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CAPITULO TIL A EDUCAGAO NA GRECIA 1 AIDADE ARCAICA E 0 MODELO HOMERICO: AS ARMAS E O DISCURSO Os gregos nao foram um povo unitério, étnica ¢ culturalmente, mas uma mescla de etnias ¢ de culturas que foram se espalhando em ondas sucessivas na Hélade, a penfnsula acidentada e pedregosa que, abaixo da Macedania, se projeta no Mar Fgeu, contarnada por ilhas e arquipé- lagos. Sobre esse terreno estéril, mas aberto para o mar, tomou corpo ~ por volta do III milénio a. G. ~ a civilizagao cretense na ilha de Creta, tecnicamente evoluida (na arquitetura, na escrita), ligada aos cultos reli- giosos mediterraneas, governada por reis-sacerdotes; depois - por volta Uc 1600 a. C.=, « espleudida civilizayav cretense fui subjugala pur Mivene, cidade da Argélida que vinha exercendo uma supremacia sobre a regio € cujos tragos aparecem nos poemas homéricos; a estirpe dos aqueus, ligados a Micene, foi depois — entre 1200 e 1100 a. C. ~ superada pelos fiigivy © pelos dorivs, povos invasores que se instalarain sia peninsula. Neste processo, a propria estrutura geogritica da Grécia ~ como se disse, “topografia montanhosa” e “fracionamento geografico natural” ~ favor receu a formagio de reinos isolados e independentes, que $6 se aliavam 76 FRANCO CAMBI momentineamente, para depois tornar a separar-se, mas vindo assim a uit, por intercambius omerciais © culturais, una profunda w dade espiritual, que deu vida a uma “civilizagio comum”, ligada A mesnua Jingua, 20 mesmo alfabeto, a uma atividade mitopoiética comum. (© testemunho explicito e onginico dessa unidade espiritual serio os poemas de Homero, a Iliada, que narra os eventos da guerra de Tria, a vit6ria dos aqueus € a constituigao, neste povo fracionado e dividido, de uma consciéncia comum, histérico-mitica e étnica, e a Odisséia, que conta iyiagem dé Ulisse: de Trina fteci, camamenda de vicimitades, de pro- vas de aventuras € de riscos, exaltando a capacidade do individuo, sua astticia (= inteligéncia) e sua coragem, mas também sua magnanimidade e-aceitacio do destino. Os dois poemas so 0 produto de “séculas de poe- sia oral, composta, recitada ¢ transmitida por bardos de profissio, os aedos, sem o auxilio da escrita” (Finley), mas onde se encontra sedimen- tado também 0 estilo de vida da Grécia mais arcaica, dividida em reinos governados por reis-guerreiros, expressio de uma casta de dominadores militares, onde se vive de agricultura e pastoreio, mas também de comer- io, € onde se organiza uma sociedade hierdrquica, na qual o poder est na mao da aristocracia, Nessas paginas estdo refletidas as prixis econd- micas ¢ sociuis, as crengas religiosas ¢ as regras do poder, as préprias pra Uicas culturais, ligadas oralidade e ao papel-chave do aedo em tal con- texto histér 10 retratados os tempos arcaicos, fixados por escrito entre “o fim do séeulo IX e 0 inicio do VII" e delineado um ocaso ‘o-mitico. dos costumes mais antigos ~ as religides orgidsticas, 08 aspeetos dionisiacos fe biquicos igados a desregramentos e ritos cruentos - e a afirmacio de urna sociedade menos brutal mais racional, que se organiza em torno dos walares da forga e da persia , da exceléncia fis ‘© espiritual, das armas € da palavra. A educagio herdica esbogada na Iiada retoma aspec- tos da tormagio de Aquiles e se delinera como uma educagio pratica, que une “lingua” € “mao” e versa sobre o cuidado do corpo, mas nao exchui a oratéria, guiada pelo “centaur Quirio”, ou seja, organizada por relagdo pessoal entre mestre € aluno, que remete, talvez, a propria pra- tica dérica da pederastia; da formagao do jovem