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~~ ‘AN == = omar N494__Neuropsicologia (recurso eletronico] : teoriae pratica / Organizadores, Daniel Fuentes .. [et al.]. ~ 2.ed.— Dados eletronicos. — Porto Alegre : Artmed, 2014. Editado também como livro impresso em 2014. ISBN 978-85-8271-056-2 1. Neuropsicologia. I. Fuentes, Daniel CDU 616.8:159.9 Catalogagao na publicagio: Ana Paula M. Magnus ~CRB-10/2052 Sumario 41 Aspectos hist6ricos da neuropsicologia e o problema mente-cérebro seal DanieiC. Mograbi, Gabriel. C. Mograbie J. Landeira-Fernandez 2 Neuroanatomia funcional basica para 0 neuropsicélogo. 29 Ramon M. Cosenze 3 Neuropsicologia molecular... eicnecanecopsiecenmcqnesnpmeenaecnsorneig ttt Rodrigo Nicolato, Jussara Mendonga AWvarenga,, ‘Marco Auréilo Romano-Silva e Humberto Corréa 4 Neuroimagem aplicada a neuropsicologia 57 Maila de Castro L. Neves e Humberto Corréa 5 Fundamentos da psicometria.... 67 ‘Alessandra Gotuze Seabra.e Lucas de Francisco Carvalho 6 Oexame neuropsicolégico e os diferentes contextos de aplicagao ........... sowie ID Condida Helena Pires de Camargo, Silvia Adriana Prado Bolegneni @ Pedro Fonseca Zuccolo 7 Neuropsicologia da linguagem 93 Jerusa Fumagalli de Salles e Jaqueline de Carvaiho Rodrigues 8 Neuropsicologia da aprendizagem e meméria.. 103 Neander Abreu, Thago Stroher Rivero, Gabriel Coutinho e Orlando FA. Buena 9 Neuropsicologia das fungdes executivas e da atencao . 115 Leandro F Malloy-Diniz, Jonas Jardim de Paula, Manuel Sed Daniel Fuentes e Wellington Borges Leite 10 Transtornos especificos de aprendizagem: distexia e discalCulia.........0.0.0.00ree 139 Vitor Geralai Haase e Flavie Heloisa Dos Santos ‘11 Neuropsicologia do comportamento motor... 155 Guilherme Menezes Lage, Maicon Rodrigues Albuquerque © Blaiee Christe 42. Neuropsicologia do transtorno de deficit de atengao/hiperatividade e outros transtornos externalizantes. 165 Daniele de Souza Costa, Debora Gomes de Melo S Medeiros, Artnio AW Soares, Lucos Araijo ima Géoe Debora Merques de Miranda 413 Neuropsicologia do autismo. a 183 ‘Mauro Muszket, Beatrie Lobo Araripe, Nara Cortes Andrade, Patricia de Oliveira Lima Munoz e Claudia Berlim de Mello 14. Neuropsicologia do transtorno bipolar em adultos. 193 Leandho F Maloy Din Fernando Siva Neves Cristina Yumi Nogucia Sedivamna ¢ Fabrica Quintdo Loschavo-Avares 18 Sumario 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 Neuropsicologia do transtorno bipolar de infcio na inféncia..... Cristiana Castanho de Almeida Rocca, Miguel Angelo Boarati¢ Lee Furl Neuropsicotogia das psicoses....... te luiz Fernando Longuim Pegorara, Alex de Tolede Ceard e Daniel Fuentes Neuropsicologia do traumatismo craniencefético e doacidente vascular cerebral. ‘Ana Paula Almeiaa de Pereira e Amer Cavatheiro Hamdan Neuropsicctogia do transtorno obsessivo-compulsivo. Marcelo Camargo Batistuzzo, Anita Taub € Leonardo F Fontenelle Neuropsicologia das dependéncias quimicas.. Frederico Garcia, Lafoiete Moreira e Alessandra Assumpcao Neuropsicologia da dependéncia de sexo e outras dependéncias nao quimicas . Bruna Messina, Daniel Fuentes, Marco de Tubino Scanavino e Jeffrey T. Parsons Neuropsicotogia da obesidade.... Joana Peres de Paul, Rita Morcato, Renata Santos, ‘Marilia Salgado P da Costa e Daniel Fuentes Neuropsicologia e jogo patol6gico Danielle Rossini Dib e Daniel Fuentes Avaliagao neuropsicolégica aplicada as epilepsias.... Daniel Fuentes, Luciane Lunardi, Juliana O. Géis, Tatiana Aboutafia Brak Patricia Rzezak, Martinho Luemba e Miguel S. Bettencourt Mateus Neuropsicologia dos comportamentos antissociais. Ricardo de Olveira Souza, Paulo Mattos, Flavia Miele e Leandro F Malloy-Diniz Aspectos neuropsicol6gicos das infeccées virais: aids e hepatite C. Paulo Pereira Christo, Lucas Araujo Lima Géo e Fernando Silva Neves Neuropsicologia das dementias... Leonardo Cruz de Souza e Antonio Lucio Teixeira Neuropsicologia do sono e seus transtornos. Katie Moraes de Almondes Exame neuropsicol6gico de pacientes com comprometimento cognitivo leve e deméncia... Jonas Jardim de Paul, Breno Satler Diniz ¢ Leandra F Malloy-Diniz Fundamentos da reabilitagao neuropsicol6gica Sancler Andrade Remediaco cognitiva <6 Silviane Andrade, Thats Quaranta ¢ DanielFuentes Novas tecnologias para reabilitagao neuropsicolégica Elizeu Coutinno de Macedo e Paulo Sérgio Boggio Neuroeconomia e neuropsicologia Felipe Filardi da Rocha e Leandro F Malloy-Dinz Neuropsicologia no Brasil. Luciona Iracema Zanotto de Mer indice . 203 215 223 231 241 249 257 267 277 287 297 oe 321 333 341 359 377 385 397 409 427 Aspectos histéricos da neuropsicologia eo problema mente-cérebro © PROBLEMA MENTE-CEREBRO EO INTERACIONISMO CARTESIANO How can the soul of man determine the spirits of the body, so as to produce voluntary actions (given that the soul isonly a thinking substance)’ (Elisabeth da Boémia apud Kim, 2008. p. 73) A epigrafe, trazendo-nos a objecao da prin- cesa da Boémia ao seu preceptor, serve aqui de manifestagao do impasse entre teoria psicolégica e filoséfica versus pratica médi- ca e cientifica na modernidade. Descartes, conhecedor da obra de Harvey e ele mes- mo engajado na dissecacao de animais, em especial de seus cérebros, muito oportuna- mente para suia prépria condigao palaci nae cortesa, nao questionava os dogmas cat6licos que poderiam gerar andtemas, excomunhoes de diversos niveis e mesmo a fogueira, como aconteceu com Giordano Bruno, caso conhecido e temido por Des- cartes a ponto de fazé-lo pe- dir a seus discfpulos que pu- blicassem seu primeiro livro, um tratado sobre ética que desafiava 0 geocentrismo, apenas postumamente. No entanto, o proprio Descartes * Como pode a alma do homem determinar / © humor do corpo, de modo a produzir / agdes voluntirias (uma vez que a alma / apenas uma substancia pensante). Pence Cr en Pee ered a monte 6 mediada por esses See eed POO emer rata uma forma de interacio al DANIEL C. MOGRABI GABRIEL J.C. MOGRABI J. LANDEIRA-FERNANDEZ poderia ser inclufdo no rol dos precursores da neuropsicologia pela via da relagio en- tre filosofia psicolégica e fisiologia (mes- ‘mo que contingenciada pelos pressupostos ontoldgicos da nogao de alma ainda vice- jante naquele entac), como se pode notar pela seguinte citagao de seu altimo livro, As paixoes da alma: Enfim, sabe-se que todos esses movimen- tos dos miisculos, assim como todos os sentidos, dependem dos nerves, que sio. como pequenos fios ou como pequenos tubos que procedem, todos, do cérebro,e contém, como ele, certo ar ou vento muito sutil que chamamos espiritosanimais |] (Descartes, 1979, p. 229). Descartes entende que a relagio do cérebro com 0 corpo ea mente é mediada por esses espiritos animais. Assim, sua posi- 80 poderia ser considerada uma forma de interacionismo. No entanto, como se pode ver pela citagdo seguinte, na obra cartesia~ na, ainda que a alma seja res- guardada uma natureza dis- tinta, a de res cogitans, coisa pensante, aos espiritos ai mais é conferida uma con: 40 puramente material: [..] pois © que denomino aqui espiritos nao sao mais do que corpos ¢ nao tém qualquer outra pro- priedade, exceto a de serem