desenvolva sob a égide de alguma coisa de muito desespero e alguma coisa de esperinga. Quer dizer que ha um outro campo importante para nés analistas continuarmos a pesquisar, ou seja, quando & que a esperanca é messifinica e quando a esperanga realista, pois em cada encontro analitico, em cada sesso, em cada reunido como essa, vao existir questdes dessa natureza. Quando eu vim de S40 Paulo e cada um de vocés, quando vieram de onde vieram, vocés tinham esperancas de que iam acontecer algumas coisas aqui, néo é? Ninguém é trouxa num sdbado, de vir aqui sem ter esperanca de que vai aconteger alguma coisa importante e significativa para nés.__ E preciso levar uma vida com disciplina para poder cultivar o qué? Condigées de realizaco, condigdes de natureza critica em relacdo ao que vai surgir e a0 que vai se desenvolver. © prdprio Freud lidando com a questo da identidade dele, identidade cultural, j4 velhinho, o ultimo trabalho que vai escrever ou um dos tiltimos, se chama: “Moisés e o monotefsmo”? Ele diz uma coisa simples, que Moisés era eg{pcio, filho da Princesa, que teve um bebezinho... Hle era terrivel! Ele disse que veio com uma funcéo: a de acordar as pessoas! Bion também veio com essa funcéo: perturbar 0 universo! E os analistas, querem trabalhar sossegados, no querem que o analisando perturbe © universo do Analista.. Pensam que é s6 entrar na sala... gostosinho... gostosinha... é? B, mas é uma coisa que vai perturbar! # para perturbar mesmo! Se nao houver condicéo de emergir angtistia, alguns medos, 0 que € que os dois estarao fazendo na sala? Tocando viola? (Risos) Néo é para aprender com experiéncia emocional? Experiéncia emocional implica contato com emogéo? Cada emogio & iT potencialmente civilizada? A sala do Analista é civilizada, 0 saléio aqui do Hotel & civilizado, esse microfone é civilizado, mas as nossas emogdes no sto em si nada civilizadas. A gente espera que elas possam se civilizar, nfo 6? Mas ninguém dé garantia, nfo... Vocés do garantia para alguém? Pode ser uma andlise onde jé se decorreram 15 anos de quilometragem. Os dois de comum acordo, vo encerrar a andlise amanha. Naquela sesso que é a de encerramento, um dos dois poderd ter um surto psicético, nao pode? A gente espera que no ocorra e se acontecer? Vai continuar ou néio a andlise? Por que dizem que a parte psicética é irremovivel, nao &? Bla é cognoctvel, e administrével, nao é ? Essa é uma vantagem do cirurgifio, nfo €? Vai l4, vocé tem um tumor de tiredide... € cortado... e quando é miicleo psiedtico, como é que faz, heim? Vaie tira? Dr. David: Freud tinha nogo das reagdes que a Psicandlise iria despertar. Ele tinha um medo muito grande e comentou com Adler que ele estava trazendo a “peste” e recusou em seguida, um convite de Hollywood para fazer um filme sobre a Psicandlise. Dr. Sapienza: Quer dizer que nds temos que preservar a func&o nao de artistas, mas a de Analistas. Mesmo que haja alguém que queira que a gente seja “mulher de capa” ou “homem de capa”, para no ficarmos “capados”.(Risos) Dr. Gilberto: Alguém, teria mais alguma questéo a apresentar? Dr. Sapienza: Agora eu queria falar, nfo s6 de humor, mais com amor do que com humor. Existe um colega nosso ld em Sao Paulo, que é 0 Yutaka Kubo, que escreveu um trabalho magnifico que, a respeito do que vocé David, estava sinalizando... que é esta questo do Messias. # um trabalho dele que tem esse nome: “O Messias”. E um trabalho ligado a questdes psicossomaticas mas, onde ele destaca essa configuracdo: onde existe um ato criativo, vio aparecer esperancas de um bebezinho que vai salvar e que no Cristianismo é o Menino Jesus. Entdo, de um lado chegam os pastores, os pais, os animais que esto em volta do presépio, os magos do Oriente, para acompanhar homenagear e cuidar do bebe. Mas, em um outro lugar, hd um rei chamado Herodes, que esta interessado em levar uma “pequena homenagem” para a crianca, porque esta crianca vai desorganizar o “Establishment”. Como Herodes ndo conseguiu pegar a crianga, ele faz o assassinato dos inocentes. Nesse trabalho que 0 Kubo escreveu, ele alerta para uma questio psicanalitica, cuidadosa, que é a cada vez que h4 um ato ctiativo, aparecem de um lado, impulsos protetores em relacéo ao que se cria, e impulsos filicidas em relagéio ao que se criou. Entio, nfo é para dormir com a fama, por quem fica com a fama, cai da cama. Dr. Gilberto: Haveria mais alguém, que gostaria de se pronunciar? Dra. Catarina: Eu s6 gostaria de ouvir o semhor, a respeito do que acaba acontecendo em qualquer sistema. O sistema analitico, a respeito do que se tem necessidade de se criar o que se chama de “diddtico” como 0 que se acaba gerando um preconceito a respeito de uma andlise que nfo seria didatica... Se nfo for assim, néo teria valor uma formagdo analitica. Eu gostaria de ouvir sobre isso, e eu penso que inevitavelmente, se geram nossos valores e eu pensei a respeito dessa situago que o senhor colocou, com o analista desprovido no trabalho de conhecimentos teéricos, fica numa situagéo de igualdade diante do desconhecido ¢ essa situacio que coloca 0 didético gerando diferencas. Por exemplo, uma anilise feita por um didata gera diferengas... 7

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