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Weber, Max (1921[1999}) Economia e Sociedade. Brasilia Editora da UNB, Capitulo IIl“Os Tipos de Dominaga0"™139-188 Capitulo It OS TIPOS DE DOMINACGAO 1. A vigéncia da legitimidade § 1. Segundo a definigio j4 dada (capitulo 1, § 16) chamamos “ Probablidade de_enconurar obediénci para oxen ‘erm! jinacio” a is especifieas (ou todas) dentro. de grupo de-pessoas. Nio significa, portanto, toda espécie de possibilidade “poder” ou “influ€ncia” sobre outras pessoas. Em cada caso individual, a dominacao (autoridade”) assim definida pode basear-se nos mais diversos motivos de submissio: desde o habito inconsciente até consideracées puramente racionais, refe rénites a fins. Certo minimo de vontade de obedecer, isto €, de interesse (externo ou interno) na obediéncia, faz parte de toda relacio auténtica de dominacio, Nem toda dominagio se serve de meios econdmicos. E ainda muito menos tem fins econémicos. Mas toda dominacio de uma pluralidade de pessoas requer normal mente (quo invariavelncn@) om quiche de peas (quo slminiseat vf tulo I, § 12) isto & a probabifidade (normalmente) confiavel de qué haja uma aco ‘irigtda especlalnienie& execuclo de disposigbes geras ¢ ordens Concretas, por parte de pessoas identificavejs com cuja obediéncia x pode contar. Esse quadroadminisirativo pode estar vinculado 2 obediéncia a0 senhor (ou a0s senhores) por costume ou de modo puramente afetivo, ou por interesses materiais ou por motivas ideais (racionais referentes a valores). A natureza desses motivos determina em amplo grau 0 tipo de dominacéo. Motivos puramente materiais e racionais referentes a fins da vinculacio ‘entre senhor e quadro administrativo significam, aqui, bem como em todos os demais aos, uma relacdo relativamente instivel. Em regra, entram nessas relagées também ‘outros motivos — afetivos ou racionais referentes a valores. Em casos extracotidianos, «estes podem ser 05 inicos decisivos. No cotidiano, essas e outras relacbes sio dominadas pelo costume e, além disso, por interesses mareriais e racionais referentes a fins. Mas hem 0 costume ou a situagio de interesses, nem os motives puramente afetivos Ou racionais referentes a valores da vinculagdo poderiam consttuir fundamentos confiveis de uma dominagio. Normalmente, junta-se a esses fatores outro elemento, a crenca na legitimidade ‘Conforme ensina a experincia, nenhuma dominacdo contenta-se voluntariamente ‘com motivos puramente materiais ou afetivos ou racionais referentes a valores, como possibilidades de sua persistencia. Todas procuram 1 cultivar a crenga em sua “legitimidade”. Dependendo da natureza da Tegitimidade pretendida diferem o tipo da obedigncia e do quadro administrativo destinado a carter do exercicio da dominacio. E também, com isso, seus el niente distinguir a classes de dominaco segundo suas pretensdes tipicas&legitimidade, Para esse fim, é pritico partir de condigées modernas e, portanto, conhecils. 140 MAX WEBER 1. A decisto de escolher para a distingio este ponto de partida e nenhum outro s6 pode serjustficada pelo resultado. A circunstincia de que, dessa maneira, outros ragosdiscriminativos tipicos passam, por enguanto, para o segundo plano e s6 mals tarde possam ser incluidos na anilise nao parece um inconveniente decsivo. A "egkimidade” de uma dominagio — j4 que ‘guarda relagdes bem definidas para com a legitinifdade di propriedade” — tem-ium alcance «que de modo algum ¢ puramente "ideal 2, Nem toda "pretensio'"convencional ou juriicamente garantida pode ser chamads “rela ‘glo de dominacio" De outro modo, o trabalhador, na proporcio de sua pretensio salarial, Seria "senior" do empregador, id que a seu pedido pode ser the posto disposigio um executor de medidas judiciais. Na verdade, formalmente, ele é, em relacdo 20 outro, parceiro numa ‘roca, com “direito” a receber deierminadas prestagbes- No entanto, © conceito de relagao de ‘dominago nao exclut a possibilidde de esta tee