corposmuito pequenos e se moverem muito depressa, 20 fuentes, Naloy-Diniz, Camargo & Cosenza (orgs.) assim como as partes da chama que sai de uma tocha; de sorte que nao se detém ‘em neahum lugar, medida que entram alguns nascavidades do cérebro, também saem outros pelos poros existentesna sua substincia, poros que os conduzem aos nervos e dai aos miisculos, por meio dos {quais movem 0 corpo em tadasas diversas ‘maneiras pelas quais esse pode ser movi- do [...] (Descartes, 1979, p.230). No entanto, de que ma- neira a interagao entre alma € espiritos se daria? Descartes afirma que ha uma diminuta glindula no meio do cérebro que perfaz 0 papel de locus principal da interagao da alma com 0 cor- po pela via dos espiritos: piritos Concebamos, pois, que a alma tem a sua sede principal na pequena glindula que existe no meio do cérebro, de onde radia para todo o resto do corpo, por intermédio dos espiritos, dos nervas e mesmo do sangue, que, participando das impressoes dos espiritos, podem leva-los pelas artérias a todos os membros [...] (Descartes, 1979, p. 240). A glandula mencionada ¢ a pineal. A escolha de Descartes pela glandula pineal se da por dois motivos: trata-se de uma es- trutura tinica e centralizada, em vez de du- pla e dividida em hemisférios, que, assim, por raz6es analégicas € quase geomeétricas, € vista pelo autor como a melhor candidata para ser um centro de unificagao das repre~ sentagdes e impresses. Numa carta a Mer- senne, datada de 24 de dezembro de 1640, Descartes (1979) afirma que o cardter de unicidade € também pertinente a glandula hipéfise, mas que esta “nao dispoe da mo- bilidade da pineal”, referindo-se ao fato de que a hipofise esta presa 8 face superior do sso esfenoide por meio da sela tircica (ou sela turca), uma pequena fosseta em forma de sela arabe. E notavel a ideia de que uma alteragao do corpo na alma (ou mente) ou vice-versa dependa de um movimento, no sentido tradicional de deslocamento, ge rado pela impulsao de espiritos. Alem di 0, mesmo que esse movimento pudesse se dar em pequenas dimensoes, ele € concebi- do ainda de maneira extensa, vetorial e com todas as demais propriedades que possamos atribuir 4 matéria condensa- ee ca Sy eee Oey One Py cous No entanto, nao foram os arroubos de materialismo de Descartes recém-descri- tos que ficaram consagrados na histéria da filosofia, e sim © seu dualismo de substin- cias: a ideia de que a realidade € cindida em dois mundos — um pensante; outro, exten- so € material. Assim, o imaterialismo e racio- nalismo se coadunavam em uma decisao fi- los6fica clara de sobrepor a racionalidade da mente as paixoes, devendo esta ser sua guia € determinante. Esses mesmos racionalismo e primazia do pensamento podem ser abstra dos da popularizada maxima cartesiana “co- ito ergo sum”. A existéncia é descoberta pe- a primazia epistemologica do pensamento, € © pensamento se configura como substancia imaterial ¢ inextensa. Até hoje sofremos in- fluéncias desse dualismo cartesiano, que se- gue reverberando em algumas das tendén- cias explicativas presentes no senso comum € mesmo no debate filoséfico, menos afei to a interdisciplinaridade com ciéncias em- piricas. Pode-se afirmar, inclusive, de acordo com Searle (1992), que 0 uso desse vocabu- lério antiquado condiciona o debate de tal forma esptiria que muitos dos alegados pro- blemas filosoficos da relagao mente-corpo seriam pseudoproblemas. No trecho a seguir, serd feito um ma- peamento de algumas das mais importan- tes correntes contemporaneas de anilise do problema mente-cérebro. Nao se pretende exibir em carter exaustivo todas as corren- tes e suas subdivisces, mas apenas criar uma Neuropsicologia 21 possibilidade de entendimento das diferen- tes postulagdes no que concerne essa rela~ 40 para melhor compreensao da funda mentagdo histérica da neuropsicologia. ALGUMAS TESES CORRENTES SOBRE A RELAGAO MENTE-CEREBRO Raros so os dualistas de substancias na contemporaneidade. A maioria das teorias filoséficas, na atualidade, re- pudia essa postura tida como ultrapassada diante de nos- so vigente quadro de referén- cias, tanto filoséfico como cientifico. Ainda assim, exis- tem filosofos que, apelando para a nogio de possibilidade logica (ou, ainda, para a no- 40 mais geral de possibilida- de metafisica), argumentam que nao se pode em principio excluir a pos- sibilidade de que haja uma substancia néo fisica que corresponda 4 natureza da mente ou de uma suposta alma. No lado diametralmente oposto do espectro de posigoes sobre a relagao mente- -cérebro, encontra-se o eliminativismo ou materialismo eliminativo. Uma das princi- pais teses do eliminativismo é a de que a folk psychology (psicologia popular) trabalha com categorizagdes falsas, terminologias herdadas de um passado remoto que pre- cisam ser eliminadas para um progresso da compreensao da relagao cérebro-mente. As- sim como a teoria do phlogiston foi supera- da cientificamente e tornada obsoleta pelas pesquisas empiricas em oxidacio, também muitas classes de supostos estados mentais seriam apenas ilusdes. Ainda que permane- gam em nosso vocabulério explicativo, esses entia non-gratia nao possuiriam qualquer capacidade causal, nem sequer existiriam, tal como bruxas, almas, eldn vital, ete. Entre as entidades mentais que essa linha de pen- samento pretende eliminar, encontram-se, Existem flésofos que, apelan ee oe dade Logica (ou, ainda, para a nnogao mais geral de possibi eo ca ‘ue nao se pode em principio Ce Poesia) Peed mente ou de uma suposta alma, por exemplo, atitudes proposicionais: rela- oes entre contetidos proposicionais e uma determinada postura mental com implica~ {0es praticas (p. ex.,acreditar, desejar, espe- rar) (P.M. Churchland, 1981; P. S. Church- land, 1986). Também foi proposto por eliminativistas (Dennett, 1992) que a no- ao de qualia (sensagoes e experiéncias co- mo estados subjetivos qualitativos) poderia ter um cardter ilusério e nao ter a existéncia que Ihes € atribuida na psicologia popular. Em sua grande maioria, po- sigdes eliminativistas enten- dem que uma neurociéncia em alto grau de maturidade e desenvolvimento ira substi- tuir essa terminologia da psi- cologia popular que se refe- riria a objetos nao existentes por uma descrigao cientifica de fato. Voltando a outro lado do especiro de posigdes, mais comuns sto aqueles que defendem alguma versio de dualismo de propriedades, Eles entendem que propriedades mentais nao podem, em principio, ser reduzidas as propriedades fi- sicas ou cerebrais; no entanto, acreditam que os componentes iltimos da realida- de sejam todos de natureza fisica, diferen- temente dos dualistas de substancias. Entre os dualistas de propriedades, poderiamos distinguir dois grupos majoritirios de po- sigdes: aqueles que acreditam em causagio mental, oui seja, que é possivel que proprie- dades mentais tenham poder causal nesse mundo constituido de uma substancia fi- sica; ¢ os epifenomenalistas — aqueles que acreditam que propriedades mentais se~ riam epifendmenose, assim, desprovidas de qualquer papel causal (Jackson, 1982). ‘Além das tendéncias tedricasja desc tas, existem varias formas mais ou menos