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O ROMANCE FEMININOG DO SECULO xviii Em um de seus numeros do ano de 1773, 0 Monthly Review constatava que “this branch of the literary trade appears, now, to be almost entirely engrossed by the Ladies”, comentando a presen indfectivel e numerosa das mulheres entre os autores ie romances que resenhava. Tratava-se de fendmeno inaudito num mundo em que as “belas letras” haviam sido territério qua- se exclusivo da pena masculina e de prova inequivoca de que as mulheres ocupavam de forma cada vez mais inegével a cena li- terdria e se apropriavam de forma cada vez mais visivel do novo género. A Inglaterra havia conhecido escritoras no século XVII, mas clas haviam sido poucas e suas obras haviam ficado, quase na maio- ria dos casos, restritas ao dominio privado. O que se via agora, um século depois, era uma verdadeira invasio da arena ptiblica. Asex- plicagdes para a migragao das mulheres para a atividade literaria ~eaquileia-se romance—no século XVIII sao de diversas ordens: amaior disponibilidade de tempo e de lazer, para aquelas que per- tenciam as camadas médias e superiores; uma temdtica mais afei- taaseusinteresses e aos limites de sua educagao (casamento, amor, questées domésticas); a ruptura que 0 Novo género operara com 0s modelos cléssicos, 0 que abria possibilidades para todo um contingente de produtores que nao tinham familiaridade com & tradicao classica; a maior liberdade formal que caracterizava 0 a = monopolizado pe lasts ame do comérco literitio parece, agor, estar quase inteiramente monopolizado P' las senhoras,” 104 0 ROMANCE INGLES . jas convengées estavam ainda ; novo género, cujas conveng em formacao; Teais necessidades de natureza financeira. ‘ cule ém, se colocava ami Varios obsticulos, porém, secolocavam no caminho daquegs que pretendiam exercer suas potencialidades ¢ encararo exerci, daliteratura. Asdesejaveis modéstiaereticéncia ferinina,asopo, tunidades limitadas ¢ a forte carga imposta por normas patria. cais aparentemente inelutaveis, empenhadas em restringir 0 aces. , dificultaram, mas nig so das mulheres a esfera ptibl impediram, que, ainda que sob pseud6nimo ou de forma anéni- ma, muitasabragassem aatividade literdria. Havia o precedente de Aphra Behn (1640-1689), a poeta, dramaturga e ficcionista da Restauracao considerada a primeira mulher a ganhar a vida escre- vendo. Depois, vieram Mary Delariviére Manley e Eliza Haywood, também escritoras profissionais. Mas suas crénicas escandalosas ‘ou amorosas fizeram pesar sobre elas acusag6es de imoralidade ea mé reputagao que angariaram as colocou além dos limites da res- peitabilidade, tornando-as, inclusive, alvo de sdtira. Pope nao poupou Haywood, aquem descreveu como uma “slip-shod Muse” (Musa desmazelada) em seu Dunciad, por integrar o mundo pi- blico dos escritores de aluguel e sem importncia. Richardson, por sua vez, clamou por um “antidoto parao veneno dessas mulheres”. Esses ataques apenas traduziam a crenga bastante generalizada de que ser escritora era sindnimo de devassidao sexual. Numa socie- dade que equiparava “publicar” a “tornar-se piiblico”, condenando a participagao feminina nacultura escrita como um pecado imper- doavel em mogas e senhoras de condigio, foi preciso negociar os termos de aceitag4o, e a saida que muitas escritoras encontraram foi restringir-se 4s nogées prevalecentes do que era feminino. As- sim, mais atentas & sua reputacao, mulheres “respeitéveis” como Jane Barker, Penelope Aubin ou Mary Davys enfrentaram o desafio mantendo-se rigorosamente dentro dos limites da modéstia e da moralidade em suas histérias pias e morais. A bem da verdade, 2 moralidade também era requisito para os escritores do sexo mas- Nn 0 O02 SETIMA eho ge } calino, embora isso tenha sido sempre cobra mais insistente ¢ severa, pois nao se podiam admitirtansproce isinssrentee seve agresibe | no “elo sexo", Que as mulheres eran oud ees do delas de forma ‘ aventurar no mundo da literatura é, rar no, “onstrangidas ace por parte dasociedade ‘ua busca por uma vor pi | do romance, ctiando uma aque pertenciam, elas, no entanto, na , ajudaram a forjar as convenes tradigao do romance feminino, CONDIGGES DE VIDA. Nao € possivel, dessa forma, discutir 0 culo XVII sem lembrar as condigdes de vida absolutamente res- tritivas a que estiveram submetidas as mulheres pelo menos até a metade do século. Viajantes como o francés Béat de Mural con- sideravam a sociedade inglesa do final d refinada, descreviam Londres como um: romance feminino do sé- lo século anterior pouco a cidade onde os homens se entregavam aos vicios e demonstravam um. comportamento grosseiro e brutal e se espantavam com a reclusio eo abandons em que viviam as mulheres inglesas, cujas qualidades e possibili- dades eram aniquiladas por suas co! ndigbes de existéncia e pela vontade dos homens. A organizacéo da vida social dividia os se. x05, obrigava as mulheres a uma situagio de dependéncia, as Privava de educagio e as condenava a indiferenca masculina ea um cotidiano aborrecido e vazio. A ascenséo da burguesia, no entanto, provocando uma profunda transformagao na vida in- glesa, trouxe nao apenas prosperidade mas petmitiu importantes mudangas nos costumes e na vida cotidiana de homens e mulhe- tes, cujo melhoramento passa a ser visivel nas ruas € nas casas € no refinamento do gosto e das maneiras. Para isso, contribuiram em larga medida os esforcos de periédicos como o Spectator, empenhados em reformar os costumes e defender novas tarefas © papéis para as mulheres, cruzada que os romances também iriam 10 do século, ao assumir umai vender ao longo do sécu alin empreender 2 vig, cao moralizadora anizagao do trabalho dentro da ordem c, A novaorg: . ° Pitalise, nar acasa do mundo da produgio ¢ do comércio red separar a casa . > Tedurirg sposesde trabalho para as mulheres, diffcultara seu acesgy opso' SS mui. refugiarem-se n ‘tividades piblicas e as fiz a esferad pr tas ; : do doméstico. A burguesia ampliou 0 controle social ae Sobre ; eal de feminilidade que preconizava para a mulher a funcio exe), de esposa e mae. Assim, mesmo quando as mulheres adquiri doe clase universalizou um padao de conduta caleado num i siva ; . tam visibilidade literdria e conquistaram para si um lugar na cultura impressa, esse lugar sempre foi definido segundo os termos daideo. logia da domesticidade. Essas idéias, principalmente relativasasey papel social e 4 institui¢ao do casamento, foram incansavelmente difundidas nos mais diversos tipos de publicagées & disposicao do ptiblico leitor setecentista. Os periddicos, as revistas femininas eos romances foram armas poderosas na divulgacao de novas atitudes e valores e funcionaram como fonte importante de instrugao para a maioria das mulheres, para quem a escola nao constitufa Propria- mente uma op¢ao. A renga na inferioridade biolégica da mulher e na sua baixa ca- pacidade para os assuntos sérios e para as atividades intelectuais ex- plicava, em grande medida, sua posicao social eo pequenoempenho em facultar-lhe 0 acesso & educacao formal, & reflexio filoséfica, & cultura clissica e ao conhecimento cientifico. Para elas, escolatida- de significava, no melhor dos casos, um curriculo limitado e pouco exigente: o aprendizado dalleituraeda escrita, danga, rudimentosde misicaedesenho, posturae, menos freqiientemente, umalinguaes- trangeira. Suas leituras se restringiam aos romances de cavalaria, 29s romances herdicos franceses ¢ aos livros de conduta. As poucas &- Cesdes, como Hannah More, a bluestocking Elizabeth Montage % ahelenista Elizabeth Carter, apenas confirmam a regra geral. Filhas daburguesiae da Pequena nobreza, na maioria dos casos, as roma” f SETIMA LICGAO 107 cistasfreqiientavam, na melhor das hip6teses, um internato ou re- cchiam alguma instrugio no seio da prdpria familia. Hannah More ao contestar oimperativo da ocultagio das capacidadesintelectisin femininas numa sociedade que, de qualquer modo, nao asestimu- Java, apenas levantou sua voz contra constrangimentos sociais como este, expresso pelo Dr. John Gregory, em Legacy to his Daughters (1774): { Se por acaso tiveres algum conhecimento, mantenha-o como um segre- do profundo, especialmente dos homens, que em geral olham com um olhar ciumento ¢ maligno uma mulher de grande talento, cultivo edis- cernimento. Um homem de verdadeiro talento e franqueza é muito su- i perior a essa mesquinharia. Mas um desses poucas veves atravessari seu at caminho. O ROMANCE COMO MEIO DE EXPRESSAO FEMININA. | Com tantos empecilhos edificuldades, como explicar, entio, o surgi mento de uma quantidade expressiva de romancistas, digna de fazer companhia aos assim chamados “pais fundadores” do romance? As exortagées para que fossem discretas e reservadase para que se limicas- sem a exercer influéncia na casae na familia certamente no combina- vam com ambigées literdrias. Entretanto, o romance foio instrumen- toescolhido por muitas delas exatamente como meio deexpressio, de demiincia, de revolta e de recusa de sua situagio. As condiges de pos- sibilidade para isso foram encontradas no proprio meio linaitado em quevi iam. O relativo desenvolvimento da instrugao entre as mulhe- res, dentro das limitagoes descritas acima, somado ao desejo de inde- pendéncia financeira eA necessidade de encontrar uma distragao, ex- plica a diferenga entre a situagio das mulheres nas primeiras décadas 'o original: “If you happen to have any'learning, keep it a profound secret, the men, who generally look w cultivated understanding. Am | But such a | | | do século ea partir do decénio de 1750. Contando com a protesao ¢ | of g or go such meanness. jealous and malignant eye on a wor: of veal g We lout is far supe re will seldom fall your way 108 0 ROMANCE INGLES ncorajamento de romancistase homens de letras como Samue| Ri. 0 encoraji " 7 hardson, Henry Fielding ¢ Samuel Johnson, como foi o caso de §, chardson, y Sa «ss Fieldinge Charlotte Lennox, ott vencendo 0 med eas restiigies Burney ou Frances Sheridan, algumas atriscaram a mio como Fanny cencararam, timida ou anonimamente, 0 desafio de enfrentar as con- vengoes sociais ¢ invadir um territério até entao quase exclusivamen- olhado romance como género literdrio parecia um temasculino. Aes caminho ébvio e inescapavel. Era uma forma literdria ainda em for- jo, sem convengoes ou regras formais rigidas, sem tradicao ou raf- mat zes¢, depois de Richardson, tratava do mundo da casa, da familiaedos sentimentos. Um género feito sob medida para elas, justamente por centrar-se sobre a vida privada ¢ os assuntos domésticos, experiéncias centrais para as mulheres, como constataria Virginia Woolf, buscan- doexplicaro