guerreiro através de uma amizade (até carnal) com um guerreiro mais velho que funcionava como treinador € guia, aspecto que permaneceu durante muito tempo como elemento caracterfstico da educagio grega. Elementos dessa formagio HISTORIA DA PEDAGOGIA 7 herdica encontram-se também na Odisséia, em relagio ao jovem Telémaco, enbora neste asu, doravante, v ambiente foumativo veja a funslia, com suas praticas e seus afetos. Outros aspectos da educacSo, ligada sobretu- do ao povo, encontram-se em Hesfodo (século Vill a. C.), em Os trabathos 2 0s dias, onde é exaltado o trabalho ¢ so apontadas priticas de iniciagio, que em todas as culturas arcaicas assumem um papel crucial no cresci- mento € na inser¢io das jovens geracdes na sociedade adulta, sancionan- do uma futura maturidade do individuo por meio de provas rimais. A cducagao herdica destina-se aos adolescentes aristocréticos, reu- nidos no palacio do rei, onde sao treinados para o combate atraves de competicées e jogos com disco, dardo, arco, carros, que devem favorecer ‘ exercicio da forca mas também da astiicia da inteligéncia. O espirito de luta € aqui o critério educativo fundamental, que abrange tanto 0 aspecto fisico-esportivo quanto o cortés-oratério-musical, solicitando exer- cicios com a lira, danca canto e remetendo o jovem também a praticas religiosas como “a leitura dos signos, 0s ritos do sacrificio, culto dos deuses € dos heréis". Estamos diante de “uma pedagogia do exemplo”, da qual Aquiles encarna a areté (o modelo ideal mais completo de for- exeeléncia @ an valor Nan sé: magia) ligada partir da Hinda “a intsica € a gindstica pertencem ao programa educativo” dos gregos € sio indicadas como: modelo € programa as jovens geracoes justamente pela leitura educativa do poema homérico, que sera texto de formagio ~ por séculos — das classes dominantes. 2 A POLIS E A FORMAGAO DO CIDADAO: LEIS E RITOS, AGONISTICA E TEATRO A organizacio politica do Estado tipica da Grécia arcaica ~ reinos in- dependentes ¢ territoriais ~ tende gradativamente, mas de modo pro- fando, a mudar com a afirmagéo da pélis: uma cidade tado com forte unidade espiritual (religiosa € mitopoiética) que organiza um territ6rio, mas que sobretudo € aberta para o exterior (comércio, emigragio, colo- nizacao) € administrada por regime ora monarquico, ora oligarqnico, ora democritico, ora tirinico, mas no qual o poder é regulado por meio da agio dé assembléias e de cargos eletivos. Se a pélis € “um Estado que se 78 FRANCO CAMB autogoverna”, as cidades-Estado gregas exam independentes entre si, vi munitéria, organizada em torno de valores e de fins comuns, embora se- parada por grupos € por fungoes, e regulada por leis estabelecidas pela propria comunidade; externamente, porém, alimentavam oposigées ra- dicais ¢ aliancas frageis, que condenaram a Grécia a sofrer a hegemonia primeiro dos persas, depois dos reis da Maced6nia, que a subjugaram, extinguindo sua autonomia e criatividade politica Sc Esparta ¢ Atenas, como veremos, representaram os dois modelos opostos da polis grega, a florescéncia das poleis difundiu-se em toda a Grécia (com Corinto, Olimpia, Epidauro etc.), depois desde os limites-da atual ‘Turquia (com Mileto e Pérgamo), até a Magna Grécia, que compreendia cu luta © davai vigor ~ denuy da cidade ~ 4 win intensa vida Lo- as Costas da Puglia (cout Brindisi e Taranto), da Calabria (com Crowona), da Sicilia (com Siracusa ¢ Agrigento), da Campania (com Paestum e Eléia), criando no centro do Mediterraneo uma civilizacio mével e unitiria, ar- ticulada e comum, madura pelo pluralismo de formas e de especializacées € pelas diversas