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(Cltra popu ma Udde Moder, Sho Paul Cia das Leas, 1988, Venza e Amstedd, Um exado das lites no sealo XVI, Sto Paul, Bases, 1991, A escola do Amales, So aslo, Ves, 1990. ‘eset da bistro Palo, Une, 92 A fabrcacio do et, Rio de Jan, Jose Zab, 1994. Aare da comers, Sho Paul, Une, 199 1 Paul, Uns, 1957 Peter Burke Variedades de historia cultural TRADUGAODE lds ors Rio de Jairo ‘opymicivr oesta couevAN Publiado oniginaimente lack Pubihers Lad, 1097 Hirao oniamac motes Vanes of Clara History Evel Grace Enel Grwmacle Joo de Svea ete PREPARACAO DE ORIGINAIS Leny Carder Eorronagao eLeTRONICA At Line © Pater Back, 1997 olay Pres em aesociagio com GUEBASIL. CaTaLoGAcKO Na towre }O NACIONAL BOS EOIFORES DE LIVROS, Rj ten wm has re "nee > SEER Ooo om a Todos on dios sas Pe eed aemaenameno 08 season pes dere sede enous moe pc ‘neodagto por earee icon det bs ol BD Uo de ders SA. ‘no aa 9730 an,DDO04, Re “edo 23208 fed ese (Gea Ms 23.052 Ride Jae, RY, 20822 570 Sumar eraco 7 sda seria cultural 17 2. A historia cultural dos sonhos 39 3. Historia como memoria social 67 4. A linguagem do gesto no inicio da Itlia moderna 91 5. Froateiras do cémico no inicio da Ilia moderna 113 6.0 discreto charme de Milo: viajantesingleses no séeulo XVIL 137 7. Esieras plilicae privada na Génova de fins do Renascimento 159 8, Cultura eruditae cultura popular na Ilia renascentista 177 9. Acavalaria no Novo Mundo 195 10. A tradugio da eultara: 0 Carnaval em dois ou trés mundos 213 11, Unidade e variedade na historia cultural 231 wocraria 269 twoiee 307 Prefacio (© objetivo desta coleténea de ensaios é discutire exemplifiar algumas das principas variedades de historia cultural surgidas desde ‘oquestionamenta do que se poderia chamar de sua forma “clissca”, exemplilicada na obra de Jacob Burckhardt ¢ Johan Huizinga. Esse ‘modelo cldssico no foi gubstiruido por nenhuma ortodoxia nova, apesar da importincia das vsbesinspiradas pela antropologia social € cultural ‘A coletanea comssa com um capitulo sobre as origens da bist cultural, que susita questbesgerais sobre a identidade do tema. Os Capitulos sobre sonhos e meméria sio substantivos, mas também omparativos, alm de tentar abordar problemas gerais na prética da historia cultral ‘Sequem-se cinco estudos de caso detalhados do inicio da Ilia moderna, principal érea de minha pesquisa, de meados da década de 41960 a meados da de 1980. Todos esses estados se situatm nas fron teiras da historia cultural (no sentido de consttuirem éreas 56 reeen remente examinadas)e também nas fronteias culturais —enere a eu tua eruditae a cultura popular as esfera pablicae privada, osério€ ‘Seguem-se dois ensaios sobre o Novo Mundo, em especial o Brasil {um mando novo, que descabr hi apenas uma dads). Esse secon smaval, mas sux preoct centram nos romances de cavalaria € no ppacio esencial écom a “etadugao” cultural nos sentidos etiologic, Ttcrale metaforico do term. Dew-se particular énfase as consequn dlserevélos em ems de mists, snes ouster, ‘0 volume termina com : sedads de istra utralcomparando cconestano clan sico com o *novo", ou “antropoigice tenn responds a quotio de saber sea chamas “nor hist ula etscondens da a fragmentacio, - As ieas age apresentads se desenvo “Asi senvolveram a pari de uma src de dogo ete fonts dos slo» XVTEXVI, tends sis evens (acobBurckharh, Aby Warharts Marc Bese Toon Huizinga) eericos cura moderns, de Simund Freud, Neste las Mithal Baka a Miche! Foul, Michel de Comeau Dee Bourdies. Nos ensaos a ei testa iar spon opt constraiismo” (a idea da costo cultural ou dacorave dy sldae) do “posvsmo” able in semido de enperncon Thante em que “os documentos” revelario “os fatos”) Dedio exe iro minha amada her olga hi Maria Liicia Garcia Pallares-Burke. “ ° Agradecimentos No decorter da elaboragio destes ensaios, aprendi muito nos didlogos aque mantive a0 longo dos anos com Jim Amelang, Anton Blok, Jan Bremer, Maria Licia Garcia Pallaes-Burke, Rogee Chartier Bob Darnton, Natalie Davis, Rudolf Dekker, Florike Egmond, Carlo Ginzburg, Eric Hobsbawmn, Gabor Klaniczay, Reinhart Koselleck, Giovanni Levi, Eva Osterberg, Krzysztof Pomian, Jacques Revel, Peter Ricthergen, Herman Roodenburg, Joan Pat Rubies i Mirabet, Bob Scribner e Keith Thomas. No estudo dos sonhos, muito me aju- daram Alan Macfarlane, Norman Mackenaie, Anthony Ryle © Riccardo Steiner. Gwyn Prins e Vincent Viaenefaclitaram meu aces- 50. histria africana. Pelo titulo do Capieuo 6, meus agradecimentos 44 Aldo da Maddalena ‘© Capitulo 1 € uma versdo revista de “Reflections on the Origins ‘of Cultural History”, in Interpretation in Cultural History, org Joan Pittock e Andrew Wear (1991), pp. 5-24, com a autorizagio da ‘Macmillan Press. © Capitulo 2 foi revisto a partic da versio em inglés de “LHistoite sociale des reves", Annales: Economies, Sociétés, Civilsations, n, 28 (1973), pp. 329-42. Foi a primeira publicagdo em ings. © Capitulo 3 & uma versio revista de “History as Social Memory", in Mevrory, org: Thomas Butler (1989); pp. 97-113, com autorizagio de Blackwell Publishers (© Capitulo 4 é uma versio revista de “The Language of Gesture in Early Modern Italy”, in A Cultural History of Gesture, org, Jan Bremmer e Herman Roodenburg (1981), pp. 71-83. Copyright © Peter Burke 1991, com autorieagéo da Polity Press e Cornell | University Press © Capitulo 5 ¢ uma versio revista de “Frontiers of the Comic in Early Modern Italy", in A Cultural History of Humour, org. Jan Bremmer e Herman Roodenburg (1997), pp. 61-75, cam atrorizasao dda Polity Fess. © Capitulo 9 ¢ uma versio revisada de “Chivalry in the New World”, in Chivalry inthe Renaissance, org. Sydney Anglo (1990), | pp. 253-62, com autorizagio da Boydell e Brewer Lads Origens da historia cultural Nio hi concordincia sobre o que constitu histria cultural, menos ‘ainda sobre 0 que constiui eultues. HA mais de quarenta anos, dois ‘studiosos americanos comegaram a mapearas vaiagBes do emprego ddo tcrmo em inglés, © ceuniram mais de duzentas definigdes concor- fentes Levando-se em conta outeas linguas eas iltimas quatro déa- Gas, seria fell reunie muito mais. Portanto, na busea de nosso tema talvee fosse adequado asaptar a definigio de homem dos existencia- Tistase dizer que a hist6ria cultural nio tem esséncia. 86 pode ser nida em termos de nossa propria historia ‘Como pode alguém escrever uma histria de alguma coisa sem ‘uma identidade definida? & um tanto como tentar prender uma rnuvem em uma rede de cagar borboletas. Contudo, cada um & sua imaneira muito diferente, Herbert Butterfield Michel Foucault demonstraram que todos os hstoriadores enfrentam esse problema, Butetfild criticou 0 que chamou de “interpretasio Whig da histo- fia", em outtas palavras, 0 uso do passado para identificar 0 presen- te,¢ Foucault enfatizou as “rupruras” epstemoligicas. Se quisermos evita atribuigio anacrénica de nossasintengbes, interesses e valores laos mortos, nfo podemos escrever a hstéria continua de nada De tum lado, enfrentemos o perigo da “intencionalidade presente”, e do ‘outro corremos 6 rsco de ficar de todo impossibilitados de escrever. “Talvez haja um meio-temo, uma abordagem do passado que faga penguntas motivadas pelo presente, mas que se recuse a dar respostas "ose Rll 1982 | eer 1931 Fours (1966. ‘motivadas pelo presente; que se relacione ao presente mas permita sua ‘continua