sudo em virtude de um contratoFormalmente livre: assim, a dominagio do patrio sobre o trabalhador, que se manifest nos regulamentos ¢ instrugées de trabalho, ou do senor sobre o vassalo, que entra voluntariamente na relacio feudal A circunstincia de que a obediéncia em virtude de disciplina militar €formalmente "invo- luntiria", enquanto que a obediéncia em virude de disciplina de oficina éformalmente volun: ‘ra, nda muda no faro de que também a disciplina de oficina é submissio a uma dominagio. ‘Também o cargo de funcionario publico é assumido por conteato & denuncidvel, e mesmo 4 relaglo de “sidito pode ser aceta € (dentro de certs limites) desfeitavoluntariamente. A involuntariedade absoluta 56 existe no caso do escravo. Por outro lado, no se pode chamac “dominacio" qualquer "poder" econdmico condicionado por siuagio monopoliea, ito €, neste «as0, a possbilidade de" ditar” aos parceiros as condiges da troca, asim como qualquer outea “influencia” condicionada por superiordade erotica, esportiva, argumentativa ee Quando Um grande banco ¢ capaz de impor a outros um “cartel de condigbes", isto ndo Se pode chamar ‘dominagio” enquanto no exista uma relacio de obediéncia imediata, de forma que sejam dads e controladas em sua execucio instrugées por sua direcio, com a pretensdo e a probabi lidade dle que sejam respeitadas pura e simplesmence como tis, Naturamente, nesse caso, como fem todos os demais, a transicio é fluida: da responsailidade por dividas até a escravizacio Por dividas existem todas as situagbes intermédias possveis. E a posicio de um "sal30" pode ‘hegar aos limites de uma situagio de poder autoritéia, mas nem por iso ser “dominagio’ Na realidade, uma diferenciacio exata & muitas vezes impossivel, ¢justamente por isso torna:se maior a necessidade de conceitos claros 3a eg ‘de uma dominagio deve natualmente ser-considerada apenas um. |] probabilidade.de, em gray rel ‘ser feconhecida ¢ praticamente tratada como tal de Tonge ocorre que f ncaa uma dominacao eveja orienta primordalment (ou, Ppelo menos, sempre) por essa crenea. A obediéncia de um individuo ou de grupos intros pode Ser dissimulada por uma questio de oportunidade, exercida na pritica por interesse material préprio ou aceita como inevtivel por Fraqueza e desamparo individuas, Mas sso ndo é decisivo para identificar uma dominagio O decisivo € que a propria. pretensio de legiimidade, por sua natureza sea “valid” em grau relevante, consolide sua exiténciae determine, entre outros Tatores, 4 natureza dos meics de dominagio escolhides. Uma dominacio pode também estar arantida de modo to absoluto — caso frequente na prética — por uma comunidade evidente ‘de interesses entre o senhor e seu quadro administrativo guardas pessoais, pretorianos, guardas ‘vermelhos” ou "brancos”) perante os dominadas e sua situacio indefesa a porto de ela propria ‘estar em condiqdes de desdenhar toda pretensdo de “legitimidade” Mas mesmo nesse €2s0) 4 natureza da relacao de legtimidade entre o senhor e 0 quadro administrativo pode ser ber diversa, dependendo da natureza do fundamento de auoridade que existe ene eles, sends cesta consideravelmente decisiva para a estrutura da dominagio, como se mostrar mais tarde 4 “Obediéncia" significa, pra nds, que a aglo de quem obedece ocorre substancialmente ‘como se este tivesse feito do contesido da ordem e em nome dela a maxima de sua conduta, iS0 unicamenre em viewde da felagdo formal de obedigneia, sem tomar em consideracio) 2 opinido propria sobre o valor ou destalor da ordem como ta 5, Doponto devista puramente psiol6gico, acadeia causal pode mostra formas diferentes pode ser, especialmente, "inspiracio” ou "intuicio” No entanto, essa distingio no & dl para 2 consirugio dos tipos de daminagio, ECONOMIA E SOCIEDADE. M1 6. © mbito da influéncia com caréter de dominacio sobre as reagies socials € os fendime- ‘os culturas € muito maior do que parece 4 primeira vista. Por exemplo, € a dominagio que se exerce na escola que se reflete nas formas de linguagem orale escrita consideradas ortodomas. (Os dialetos que funcionam como linguagem oficial das associacdes politicas autocéfalas, poranto, de seus regentes, vieram a ser essas formas ortodoxas de linguagem oral ¢ escrta e levaram as separagoes “nacionais" (por exemplo, entre a Alemanha e a Holanda) Mas a dominacio eexercida pelos pais ¢ pela escola estende'se para muito além da influgneia sobre aqueles bens culturais (aparentemente apenas) formals até a formacio do carter dos jovens e, com iss, ‘dos homens. 