interesse feminino pelo romance. A empreitada mereceu © entusiasmo da conhecida feminista, que, em Um teto todo seu (1929), reconheceria nisso um feito histérico: “Assim, para o término do século XVIII promoveu-se uma mudanga que, se eu estivesse rees- crevendo a hist6ria, descreveria mais integralmente e consideraria de maior importanciado queas Cruzadas ou as Guerras das Rosas. A mu- Iher da classe média comecou a escrever”. Por volta da metade do século, portanto, as “Amazonas da pena’, como Samuel Johnson as chamou, comegaram a afirmar seu direito & expressio literdria. Da produgao de cerca de dois mil romances, publi- cados até 1800, segundo dados de Ian Watt, é quase impossfvel preci- sar quantos foram escritos por mulheres, uma vez que ha os que desa- pareceram sem deixar rastro, os anénimos, ou aqueles simplesmente identificados com um “By a Lady”, muitos deles suspeitos de terem sido perpetrados pelos onipresentes escritores de aluguel, que tam- ‘Virginia Woolf. Uan teto todo seu. Tradugio de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro, Nova Front ra, 1985, p. 86. No original: “Thus towards the end of the cighteenth century a change came about which, if I were ‘writing history, I should describe more fully and think of gre- " the Crusades or the Wars of the Roses. The middle-class woman be- to write’ (A Room of Ones Own, p. 62-3), ater importance 8 SETIMA LIGKO oe pin no titeavam em acotar pseuddnimos fetmininos. No qued INO que diz " ; } assim, apenas quan- Jo foram efetivamente assumidos por suas autoras, A Pratica da ocul. . ocul- peito a nuimeros, estamos em terreno seguro, tao da identidade oi, 0 mais das vezes,estratagema utlizado pr ‘ a evitar sejaa condenagio moral, seja a incompreensio dos criticos, es6 ahanclonada quando o sucesso oto apoio familiar ede amigos asen- corajava a assinar seus prefacios ¢ admitir a autoria de seus livros J. M.S. Tompkins traduz muito bem a mentalidade que presi- du aenttada dessas mulheres no mundo das letras ea atitude que celhes exigia: Deixem que uma mulher escreva para preencher suas horas vagas, fornecer leiturasinocentes paraos jovens ou ganhar a vida; 0 zelo moral era uma jus- tificativa consentida ea pobreza, uma desculpa aceita; mas havia um moti- ‘vo que nao podia ser justificado nem desculpado —aambicao, a “jactincia” de poder consciente, ansiando realizar sua tarefa e receber sua recompensa. ‘Aatitude adequada para o talento feminino era a modéstia; o campo ade- quado para seu exercicio, o circulo estreito de seus amigos intimos: ese, por qualquer das razées permitidas, ela pisasse fora do circulo, deixem-na pelo menos evitar diligentemente a imputagao desonrosa de seguranga.. O “estado de timidez envergonhada” das romancistas levou-as, regra geral, a apor justificativas e explicagdes de varias ordensaseus romances, na tentativa de ganhar a simpatia dos criticos, vencer suas reservas, atenuar sua severidade ou evitar sua reprovagio, “the lash of criticism” (0 litego da critica): desculpas pela falta de ralen- to ou experiéncia, reconhecimento dos ertos em matéria de estiloe 4J.M.S- Tompkins, The Poplar Novel in England, 1770-1780. Lonres, Methuets 96h P 116. No original: “Leta woman write to amuse er leisure cope pots moral zeal was an ace {neither be justitial ner hours, co instruct her $e, pte justification ss reading for the young or to boil the was one motive which could efor its ask peitarm it ¢ i alent was diflidences the proper fel For its mete of She pried reasons she stepped T nnpuracion of assures an accepted excuse; but thet “a eve i craving (© excused ~ ambition, the ‘boast’ of conscious pow’ ‘reward. ‘The proper attitude for a fe the narrow circle of her intimate friends; and if for any Outside the cirele, let her at least sedulously avoid the disgracet ities) le gramitica, necessdade financeira Falhas todas justify, | gunde seus argumentos, diante do objetivo maior de ofan” ; Sag publico uma obra de edificagio moral. Antecipando-ye, = ‘i . ca pediam aos resenhistas ¢20 piblica compreensio ecleménein, : cia pary 0s “erros femininos” ao mesmo tempo em que declaravarn Sua re. nuncia a qualquer pretensao literdria em nome da Promocan “das virtudes sociais e domésticas”, REPRESENTAGOES DO FEMININO Enquantoa pena masculina devia ser instrummento do discurse racio. nal, da escritora se exigia que fosse apaixonada e espontinea, quees. crevesse a partir de um ponto de vista pessoal € que suas palavras luis. sem diretamente do coragao, o quedenunciaa vigéncia, também na escrita, do duplo padrao que vigorava na relacao entre os sexos. A propria recepgao critica estabeleceu assima “diferenga” da escrita fe. minina, como mostra o comentério do Monthly Review de 1766, que vaticinava sobre o romance andnimo The History of Miss Delia Stanhope: “From the ease of the language, the vivacity of spirit, the de- licacy of sentiment, and the abundance of love and tenderness, which we find in this novel, we hesitate not to pronounce, thata Lady wrotcit”’. O Monthly sugeria, dessa maneira, que, do ponto de vista seja temdtico seja estilfstico, os romances femininos eram essencial- mente diferentes daqueles escritos pelos homens e deviam ser defini- dos ¢ julgados de acordo com suas marcas de “feminilidade”. (A cor- rente critica feminista contemporanea que procura