reinterpretagiose que observe a importincia das conseqién- ina (1866) ‘A wistonia CULTURA DOs Sonvos omparouo benandante como téltos,ou xami, hingaro. A referén a xamas sugerecomparages com grande parte da Asia edas Amé Sve. Na Afica Oriental, também, existe um paralelo com os ben ‘dnt nur os Nyakyuss de Tanganica (como era enti), em 1951, saoredtava-se que em toda aldeia havia defensors [abamangal que gem braxos em sonbos¢ 08 combatem eafagentam” 58 ‘Olivo de Ginzburg atraiv muita atengio como uma contrbuigio aos estudos de bruxaria. Contudo, também merece tengo como ontibugio a0 estudo dos sonhose vises. Na verdade, deveseexa- trinar a propia histria da brwxaria, como se tm feito nos dimos nos, da perspectva da histria da imaginagio coletiva. As atvidades dos benandantiofereem exclentesexemplos de sonhos culturalmen- teestereoipados.E esse contexto que devemosexaminar dus afi ‘magéesfeitas pelos bonandanti durante aexplcagto de suas avid de aos inguisidores,Aepincira€ que sam no em compo, mas “em cepitito”, para que se por acaso, enquanto estivssemos fora, alguém chegasse com tama roche oase durante um longo tempo 0 n0s80 corpo, 0 esp rito jamais reentraria enguanto no houvesse mais ninguém por perto pata vé-lo aqua not; ese 0 corpo, parecend estar mort, fosse enerrado, © espiito teria de vagar por todo © mundo até a hora fixada pars aguelecoxpo morrer. |A segunda afirmacio é a da sugestionabilidade dos novos reerutas, ‘Que testerunharam que ram “convocados” para as batalhas norur- ‘nase no tinham outra escola sendo ir. Bastiano Menos, por exem- plo, declarou que uma noite um certo Mickele “me chamou pelo ‘nome e disse: “Bastiano, voc precisa ie comigo™, € ele fois® O para Rlniaay (198, sWikon (950. 2 Ginny (1966 ca. Ginsu (1856, 50 H lelo com as sugestdes mais indreta fits aos meninos Ojibwa que suportavam o jejum de sonho, diseutido acima, é bastante claro, Este ensaio enfatizou analogias entre sonhos do século XVI os de algumas sociedadestrbais, Entre os Ojibwa e os Hopi, como no inicio da Europa moderna os sonhos, como os mitos, muitas vers se ‘slacionavam, ¢ os sonhadores faziam cantato, om seressobrenate ‘ais. Nos sonhos americanos do século XX, em contraposicao, os le. ‘mentos sobrenaturas estio quase inteiramente ausentes. Em seu est «lo dos sontios de puberdade dos Ojibwa, o antropélogo Paul Radin jobservou que, enquanto a tradigéo culural permanecia forte, os so thos se relacionavam com os mitos. Quando a cultura tradicional se desntegrou, por volta de 1900, os sonbos dos Ojibwa passaram a ter lum tema mais pessoa! © mesmo pracesso de transigdo de simbolos iiblicos para privados parece ter ocorrido no Ocidente, entre 0 sécu. lo XVII € 0 presente, como mostram no apenas os sonhostnae tam. bbém a mudanga dos temas em pecas ehiseéras, No nivel do conteido manifesto, portanto, parece possivel uma interpretasio cultural dos sonhos. No nivel mais interessante do con. teido latente,&, com certeza, mais dificil dar uma resposta seg Uma hipétese atraente, impossivel de verificar, € que no inicio de Period modemo a repressio se preocupava mais com as tentayGes politicas¢ religisas e menos com as sexuais, diferente do que acon {eee hoje. Nao se quer dizer com isso que 0 sexo nao era importante no periodo, nem que no era importante nos sonhos de entao, Problemas sexuais estio explicit em dois sonhos de Ashmole (que. ‘endo fazer amor com duas enhorase sendo frustrado). Laud sonhow .98€ 0 daque de Buckingham se metia em sua cama. Aos outros sonkios ui dscutidos por seu conteddo manifesto é possivel dar interpret 64s sexuais, como o de Swedenborg ctado anteriormente Contudo, muitos outros sonhos se refeem a problemas politicos, ‘como