7. Acircunstancia de o dirigente ¢ o quadro administativo de uma associacio aparecerem formalmente como "servidores" dos dominados, nfo constitu, naturalmente, nenhuma prova conta o cariter de “dominacio". Mais tarde voltzremos a falar particularmente dos fendmenos -materias da chamada “democracia". Em quase todos 0s casos concebiveis,cabe atrbuir 20 dlirigente e 20 quadro um minima de mando decisiwo e, portanto,d § 2. Hi tr tipos puros de dominacio legitima, A vigencia de sua legitimidade pode ser, primordialmente: 1. de cardter racional: baseada na crenca na legitimidade das ordens estatuidas do direito de mando daqueles que, em virtude dessas ordens, esto nomeados para ‘exercer a dominacio (dominacao legal), ou 2. de cardter tradicional: baseada na crenca cotidiana na santidade das tradigbes vigentes desde sempre © na legitimidade daqueles que, em virtude dessas tradigbes, ‘epresentam a autoridade (dominagio tradicional), ou, por fim, 3. de cardter carismduico: baseada na veneracio extracotidiana da santidade, do poder herdico ou do cardter exemplar de uma pessoa e das ordens por esta revelidas ‘ou etiadas (dominacio carismatica) No caso da dominagio baseada em estatutos, obedece-se & ordem impessoal, objetiva ¢ legalmente estatuida e aos superiores por ela determinados, em virtude da legalidade formal de suas disposigbes e dentro do Ambito de vigéncia destas. No caso da dominacio tradicional, obedece-se a pessoa do senhor nomeada pela tradicio € vinculada a esta (dentro do ambito de vigéncia dela), em virtude de devocio aos habitos Costumeiros. No caso da dominacdo carismitica, obedece-se ao lider carismaticamente ualificado como tal, em virtude de confianca pessoal em revelacio, heroismo ou exem- plaridade dentro do mbito da crenca nesse seu carisma 1 mae ea ng cmp lea sett a Sale ere ee sents Qe a gansta a Sete inal Scven geet mages et Reick selakatnninihtcast Weslge tte ats cee ras SES eae ae 2 Sind ae sos ea enemas nae eo v0 on a lee Sac a ee Sager an omc tane tas por pod au eg hee seit ton cee arg, as ae ett alate ban Sco ss aes aa ‘Shame meer esas, eaeyh ca es ta oer eths tear emits aes ta eel ae Sees oe en forma de dominacdo, o que hé nele de “carismatico”, de “carisma hereditério” (§§ 10, 11), Mesa iPS y GoR rte gS Santa Sia ca Sennen erate 12 MAX WEBER ‘mente inequivocos. Nem de longe se cogita aqui sugerir que toda a realidade histérica pode ser “encaixada'" no esquema conceltual desenvolvido no que segue 2, A dominacio legal com quadro administrative burocratico Observacio preliminar: Partimos aqui deliberadamente da forma de administragdo especi- ficamente moderna, para poder depois contrastar com esta as outras formas § 3. A dominagdo legal baseia-se na vigéncia das seguintes idéias, entrelacadas centre si 1. que todo direito, mediante pacto ou imposigio, pode ser estaruido de modo ‘acional — racional referente a fins ou racional referente a valores (ou ambas as coisas) — com a pretensio de ser respeitado pelo menos pelos membros da associacio, mas também, em regra, por pessoas que, dentro do ambito de poder desta (em caso de associagbes territoriais: dentro do teritério),realizem ages sociais ou entrem em deter ‘minadas relagbes sociais, declaradas relevantes pela ordem da associagio, 2. que todo direito é, segundo sua esséncia, um cosmos de regras abstratas, nor- ‘malmente estatuidas com determinadas intengbes, que a judicatura é a