redutivas de fisicalismo ou materialismo. Por redutivo, entende-se, aqui,a capacidade de uma teoria explicar predicados mentais em termos de predicados neurais ou criar 22 Fuentes, Malloy-Diniz, Camargo & Cosenza (orgs.) redugdes intertedricas do vocabulério ex- plicativo mental em termos de um voca~ bulério neural por via de leis de ponte, ou, ainda, funcionalizar propriedades mentais, em termos de sua estrutura causal fisica, ‘Além dessas posigdes, existem teorias iden- titérias que defendem a ideia de que pro- cessos mentais seriam identicos a processos neurais. Além de outras variantes, as teo- rias identitarias podem ser classificadas em duas familias de posicdes: a identidade de tipo (Lewis, 1966) e a identidade de ocor- réncia (foken) (Kim, 1966).No primeiro ca~ so, cria-se uma identidade estivel entre um tipo mental e um tipo fisico. No entanto, 0 argumento da miiltipla realizabilidade (Fo- dor, 1974; Putnam 1967) ~a defesa da po: sibilidade de que um estado mental (funcio- nal) possa ser realizado por diversos estados cerebrais — coloca o argumento da identi- dade de tipo em maus len- 6is. No caso da identidade de ocorréncia, esse problema parece estar, pelo menos, mi- tigado, jd que as identidades se dariam entre ocorréncias individuais de estados cere- brais e mentais. Muitos fun- cionalistas acabam por ade- rir a essa posicio, visto que visdes mais algoritmicas de funcionalismo acreditam que uma fungao pode ser instan- ciada, por exemplo, tanto in silico como in vivo. Assim, para tal linha de argumentacio, ‘co suporte material que sustenta o algoritmo nio faria grande diferenga. Como sera co- mentado a seguir, tal postura pode até ser entendida como uma forma de dualismo, jé que a mente pode ser vista como uma ¢s- trutura meramente formal. Mais promissoras sao as pesquisas in- terdisciplinares que coadunam filosofia da mente e da ciéncia com neuropsicologia, neurociéncia e ciéncia cognitiva, entenden- do que qualquer capacidade mental deve ter A fidelidade Ree eee COO gia hi de congregar o enten CO ee fr err) forentes niveis de processa oer CO a On Peer ceee RO cue tuinte do sistema. um correlato neural. A ideia de correlatos neurais pode ter varias versGes e variagoes; entretanto, algumas dessas versoes nao se comprometem com uma postura necessa. riamente identitéria, o que ¢ uma vanta- gem. Trata-se, aqui, de encontrar 0 conjun- to minimo de eventos e processos cerebrais que possa ser correlacionado a uma capa- cidade mental como seu substrato neural. Variages dessa ideia se dispdem funda- mentalmente em um eixo no qual postu- ras mais localizacionistas (Zeki et al., 1991) ou globalistas/conexionistas (Byars, 1988; Mesulam, 2012) sio postuladas. Por loca- lizacionismo, entende-se, aqui, 0 poder de imputar a dreas bem determinadas do cére- bro capacidades distintas e especificas. Por globalismoj/conexionismo, considera-se a possibilidade de que as correlagdes sejam estabelecidas entre capacidades funcionais e 4reas em interacao e reverbe- ragao informativa, como seré abordado mais adiante neste mesmo capitulo. Entende-se aqui que a fidelidade respon- sivel ao projeto de uma neu- ropsicologia hi de congre- gar 0 entendimento dessas propriedades sistémicas que emergem da interaga0 com- plexa entre diferentes niveis de processamento de infor- magao em Areas distintas do cérebro, sem, no entanto, perder de vista a especificidade inerente a cada parte ou sub- sistema constituinte do sistema. Essa dupla vinculagao da neuropsicologia sera discuti- da nas duas segdes seguintes. eae a) et érebro, sem, no a cada O METODO ANATOMOCLINICOE 0 SURGIMENTO DA NEUROPSICOLOGIA Ainda que nao seja possivel determinar 0 exato surgimento de uma disciplina com- plexa como a neuropsicologia, um de seus 23 Neuropsicologia atos de fundagao pode ser considerado 0 trabalho de Pierre Paul Broca (1824-1880) na localizagao de um centro dedicado pa- ra produgio da fala no cérebro. Em meio & controvérsia sobre a localizagao das fungoes cerebrais ~ que persistia desde a Antiguida- de, mas havia ganhado forga a partir do sé- culo XVII -, Broca faz uma breve comuni- cago, em 1861, no Boletim da Sociedade de Antropologia (que na época discutia temas ta0 diversos quanto arqueologia, mitologia, anatomia ¢ psicologia), sobre o caso de um paciente com um compro- metimento especifico na ca pacidade de producao de fa- la, em meio a um quadro de relativa preservacao cogniti- va (Sagan, 1979). Essa publi- cago é acompanhada de ou- tra, mais extensa, no Boletim da Sociedade Anatémica, também em 1861. O paciente, Sr, Leborgne, havia “perdido 0 uso da pa- lavra” e era incapaz de “pronunciar mais do que uma silaba, que ele repetia duas vezes seguidas” (tan tan) (Broca, 1861). Leborgne morreu pouco tempo depois do exame cli- nico, e sua autdpsia revelou uma lesio espe- cifica no giro frontal inferior esquerdo. Bro- ca (1861) conclui em seu relato que “[...] tudo permite crer que, neste caso especifico, a lesao do lobo frontal foi a causa da perda da palavra [...|”. © quadro clinico especifico de perda de produgao da fala eo giro fron- tal inferior se tornaram epdnimos de Broca, sendo chamados, respectivamente, de afasia de Broca e area de Broca. Broca (1891) utilizava em seus estudos © método anatomociinico, 0 esteio da neu- rologia cientifica no final do século XIX. Es- se método consistia em um exame em dois, estgios com o intuito de vincular sinais eli- nicos a padroes de alteracao cerebral (Goetz, 2010).O primeiro estégio dessa abordagem dedicava-se aum exame clinico em profun- didade, acompanhando o paciente ao longo de um extenso periodo de tempo, a0 passo ieee On or} eae oa Rue eed See Mee es que 0 segundo estagio, apds a morte do pa- ciente, envolvia a necropsia do cérebro e da medula espinal (Goetz, 2010). Assim, o mé- todo permitia vincular dados clinicos com informagdes sobre neuroanatomia, suge- rindo uma potencial relagio de causalida- de entre esses dois fatores e possibilitando a classificagao de doengas neurologicas a par- tir de achados anatémicos. Desde a descoberta de Broca (1891), evidéncias crescentes indicaram uma cor- relacio entre disfungdes cognitivas ou qua- dros clinicos especificos com padraes de lesdes cerebrais. Por exemplo, amparado na casuistica de centenas de ex- -combatentes da Primei- ra Guerra Mundial, Kleist (1934) desenvolve, na déca- da de 1930, um mapa de localizagao cere- bral relativamente preciso, sugerindo com- prometimentos especificos que o dano focal ao cérebro traz. O conhecimento sobre a localizagao de fungoes cerebrais ganharia novo impulso a partir dos estudos de Wilder Penfield, na década de 1950, que, em seu trabalho com cirurgias de pacientes epilépticos utilizando © procedimento Montreal, estabeleceu por meio de estimulagao elétrica um detalhado mapa de processamento sensorial (Jasper & Penfield, 1954). Na segunda metade do sé- culo XX, evidencias de estudos de lesa0, mo- delos animais, medigdes em células tinicas e, mais recentemente, pesquisas utilizando neuroimagem acumularam-se para indicar de forma inequivoca a especializagao de re- gides cerebrais em termos de processamen- to de