a atragdo que alguns protestantes sentiam pelo eaolcismo. A Rein (1996, ums tin somata : yensar. Parece plausivel sugerir que os ingleses do século XVII, ee americanos do século XX, Werner Jacger, estudioso alemio my JJassicos, comentou certa vez a “consciéncia ptiblica” dos gregos sécolo XVI [te 3 3 Histéria como meméria social [A visio tradicional da relagio entre a historia e a meméria € re ‘vamente simples. fungio do historiador€ sero guardio da memé- ria dos acontecimentos pablicos quando escritos para proveito dos atores, para proporcionar-Ihes fama, e também em proveito da pos teridade, para aprender com o exemplo deles. A hist6ria, como es creveu Cicero em um techo que se tem citado desde entio (De ova tore, i. 36), € 2 “vtda da meméria” (vita memoriae). Histoiadores tio diversos quanto Herddoto, Froissart e Lorde Clarendon afirma- ram que escreviam para manter viva a meméria de grandes feitos € srandesfatos. ois historiadores bizantinos, em particular, se estenderam por completo sobre a questo em seus prélogos, uilizando as tradicionais metiforas da época, como 0 rio, as ages como textos que podem ser oblterados, A princesa Anna Comnena desceeveu historia como ‘um “baluarte™ contra a “corrence do tempo", que tudo transporta pa ras “profindeaas do esquecimento”,e Procépio declarou que esere~ veu sua histéria das guereas géicas, persas e outras “coma finalida- de de que o longo curso do tempo nio sobrepue 0s feitos de impor ‘inca singular por falta de registro, e assim os abandone a0 esqueci= mento e se esquesainteiamente deles". Também se pode vera id de agdes como testos no “liveo de meméria", empregado por Dante € Shakespeare, que escreveu: *manchar seu nome de livros de mem6- ria (Honrigue VI, Parte 2, Ato 1, Gena 1). Essa explicagio tradicional da relagio entre a memoria e a hist ria escrita, na qual a memériarefleteo que aconteceu na verdade © a historia reflte a meméria, parece hoje demasiado simples, Tanto ¢ historia quanto a meméria passaram a revelar-se cada vez mais pro blemiticas. Lembrar 0 passado e escrever sobre ele no mais parecer as atividades inocemtes que outrora se julgava que fossem. Nem as ‘memérias nem as histGrias parecem mais ser objetivas. Nos dois ca 505, 0s hstoriadores aprendem 2 levar em conta a slegdo conscente ‘1 inconsciente a imterpretagio ea dstorgo. Nos dois casos, passain ver 0 processo de seleso,interpretacio e dstorgdo como condicio. ‘nado, ou pelo menos influenciado, por grupos socais, Nao € obra de individuos isolados. © primero pesquisador sério da “estrutara social da meméria”, como a chamou, fi, € claro, o socidlogo ow antropélogo francés Maurice Halbwachs, na década de 1920. Halbyachs afrmou que as ‘memérias sio construidas por grupos socias. Sao os individuos que embram, no sentido litera, fsico, mas si0 0s grupos socias que de terminam 0 que é “memoravel”, e também como serélembrado. Os individuos se identifiam com os acontecimentos plbicos de impor. ncia para seu grupo. “Lembram” muito o que nao viveram dieta ‘mente. Um artigo de noticiirio, por exemplo, as vezes se torna parte da vida de uma pessos. Da, pode-se dessrever a miemria como uma reconstrusio do passado. Como fie! discipulo de Emile Durkheim, Halbwachs assentou seus argumentos sobre a sociologia da memria de uma forma sala, tembora ndo extrema, Ele mio afrma (como certa vez 0 acusou o ps ‘logo Frederick Bartlet) que os grupos sciais recordam da mesma Imaneira liters que os individuos.? Uma semelhante compreensio errénea da posigio de Dutkheim foi mostrada pelos historiadoges bri ‘nicos que dizem que as “mentalidades coletvas” estudadas por seus

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