contribuigdes de etnias, de grupos € de individuos, que pela obra dos reis macedénios e, depois, dos reis romanos foi afirmando: se coma a cnltura-lider do Mediterrinea edo mundo antiga A pis, des- de seus inicios, entre os séculos VIII ¢ VII, “assinala um ponto de partida, uma verdadeira invengao”, ja que nela “a vida social e as relagdes entre os homens assumiram uma forma nova”; temos “uma extraordindriapre- senga da palavra", que se torna “instrumento politico” e alimenta “a dis- cust Lago”; as “manifestayoes muaiy importantes da vida social” tém um cardter de plena “publicidade’, ligadas que esto a “inte- resses comuns”, assumindo um aspecto democratico, inclusive no que tan- ge cultura; os diversos grupos ou cliis que compdem a cidade so "'se melhantes’ uns aos outros”, sao isoi, iguais, até no plano militar (com 0 nascimento do hoplita: 0 cidadio dotado de armas que esta pronto a com- bater pela cidade) (Vernant). Mas o que faz da pdlis uma comunidade de vida espiritual sio sobretudo as leis ¢ os ritos, que formam a consciéncia do cidadao ¢ inspiram seus comportamentos por meio de normas que fixam ages € proibigdes. Até os deuses sio cidadaos (ainda que depois radios os denses da Olimpo fassem cultuadas); sie deuses que protegem © a “arguin ¢ inspira a vida da Comunidade, que sau exaltadus lay grandes festas urbanas por sacerdotes que nao tormam uma casta, mas sio “leigos” ou HISTORIA DA PEDAGOGIA 79 oficiais de Fstado “no mesma sentido que generais, tesoureiras ou comis- sirius de iercudores, com a mnesita base de faruilia, de riqueza, de expe> rincia", como ocorria em Atenas (Finley). E sao "semelhantes aos ho- mens” cujas hist6rias ou mitos “explicavam” o ritual davam uma Interpretagio complexa do mundo. A religido era também “um assunto do Estado ou da comunidade” cuja vida ela regulava, embora se caracte- rizasse em sentido local, com poucos cidades, & parte a sacralidade do santuatio de Delfos ¢ seu orienta (além inculos com os cultos das outras de Eléusis € seus cultos iniciéticos) ou os rituais de Olimpia, 03 Jogos, inau- gurados em 776 a.C. Desse modo, os jogos agonisticos - ou gindsticos, masculinos ¢ femi- ninos ~ ¢ a atividade teatral, ambos ligados a festividades religiosas momentos eminentemente comunitirios, vinham desenvolver uma fan- clo educativa no ambito da pélis, acompanhando a agio das leis ¢ subli nhando seus fundamentos ético-antropolégicos, como ainda o carter de livre vinculo coletivo, Ja Tucidides reconhecia que “a cidade é uma em- presa educativa, referindo-se sobrewudo a Atenas, wim vez que tende a “ garantir aquela integracio, aquela coesio, aquela homogeneidade de base que sio requisites essenciais para a seguranga e para a sobrevivéncia” da cidade. Com tal objetivo, se desenvolve “uma atividade edueativa total ¢ permanente, que faz da polis inteira uma ‘comunidade pedagogica” (Vegetti). Um dos instrumentos fundamentais dessa educagio comunit- via € 0 teatro, a tragédia e a comédia, que é um espelho da comunidade que enfrenta seus problemas de legitimagao das normas ¢ de descrigio! avaliagio dos costumes. Assim, o teatro, em Atenas, é “também e sobre tudo um lugar de representacio das contradig6es que laceram 0 corpo da cidade e as consciéncias de seus membros”, referentes a escalhas poli- ticas, éticas, psicologicas, como ocorre pelo incesto em Edipu Rei ou pelas leis interiores superiores as da cidade na Antigona de Sétocles, como tam- bém pela aceitacao do destino na Oréstia de Esquilo. No teatro, a comuni- dade educa i mesma; com a comédia que fustiga costumes, ridiculariza comportamentos, castigat ridendo