informagao. Tais dados, no entanto, sio complementados por perspectivas cone- xionistas e por um gradual refinamento do conceito de localizagao cerebral, Esses pon- tos sdo discutidos nas segdes seguintes deste capitulo, a partir da biografia e das ideias de um dos precursores da neuropsicologia, Ale- xander Romanovich Luria. ae 24 fuentes, Naloy-Diniz, Camargo & Cosenza (orgs.) LURIA, O CONCEITO DE SISTEMA E A INSTANCIACAO DA CULTURA NO CEREBRO Alexander Romanovich Luria nasceu em 1902,na cidade russa de Kazan, em uma f milia judia formada por profissionais libe- rais. Seu pai era um médico especializado em doengas gastrintestinais, e sua mie era dentista ~ algo pouco comum na época. Sua formagao é marcada por grande ecletismo, graduando-se primeiro em ciéncias sociais pela Universidade de Kazan; entrou no cur- 50 No ano seguinte a Revolugo Russa, pa- ra posteriormente formar-se em medicina pela Universidade de Moscou. Ao longo de seu percurso académico, filiou-se a diver- sas teorias. No inicio de sua formagao, nos anos 1920, estudou psicanilise, traduzindo Freud para 0 russo ¢ fundando a Associagao Psicanalitica de Kazan. Em 1924, conheceu Lev S. Vygotsky e Aleksei N. Leontiey, jun- to aos quais estabeleceu. os fundamentos de uma psicologia que considerasse a in- teragio entre fatores individuais e elemen- tos sociais/culturais. Ocorreram, em segu! da, na década de 1930, suas excursoes a Asia Menor, em que realizou estudos sobre a in- fluéncia de fatores como escolaridade na cognigao ¢ linguagem. Também sao des- sa época seus estudos com gémeos, quando tentou elucidar a relacao entre fatores gené- ticos e culturais, Durante a Segunda Guer- ra Mundial, trabalhou em um hospital para ex-combatentes, estendendo seu conheci mento sobre pacientes com lesdes cerebrais adquiridas. Na década de 1950, em virtude de uma onda de antissemit mo, afastou-se do Departa- mento de Neurocirurgia, de- dicando-se a estudos sobre criangas com déficits cogni tivos e atrasos de desenvol- vimento. Ao final dessa dé- cada, retornou ao trabalho com pacientes neurolégicos, passando os tiltimos anos de sua carreira refinando seu arsenal clinico. Pt en De eee eau Petey Oe | Pete ety Morreu aos 77 anos, vitima de problemas cardiacos. Luria foi nao apenas um dos funda- dores da neuropsicologia contemporanea, mas também teve papel proeminente no desenvolvimento da psicologia histérico- -cultural. Em fungao dessa dupla vincula- a0, Luria tinha uma perspectiva privilegia~ da sobre a relagao entre biologia e cultura. Para ele, a dissociacao entre psicologia so- cial e individual era uma falacia tedrica,e 0. desenvolvimento e funcionamento do cére- bro se davam a partir de complexas intera- Bes entre fatores biolégicos e sociais (Lu- ria, 1976). Essa posicio encontra ecos em tendéncias contemporineas da neurocién- cia, que sugerem que, na medida em que os humanos fazem parte de uma espécie alta- mente social, nosso desenvolvimento I6gico nao pode ser dissociado da influén- cia da interagao social. Isso € indicado, por exemplo, por proponentes da hipdtese do cérebro social, que sugerem que deman das impostas pela estrutura social comple- xa da ordem dos primatas foram um dos fa- tores determinantes na evolugao do cérebro (Dunbar, 1998). Uma das ideias essenciais da abor- dagem de Luria é a nogao de que vinculos funcionais entre regides cerebrais sao cons- truidos historicamente. Por exemplo, areas responsiveis pela linguagem se tornam fun- cionalmente conectadas a regides vincula~ das a0 processamento visual e motor a par- tir da invengao da escrita (Luria, 1976). Essa perspectiva é particularmente relevante na medida em que relativiza a ideia de um cérebro humano trans-histérico (cérebros da idade de pedra] (Cosmides & Tooby, 1994), considerando que a escrita surgiu em tor- no de 3,500 anos atras (Kra- mer, 1981) e, portanto, tem uma histéria muito curta em contraste com as primeiras evidéncias de humanos anatomicamente B= Neuropsicologia 25 modernos, com no minimo 100 mil anos (Stringer, 2012). Com base na visao de Lu- ria, podemos especular como sao formadas as conexdes entre as éreas do cérebro hu- mano a partir da estimulagao e do ambien- te providos na sociedade contemporanea. Um conceito fundamental dentro da perspectiva luriana, que ressitua a questao da localizagao cerebral, é 0 de sistema fun- cional. Luria (1976) promove uma descons- trugao da ideia de fungao ao sugerir que, em suas formas complexas, esta nao pode ser atribuida a um Unico orgao ou tecido. Dando 0 exemplo da respiragio, ele afir- ma que nao se trata de uma fungao ape- nas do pulmio, sendo executada por um sistema completo, que inclui diversos 61- gos ¢ um aparato muscular amplo, A no- 40 de sistema sugere um alto grau de plas- ticidade e compensagao entre as suas partes. Atendo-se ainda ao exemplo da respiragao, Luria indica como os miisculos intercos- tais sao recrutados para compensar casos em que ha atividade deficiente do diafrag- ma. Modalidades complexes de cognicio seriam, segundo ele, um exemplo privilegiado de funcionamento sistémi- co, com diferentes éreas ce- rebrais trabalhando em con- certo para sua consecugao. Luria identifica trés_ siste- mas com base em contribui- ges funcionais especificas: uma unidade de sono-vigilia, uma de processamento sensorial e armaze- namento de informagao e uma de regula- 40 € monitoramento de atividades (Luria, 1976). Ainda que essas unidades funcionais possam ser situadas em diferentes substra- tos neurais (respectivamente, no tronco ce- rebral, nos cortices occipital, parietal e tem- poral eno cértex pré-frontal), conceito de sistema pressupde a ideia de que tais regides cumprem funges amplas e que diferentes componentes de cada unidade compensam Poca Pewee Ero ec Cn sae ee it cerebrais (Mesulam, 2012) su PU ees See Sec See eon cea Pee nuor a atividade de outros em casos de dano ce- rebral. Assim, essa perspectiva é particular mente frutifera para pensar implicagoes cli- nicas e 0 aspecto qualitativo de sintomas neurolégicos. TRAZENDO A NEUROPSICOLOGIA PARA 0 SECULO XXI Em que pese o impacto da obra de Luria na formagao da neuropsicologia como dis. plina, alguns de seus insights nao foram ple- namente incorporados por autores que seguiram. De forma geral, a neuropsicolo- gia ainda hoje subscreve a um campo con- ceitual em descompasso com algumas das vias mais frutiferas para se pensar a rela- 80 entre funcionamento mental ¢ cerebral. Por exemplo,a nogao de modularidade, um dos pilares da abordagem neuropsicologica, vem sendo relativizada diante de achados empiricos novos. Especificamente, 0 au- mento de estudos sobre conectividade es- trutural, funcional e efetiva entre regides cerebrais (Me- sulam, 2012) sugere que, ain da que a especializagao fun- cional de regiées cerebrais seja inegavel, é somente da interagao entre dreas que fungoes complexas podem emergir. Alem disso, paradig- ‘mas recentes para o entendi- mento do funcionamento ce- rebral calcam-se em modelos dinamicos, em que o processamento de informagio, mesmo em niveis basicos, € influenciado por processos de ordem superior (ris ton, 2010). Um exemplo