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___ /ROMANTISMO (1825-1865) O Romantismo, em Portugal, inicia-se com a publicagao do poema “Camées”, de Almeida Garrett, em 1825, e termina, em 1865, com a “Quest&o Coimbra”, que deu inicio a estética realis- ta. Durante os 40 anos de vigéncia, o Romantismo apresentou trés fases: a primeira, cuja produgao ainda refletia alguns valores neoclassicos; a segunda, em que as caracteristicas romanticas sao levadas ao exagero; e a terceira, que representa uma transi- gao para o Realismo. Contexto Histérico O século XIX assistiu a modificagdes radicais, conseqiiéncia da Revolucao Industrial, que provocou o aparecimento do prole- tariado concentrado nas grandes cidades, e da Revolugao Fran- cesa, que, com seu ideal de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, subverteu as relagGes sociais. O absolutismo deu lugar ao liberalismo. Como resultado, economicamente, instalou-se a livre concorréncia e, politicamen- te, reforgou-se a liberdade individual. A burguesia triunfava. Capitalista e liberal, ela suscitou uma civilizagao materialista, desenvolveu o capitalismo comercial, controlou a politica. O dinheiro era rei, por isso a geragao jovem desenvolveu um desejo de evasdo ou revolta contra esse mate- rialismo que desembocou no Romantismo. Portugal viveu também esse clima, agravado pela invasao de Napoleao, que obrigou a Familia Real, em 1808, a vir para o Brasil. Os portugue- = ses viveram um mo- Dom Pedro WN de Portugal, éo mento ca6tico: foram |; mesmo D. Pedro |, do Brasil. Aqui era governados pelos in- |’ um conservador; ld, um liberal que as- gleses, que l4 comba- |! sume a luta contra os conservadores, teram as tropas napo- |; liderados por seu irmao, Dom Miguel. lednicas; o Brasil tor- mes a ee biteratura Portuguesa 1879 Scanned with CamScanner nou-se independente; D. Miguel e D. Pedro IV (I do Brasil) luta- ram pelo trono. Apés a vitoria de D. Miguel, houve uma violenta onda de emigragao de intelectuais liberais. Esse fato propiciou o aparecimento de uma elite atualizada, pois achava-se em sintonia com as novidades européias. Manifestag6es Artisticas O Romantismo representou uma verdadeira revolugao na concepgao de vida e, por conseqtiéncia, na arte. Rompeu coma tradigao classica e 0 culto da Antigitidade, com o racionalismo, com as conven¢ées. A liberdade de criagao, 0 individualismo, a emotividade, o exotismo e 0 nacionalismo foram a ténica na pintura e na musi- ca. Observe o fascinio romantico pelo exotismo presente neste quadro de Delacroix: Mulheres argelinas em seus aposentos, de Delacroix. Na musica, 0 aproveitamento de cangées populares de seus Paises para 6peras em miniatura manifestou-se nas obras de @1gs Literatura Portuguesa Scanned with CamScanner Reagindo aos classicos, os romanticos revoltaram-se contra as regras, Os modelos, defendendo a liberdade de criacao. Quanto a forma, foi comum a utilizagao do verso livre (sem métrica nem estrofagdo) e do verso branco (sem rima). Quanto ao contetido, alguns temas, francamente opostos aos do Arcadismo, lhe sao caracteristicos: 1) sentimentalismo: o “eu” torna-se o centro do universo (egocentrismo). As raz6es do coracgao opdem-se ao racio- nalismo classico; 2 supervalorizagao do amor (conseqiéncia do sentimenta- lismo): 0 amor foi encarado como o valor mais importante da vida em oposi¢ao aquele mais cultivado pela burgue- sia: o dinheiro. mal-do-século: 0 poeta sentimental, que supervalorizava 0 amor, sentia-se frustrado e desajustado diante da reali- dade, o que gerava uma sensag4o de angustia, tédio, in- satisfagao, melancolia. evasdo: tentando encontrar saidas para esse estado de angustia, o romantico desenvolveu mecanismos de fuga da realidade: evasao no tempo: o romantico procurou as raizes da na- cionalidade na Idade Média cavaleiresca e crista e criou herdis nacionais; 3 4) b) evasdo no espa¢o: o romantico exalta a natureza, conce- bida como extensdo do préprio “eu” — se o poeta é tris- te, o cenario natural também o é, com uma predilegao pelas paisagens noturnas; c) amorte: essa foi a fuga mais radical, a solugao definitiva de todos os conflitos. O Romantismo