encontrar uma especificidade na literatura escrita por mulheres incorre com fre- qléncia no mesmo erro de naturalizare essencializar uma concepgao do feminino, retirando dela qualquer injungao hist6rica.) Grandes praticantes do romance doméstico e sentimental, do qual Richardson havia fornecido o modelo, as mulheres se espe ——___ nen “gem, na vivacidade do espirito, na delicadeza de sentim to € na abundancia de io hesitamos em ner € temura, que encontramos nese romanc senhora o escreveu.” ( ————— SETIMA LIGhO 444 ber dnt se ‘men: reading ad better mind her needle-work, aed suc sand poring on books, would never get ine a Insband™. os p40 ROMANCE INGLES 7 ° x desmesurada da intriga, uso abundance de personage des gens Perea orio, incapacidade deanalise,desfechos arranjados. Ty de repertorlo. a s- Tal. x maisimportante tenha residido no fato de que, py ama . por portincia vez adifereng - euma trama romanesca freqiientemente improvivel, havi, pincar a cena contemporinea a partir do ponto de vie real situago de vida das my detra o desejo de tafemininoelangarum alerta sobr Iheres. Entre o real mental, entreo provavel eo inveross{mil, entre o conformismoeg ta € 0 romanesco, entre o racional ¢ 0 senti- subversio dos valores patriarcais, 0 romance se equilibrou precaria- mente, desenhando retratos ficcionais de mulheres que procura- ram recobrir toda a gama de papéis que a sociedade setecentista Ihes destinara. Dentro de seus limites, elas lograram algo que R. B. Johnson, comparando Richardson eas romancistas que o seguiram, resume de modo certeiro: “jnventar” uma histériaa partir das trivialidades de nossa existéncia cotidiana; revelara humanidade num ché ou numa visita vespertina (...) As mulheres, além de introduzir 0 novo elemento de seu prdprio ponto de vista especifico, tornaram o novo realismo estritamente doméstico; ¢ aprenderam a depender, ainda menos que ele [Richardson], dosinciden- tes excepcionais, mais obviamente draméticos, ou menos normais, da vida real. Se pecou por nao resolver a contento certas dificuldades técni- «as, 0 romance feminino soube realizar a grande vocagao do novo género, isto é, a tematizagao dos embates do individuo diante da ordem social. O cunho autobiogréfico dessas narrativas, 0 recut ieee ae ) f0'make a story’ our of the trivialities of our everyday existence: £ ee a tex patty oF an afternoon call (...) The women, besides introducing the tic; and learned vo dese east il Point of view, made che new realism strictly oo viously dramatic gr eae Fs than he [Richardson], upon the exceptional, mor o ie horn incidents of actual life”. The Women Novelists, Londres de 1740-4 1800 Man bP®: Aspects Genéraues du Roman Féminin en Angleterre Aix-enProvence, Faculté des Lettres, 1966, p. 277, nota 285. SETIMA Ligho co nexperiéncia pessoal de su Autoras, clas mes empenhadas nessa luta pela afirmagie de sociedad adversa, nao diminui sua inegiy, Mas envolyidas ¢ SUAS aspiracdes numa ¢lsignificagio sociale ' feminino nasceu de um con- junto de obras de romancistas como Charlotte Lennox, Francis Sheridan, Prances Brooke, Fanny Burney, Charlotte Sreth Ann Radcliffe, Mary Hays, Elizabeth Inchbald, Mary Wollstonectaf que formaram um verdadiro cinonefemininoebrigaram pelody reito de serem reconhecidasao lado deseus sucedaneos masculinos. O romance escrito por mulheres, compromissado na defesa de seu sexo, contribuiu, certamente, para dara autorase leitoras conscién- cia de sua irmandade e sentido de pertencimento a uma comuni- cocioligica. A tradigao do romance dade de sentimentos, gostos, paixées e sofrimentos. Como argu- menta Nancy Armstrong, hé uma histéria politica naquele territ6rio sobre o qual (...) nossa cultura concede autoridade as mulheres: 0 uso do lazer, 0 cui- dado cotidiano do corpo, as préticas da corte, as operagies do desejo, as formas de prazer, as diferengas de género ¢ as relagies familiares” a . ridusio minha. Nancy Armstrong, Desire and Domestic Fitio |. Oxford University Press, 1987, p. 26-7, No original: “( . are of the body, courtship 1 A Political History of the ‘our culture grants women i practices, the ope authority: the use of leisure time, the ordinary ca Fations of des the forms of pleasure, gender di ITURA SUGESTOES PF Le ARMSTRONG: Nancy. Desire and Domeai Ficnon. A Political oo is. sony of the Novel, Oxford University Press, 1987 synorny, Elizabeth B. 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Por outro lado, expunha, sem pudor, que co- nhecia muito bem a maquinaria gética, pois, enquanto parédia dos romances géticos tao populares na juventude de sua autora, Northanger Abbey contém todos os ingredientes do género e afir- ma, pelo avesso ou pela negacao, todas as suas conven¢ées ao mes- Mo tempo em que denuncia seus exageros. ' Entretanto, Austen parece nao demonstra bra J. M.S. Tompkins, a “perve mo de romances géticos, alarme ou preocupagio, pois, como bem lem ‘perversio na mente de Catherine Morland, por causa de seu const nnio é mais do que um desequilibrio da fantasia, logo endircitado pelo tuma fase da adolescéncia que nao a incapacitaré para a vida adulta’. Ver Popular Novel in England 1770-1800, Londses, Methuen, 1969, p-218: seu natural bom senso, Tompkins, J. M.S. The OITAVA LICGAO 119 Modalidade litera das maisantigasede longa tradigio,afan- tasia, que sempre esteve