privilegiado dessas perspectivas € o estudo da consciéncia, que ganhou nova forga a partir da adogao dos conceitos de conectividade (Tononi, 2007) ¢ predigao probabilistica (Friston, 2010). Paralelamente, as tltimas décadas trou- xeram um gradual abandono da metéfora da ae 26 fuentes, Naloy-Diniz, Camargo & Cosenza (orgs.) mente como um computador. Fundamental para a discussio promovida neste capitulo, © cognitivismo estrito sugeria que a mente fancionaria tal como um software, que po- deria ser instalado em diferentes suportes, nao importando as caracteristicas do hard- ware (i.e.,0 corpo eo cérebro) no qual fun- cionava, Essa perspectiva, considerada ad extremum, cai em uma posigao dualista, em que a mente é um conjunto de regras for- mais que pode ser instanciado independen- temente de sua base organica (Searle, 1980). Em oposigao a essa perspec tiva, acompanha-se a incor poragao nas neurociéncias de um paradigma biolégico que considera todos os processos cognitivos como caleados em uma base material (0 cére- bro) ¢ motivados em tiltima instincia por questoes referentes 4 adaptacao do organis- mo. De um ponto de vista clinico, a adesio da neuropsicologia a esse paradigma biolé- gico enfatiza o carater adaptativo dos sinto- mas ¢ respostas de pacientes neurolégicos, em vez de consideré-los meramente expres- soes de déficits. ‘Alem dessas questoes de ordem teori- ca, uma neuropsicologia para o século XI precisa reinventar-se. metodologicamente. Estudos de lesao formaram o cerne da abor- dagem neuropsicolégica ao longo do sécu- lo XX. Nas tiltimas décadas, os campos mais amplos da neurologia clinica e das neuro- cincias cognitivas beneficiaram-se de ino- vagdes técnicas, como procedimentos de neuroimagem de alta resolugao espacial (p. ex., fMRI, PET, DTD). Essas técnicas possib litam evitar as limitagdes associadas com es- tudos de lesio, como, por exemplo, o fato de que raramente o dano cerebral esté limita- do a éreas corticais especificas ¢ a dificulda- de em determinar as habilidades pré-mér- bidas de pacientes (Fotopoulou, 2013). Além disso, essas técnicas perm tem de forma mais eficaz a investigagio de objetos de estudo que tradicionalmente Tecra) Poco Poe eee subjetivos @ acessados de for- Ce perspectiva de primeira pessoa. foram excluidos da neurociéncia cogniti- va, em parte por dificuldades metodold- gicas. O estude da emogao em humanos € um exemplo princeps dessa mudanga. Uma exploracao cientifica da emogao é compl cada pelo fato de que estados emocionais sio subjetivos ¢ acessados de forma privi- legiada a partir de uma perspectiva de pri- meira pessoa. Ainda que essa limitag30 nao se aplique a aspectos comportamentais da emogao (p.ex., expressdes faciais), 0 estudo objetivo de sentimentos ¢ estados internos ganhou novo impulso com técnicas de imagem (Ekman, 1992). As evidéncias conver- gentes sobre o processamen- to emocional em humanos e a extensa literatura sobre mo- delos animais e estudos com- parados fizeram emergir nas uiltimas dé- cadas 0 campo das neurociéncias afetivas (Panksepp, 2004). Diante desse panorama, um dos desa~ fios atuais da neuropsicologia ¢ acompanhar 0s tiltimos desenvolvimentos do campo ma amplo das neurociéncias, encampando posi- ges que possam revitalizar seus métodos orias. Ao mesmo tempo, a neuropsicologia, amparada na vasta riqueza de seus dados eli- nicos, pode informar producées futuras nas neurociéncias. Sendo assim, esse desafio de- ye ser encarado com otimismo. re REFERENCIAS Baars, B. . (1988).A cognitive theory of consciousness. New York: Cambridge University. Broca,P.P. 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Neuroanatomia funcional basica para o neuropsicdlogo As diferentes regides do sistema nervoso central contribuem para a coordenagao do comportamento ¢ da cognigio ~ objetos de interesse da neurapsicologia-, mas é no cé- rebro que se encontram os principais gru- pamentos neuronais ¢ circuitos envolvidos nessa mediagao, destacando-se nesse aspec- to 0 eértex cerebral, que sera o foco princi- pal deste capitulo, ESTRUTURA E DIVISOES DO CORTEX CEREBRAL O cértex cerebral ¢ visualizado mactoscopi- camente como uma camada de substancia cinzenta que reveste todo o cérebro. Este, no caso da espécie humana, ¢ girencefali- co, pois tem sua superficie marcada por sul- cos e giros, de tal forma que a maior parte do cértex permanece oculta a uma inspe- 40 externa. Anatomicamente, 0 cértex ce- rebral costuma ser fracionado em regioes, Frontal Parietal Occiptal Temporal RAMON M. COSENZA denominadas lobos, a saber: frontal, parie- tal, temporal, occipital e lobo da insula, es- te Ultimo visivel quando se examina a pro~ fandidade do sulco lateral do cérebro (Fig. 2.1). Em cada um desses lobos podem ser localizados sulcos, giros e regides que tem importancia na coordenagao de diferentes fungses, Para uma descrigio mais detalha~ da, recomenda-se a consulta a obras de neu- roanatomia geral, uma vez que isso escapa aos objetivos do presente texto (ver, por exemplo, Cosenza, 2013; Clark, Boutros & Mendez, 2010). Microscopicamente, 0 cértex € cons- titufdo, na sua maior parte, por seis cama- das de células que tém aspecto morfolégi- co diferente. Essas camadas se dispdem, da superficie para o interior, na seguinte se~ quéncia: camada molecular, granular ex- terna, piramidal externa, granular inter- na, piramidal interna e camada das células fusiformes. Esse cértex de seis camadas chamado de isocértex; contudo, existem Parietal Temporal FIGURA 2.1 Os grandes lobos da superficie cortical 30 fuentes, Naoy-Diniz, Camargo & Cosenza (orgs.) regides, denominadas de alocértex (alo = diferente; iso = igual), em que as seis cama- das classicas nao estao presentes. O cortex cerebral apresenta, entio, uma grande di- versidade citoarquiteténica, pois, mesmo nas regides de isocértex, as camadas podem ter diferentes espessuras e organizagao. Isso Ievou ao aparecimento de numerosos ma- pas corticais, entre os quais o desenvolvido por Korbinian Brodmann (1981), que divi- de o cértex em mais de cinquenta regices numeradas sucessivamente (Fig. 2.2). Os mapas citoerquitetonicos permitem uma localizagio mais precisa de regides com co- nexdes e fungoes distintas e ainda sao usa- dos cotidianamente. Durante muito tempo discutiv-se a existéncia de localizagoes funcionais no cértex cerebral: os localiza~ cionistas postulavam a exis- tencia de centros especificos para diferentes fungoes, en- quanto os holistas, ou distri butivistas, acreditavam em uma equipotencialidade en- tre as diferentes regides cor- ticais, Atualmente, sabemos que existem, de fato, especializagoes de fun- 80; contudo, considera-se que as diferen- tes regides corticais atuem nao como sedes fncionais, mas como pontos nodais de cit- cuitos de larga escala, constituindo sistemas ae) Ge co On oa? enc eons Pee cat eae te) Cece ee ec ae Creme ted fer oeuer ee encarregados de integrar e coordenar as di- ferentes fungdes atribuidas ao cortex cere bral. © neuropsicélogo Alexander R. Luria (1973) propés a existéncia de duas unida- des funcionais no cértex cerebral: uma re- ceptora, localizada posteriormente ao sulco central, e