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O ArcnEoLuco Porrucuts 169 It. hitu ealez de prata bio. It. hiias galhetas de stanho. It. duas ambulas em que stam ho olyo ¢ a crisma. It. hiia bacia pera a oferta. todos stes ornamentos dizem os freegeses que poseram. livros It. hiiu livro pistuleiro de todo 0 ano bem roto. It. hau livro myssall domfgall e sanctall de todo 0 ano. It. hia livro myssall domygall pontado. It. hitu livro de baptizar e de encomendar velho. It. outro atall. It. hiiu livro santall lecoeiro. It. hitu caderno em que sta ho oficio do corpo de deus. It. hitu salteiro desencadernado. It. hiin oragoeiro. Tt. hijus ferros de fazer osteas mal corregidos. (Does. do Convento de Christo, m. 13, n.° 1238). Ruinas de ruinas ou Estudos Igeditanos I Elenco da epigraphia Lusitano-romana A) Inseripgdes hierologicas! Prologo Por indicacao superior foi-me designada, em fins de 1904, a povoa- gio de Idanha-a-Velha, na Beira Baixa, para uma visita archeologica, em proyeito do Museu Ethnologico Portugués. Pesaram decerto no espirito do illustre Director d’esta instituigio as noticias epigraphicas que d’aquella regio estavam condensadas na grande obra de Hiibner, Corpus Inscriptionum Latinarum, vol. 0. Em verdade, estou convencido de que nenhuma outra terra de Por- tugal poderé disputar as palmas 4 velha cidade dos Igeditani, em pro- fus&o de lapides da epoca romana. Fanadas palmas, é certo, porque o assento de Idanha-a-Velha é hoje um escalavrado campo de rninas. 4 Seguir-se-hiio: B) Inseripedes funerarias. 170 O ArcuEroLogo Portuauts So ruinas de rwinas, sio ruinas multiplicadas os dolorosos vestigios das povoagdes successivas que ahi devem ter existido desde a epoca lusitano-romana, pelo menos. ‘Tres civilizagdes ali se sobrepuseram; mas na ruina presente se con- fundem, porque a mio do homem, inimigo do homem, calabreou tudo inexoravelmente, destruindo para ter de edificar, como debaixo do im- perio de uma maldigfo, ¢ agora detendo-se na tarefa destructiva sem nova energia para construir, Sobre 0 ignoto ergueu-se a povoagito romana; sobre a ruina d’esta surgiu uma cidade visigotica; em cima da aniquilacaio da Egitania goda e da subjugagio de uma hypothetica almedina ! firmon-se a cidadella dos tomplarios; ¢ por cima do triplice destrogo d’estas civil izagdes, paira o desealabro presente, e agoniza uma aldeola humillima e apa- gada. Nao ha imaginacao fria e esteril que n&o se sinta acordar para a meditagéo do passado, quando em face de tio revolvidos vestigios do esforco humano! Mas de quem nos queixaremos, seniio de nés mesmos, humanidade incontinente e nunca saciada de devorar o seu passado? Parece que pulsam o rancor humano através das civilizagdes aquellas pedras tres vezes arrancadas ao seu leito! A derradeira fase d’este odio era decerté fundamento necessario para a instituiglo da nossa nacionalidade, mas nem por isso é illicito relembrar 0 triste apanagio que é este da humanidade indivisivel e soli- ‘aria —derramar o sangue de irm&os— destruir a obra dos seus pro- prios bragos. Fui, pois, para Idanha-a-Velha, toponimico que assaz indica existir outra povoagio de mais recente data. De facto, a séde do concelho € hoje a importante villa de Idanha-a-Nova, a duas leguas da sua pre- decessora. Lembram ds vezes estes casos a moralidade da fabula do le%o e do asno, como podem ver. Dentro de um perimetro de muralhas espessas e formidaveis, que uma torre de menagem, desameada, esté dominando, arruam-se tor- tuosamente umas casas, em cujas paredes o aspecto monumental dos silhares postigos ¢ um sarcasmo de granito, perante a modestissima vulgaridade das habitagdes. Assim dormem hoje, sob aquelle manto de antiguidade, ‘as ruinas da Idanha, que foi grande. E 6 quanto me basta dizer por agora. * B a inseripgto da epoea de D. Sancho II, embutida na torre de menagem, . que di direito a alvitrar esta hypothese da povoagio mourisea. O