presente nos mitos, lendas ¢ no folclore, Janga suas raizes também na literatura da desrazao ¢ de terror que se convencionou chamar de “gética”. A publicagao de The Castle of Otranto, de Horace Walpole, em 1764, reintroduziu, por assim dizer, no seio dos ideais neocléssicos de harmonia, decoro e mode- racao, digdes que marcaram a assim chamada Era da Razao. Com esse gé- nero literdrio, reapareciam em cena os fantasmas ¢ espectros que, tendo habitado a literatura até 0 século anterior, o mundo racional e bem ordenado dos augustanos havia pretendido relegar ao es- ohorrivel, o insano eo demonjaco, escancarando as contra- quecimento. O QUE E 0 GOTICO? Como definir 0 gético? O termo “gético” exige uma certa aten¢ao, pois, invocado em contextos diversos nesse perfodo, seus significa- dosse revestem de ambivalénciase tenses, as mesmas que subjazem ao género durante o século XVIII. De uma perspectiva puramente semantica, 0 adjetivo se referia originalmente aos godos, ous tribos nérdicas européias, mas também a qualquer coisa que fosse medie- val ou até mesmo pés-romana. O gético foi construfdo, principal- mente nas décadas que se seguiram & Revolugo Gloriosa, em 1688, como uma categoria controvertida, significando ao mesmo tempo “um perfodo distante e inespecifico de ignorancia e superstic4o do qual surgira triunfante uma nagao cada vez mais civilizada e como uma fonte (igualmente distante) de pureza constitucional e virtude politica da qual a nacio se tornara perigosamente alienada”’. Reme- tia, dessa forma, as origens do povo inglés e de sua cultura, uma cul- tura que queria distinguir-se da greco-romanae que, acreditando-se promotora do amor a liberdade e da democracia, possufa uma his- téria cuja permanéncia se identificava na arquitetura gotica. Apesar = ae Watt. Contesting the Gothic. Fiction, Genre and Cultural Conflict, 1764-1832. Cam- ridge University Press, 1999, p. 14. (Tradusao minha.) WOMANCE INGLES I ynotag io mais positiva, gotico era tudo 0 que fosse antiqua dessa conotaga , do, birharo, feudal cirracions A Fiesico”, em resumo, Esses dois significados, no entanto, foram Jhjeto de disputa e sinalizaram apropriagoes politicas conflitantes “Jo termo, consubstanciadas em duas posigées que apenas encontra- vam uma formulagao clara e precisa mais para o final do século, De cadtico, nio-civilizado. O opos am lado, Edmund Burke, eujo Reflections an the Revolution in Fran. ce. de 1790, utiliza o vocébulo no primeiro sentido, em apoio as ins- vituigoes inglesas da monarquia, da famtliaedo governo. Deoutro,ra- dicais como Thomas Paine ¢ Mary Wollstonecraft, para quem o gotico estava associado a governo despético, a poder arbitrario, a aris- tocracia ¢ aos privilégios hereditarios. Como veremos mais adiante, a mesma tensao ¢ a mesma duplicidade se manteriam também no terreno da literatura. Da perspectiva estética, a contestagao a supremacia dos ideais neo- classicos, abrindo espago para areas da experiéncia humana que ha- viam sido relegadas a segundo plano pelo figurino iluminista, come- caaemitir sinaisda formagao de uma nova “estrutura de sentimento”, para usar a expresso de Raymond Williams. As Letters on Chivalry and Romance, de Richard Hurd, de 1760, por exemplo, continham uma apologia muito franca do restabelecimento dos vinculos com as tradig6es culturais inglesas ¢ da reapropriagao do passado. Ao pro- por devolver sua proeminéncia cultural a antiga heranga britinica, as baladas, a poesia medieval inglesa, a Spenser € aos elisabetanos, Hurd € outros demonstravam seu grande interesse pelas coisas ant- aS € ensaiaram uma reagdo ao augustanismo dominante, cujo idea- rio havia se traduzido, no plano literario, no Essay on Criticism, de Alexander Pope (1711), com sua defesa de uma poesia pautada pelo controle, pelo comedimento pela razao. Do mesmo modo, ¢ come uma corrente subterranea, jd no decénio de 1740 os graveyard poets contestavam o racionalismo € o equilibrio preconizados pelo llumi- hismo, produzindo uma poesia de desafio e de inspiragao divina uc, além de advowa ” a que, além de advogar o sentimento ea paixao, colocava em cena te ah OITAVA LICAO ' 21 _sqceceniitios que se foTNATIAM GATOS 20 romance gético: a morte.o yp anite, gemidos, sepulearas jo renowado interesse pelas coisas antigas eao surgimento des: «poesia vriajuntat-se ainda um terceiro veio~ a teat do subli \c-guic fo buscar em Longino os fandamentos para propor uma ‘seratura que almejava o ilimitadoe o grandioso. dando de ombros , perfeigao técnica e a estrutura ordenada da poesia neoclassica.O “alto a0 sublime iria encontrar no conservador Edmund Burke “ca tedrico contemporineo. A Philosophical Enquiry into the Ori- “our Ideas of the Sublime and Beautiful (1757) foi o tratado cue forneceu as bases para estabelecer relagdes entre a literatura e a rerrot, Ali, Burke distingue dois tipos de sensagées agradaveis: imeiro prazer, paixdo social, é nossa reago emocional ao belo; 0: (0 egoista porque originéria do nosso instinto de o segundo, pair autopreservagao, € 0 prazer que nasce dos sentimentos de dor e pe- rigo, mesmo quando esses esto ausentes, € € a resposta que damos 30 sublime. Como elementos constitutivos do sublime, a obscuri- dade, a vastidao, a magnificéncia. Nao é de estranhar que essas proposigdes tenham partido de Burke, a voz que se levantou con- tra