mores, como dito vs latinos. Os jogos agonisticos também educam: pelo desalio de enfrentar os outros nas corridas, pelo uso da inteligéncia como mets (“razao astuta”), pela comunicagio € pela Imaginagao. A areté masculina e feminina en contrava nos jogos agonisticos e nas stias provas um momento de tenstio 50 FRANGO GAMBI formativa e de apelo A exceléncia que estabelecia com o corpo e com seu domfnio uma precisa € harmoniosa atividade espiritual. Na agonistica, escreve Burckhardt, “manifestam-se a exceléncia € a raga, € a vit6ria es- portiva revela-se camo a mais antiga expressia da vitéria pacifica da hn- manidade”, que ultrapassara os tempos heréicos ¢ pertenceré ao patrimonio espiritual e educativo da cultura grega, até a época classica e depois também na helenistica, embora com énfases diferentes. Fé si ficative que por longo tempo os jogos agonisticos pertengam também & wweté da mulhes, vista nus “seus comportamentos nav ofieiais, sais umes € privados, € nos sociais” (Frasca). 3 A EDUCAGAO FAMILIAR, A MULHER, A INFANCIA A familia, em qualquer sociedade. é o pri do individuo, onde ele apre nicar € a falar, onde depois aprende comportamentos, regras, sistemas de valores, concepgées do mundo. A familia € o primero regulador da iro lugar de socializacao je « reconhecer a si € aos outros, a comu identidade fisica, psicoldgica ¢ cultural do individno e age sobre ele por meio de uma fortissima agio idcolégica. Esse era também 0 papel da familia na Antiguidade, na qual se caracterizava ora como familia pa- triarcal, ampliada, coincidente com a gens ou gens (estirpe), como a defi- niram os latinos e os gregos, ora como relacio pais-filhos, mas sempre segundo um modelo autoritirio que vé © pai quase como um deus ex machina da vida familiar. E da unido das familias, portanto, que nasce a comunidade social que daré vida & propria pélis. No interior do dikes (espaco Familiar) reina a mulher ~ como espasa e como mie ~, mas socialmente invisivel ¢ subalterna, dedicada aos ta- balhos domésticos ¢ 4 criagho dos filhos. Penélope sera um modelo signi- ficativo da condigéo feminina na Grécia arcaica e também na classica. Fora da casa, a mulher’é tentadora (para o homem), desvia-o da s “tarefa”, afasta-o de seus deveres: como fazem Circe e Calipso com Ulisses na Odisséia. A feminilidade é também perdigao, é mal, € desordem: como deixa entrever 0 mito de Pandora, uma deusa que é simbolo da femini- lidade. Hera, pelo contrério, a “rainha dos deuses”, é espoaa e mie, pro tege 0 casamento € os partos € indica 0 modelo da verdadeira (= justa) HISTORIA DA PEDAGOGIA 81 feminilidade. Na familia, a mulher € submissa, primeiro ao pai depois a0 marido, ao qual deve fidélidade ¢ amor absolutos (os vasos de ntipcias acolhem freqiientemente a imagem mitica de Alceste, a esposa que “acel- tou chegar ao Além no lugar do marido”). Suas fung6es piblicas so ape- nas para funerais (so suas atribuigdes a toalete dos mortos os lamentos fnebres), pata o 1etorno ou a paitida do guerreito, para coros ¢ dangas nas festividades, para sacrificios, quando aparece como canéfora, porta- dora do kandun ou cesto sacrificial, para festas como as de Adonis € de Artemis ou os ritos dionisiacos. Fora de casa na vida cotidiana , 03 seus espacos sto as fontes; dentro de casa, 0 lugar onde ela fla e tece. “As cenas de mulheres fiando so muito numerosas no fim do perfodo arcai- co”, na pintura de vasos; as mulheres so representadas com “concha € cesto”, para indicar scu empenho no trabalho, enquanto 0s homens sio representados no cio. Existem, porém, j no mito, modelos femininos que se opdem a essa domesticidade