ArcHEOLoGo Porrucutis lt Os vestigios que encontrei no aro @’aquella povoag%o, na «campa- nha» da Idanha, como 14 se diz, dardo origem a algumas monogra- phias, que ho de succeder a esta. Por motivo estranho aos leitores d-O Archeologo Portugués, vou agora separar apenas de todas as inscripgdes romanas que 14 encontrei, as que teem natureza cultual. S40 em reduzido numero. Mas techno- logicamente formam uma classe epigraphica, que ainda num trabalho mais geral teria de ser reconhecida. E pois um capitulo de trabalho mais extenso que desta feita pu- blico. Nio era por aqui que eu pensava principiar, nem mesmo logica~ mente o devia fazer, mas assim suecede por ponderoso motivo. Antes de continuar, nfo em nota mas no texto mesmo, quero re- novar 0 desempenho de um deyer de reconhecimento para’ com il- lustres e generosos beirdes, descendentes dos esforgados povoadores Waquella nossa Lusitania, pela muita benevolencia com que me rece- beram e pelo muito agrado com que se desabragaram dos monumentos que conservavam em seu poder, vestigios preciosos de antiguidade, que para elles tinham um quasi cunho de familia. Nao os fui espoliar; mas as lapides que 1A colhi, valorizaram-se mais por virem para um museu nacional, onde ao lado umas das outras melhor se estudam, melhor se entendem, e mais alto falam da sua pro- pria origem. Para testemunhar a sinceridade do men agradecimento, repetirei o que em 1904, n-O Arch. Port., 1x, 38, escrevi, ampliando-o porém com acquisigdes posteriores: Em Novembro d’aquelle anno, emprehendi 0 estudo dos vestigios da epoca romana existentes na regido igeditanense, cujo centro era Tgeditania (2) ou Egitania. Sem os innumeros favores ¢ auxilios de um cavalheiro de Idanha- a-Velha, o Sr. Joao dos Reis Leitéo Marrocos, nio sé quasi nada conse guiria, mas ver-me-hia obrigado a alojar-me, durante algumas semanas, em casebres desprovidos sequer do rudimentar conforto de um sobrado! 8. Ex.* hospedou-me em sua casa, rodeando-me de multiplas attengdes, que se por um lado sao da tradicio d’aquella casa e consequencia da proverbial bizarria beira, por outro lado tem em 8. Ex.* um eunho pes- soal que seduz e sobremaneira obriga quem uma vez teve a honra, como eu, de ser alvo d’ellas. A collecg%io de inscripgdes romanas que reuni, é brilhante, e daria nome a qualquer eollecgio epigraphica da Europa. 0 illustre e abastado cmorgado de Marrocos» deixou-me ainda es- colher uma collecg%o de vasilhas medievicas, apparecidas em grande quantidade na vasa de um antigo pogo da Idanha. Essas vasilhas, estou hoje convencido, serem notabilissimamente do periodo lusitano-arabico- 172 O AxcHEoLoco Portucuts Como disse, as fucilidades que encontrei, devo-as directamente a S. Ex.*; indirectamente a outro generoso beirdo e meu particular amigo, o Sr. Aurelio Pinto Tavares Castello Branco, de Val-de-Prazeres, de quem e de cuja Ex.™ Familia, tambem recebi inolvidaveis provas de affeeto e dedicagio. Injustiga seria esquecer o nome do zeloso chefe da estagio do ca- minho de ferro em Alcains, 0 Sr. Abel Cunha Mello e Silva, pela dedicagao e solicitude com que dirigiu 0 delicado servigo de carrega- mentos, quando fiz a remog%o das numerosas e pesadas pedras da Ida- nha para Belem. Muitas outras pessoas na mesma regi&o me cumularam de seus obse- quios: em Medelim, o Sr. Dr. José PintoTaborda Ramos, que ja brindou © Museu com uma ara, onde se 1é 0 nome de uma divindade lusitana inedita ¢ que me hospedou bizarramente durante a exploragiio da Pedra d@’ Anta; na mesma localidade o Rev. Prior Joaquim Antonio da Costa facilitou-me a obtengfio de uma lapide e outras acquisigdes posteriores; e um irmao de S. Rev.*, o Sr. José Joaquim da Costa, offertou outra lapide de propriedade sua, nfio duyidando manda-la transportar até o _logar que mre convinha. : Em Aleafozes, 0 rico proprietario Sr. Joaquim Capello Franco proporcionou-me a acquisig&o e remogio de algumas lapides romanas, existentes naquella povoag%o, contribuindo para o seu transporte com vehiculos de S. Ex.