as doutrinas que o século XVIII produzira e que se tornariam a filosofia caracteristica da propria mudanga. Tratava-se, nas pala- vras de Raymond Williams, de uma posigao critica contra a nova sociedade industrial e de um sentimento de nostalgia por uma ve- Iha Inglaterra “organica” que Burke imaginava haver existido’. Embora essas idéias tivessem ficado mais evidentes nas discussdes que Burke travaria posteriormente a respeito da Rev olugao Fran- cesa (cf. Reflections on the Revolution in France, de 1790), seus ata- ques contra a marcha do industrialismo ¢ do liberalismo ja se en- contravam em germe na investigagao sobre as origens do belo e do sublime. Essa nostalgia do passado ¢ o lamento de Burke pelo fim da era da cavalaria constituiam-se em indices de uma idealizagio Ver Raymond Williams. Culture and Society. Londres, The Hogarth Press, 1982 cone 122. 0 ROMANCE INGLES Jo mundo medieval como um mundo de inteireza Organica em de a y moderna sociedade burguesa aos mitos iluministas, As narrativas de Progresso ede my, danga revolucionsti 0 gotico surge para pertur. alma do realismo ¢ encenar os medos e temores que oposigae Reasio a por meio da raza bar a superficie c rondayam a nascente sociedade burguesa. Das margens daculturada Ilustragao, dramatizando os conflitos ¢ incertezas diante de um quae dro de culo adequado para tratar das questées politicas e estéticas le. um vei vantadas pelos acontecimentos na Frangaem 1789. Os ingleses reliam, dessa forma, 0 espectro da Revolugao de 1688 através da Revolucao Francesa e deslocavam suas ansiedades para lugares geografica e tem- poralmente distantes, fazendo principalmente da Itélia, mas tam- bém da Franga, cendrio de suas historias de terror. As ameacas de de- rapidas mudangas sociais e econdmicas, 0 gético tornou-se sintegrac4o manifestas na revolugao politica encontrariam dessa forma sua traducio simbélica na tematica que parece dominar a fic- cao gética: a natureza do poder, da lei, da sociedade, da familia e da sexualidade. Para Maggie Kilgour, O gético é portanto uma visao de pesadelo de um mundo moderno, fei- to de individuos separados, que se dissolveu em rélagées predatériase demonfacas que nao podem ser reconciliadas numa ordem social saudavel. O rompimento dos lagos comunitérios que acompanhou o desen- volvimento do capitalismo setecentista explicaria, assim, 0 apareci- mento, nesse perfodo de revolucao no exterior e de realinhamento de classes no plano doméstico, de um tipo de ficgAo que questionaacons- tituigao do “real” e interroga as contradigées sociais, abrindo espago para a mescla de medo e interesse que parece ter caracterizado as rela- 6es da burguesia com a aristocracia. Aqui, 0 romance gético colocaa “ Tradugao minha, No original: “TI f ; Figinal: “The gothic is thus a nightmare vision of a modera worl made up of detached individuals, which h demon st® which cannor be reconciled into healthy wer thic Novel. Londres/Nova York, Routledge, as dissolved into predator social order". Maggie Kilgour, The Rise of + 1995, p. 12. OITAVA LIGhO pu todasas suas ambivaléncias, A intengio de consolidar va lores an bur. ces,comoadomesticidade, sentimentalismo, a virude.se : lea Tan e niflia, sanvive com o fascinio pela arquitetura, pelos costumes, ¢ valores me- ievais, expresso de um mundo feudal cuja ordern era objeto de ad piragao mas ca titania, barbarism c formas de poder enenmren ae desaprovagio ¢ provocavam ansiedades projetadas na criagio de vile é s srstocraticos malévolos e crudis, Um sonho esta no na cedouro da narrativa de usurpagio aque Walpole deu forma literdria, como um hibrido do antigo edo mo. derno, de novel romance, colocando em cena capacetes gigante passagenssubterrineas, um castelo assombrado, forcassobrenate, raise toda a paraferndlia que faria fortuna no género. A partir des- sa historia de reafirmagao simultanea, ¢ por isso contraditoria, de valores aristocraticos e individualistas, o romanesco “iria encon- trar no passado os materiais para sua nova aparicao, e num passa- do que, embora as vezes nominalmente histérico, é de fato uma elaboracao das impress6es causadas pela arquitetura gética sobrea sensibilidade moderna”. PONTOS DE VISTA CRITICOS Em busca de explicagGes para o surgimento do gético, acriticatem adotado pontos de vista diferenciados, que podem ser agrupados em torno de cinco posigées, representadas, cada uma, pela énfase em diferentes aspectos e caracterfsticas do novo género. Na raiz dessas interpretages esta, de um lado, a articulagao entre politica eromance gético empreendida por T. J. Matthias, em The Pursu- its of Literature (1796), em que, pela primeira vez, se vincula esse tipo de ficgao & ameaga revolucionria que podia se disseminar a partir da Fran ed ao reconhecer no gético, em 1800, uma rea 40 em parte inconsciente as convulsdes revolucionarias que ha- viam recentemente feito tremer a Europa, apenas corroborava a ———___ idusao minha. J. M. S. Tompkins, op. cit., p. 227 24 oO ROMANCE INGLES mporinco. De outro lado, tem-s leiturade seu conte rndiseque «do conto “O homem de arcia’, de B. T. A. Hof Freud fez do conte Hoffman, 4 partir da qual introduz a idéia de que a estrutura co estado dees. priv es histias de horror sto uma projegao, sob forma coi cada, de impulsos instintivos que existem no inconsciente, Foi apenas no inicio