e submissio da mulher: as Amazonas, mulheres guerreiras, com caracterfsticas masculinas de coragem ¢ de forca; as Menades, sequa- zes de Dioniso, possutdas e selvagens, que rompem toda regra moral no Iranse e se carregam de violéncia, Mulheres assassinas que inquietam um cosmo ordenado segundo 0s modelos masculinos de autoridade ¢ de sub- missao. Na sockedade grega existemn tambem figuras de mulheres mais livres menos subalternas: as sacerdotisas, as “ancias”, as hetairas ou prostitutas de Inxo, que vivem ao lado dos homens, sio cultas, participam da vida social (como Aspasia, a favorita de Péricles, em Atenas), Em geral, porém, é no dnkos que se desenvolve a vida femnina, entre “casamentos, nascimentos, mortes”, rodeada de “filhos, parentes, criadas"; ali se cria uma comunida- “O dikos €o dominio das mulheres: o que aconteve nele esté sob seu controle”, ma de feminina que trabalha, que organiza a vida da casa, que r cumpre assinalar que nele também é “a lei masculina que reina e que san- ciona por tiltimo a atividade” (Duby & Perrot). ‘As criangas vivem a primeira infincia em familia, assistidas pelas mu theres € submetidas & autoridade do pai, que pode reconhece-las ou abandoné-las, que escolhe seu papel social e € seu tutor legal. A infincia nao é valorizada em toda a cultura antiga: € uma idade de passagem, ameagada por doengas, incerta nos seus sucessos; sobre cla, portanto, sc faz um minimo investimento afetivo, como salientou Ariés para as socie- 82 FRANCO CAMBI dades tradicionais em geral. A infincia cresce em casa, controlada pelo “medo do pai”, atemorizada por figuras miticas semelhantes as bruxas (as Lamias, em Roma), gratificada com brinquedos (pense-se nas bone- cas) e entretida com jogos (bolas, aros, armas rudimentares), mas sempre colocada & margem da vida social. Ou entio por esta brutalmente cor rompida, submetida a violencia, a estupro, a trabalho, até a sacrificios ri tuais. O menino ~ em toda a Antigitidade ¢ na Grécia também - é um “marginal” e como tal é violentado e explorado sob varios aspectos, mes- suo se gradualinente ~ a partir doy sete anus, em geral ~ € inserido ex instituigdes piiblicas € sociais que Ihe concedem uma identidade, Ihe in- dicam uma funcdo € exercem sobre ele também uma protecio. 4 ATENAS E ESPARTA: DOIS MODELOS EDUCATIVOS Entre as péleis gregas, duas cidades ocuparam um papel-guia, hist6- rica € idealmente, dando vida a modelos politicos, sociais e culturais opos- tos entre si e verdadeiramente exemplares, alimentando depois durante séculos e durante milénios o debate historiogréfico, mas também cultu- ral, jé que vieram a representa: as duas opgies radicais ~ e 1adicalmente alternativas ~ do espirito grego, 0 que significa também de toda a hist6- ria ocidental, reconsiderada nas suas origens. Esparta foi o modelo de Estado totalitério; Atenas, de democritico, ¢ de uma democracia muito avangada, ALE seus ideais & modelos educativos se caracterizavam de ma- neira oposta pela perspectiva militar de formagio de cidadios-guerrei ros, homogéneos a ideologia de uma sociedade fechada ¢ compacta, ou por um tipo de forms 9 individuo suas capacidades de construgdo do proprio mundo interior © social. Esparta e Atenas deram vida a dois ideais de educacao: um baseado no conformismo eno estatismo, outro na concepgio de paidtia, de formagio humana livre e nutrida de experineias diversas, sociais mas também cul turais € antropologicas. Os dois ideais, depois, alimentaram durante sé- culos o debate pedagégico, sublinhando a riqueza ¢ fecundidade ora de tum, ora de outro modelo. Esparta € uma cidade que vive da