* Da sua quinta da Espadaneira offereceu duas la- pides com inscripgdes romanas, sendo uma optimamente conservada. Teye de as arrancar ao uso que estavam prestando. Além d’isto mais brindou © Museu com um denario do Cabego dos Mouros, uma ma- chadinha de fibrolite e um objecto antigo de latio. Em Monsanto, alem de obsequios prestados pelo Rev. Prior e meu antigo companheiro em Coimbra o Rev. Joaquim Vaz de Azevedo, devo ao Sr, Sebastiéo Henriques, da Cha de Touro, uma arazinha inedita com outrojnome de divindade lusitana. Ao filho.do Sr. morgado de Marrocos, 0 Sr. Antonio dos Reis Mar- rocos, devi as facilidades com que adquiri outra lapide na Bemposta e 0 conhecimento e visita de uma anta nas margens do Aravil, por intermedio do Sr. Dr. Sebastiao Conde. Em Proenga-a-Velha foi offertada ao Museu uma lapide votiva que estava em predio da Ex.™ Sr.* D. Christina de Meneses Pita e Castro, a quem em logar competente’renovo os agradecimentos que S. Ex.* ja recebeu tambem por officio da Direegiio; o Sr. José Claro, 1.° cabo da guarda fiscal tambem cedeu um bello machado de ferro, romano talvez, encontrado no Cabego dos Mouros. O ArcuzoLoco Porruduss 173 Nas Aranhas (Penamacor) o zloso e intelligente professor Sr. Ho- norato Pereira offereceu um pedaco de lapide, uma machadinha pre- historica e um peso romano. O valor dos servigos prestados por estes cavalheiros é para mim tanto maior, quanto é certo que todos os beneficios redundam em favor de um estabelecimento do Estado, qual é 0 Museu Ethnologico Portu- gués, estabelecimento ainda nao inaugurado, nem ent&o aberto ao pu- blico, e que portanto S, Ex.** nao conheciam nem visitaram, guiando-se apenas pelas minhas informagées da occasifio. Estou certo de que ao reconhecerem, no dia em que puderem vi- sitar 0 Museu, os objectos que lhes sio devidos, condignamente ex- postos, hao de sentir orgulho e desvanecimento por verem confirmada a confianca que em mim depositaram e justamente apreciados os seus actos de generosidade. Este fragmento de drula de granito, mede de altura 0",17 e de lado 0",09. F de secg%o quadrada. O seu estado de degradagio mal permite ler: -ANOI Al6 O comego desta palavra tem parentesco com palavras ji conhe- cidas pelos celtistas. Assim em Holder, ob. cit., encontra-se: Anoe-it-ieu-s; Comp. Inser. Lat., vit, 504. B um deus Anocitico. Anoniredi, vem no Corpus, xil, 285; outro deus no dativo. Anunus, nome de homem. Annoan, em Hitbner, Corp. Inser. Lat., 11 4976, 1. Estes cotejos nao tornam impossivel a leitura inieial da 1.* palavra da epigraphe. A 2.* linha poderia ser aecus ou aicus, a jugar de alguns vestigios. Provém de Monsanto. 174 O ArcuEoLoco Portuaviés Il 5 od ARENTIVS p< ARENIO SVNVA CAIALI.F VSLM ‘Traduegiio: ARENTIO SVNVA CAMALI.Fiilius) V(otum) S(olvit) L(ibens) M(erito) Ao (deus) Arencio, Sunua, filho de Camalo, sew voto cumpre satis- feito pelo favor. Ara que mede de altura 0",49, largura 0",83, espessura 0",17 ¢ 0",26, e procede do Chio do Touro, arredores de Monsanto. Encontrei-a no pateo da casa do Ex.™ Sr. Se- bastidio Henriques, que a meu pe- dido com ella presenteou 0 Museu Ethnologico Portugués em 1904. Foi jA publicada nas Religides da Lusitania, 11, 3221, mas entra, por direita razio, nos meus ine- ditos. As letras da 1.