do século XX, aproximadamente por volta do decénio de 1920, que o romance gotico comegou a perder o ¢s- tatuto de subgénero e vencer o desdém com que havia sido tratado pela histsra lteritia. Os primeitos a reabilitar 0 género parao ter reno da critica foram Edith Birkhead, com The Tale of Terror, de 1921, e Michael Sadleit, o qual, estudando os romances menciona- dos por Austen em Northanger A bbey, sugeriu quea ficgao gética re- presentou um gesto de desafio, mesmo que assistematico, diante das conyengoes da vida social e da literatura setecentistas (The Northan- ger Novels: A Footnote to Jane Austen, 1927). Sadleir foi o primeitoa resgatar as implicagGes politicas do género. J. M. S. Tompkins, com The Popular Novel in England, de 1932, trouxe uma contribuicéo importante ao estudo do gético ao chamar a atengao para questes formais especificas, argumentando que 0 jogo de suspense e relaxa- mento utilizado pelo rornancista gético exigia dele uma complexa estruturagio do enredo. Para Montague Summers e Devendra Varma, autores respecti- vamente de The Gothic Quest (1938) e The Gothic Flame (1957), dois estudos classicos sobre 0 género, 0 romance gotico represen- ta uma atitude de antagonismo e oposi¢ao ao realismo € ao racio- aM, SO nalismo dominantes no perfodo. Os dois criticos valori bretudo, a busca empreendida pelo gético de um reino que imento, numa ultrapassa o mundo empirico e material e seu inve: era fundamentalmente secular, nos aspectos mistetiosos misticos da experiéncia humana. David Punter, em seu The Literature of Terror (1980), resume as cinco principais abordagens criticas para uma definigao do go- tico: em primeiro lugar, 0 revival do gético como um movimente OITAVA LIGAO 125 historia ¢ ultural, com causas sociopsicoldgicas reconhectveis, na ee . \ ycordo com 0 qual a ficgao gética é uma floragao especifica jeumacor rente geral de idéiase atitudes; em seguida, a sugestao de ‘co gato pode ser definido em fungio da natureza do enre- do, 4 do jog’ . Robert Kiely, define o gotico antes em termos de suas dificuldades narrativas, origindrias dos problemas técnicos que tem de enfren- ‘ye, como argumenta Tompkins, depende em grande parte entre suspense ¢ alivio da tensao; a terceira, defendida por i joquede as realizagbes;a quarta abordagem éaquela que e- fine 0 gotico como representante de uma atitude antagonista em relacao ao realismo; finalmente, a posigao que defende a existén- cia de temas distintivamente géticos. De modo geral, portanto, a histbria literdria tendeu a obliterar a heterogeneidade e a diversi- dadeea tratar os romances géticos como um corpo homogéneo de textos, reduzindo-os na prdtica a um conjunto de caracteristicas comuns: a énfase na representacao do terrivel, a insisténcia nos ce- nariosarcaicos, 0 uso do sobrenatural, as personagens estereotipa- das, o uso da técnica do suspense. Em seu estudo, Punter, por sua vez, alia uma leitura freudia- naauma interpretagao marxista do género, oferecendo uma das discussées mais instigantes do fenémeno do gético nao apenas no seu contexto setecentista mas como modalidade literaria vi- gente, sob diversas formas, nos tiltimos duzentos anos. Ao privi- legiar as quest6es de classe, Punter relaciona o romance gotico as ansiedades setecentistas quanto ao poder aristocratico e burgués, aos temores quanto ao proletariado ¢ a formas de alienagao e & dissolugao de toda uma estrutura social diante da pressio de uma nova organizacao do trabalho. Mas aponta, igualmente, as pos- sibilidades que essa forma literdria apresenta de lidar com a re- pressao, os tabus e dreas de ambivaléncia emocional, principal- mente no terreno da sexualidade. Na sua visao, se © romance realista ocupou o terreno médio da cultura burguesa, © romance B6tico se define na fronteira daquela cultura ¢, ao encenar dile- 126 Oo HOMANEE IHOLES om paicoldgicor, cle tanto confronta a burgues como the oferece, dialeticamente, modos de ry soctals € suras HIM ity oes rranscendéncia hnaginari O romance potice como espago de contestagao ou exame de va Jores pattiarcais tambénn tem sido objeto ded scussao da critica fe minista,a partir da nogdo proposta por Hllen Moers do female Gothic como uma modalidade de tatamento dos temores relacionados com asextulidade ¢o parto. A re iio do gotico a partir des perspectiva nio s6 recuperou (extos marginalizados ou esquecidos esctitos por mulheres como também tem abordado questées como experiéncia feminina, opressito sexual ¢ diferenga, na sua leitura dessa modalidade de ficgio setecentista. De modo geral, ha uma espécie de concordancia, principal- mente entre a critica mais recente, quanto a certos tragos ¢ diregoes que definem ¢ caracterizam 0 género. fi voz corrente que o surgi- mento do gético esta relacionado com uma importante mudanga nasatitudes culturais, resultante de importantes mudangas politi- cas, econdmicas ¢ sociais, de que os processos de urbanizagio, in- dustrializagao ea revolugo sio as faces mais evidentes. Desse pon- tode vista, o romance gético seriaa resposta aos medos ¢ incertezas im como uma tentativa de su- experimentados nesse perfodo, as perar os limites da ordem racional ¢ moral ¢ de tratar de tudo aqui- lo queo Iluminismo havia deixado sem explicagéo ou varrido para debaixo do tapete. Nesse sentido, o passado, denominado de g6- tico, transforma-se