outra executora, situada em posi «fo anterior a tal sulco (Fig. 2.3).A unidade receptora seria encarregada de receber, ana- lisar e armazenar a informagao. Nela po- dem ser encontradas dreas que se ocupam, por exemplo, da visdo, audigao € someste- sia. 4 a unidade executora se encarregaria de programar, coordenar e verificar as agdes do individuo, sobretudo as agdes conscien- tes. Nela se encontram as dreas que lidam diretamente com a motricidade ¢ também uma porsao situada mais an- teriormente, conhecida com regido pré-frontal. Luria sugeriu ainda que essas duas unidades se orga~ nizam de forma hierérquica, em {reas classificadas como primérias, secundirias e ter- cidrias (Fig. 2.3). No caso da unidade receptora, as reas primérias sao aquelas que recebem as projegdes das di- ferentes modalidades sensoriais e realizam uma primeira anilise da informagao, que serd posteriormente trabalhada ¢ integrada ec FIGURA 2.2 0 mapacitoarquiteténico cortical de Brocmann. Fonte: De Carpenter (1991), 31 Neuropsicologia o> Uniaaae receptora yp Y Uniaace executora FIGURA 2.3 As unidades reveptora e executora de Luria, com suas arees primarias, secundarias eterciatias. Vé-se 0 fuxo de informagao entre essas dreascorticais, nas dreas secundirias. A Area terciéria, por sua vez, coordena o trabalho dos diferen- tes analisadores e produz esquemas simb6- licos em nivel de complexidade acima das modalidades sensoriais (ou seja, supramo- dais), que sustentam a atividade cognitiva mais sofisticada. Na unidade executora, a rea priméria seria representada pela area motora do cértex, a qual dé origem aos fei- xes nervosos motores que se dirigem para 0 tronco encefilico e para a medula espinal. A rea secundaria tem situagao imediatamen- te anterior (areas 6 e 8 de Brodmann) e se incumbe de preparar os programas moto- res posteriormente encaminhados a regiao primaria, Jé a drea tercidria é representada pela regiao pré-frontal, que tem por fun- 40 a formulacao de intengoes e programas de agao, bem como a regulagao eo monito- ramento do comportamento mais complexo. Nota-se que a informagao flui das areas primarias para as secunda- rias tercidrias na unidade receptora e teria fluxo inver- so na unidade executora (Fig. 2.3). Segundo Luria, quando se progride das areas primé- rias para as terciérias ocorre uma dissolu- ¢a0 da modalidade funcional, e, ao mesmo tempo, observa-se uma crescente assime- tria funcional entre os dois hemisférios ce- rebrai Sea Bey eet Recerca) Oc a a Se) funcional entre as dois hemis. iste ets Mesulam (2000) descreve uma divi- sao funcional do cértex (Fig. 2.4) que guar- da relagoes com aquela proposta por Luria ¢ inclui as seguintes categoria: L._c6rtex de projegao, onde se encontram 0 cértex motor e os das diferentes mo- dalidades sensoriais; 2. cértex de associagdo unimodal, que inchui éreas que se situam préximas As reas de projecao; 3. cértex de associagao supramodal; € cortex limbico. Nessa ultima divisao encontram-se reas com nitida estrutura alocortical (hi- pocampo e cértex olfatério), areas de es- trutura intermedidria entre 0 isocortex e 0 alocértex (cértex orbitofrontal, insula, po- lo temporal, giro para-hipo- campal ¢ giro do cingulo), além de dreas de estrutura corticoide (estruturas cere- brais basais — como a amig- dala, a regio septal e a subs- tancia inominada — que apresentam _caracteristicas tanto corticais como nuclea- res). Note-se que 0 cortex de projecao cor- responde as dreas primérias de Luria, e 0 cértex de associagao unimodal, as areas se- cundirias, enquanto 0 cértex de associagio supramodal corresponde as areas tercidrias. 32 Fuentes, Malloy-Diniz, Camargo & Cosenza (orgs.) 1B Linco 1D Asseclacesupramodat 15 Assctagsounimods! Projecto FIGURA 2.4 As regides catticais de projecdo, associacdo unimodal, associagdo supramodal e as areas limbicas. Fonte: Adaptada ée Mesulam (2000), Mesulam (2000) chama a atencao para o fato de que as areas limbicas estao mais diretamente conectadas ao hipotéla- mo e, assim, recebem as informagdes vin- das do meio interno e podem atuar de mo- do mais direto sobre ele (Fig. 2.5). Além disso, as areas limbicas conectam-se prefe- rencialmente com as Areas de associagio su- pramodais. Jé as informagées ¢ as agdes so- bre o meio externo tém conexdo direta com as dreas de projecao, que estao ligadas as de associagao unimodal, que, por sua vez, co- nectam-se as dreas de associagio supramo- dal (Fig. 2.5). Dessa forma, as necessidades do organismo e os processos motivacionais e emocionais sao integrados a percepsao do Cortex cerebral FIGURA 2.5 Visdo esquematica das interacées entre © meio externo, o meio interno e as diferentes areas do cortex cerebral meio externo, permitindo que o comporta- mento mais adequado possa ser escolhido e que as agdes correspondentes sejam plane- jadas e executadas. AREAS DE PROJECAO, MOTORA E SENSORIAIS A rea motora do cértex cerebral localiza~ -se a frente do sulco central (Figs. 2.3 e 2.4), ‘ocupando essencialmente a area 4 de Brod- mann, onde se localizam grandes neurénios piramidais (células de Betz) e onde tem ori- gem a porgao mais significativa das fibras dos tractos corticospinais e corticonuclea- res, as chamadas vias piramidais, que irao comandar a motricidade de todo o corpo. Estimulagées na 4rea motora revelam a pre- senga de uma somatotopia, ou seja, as di- versas partes da metade contralateral do corpo sio representadas separadamente: as regides mais inferiores da érea motora con- tém neurdnios responsaveis pelos movi- mentos da lingua e da face; um pouco mais acima estado aqueles que se encarregam dos movimentos das maos, dos bragos, do tron- co € assim sucessivamente, até que os mo- vimentos das pernas e dos pés estejam r presentados na face medial do hemisfério cerebral. Lesoes ocorridas na area motora Neuropsicologia 33 terio como resultado paralisia da muscula- tura contralateral correspondente. O cortex somestésico (Figs. 2.3 ¢ 2.4) ocupa a regido do giro pés-central (dreas 1, 2.3 de Brodmann) e recebe as fibras que tém origem na porcao ventral-posterior do télamo, as quais trazem informagoes sen- soriais da face e da metade contralateral do corpo. Similarmente a0 que ocorre na re- giao motora primaria, existe uma somato- topia no cértex somestésico, podendo-se observar, com as técnicas adequadas, um homuinculo sensorial com a cabega situa- da inferiormente e as pernas ocupando a parte superior e a face medial do hemis rio cerebral, Lesdes no cértex sensorial pri- mario tém como consequéncia a dificulda- de em localizar estimulagoes tateis ¢ a perda de discriminagao de dois pontos, da grafes- tesia e da estereognosia. O cértex de projegao auditiva (Figs. 2.3 € 24) localiza-se no chamado plano tempo- ral (regido do giro temporal superior situ- ada no interior do sulco lateral) e ocupa as reas 41 e 42 de Brodmann. Ai chegam fibras vindas do corpo geniculado medial (télamo) que trazem as informagées sonoras origina- das no ouvido interno. No cortex auditivo primério observa-se uma tonotopia, ot seja, 0s sons mais graves impressionam as regides anterolaterais, enquanto os mais agudos irao estimular as posteromediais. Lesoes