agricultura, situada longe do mar, fechada em si mesma e dividida rigidamente em classes (0s cidadios, os fio cultural e aberta, que valoriza HISTORIA DA PEDAGOGIA 83 periaikai ou habitantes do campo e os iloti on grupos suhalternas). F. go- vernada por uma assembiéia de cidadaos que elege wn conselhu de 28 membros, ¢ por dois reis com direito hereditario. Kot © mitico Licurgo quem ditou as regras politicas de Esparta ¢ delineou seu sistema educativo, conforme 0 testemunho de Plutarco. As criangas do sexo masculino, a partir dos sete anos, eram retiradas da fanilia inseridas em escolas- ginisios onde recebiam, até os 16 anos, uma formagio de tipo militar, que devia favorecer a aquisicao da forca e da coragem. O cidadio-gner- reiro é formado pelo adestramento no uso das armas, reunido em equi pes sob 0 controle de jovens guerreiros e, depois, de um superintenden- te geral (paidonomos). Levava-se uma vida em comum, favoreciam-se os vinculos de amizade, valorizava-se em particular a obediéncia, Quanto a cultura — ler, eserever -, pouco espago era dado a cla na formagio do espartano ~ “o estritamente necessirio”, diz Plutarco -, embora fizessem aprender de meméria Homero e Hesiodo ou o poeta Tirteo. ‘Também as mulheres, em Esparta, deviam robustecer 0 préprio cor~ po com a edueagao fisica ~ “para suportar bem a gravidez" © para de- senvolver os “nobres sentimentos da virtude € da gloria”, nota ainda Plutarco. Entrando em conflito com Atenas. na longa guerra do Pelopo- neso (451 104 a, C.), sparta saiu enfraquecida e entrou em ripido declinio. No século V, ja outras cldades desenvolveram sua propria hegemonia sobre a Grécia, a partir de Atenas, Esparta permaneceu fiel aos préprios costumes e aos préprios ideais, que, porém, eram agora superados por uma nova civilizagéo ~ baseada no interedmbio © na ¢s- rita -, a qual Esparta tinha permanecido alheia. Reduzida a “mediocre cidade do império romano”, a formagio do guerreiro era agora uma atra- gio para os turistas que desejavam “ver o combate de javens junto a0 altar de Artemis” (Mialaret & Vial). A.ascensio de Atenas no mundo grego ocorre através da obra de S6lon que, em 594 a. C., estava na direcio da cidade, enquanto nela fermen- tavam lutas sociais e econdmicas tendentes a limitar os poderes da aristo- cracia fundiaria. Sélon deu a Atenas uma constituigdo de tipo demoeré- tico: libertou os camponeses; instituiu o tribunal do povo; criou o Conselho dos Quatrocentos (executivo) designado por sorteio pela Assembléia do povo. Ainda sob a tirania de Pisfstrato e do filho Hipias, em seguida sob a democracia de Clistenes e durante a guerra contra os persas comandada 4 FRANCO CAMBI por Temistocles, até a vit6ria de Maratona (490 a. C.) e depois de Salamina (480 a. C:), Atenas continuou a fazer crescer 0 comercio € a populagao e a exercer uma fangio-chave na Grécia inteira. Também a cultura, apés a adocio do alfabeto idnico, totalmente fonético (em 403), que se tor- nou comum a toda a Grécia, teve um espléndido florescimento em todos os campos: da poesia ao teatro, da historia a filosofia. No séeulo V, Ate- nas tinha cerca de 300 mil habitantes e exercia um influxo sobre toda a Grécia: tinha necessidade de uma burocracia culta, que conhecesse a es- caita, Esut difundiu-se a todo 0 povo € os cidadios livres adquiriram 0 habito de dedicar-se & orat6ria, & filosofia, & literatura, desprezando (e recusando) 0 trabalho manual e comercial. Todo o povo escrevia. como testa a priitica do ostracismo; as mulheres também eram admitidas na cultura, Afirmou-se um ideal de formagao mais culto € civil, ligado a elo- qiéncia e & beleza, desinteressado