portugués apresentou trés momentos: ¢ primeiro momento: escritores ainda presos a alguns prin- cipios neoclassicos, mas responsaveis pela introdugao do Scanned with CamScanner Romantismo em Portugal: Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Anténio Feliciano de Castilho. « segundo momento: superados os lagos arcadicos, seguiu- se 0 pleno dominio da estética romantica. Sao represen- tantes de ultra-romantismo (romantismo levado ao exa- gero): Camilo Castelo Branco e Soares de Passos. ¢ terceiro momento: caracterizou-se por um romantismo mais contido que anuncia a transigaéo para o Realismo: Joao de Deus e Julio Dinis. Primeiro Momento Reprodugéo Almeida Garrett (1799-1854) Na poesia de Garrett, introdutor do Romantismo em Portugal, exis- tem trés fases: a) a primeira, totalmente ligada ao Arcadismo, a que perten- cem os textos da Lirica de ” Joao Minimo; Almeida Garret b) a segunda, ainda nao totalmente romantica, em que se encontram dois poemas narrativos. Em “Camées”, marco inicial do Romantismo, o poeta explorou os aspectos sen- timentais, a vida pessoal do autor de Os Lusiadas. Em “D. Branca”, Garrett resgatou a historia medieval portuguesa. c) a terceira revela um autor tipicamente romantico. Em Flo- res sem fruto e Folhas caidas misturam-se dor, angustia, sentimentalismo e sensualidade. Observe como, neste poema, seu lirismo fundamenta-se no desejo de excitar a sensualidade: mune eeeaeaUleratura Portuguesa 191g Scanned with CamScanner ——-—TJMm,_ N&o te amo N&o te amo, quero-te: o amar vem d’alma. E eu n’alma - tenho a calma, Acalma - do jazigo. Ail Nao te amo, nao. Nao te amo, quero-te: o amor é vida Ea vida - nem sentida A trago eu ja comigo. Ail Nao te amo, nao! Ail Nao te amo, nao; e s6 te quero De um querer bruto e fero Que o sangue me devora, N&o chega ao coragao. N&o te amo, és bela; e eu nao te amo, 6 bela. Quem ama a aziaga estrela Que Ihe luz na ma hora Da sua perdigao? E quero-te, e nao te amo, que é forgado, De mau feitigo azado Este indigno furor. Mas oh! Nao te amo, nao. E infame sou, porque te quero; Que de mim tenho espanto, De ti medo e terror... Mas amar!... nao te amo, nao. (Obras. Porto: Lello & Irmo, 1963) Além de poeta, Garrett foi o fundador do teatro nacional por- tugués. O nacionalismo esta presente em duas pegas que se baseiam no passado histérico: @192 Literatura Portuguesa no Scanned with CamScanner 1) Um Auto de Gil Vicente 6 uma homenagem ao iniciador do teatro em Portugal; 2) Frei Luis de Sousa, ambientada no século XVII, conta o destino tragico (romantico!) desse autor barroco (ver o capitulo 5), além de referir-se ao mito de D. Sebastiao e a batalha de Alcacer-Quibir. FREI LUIS DE SOUZA Composta em trés atos em prosa, e representada pela pri- meira vez em 1843 e publicada no ano seguinte, a tragédia Frei Luis de Souza gravita em torno da vida do prosador cujo nome lhe empresta 0 titulo. Como se sabe, Madalena de Vilhena e Manuel de Souza Coutinho haviam contraido nupcias certos de que D. Joo de Portugal, marido da primeira, desaparecera em Alcacer-Quibir em companhia de D. Sebastiao. Entretanto, ele estava vivo e de regresso a casa, oculto sob os andrajos de um romeiro. Aterrados pela surpresa, colhidos em pecado, os cén- juges buscam ilibar-se do involuntario delito tomando habito: durante a ceriménia, Maria de Noronha, unica filha do casal, morre a seus pés. O fragmento que se vai ler corresponde a parte da cena XIV e a cena XV do ato Il. JORGE (cortando a conversagao) Bom velho, dissestes trazer um recado a esta dama: dai-lho ja, que havereis mister de ir descansar. . . ROMEIRO (sorrindo amargamente) Quereis lembrar-me que estou abusando da paciéncia com que me tem ouvido? Fizestes bem, padre; eu ia-me esquecen- do. . . estou tao velho e mudado.do que fui! MADALENA Deixai, deixai, nao importa; eu folgo de vos ouvir; dir-me-eis vosso recado quando quiserdes... logo, amanha... — Viteratia Portuduesa 192% Scanned with CamScanner ROMEIRO Hoje ha de ser. Ha trés dias que nao durmo nem descanso, nem pousei esta cabega, nem pararam estes pés dia nem noite, para chegar aqui hoje, para vos dar meu recado... e morrer de- pois... ainda que