num “espago de luta entre as forgas iluministas do progresso ¢ os impulsos mais conservadores de reter a continui- dade”, como aponta Fred Botting’. E.o mesmo Botting quem co- menta que o desafio aos valores estéticos, intensificado pelo medo do radicalismo ¢ da revolugio, foi concebido como transgressao social, pois se considera va que a virtude, a ordem doméstica eo de- coro estavam sob ameaca. © Tradugio minha, Fre Botting. Govhic. Londres, Routledge, 1996, p. 23. OITAVA LIGKO 1 27 A MAQUINARIA GOTICA ( pomanice BOUCE leva o tema richardsoniano da “Virtude e sige ouem dificuldades ds suas tiltimas conseqiiéncias ¢ pe jaclade i ‘as € encontra pa perseRtis? seja clade natureza social, religiosa ou psicold ogi- um_de seus motivos centrais, D, " ‘af seu investimento numa es- psicologia do medo, em que oa wae ato gotico é colocado ncias emocionais que perturbam 0 senso de realidade e distorcem a percepgio ea perspectiva, Em situagaes yservigo de expe ic isolamento social, a personagem experimenta distorgées de sua ‘ensibilidade, questiona o “real” e busca na natureza, representada no que ela tem de sublime e magnificente, abrigo refiigio. ‘Tompkins aponta dois estagios no desenvolvimento do ro- mance gotico, embora advirta que néo é necessério enfatizar as di- ferengas entre cles; no primeiro, a figura caracterfstica é Mrs. Ann Radcliffe, que, trabalhando a partir de modelos ingleses, popula- rizow 0 genero, angatiando e inspirando intimeros seguidores. O segundo estagio tem em Matthew G. Lewis sua figura central ¢ apresenta fortes ligagdes com a tradigao alema, gracas &s tradugoes que se tornaram correntes desde a publicagao de Herman of Unna (1794), de Benedicte Naubert. Primeira poetisa da ficgéo romantica, como a chamou Walter Scott, Mrs. Radcliffe reuniu, combinou e harmonizou as tendén- cias romanticas de sua época, acrescentando-lhes efeitos pictéri- cos, o sentimento do medo e o esplendor natural. Da mesma for- ma, Radcliffe retomou 0 enredo do romance sentimental, calcado nas atribulagdes de uma bela e solitaria jovem envolvida em peti- gos e perseguicées de toda ordem, € envolveu-o em mistétio € sus- pense, providenciando paisagens magnificentes e pitorescas ‘stranho, ou sinistro, de Freud. 13 O ROMANCE INGoLe gadlor é que permite cimento do objeto ame. acin acircunscriga Foeay 1. perayato de seus efeitos. O vilto gético — que também pod Oca ass assy mir a forma do bandido, do banido ou do monge~ seri a, assinn sa encarnagao metaforica do mal, a ser expulso para que aordem racig. nal edomeéstica pudesse ser restaurada, O mal, portanto, é ' *Portanto, éexterna. lizado © o poder aristocratico & 0 fantasma, | ; zado « a ‘i antasma, literal, de ur » dem passadg > barbaro ¢ supersticioso que insiste em persistir no presente Mergulhando no passado feudal earistocratico, tratando det , - ssdo € a superstigao, lidando com as in- mas como a tirania, a opr certezas increntes a seu tempo, 0 romance gético estabeleceu, so- bretudo, um didlogo tenso © ambivalente com seu proprig presente, com uma Inglaterra finissecular as voltas com mudangas substanciais na ordem politica, social e econdmica. Visto dessa perspectiva, o romance gético foi uma espécie de solucio formal ou ia para os conflitos irresolvidos da sociedade inglesa. Para imagi isso, o romanesco fornecia o instrumental adequado, na medidaem que permitia abrigar total liberdade de imaginagao, contendo-a nos limites de uma forma convencional e de uma estrutura rigida e aco- modada. Contengao essa igualmente garantida pela representacio realista que comp6e 0 outro pdlo nesses romances, por meio da pre- senga de personagens, habitos, comportamentos e questées pro- fundamente contemporaneos em seus enredos. Longe de ser uma forma de escapismo, 0 gético, cuja perma- néncianas mais diversas modalidades na literatura dos tiltimos du- do € a estimu- zentos anos é inegavel, tem a ver com a representa lagao do medo. Na Inglaterra do século XVIII, 0 gético tingit © mundo claro € racional do Huminismo ¢ dos valores humanistas com os temores e ansiedades que constitufam 0 outro lado do pro- gresso e da modernidade representados pela industrializasio, pot revolucées politicas, urbanizagio e mudangas na organizagio fr ao reprimido, aos conffitos irresolvidos. Freud iria chamar de ra miliar ¢ social, dando vo: vel —aquilo que a0 misterioso, ao inomin: unheinlich. Se, na sua origem, foi uma reagaio a deter! minados Kee Fa OITAVA Ligho 133 cial setecentista, Ja cultural € soci vide da os cle nunca deixou de ser Je explorar e elaborar qui iva G eptativa ren StOes que se constituem a um le 0 género floresce, Sua pe realista contribui para que ele abale as certezas ricio BEC cdo do “batbato”, do" | asic € > dé edo do “bétbaro”, aposigae do “natural”, dé voz. ao mi ° m eo mu oreo re go para a sociedade em qui pagao para cocupass nao- e a vi i ica que, se bra espago pata dreas da vida Sociopsiquica q ee abra espa ‘ilizado”> avi isco 0 equi- mente reprimidas, podem soarem ri neat ‘ soca {duos e da sociedade. Oscilando ens pos iio dos tasia, ele opera, na verdade, " om Hine rida “ ida cotidiana eo territério nebuloso miudezas da Vi = —_—_ o ROMANCE INGLES , 134 SUGESTOES DE LEITURA auen, Walter. The English Novel. Penguin, 1968. ANDRIANO, Joseph. 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