* linha tem de altura 0,55 e as da ultima 0,025. Tanto acérea d’esta pequena ins- cripgie como de outras, abste- nho-me de tentar a determinagio da sua antiguidade. A nfo haver uma ou outra letra caracteristica, cuja paleographia nao possa ser recuada alem de certo limite, é quasi sempre arriscado, em monumentos romanos das provineias, tirar conclusdes precisas da forma especial dos caracteres. A impericia dos canteiros assinalada pela sua falta de educagio profissional e a ausencia de paradigmas por assim dizer officiaes nestas regides de Roma afas- ' Veja-se tambem Arch. Port., xu, 177. O ArcuEoLoco Porruauis s 175 tadas, subtraem grande parte do valor a taes illages. Todavia creio que dentro de uma povoacao, como foi o nucleo da civitas Igeditanorum, onde a abundancia de lapides ¢ tal que permitte suppor a existencia do lapidarios profissionaes @ onde se encontram monumentos epigra- phicos de alta correegito paleographica, as conclusdes chronologicas poderaio ter tal ou qual precisio. O presente cippo, embora pertenga aos Igeditanos, no foi porém encontrado na area da povoagio capital, mas em logar bastante afastado e antes muito proximo do actual Mon- santo. Ea verdade é, quanto a elle, que no’contém letra alguma onde se possa firmar uma opiniio chronologica, com algum rigor. O que é certo é que esta ara granitica é uma das mais bellas e de letreiro melhor conservado. O Sr. Dr. Leite de Vasconcellos esereveu ja acérca d’ella nas Relig. da Lusitania, 11, 322, que o voeabulo ARENTIVS, apesar da sua feigio alatinada, deve ser como o das outras personagens do monumento de procedencia celtica ou barbara. Posteriormente a este meu achado, o Sr. Tavares de Proenga Junior, infatigavel explorador do districto de Castello Branco, editou um monumento que veio valorizar 0 do Museu Ethnologice. Foi uma ara em que nos surge este facto que creio ser apenas o segundo na hierologia lusitano-romana conhecida, 0 unico po- rém subsistente: um deus e uma deusa com 0 mesmo onomastico de origem preromana!, O nome do dedicante SVNVA nio é inedito, e Holder considera-o de origem celtica. Castello Branco, Viseu, Carquere e Coria siio as pro- cedencias d’esta palayra®. Junte-se mais Monsanto da Beira. Péde ser masculino ou feminino. CAMALYVS, mais commum na Gallecia, ¢ tam- bem olhado como celtico. Aqui temos pois uma ara radicalmente extra- romana. 4 Vid. Arch. Port., xu, 177. 2 Hitbner, Corp. Insor. Lat., 1r, 410, 784, 785, 886 e 5577, e Arch. Port., xit, 172. 176 O ARCHEOLOGO Porruauss Hl — 45 BA...DIA —— MVN @DI-ICAED MYV{NID I(la?) .IGA ED(tanus) BASPIA BA??IA (V-S-L-A-] Traduegto: ?} Ao (deus ou deusa?) Ba ¢ d faeces el Mu(n)di(lla?) igeditano [sa- ; tigfeito cumpre um voto. . .)- Fragmento de ara de granito; mede na maior largura 0",37; altura ‘0,22; espessura 0,26. Provém de Monsanto. O estado em que o Museu Ethnologico adquiriu esta ara torna de extrema difficuldade a sua lei- tura na parte que subsiste. Eram dois pedagos de granito que se justa- punham 6 certo, mas em que as fracturas damnificaram letras hypo- theticamente substituiveis. A 1.* linha da epigraphe esté em uma moldura da cornija. A 1.* palavra comega por MY... e termina (provavelmente por abreviatura) em DI... Isto 6 0 que se vé. Da terceira letra desta palavra existe a parte superior formada por um angule agudo, como para um M ou N. Poderia tambem suppor- se ahi um A, que viria depois do V, e para isso alguns exemplos se 0 A REERROHONO: Pownoaes 17 obteriam aynvad BANDVA; SAVR....), mias a essa-letia deveria seguir-se outra, que 6a deatruida, € que neste caso sé poderia ser das yogaes o E (para o I sobejaria assim espago) e das consoantes L N R. © resultado, d’esta hypothese 6 tHo pouco acceitavel que me: inclino para a outra; isto 6, deve suppor-se ali M ou N. Como M: ou N s6 mal péde ser, resta adivinhar.a letra, que tem de oceupar 0 espago que duvidosamente agora se encontra antes do D. Essa seria, provavelmente ‘I; se para alguma vogal ha logar, no po- deria ser outra. E das consoantes, qualquer fe fosse, peelseine wit grupo inadmissivel. Alem de M, a letra incompleta pode ser um N. Nesta ignite, a letra que se seguiria, se alguma fosse, tambem no poderia deixar de ser uma vogal. Teriamos pois chogado a estas conclusées para a 2:* syllaba da 1.* palavra; MI‘, NA, NE, NO, NV, sem excluir NI, d’onde resultam as formas incompletas de MVMIDI... MVNADI...

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