aplicacio dessas Fegras ao caso particular € que a administragio € o cuidado racional de interesses pre vistos pelas ordens da associagio, dentro dos limites das normas juridicas e segundo Principios indicavels de forma geral, os quais encontram aprovacio ou pelo menos nio sio desaprovados nas ordens da associacio, 3. que, portanto, o senhor legal tipico, 0 superior”, enquanto ordena e, com isso, manda, obedece por sua parte a ordem impessoal pela qual orienta suas dispo- sigbes Isto se aplica também ao senhor legal que nio é “funciondrio piblico”, por exemplo, ‘o presidente eleto de um Estado 4. que — como se costuma expressi-lo — quem obedece s6 0 faz como membro da associagio € sé obedece “ao direito”; ‘Como membro de uma unio, comunidade, igreja; no Estado: como cidadao. . 5. que se aplica, em correspondéncia com 0 topico 3, a idéia de que os membros «da associacio, 20 obedecerem ao senhor, ndo 0 fazem pessoa deste mas, sim, aquelas ordens impessoais e que, por isso, s6 estlo obrigados & obediéncia dentro da compe- ‘téncia objetiva, racionalmente limitada, que the foi atribuida por essas ordens, ‘As categorias fundamentais da dominacio racional sto, portanto, 1. um exercicio continuo, vinculado a determinadas regras, de fungdes oficiais, dentro de a 2. determinada competéncia, 0 que significa: ) um mbito objetivamente limitado, em virtude da distribuigio dos servicos, de servigos obrigatérios, '5) com atribuicio dos poderes de mando eventualmente requeridos € ©) limitacio fixa dos meios coercivos eventualmente admissiveis e das condig6es de sua aplicacao. tm exerico organizado desa forma denominamos“auordade institucional ECONOMIA F SOCIEDADE 143 “Auoridade institucional existe neste sentido, naturalmente em grandes empresas priv das, partidos, exércitas, do mesmo modo que no “Estado ¢ na “igeeja". Assim, também, no sentido desta terminologia o presidente eleito do Estado (ou 0 colegio dos ministros ou dos “representantes do pov" eleitos) & uma “autoridade instinucional". Mas essas categorias no interessam por enquanto, Nem ‘oda autoridade institucional tema “‘poderes de mando” neste ‘mesmo sentido, mas tampouco essa disingio interessa aqui ‘A essas categorias se junta 3. 0 principio da hierarquia oficial, isto €, de organizacio de instincias fas de controle e supervisio para cada autoridade institucional, com o direito de apelacio ‘ou reclamacio das subordinadas as superiores. Regula-se de forma diversa a questio de se ¢ quando a propria instincia de reclamacio repbe a disposicao a ser alterada [por outra “correta” ou dias respectivas instrugbes & insténcia Subordinada & qual se refere a reclamacio. 4. As “regras” segundo as quais se procede podem ser a) regras técnicas, ‘b)normas. Na aplicacéo destas, para atingir racionalidade plena, & necesséria, em ambos (0 casos, uma qualificacio profissional. Normalmente, portanto, s6 esto qualificados a pantcipagio no quadro administrativo de uma associagao os que podem comprovar luma especializagio profissional, e s6 estes podem ser aceitos como funciondios. Os “funciondrios” constituem tipicamente o quadro administrativo de associacbes facio- fais, sejam estas politicas, hierocréticas, econdmicas (especialmente, capitalistas) ou 5. Aplica-se (em caso de racionalidade) o principio da separacio absoluta entre © quadro administrativo € as meios de administracio e producio. Os funciondrios, empregados e trabalhadores do quadro administrative nao estio de posse dos meios materials de administragdo e produgio, mas os recebem em espécie ou em dinheiro e tém responsabilidade contabil. Aplica-se o principio da separacio absoluta entre 0 PatrimOnio (ou capital) da instituicio (empresa) e o patriménio privado (da gestao patr monial), bem como entre o local das aividades profissionais (escrt6rio) e © domicikio dos funcionsrios. 6. Em caso de racionalidade plena, nfo hi qualquer apropriagio do cargo pelo

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