no tex auditivo primsrio dificilmente causam surdez, pois nele chegam fibras com origem contralateral e ipsilateral. Portanto, hé neces- sidade de perda concomitante dos cértices auditivos dos dois hemisférios para a insta- lacio de surdez cortical. A area visual priméria do cértex (Figs. 2.3 € 2.4) situa-se no lobo occipital, nas bordas do sulco calcarino (érea 17 de Bro- dmann). Ai chegam as projedes do trato geniculocalcarino (tém origem no corpo geniculado lateral) que trazem informa- des dos campos visuais contralaterais. No cértex visual primério existe uma retinoto- pia, ou seja, hé uma correspondéncia entre pontos especificos da retina e sua represen- taro no cértex: as porgdes periféricas da relina nas regides mais anteriores; as por- 6es centrais, nas regides mais posteriores; as porgoes superiores, na borda superior do sulco calcarino; ¢ as inferiores,na borda in- ferior desse sulco. Lesdes no cértex visual primario resultam em perda da visdo nos pontos correspondentes do campo visual AREAS DE ASSOCIAGAD UNIMODAIS As Areas unimodais de associagao estio proximas ou circundam as dreas de proje- go € com elas tém suas principais cone- xdes. Como ainda esto vinculadas 4 mes- modalidade sensorial (ou motora) elas tém uma caracteristica unimodal. As dreas de associagio unimodais comunicam-se entdo com outras regides, como 0 cértex de associagao supramodal (p. ex., as Areas da linguagem na regiao temporoparietal ou 0 cértex pré-frontal, que se ocupa da mem6- ria operacional e das fungdes executivas); € 0 cértex limbico, que coordena a mem6- ria e os processos emocionais. Lesdes des- sas dreas geralmente resultam em agnosias, como a prosopagnosia; em déficits percep- tuais, como a acromatopsia; ou em proble- ‘mas motores, como a apraxia. A rea visual de associagio unimodal (Figs. 2.3 ¢ 2.4) € extensa e ocupa porgdes dos lobos occipital e temporal (areas de Bro- dmann B18 ¢ B19 e ainda B37 e B20). Nela, existem subdivisoes que costumam ser nu- meradas de V2 a V8. As dreas V1 (B17) e V2 (B18) dao origem a vias paralelas que se diri- gem para regides distintas. Essas vias occipi- tofugais tomam dois caminhos diferentes. O primeiro € dorsal, em diregao aos lobos pa- rietal e frontal. Ele se dirige para pontos no- dais que analisam “o onde” da informagio visual: detectam movimentos ea localizagio de objetos. O segundo é ventral e toma a di- eGo do lobo temporal, onde ocorre a deco- dificagao do “o qué” da mesma informasao, ma 34 fuentes, Naloy-Diniz, Camargo & Cosenza (orgs.) como a deteccao das cores e da forma. Re- gides especificas do giro temporal inferior € 0 giro occipitotemporal lateral (giro fusi forme), por exemplo, sdo sensiveis & percep- a0 e ao reconhecimento de faces, bem como a forma de objetos complexos (Felleman & Van Essen, 1991; Mesulam, 2000; Ungerlei- der & Haxby, 1994). Lesoes nas areas de asso- ciagao visual podem provocar diferentes formas de agnosia visual, quando os objetos ou suas caracteristicas sio vistos, mas nao reconhecidos, A frea de associagao auditiva (Figs. 2.3 e 2.4) ocu- pa o giro temporal superior (dreas B42 B22) e tem uma organizacio complexa, se- melhante & que ocorre na rea visual de as- sociagao unimodal. As informagées vindas da érea de projegao auditiva podem tomar duas direcoes: uma anterior ou ventral, que parece estar envolvida na identificagao de sons ou voz das pessoas, ¢ outra posterior ‘ou dorsal, importante para a localizagio dos sons e contetido da linguagem (Alain, Amott, Hevenor, Graham, & Grady, 2001; Lattner, Meyer, & Friederici, 2005; Scott, Blank, Rosen, & Wise, 2000). Lesoes da re~ gio auditiva secundaria podem levar a ag- nosia auditiva (incapacidade de identifica~ 40 dos sons caracteristicos do ambiente) ou inabilidade de identificagao de timbres ‘ou sequéncias de sons. A rea somatossensorial de associa- ao (Figs. 2.3 e 2.4) situa-se posteriormen- te a drea priméria, ocupando a area 5 ¢ a parte anterior da drea 7 de Brodmann. Ela € importante para a localizagao tatil precisa, a exploracao manual ativa e a coordenagao do alcancar e pegar, bem como para o ar- mazenamento das memérias somatossen- soriais. Lesdes nessa regido ou em suas co- nexdes levam a déficits como aagnosia tail, a apraxia tatil (objetos nao podem ser ma- nipulados sem auxilio visual) ou a orien- tagao espacial por meio do tato (Mesulam, 2000). foi Bie nocate tenis tas motoras. Neen eee) Seem Pee ae tt eee A regito motora de associagao (Figs. 2.3 ¢ 2.4) inclui as reas BG (Areas pré-mo- tora e motora suplementar) partes das dreas BS e BAd (esta tiltima fazendo parte da chamada érea de Broca). Essa regiao manda fibras para a drea motora de projecdo e re- cebe informagées vindas de éreas secundé- rias sensoriais e supramodais do cértex ce~ rebral. A regiao de associagao motora parece estar envolvi- da no planejamento motor ena selecao de movimentos, sendo ativada antes da exe cugio das respostas motoras. Lesoes dessa regiao tém co- mo resultado disturbios motores, como al- guns tipos de apraxias, sem paralisia ou fra~ queza muscular (Chouinard & Paus, 2006; Mesulam, 2000). AREAS DE ASSOCIACAO SUPRAMODAIS Essas regides do cértex sao consideradas su- pramodais porque a elas nao podem mais ser atribuidas fungoes ligadas diretamente a motricidade ou & sensibilidade. Nelas ocor- re a integragao das diversas informagoes sensoriais que permitem o aparecimento de fungoes cognitivas, como a linguagem ou a atencéo. Além disso, é nelas que aconte- cem a elaboragio das estratégias comporta~ mentais eo monitoramento de sua execu- sao. Observam-se no cérebro duas rei de associagio supramodal: uma na unida- de receptora de Luria, ocupando areas dos lobos parietal e temporal, e outra na unida- de executora, ocupando a regiao pré-frontal (Figs. 2.3 e 2.4). Area temporoparietal A rea de associagao supramodal tempo- roparietal ocupa as regides B7, B39 e B40 € mantém conexdes estratégicas com as di- versas regides unimodais do cértex cerebral, Neuropsicologia 35 encarregando-se da integragao de informa- GOes sensoriais processadas pelo cérebro ~ 0 que € importante, por exemplo, para a computagao da linguagem, uma de suas fungoes. Além disso, liga-se ao cértex pré- -frontal e envia fibras para estruturas sub- corticais, como 0 corpo estriado. Ela tem uma maturagio tardia e atinge a plenitude do seu funcionamento somente depois da primeira década de vida. Do ponto de vista funcional, essa regiao esté relacionada com a praxia, a linguagem, a integragao e 0 pla- nejamento visuomotor € a atengao espacial. Quanto a atengao, ela contribui para sele- cionar um entre os varios estimulos exis- tentes e para a mudanga da atengao para um novo foco, atuando de forma integrada com o cértex pré-frontal. Existe, contudo, uma evidente assimetria da fungao, sendo o lado direito mais envolvido no sistema atencional (lesdes nessa regio resultam na cas. cvau sindrome de negligéncia, em que o espago contralateral tende a ser ignorado), No la~ do esquerdo, o envolvimento com a lingua gem é mais evidente, de modo que suas le- ses causam disfasias e agnosias. A rea de Wernicke, importante para a compreensio da