morreste depois; porque jurei... faz hoje um ano... quando me libertaram, dei juramento sobre a pedra do Sepulcro de Cristo... MADALENA Pois éreis cativo em Jerusalém? ROMEIRO Era: nao vos disse que vivi la vinte anos? MADALENA Sim, mas... ROMEIRO Mas 0 juramento que dei foi que, antes de um ano cumprido, estaria diante de vés e vos diria da parte de quem me mandou... MADALENA E quem vos mandou, homem? ROMEIRO Um homem foi, e um honrado homem... a quem unicamente devia liberdade... a ninguém mais. Jurei fazer-Ihe a vontade, e vim. MADALENA Como se chama? ROMEIRO O seu nome nem o da sua gente nunca o disse a ninguém no cativeiro. MADALENA Mas enfim, dizei vos... @i4 Literatura PontugUues Scanned with CamScanner Em seus romances, a importancia do nacionalismo nao foi menor. Ele incorporou o gosto pela tradi¢ao popular em O Arco de Sant’Anna, inspirado na Crénica de D. Pedro |, de Fernao Lopes. Em Viagens na Minha Terra, Garrett entremeia as peripé- cias da historia de amor de Joaninha, Carlos e Georgina ao rela- to de uma viagem (que realmente fez) a Santarém. As viagens na minha terra estao para a prosa portuguesa as- sim como as Folhas Caidas estao para a poesia. Ambas deno- tam simplicidade, naturalidade e espontaneidade, caracteristi- cas até entao ausentes na literatura portuguesa. Almeida Garret, Ega de Queirés e Machado de Assis foram mestres de roméanticos e realistas na arte de substituir o empertigamento e a preconcepgao estilistica tradicional. Alexandre Herculano (1810-1877) Herculano foi o consolidador do romance his- torico na literatura portuguesa. Em O Bobo re- trata a época de emancipagao do Condado Portucalense (século XII). Sob o titulo de Monésticon, retnem-se dois romances: QO Alexandre Herculano Monge de Cister, cuja agao se passa durante 0 reinado de D. Jodo |, o Mestre de Avis, e Eurico, o Presbitero, O celibato clerical foi objeto de ampla discussdo entre os | autores portugueses e, também, entre os brasileiros. No Romantismo, Alexandre Herculano explora o tema em |; Eurico, o Presbitero e em O Monge de Cister. No Brasil, es- ' sas obras encontram eco no romance O seminarista, de Bernardo Guimaraes. (ene nnennnblteratura Portuguesa 195@ Scanned with CamScanner sua obra-prima, ambientada na época das lutas da Reconquista. Nesta obra, Herculano discute o celibato clerical. Leia o trecho final desse romance, quando é narrada a morte de Eurico, o cavaleiro misterioso, e o enlouquecimento de Hermengarda: duas solugdes de conflito tipicamente roménticas: Um contra trés! - Era um combate calado e temeroso. O cavaleiro da Cruz parecia desprezar Mugueiz: os seus golpes retiniam s6 nas armaduras dos dois Godos. Primeiro o velho Opas, depois Juliano cairam. Entdo, recuando, o cavaleiro cristao exclamou: “Meu Deus! Meu Deus! - Possa o sangue do martir remir o crime do presbitero!” E, largando o franquisque, levou as maos ao capacete de bronze e arrojou-o para longe de si. Mugueiz, cego de célera, vibrava a espada: o cranio do seu adversério rangeu, e um jorro de sangue salpicou as faces do Sarraceno. Como tomba 0 abeto solitario da encosta ao passar do fura- co, assim o guerreiro misterioso do Crissus caia para nao mais se erguer!... Nessa noite, quando Pelagio voltou a caverna, Hermengarda, deitada sobre o seu leito, parecia dormir. Cansado do combate e vendo-a tranqiila, o mancebo adormeceu, também, perto dela, sobre o duro pavimento da gruta. Ao romper da manha, acordou ao som de canto suavissimo. Era sua irma que cantava um dos hinos sagrados que muitas vezes ele ouvira entoar na catedral de Tarraco. Dizia-se que seu autor fora um presbitero da diocese de Hispalis, chamado Eurico. Quando Hermengarda acabou de cantar, ficou um momento pensando. Depois, repentinamente, soltou uma destas risadas que fazem erigar os cabelos, tao tristes, soturnas e dolorosas @196 Literatura Portuguesa a eee Scanned with CamScanner sao elas: tao completamente exprimem irremediavel alienagao do espirito. Adesgracada tinha, de feito, enlouquecido. (Eurico, o Presbitero. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1*- ed., 1907) » Essa preocupagao em retratar a Idade Média ja estava presente em Lendas e Narrativas, obra que contém contos e novelas. Em Harpa do Crente, cujo poema mais famoso é “A cruz mutilada”, encontra-se o melhor de sua producao lirica. Acultura atual cultua 0 herdi misterioso como 0 cavaleiro de Eurico. Zorro, cavaleiro negro que luta pela justig¢a, 6 exem- plo no cinema, na tevé e nos quadrinhos. Batman troca 0 cavalo negro pelo Batmével e, em vez dos arabes, combate as tramas de seus rivais Pingilim e Coringa e da Mulher-Gato. Anténio Feliciano de Castilho (1800-1875) ee Conhecido por provocar a “Ques- tao Coimbra” (que deu inicio ao Rea- lismo em Portugal), Castilho nunca se libertou da influéncia neoclassica. Seu valor reside tao-somente no apuro e elegancia lingiiisticos. ‘Anténio Feliciano de Castilho Reprodug3o (eee Literatura Portuguesa 197@ Scanned with CamScanner Segundo Momento Camilo Castelo Branco (1825-1890) Sua vida afetiva foi um romance de folhetim. Orfao desde os 10 anos, casou-se aos 15. Raptou uma outra moga (sua prima), com quem passou a viver; acusado de bigamia, foi preso. Sua primeira esposa e sua filha morreram. Camilo abandonou a prima. Apaixonou-se por uma poetisa e por uma freira. Conheceu Ana Placido (casa- da com um rico comerciante). Ingressa num seminario. Saiu e passou a viver com Ana; ambos, acusados de adultério, foram presos (na prisdo escreveu Amor de Perdi¢ao). Absolvidos, tive- ram dois filhos com problemas de satide. Casaram-se e passa- ram por dificuldades financeiras. Ana morreu. Cego, por causa da sifilis, Camilo suicidou-se. Camilo Castelo Branco foi o escritor mais fértil de Portu- gal: escreveu perto de 300 obras entre teatro, historiografia, poesia, epistolografia, polémica e, sobretudo, prosa de fic- ¢ao. Como soube interpretar 0 gosto do publico, escreveu novelas passionais de facil consumo, grande parte delas publicadas em folhetins dos jornais da época. Uma narrativa Camilo Castelo Branco Apalavra novelavem do italiano novella, ou seja, peque- has histérias, como as de Boocaccioem seu Decateron, Em espanhol, o romance é chamado de novela; a nossa novela é chamada de novela corta;e 0 conto de cuenta, Em inglés, novelé o termo usado para designar romance; short story para conto e long story para novela. (@198 Literatura Portuguesa ne Scanned with CamScanner linear, mas densa e objetiva, com poucas descri¢Ges e exces- so de peripécias e sentimentalismo, abordando o conflito en- tre as razGes do coragdo e as convengées sociais foram o segredo do seu sucesso. Em sua novela mais famosa, Amor de Perdicao, Camilo conta © namoro de Teresa Albuquerque e Simao Botelho, cujas fami- lias, separadas por antigos motivos, nao querem o namoro. Ela vai para o convento e Simo para 0 exilio. Ela e Simao morrem. Nesse trecho final da novela, Mariana, que era apaixonada por SimAo (¢ fora, juntamente com uma mendiga, portadora das car- tas dos amantes), atira-se com o cadaver do amado ao mar e morre. Conhega um trecho dessa novela: - Viram-na um momento bracejar, nao para resistir 4 morte, mas para abragar-se ao cadaver de Simao, que uma onda lhe atirou aos bragos. O comandante olhou para o sitio donde Mariana se atirara, e viu, enleado no cordame o avental, e a flor da agua, um rolo de papéis, que os marujos recolheram na lan- cha. Eram, como sabem, a correspondéncia de Teresa e Simao. Da familia de Simao Botelho vive ainda em Vila-real de Tras- os-Montes a senhora Dona Rita Emilia da Veiga Castelo Branco, a irma predileta dele. A ultima pessoa falecida, ha 26 anos foi Manuel Botelho, pai do autor deste livro.” (Amor de Perdicao. So Paulo: Saraiva, Cole¢ao Jabuti) le A QUEDA DUM ANJO Publicada primeiramente em folhetim, de 30 de abril a 12 de agosto de 1865, A Queda dum Anjo apareceu em volume em fins de dezembro do mesmo ano. Seu enredo consiste no se- guinte: Calisto Eldi, um fidalgo transmontano, quarentéo e con- versador, elege-se deputado e abandona sua aldeia por Lisboa. Ali, vestido de modo anacrénico e defendendo idéias retrégra- das, é posto em ridiculo. Em breve, porém, vai impondo o seu a ——————-—literanua Portuguesa 199.4% Scanned with CamScanner

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