linguagem, ocupa porgoes das regioes 39 € 40 de Brodmann. (Abdullaev & Posner, 2005; Corbetta & Shulman, 2011; Kelley, Serences, Gieslorecht, & Yantis, 2008; Mesu- lam, 2000). A sindrome de Gerstmann, ca- racterizada por confusio direita-esquerda, agnosia dos dedos, disgrafia e discalculia, € um exemplo de disfungio produzida por le- ses & esquerda na drea temporoparietal. A Figura 2.6 representa, de forma es- quemitica, 0 processamento cognitive de um fluxo de informagao desde as areas de proje¢ao, ou primérias, até as reas supra- modais e Iimbicas, passando pelas areas de associagao unimodais. Nota-se que os CAAU FIGURA 2.6 Organizagao esquematica do fluno de informacdes no cértex cerebral, Registra-se 0 processamento visual para as faces eo visual e auditivo para a linguagem verbal. As regides delimitadas representam areas corticais: CAAU = cértex auditiva de assoziaczo unimodal, CAP = cértex auditiva de projerdo, CAS = cértex de associardo supramodal,C cértexlimbico, CVEU = cértec visual auditivo de associagao unimodal, CVP — cértex visual de prjecéo. Os pequenos discos representam pontes nodais de processamento, reciprocamente conectados por linhas: A= projecao auditiva primaria, CE = componentes emocionais (do reconhecimento de faces), IA = identiticacio de sons (p.ex., vozes), IAP = ientficacao auditiva da palavia, IV = identiicagdo dos objetos (cortex temporal), IVF = identificagao de faces, IVP = identificagao visual das palavras, LA localizacao aucitiva, LV = localizacao visual dos objetos (cortex parietal), RF = reconhecimento de faces, V = projegao visual primaria, W = area de Wernicke (compreensao da linguagem). Fonte: Adaptada de Mesulam (2000), 36 fuentes, Naloy-Diniz, Camargo & Cosenza (orgs.) diferentes pontos nodais yao processando as informagies de maneira cada vez mais complexa e diferenciada a medida que estas fluem através dos diferentes niveis sinépti- cos. E interessante notar que a area 7 de Brodmann na face medial do hemisfério corresponde anatomicamente ao “pré-cti- neo”, uma regio que tem chamado atengio a partir de estudos com as técnicas de neu- roimagem. Ela recebe informagoes senso- riais multimodais do cértex parietal lateral, tem conexdes reciprocas com o lobo fron- tal e parece estar relacionada com fungies como a imaginasao visuoespacial,a recupe- racao da meméria episbdica e a autacons- cincia. Ha evidéncias de que essa regiao uma das éreas nodais do circuito cuja ativi- dade predomina no cérebro em estado de repouso (default brain network) (Cavan- na & Trimble, 2006; Fransson & Marrelec, 2008). Na porgao inferior do lobo parietal, detecta-se a presenga dos chamados “neu- rénios espelho”, que séo encontrados tam- bém na regiao pré-motora. Esses neur6nios tém a caracteristica de disparar impulsos quando o individu executa uma agao € também quando a mesma agao é observada em outras pessoas. Eles estao provavelmen- te envolvidos em um circuito parieto-pré- -motor importante na compreensio dos atos motores ¢ da intengdo que os motiva, constituindo a base para a teoria da men- te, isto é,a capacidade de identificar pensa- mentos ¢ intengdes nos outros. Parece ocor- rer disfungao desse circuito nas sindromes autistas (Acharya & Shukla, 2012; Rizzola~ ti, 2005). Area pré-frontal O cértex pré-frontal ocupa a porgao mais anterior do lobo frontal. Caracteriza-se por suas conexdes com o miicleo dorsomedial do télamo e divide-se nas regides dorsolateral, medial ¢ orbital (Fig. 2.7). cortex de asso- ciacao supramodal, constituido de isocértex, Orbital Dorsolateral Medial FIGURA 2.7 As trés divisbes do cértex pré-frontal, Neuropsicologia 37 ocupa principalmente a divi- sio dorsolateral (areas B9, B10, Bil, B45, B46 € B47), enquanto as porgdes mediale orbital (B12, B13, B25 e B32) no apresentam as seis cama- das de células, podendo ser consideradas como uma z0- na de transig3o para 0 cértex limbico (éreas paralimbicas). A tegito pré-frontal, de for- ma estratégica, coordena a ligagao entre as reas de associagao sensoriais e as dreas lim- bicas e, portanto, entre as in- formacdes do mundo exter- nO € os processos emocionais € motivacionais, importantes para a sobrevivencia do or- ganismo ¢ para a regulagao do comportamento (Fuster, 2008; Mesulam, 2000). ‘Todas as regides pré- -frontais recebem fibras do micleo dorsomedial do téla- mo, que transfere informa- Ges vindas de outras estruturas subcor- ticais (como a formagao reticular e a substancia negra). Recebem também fibras do cerebelo e dos nticleos da base, do hipo- télamo e da amigdala (esta tiltima princi- palmente para as regides alocorticais), além de aferentes de outras regides limbicas, co- mo o hipocampe. Sao importantes as pro- jegdes que recebem dos sistemas monoa- minérgicos moduladores, vindas do locus ceruleus (noradrenalina), da area tegmen- tal ventral (dopamina) e dos nuicleos da raf (serotonina). Ao cértex dorsolateral chegam informagdes visuais, auditivas e so- miticas, enquanto no cértex orbitofrontal predominam as olfat6rias e gustativas, além das informagses viscerais. O primeiro usa as informagoes sensoriais a fim de organi- zar e executar estratégias para a consecugao de objetivos, enquanto o segundo coleta as informagées importantes para os pro- cessamentos emocional e motivacional. As tament Dee estratégica, coordena a liga- ee est eee EN ee formagoes do mundo externoe Seer Ted Ree ere ara a regulagio do compo eee cma PO Ce Se ec | eee et a Cea eae ae ect) Pe Nets a td Te A Coon oe Soa eter Ce) conexdes_mencionadas sto geralmente reciprocas. Im- portantes para a fungao exe cutiva e motora sio as fibras que vao para os miicleos da base e também para as areas motoras e pré-motoras. O cOrtex pré-frontal, por meio de seus circuitos e conexdes, coordena as fun GOes executivas, ou seja, as capacidades de determinar objetivos, esta- belecer uma estratégia comportamental, es colher_prioridades e inibir agdes desnecessarias, além de monitorar 0 comportamen- to para que os objetivos se- jam alcangados. Pode-se di- zer que 0 cértex pré-frontal organiza as acdes ao longo do tempo. Embora todas as fun- goes pré-frontais sejam_in- terdependentes, pois com- partilham circuitos que sio comuns ¢ que cooperam (ou competem) entre si, podem-se conceber dois eixos fun- cionais: um para a meméria operacional € a atengao e outro para o comportamento e a motivagao, O cértex dorsolateral coorde- naa meméria operacional, que se relaciona com a atengio sustentada e tem o envoh mento também do cértex parietal. O cér- tex orbitofrontal analisa a significincia dos estimulos sensoriais, identificando aqueles ligados a uma gratificagao, e ¢ importan- te para 0 controle inibitério do comporta- mento. Jéa drea pré-frontal medial lida com a atengio interna e a tomada de decisio. Lesoes dorsolaterais causam proble- mas com a meméria operacional, bem co- mo deficiéncia na capacidade de plane- jamento e execugao de planos de agao. A sindrome lateral traz dificuldades na sus- tentacdo da atengao, perda de iniciativa na capacidade de tomar decisdes, Ha per- da da fluéncia verbal, bem como apatia e

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