e universal, capaz de atingir os aspec tos mais préprios ¢ profundos da humanidade de cad: nado a educar justamente este aspecto de humanidade (de humanifas, como dirao Cicero € 0s latinos), que em particular a filosofia e as letras conse- guem nele fazer emergir € amadurecer. Assim, a educacéo assumia em Atenas um papel-chave e complexo, tornava-se matéria de debate, ten- individuo e desti- dia @ universalizar-se, superando oy linsivey da polis, Nuina prinneina fase, a educagao era dada aos rapazes que freqitentavam a escola € a palestra, onde eram instruidos através da leitura, da escrita, da musica € da edu- cagio fisica, sob a divegio de trés instrutores: 0 grammatistes (mestre), 0 hitharistes (professor de miisica), 0 paidotribes (professor de gramiatica). O vapaz (pais) era depois acompanhado por um escravo que 0 controlava € guiava: o paidagogos. Depois de aprender o alfabeto ¢ a escrita, usando tabuinhas de madeira cobertas de cera, liam se “versos ricos de ensi hamentos, narrativas, discursos, elogios de homens famosos”, depois “os poetas liricos” que eram cantados, como atesta Platdo. Central era tam- hém o enidaca do corpo, para torn-lo sadio, forte ¢ helo, realizado nos _gymnasia. Avs 18 anos, o jovem cra “efebo” (no auge da adolescéncia), ins- crevia-se no préprio demo (ou circunsericio), com uma na vida de cidadao € depois prestava servico militar por dois anos. A particularidade da educagio ateniense é indicada pela idéia har- ‘erimOnia entrava ménica de formagao que inspira o proceso educativo ¢ © lugar que nela ocupa a cultura literria € musical, desprovida de valor prético mas de HISTORIA DA PEDAGOGIA grande importancia espiritual, ligada ao crescimento da personalidade e humianidade do jovem. Estamos ja no limiar da grande descoberta eclucativa ateniense e também de toda a cultura grega: a puidéia que, da paca dos sofistas em diante, torna.se noginchase da tradigio pedage gita antiga, 5 O NASCIMENTO DA PAIDEIA No curso dos séculos V-IV a. C.,a cultura grega ~ caracterizada agora pelo papel hegemanico de Arenas - entra numa fase de crise ¢ de trans o, em paralelo com uma profunda mudanga da sociedade em sew forn recente, reclantam uma presenca politica € apontam para uma dentocracia que favorega a troca de classes na gestio do poder. Ao Indo dessa mobilidade conjunto, Novos grupos sociais, ligados ao comércio e de riqueza social © dessa eaigéncia de demuuiacia, Uelinei mais critica em relagio ao saber religioso e mitopoiético © mats técnico- cientifica, que exalta a dimnensio livre e o livre exerefcio da razio proprio de cada individuo e disposto a submeter A andlise qualquer crenga, qual quer ideal, qualquer principio da tradigao. Esse modelo de cultura essen Gialmente deniveritica deu lug: que foi interpre iquele periodo do “iluminisino grego” do de maneiva exemplar pelos sofistas, Fstes e tres de retorica (e no mestres da verdade como os sapientes devile Tales até Democrito, Mosolos-cientistas, cosmologos etc.) e de soplia (de si piencia técnica, ligada 4 téenica do discurso) que ensinavam mediante pa- gamento por quase toda a Grécia, dedicando-s ss grupos sock geutes € iniciando-oy na fechne da oratéria, por meio de discursos exemplares € argumentagdes eristicas (que punham ent dificuldade 0 ad- versirio). Os sofistas, portanto, indicam uma dupla virada ua cult srega: luna atengio quase exclusiva para 0 homem ¢ seus problemas, como tan em para suas técnicas, a partir do discurso; além da cultura tradicional, naturalista € religiosa, cosmoldgica, que é submetida a uma dura critic A posic nida por Protigoras de Abdera (484-411 a. C.) € por Gorgias de Lentini (484-376 a. C.), que su- binharam 0 antropologismo € o relativismo de todo saber ~ enquanto 0 homem “é medida de todas as coisas” (Protigoras) - e as formas persua- is exemplar entre os sofistas foi as 85 FRANCO CAMBI sivas do discurso, além de desenvolver uma critica radical 20 eleatismo € a sua visio metafisica por ser impossivel ao homem (Gorgias). “Nasce assim uma cultura diferente” em relagio ao passado. Feita “de conhecimentos ¢ de capacidades distintas da sapiéncia do sacerdote, da produgio teérica do cientista, das habilidades do técnico especialista” ¢ “entendida como a formagao moral, retorico-linguistica, historica do homem politico enquanto tal". E “a transmissao desta cultura” torna-se “a tarefa fandamental da atividade educativa” (Vegetti). De uma educa sau pablica, retirada da familia © do santuasiv, que vise & foumayae do cadadao € das suas virtudes (persuasio e capacidade de lideranga, sobre- tudo). E uma educagio que se liga a palavra e a escrita e tende a fo1 magio do homem como orador, marcado pelo principio do kalokagathos (do belo © do bum) © que visa cultivar oy aspecioy mais proprivy do humano em cada individuo, elevando-o a uma condigao de exceléncia, que todavia nao se possui por natureza, mas se adquire pelo estudo € pelo empenho. Mais ainda: essa complexa forma¢ao (social, politica, cultural € educativa) coloca em crise o éthas tradicional da pélis grega, que era ari tocestico-religiosa, transmitida por meio da exemplo e dos procescas de socializagao ¢ vivid como uma profunda - ¢ também natural, imediata — adentidade social.-A polis como organismo também educativo entra em crise; a ela se contrapée o individuo, o sujeito, que vive uma profunda desorientagio e é levado a buscar uma nova identidade. Trata-se de fixar modelos de homem, de cultura e de participagao na vida social bem dife- rentes dos do pasado, nao mais sustentados pelos valores da polis, mas, ao mesmo tempo, mais pessoais, mais individualmente escolhidos € construfdos, mais universais, mais idéneos para a formagio do homem enquanto (al, sem limite de etnia, de casta, dé cidadania: um homem de- senvolvido de maneira mais geral € mais livre, mais apto a reconhecer € realizar sua propria “livre universalidade humana” Se 02 sofistas exemplificam bem a guinada antropolégica da educagio e de como ela se torna /echne da formacao humana (através da linguagem), serd Sécrates quem iré mostrar a dramaticidade e a universalidade de tal proceso, que envolve o individuo ab imis e busca sua identidade pela ativagio de um daimon que traga seu caminho ¢ pelo uso da dialética que produz a universalizagao do individuo pela discussao racional e pelo seu HISTORIA DA PEDAGOGIA 87 processo sempre renovado, a fim de atingir a virtude mais propria do homem, que 0 “conhece te a ti mesmo”, Estamos ja no horizonte da puidéia, daquele ideal de formagao humana, da “formacao de uma huma- nidade superior” nutrida de cultura e de civilizagio, que atribui ao ho- mem sobremdo uma identidade cultural e histérica. “Fla nao parte do individuo, mas da idéia. Acima do homem-rcbanho, ¢ do homem pretensamente autonomo, esta o homem como idéia’, ov seja, “como imagem universal ¢ exemplar da espécie” (Jaeger) nutrida de historia e capaz de realizar os principios da vida contemplativa (bios theoretikos). Esse hum apenas da educagio, ¢ € 0 desafio maximo que alimenta todos os proces- sos de formacio. Se a nogio de paidéia deve ser procurada jf nas fases mais remotas da ismo (ou fumenitas) uinguéin © possui por natureza, ele € Lute cultura grega, atingindo a cultura dos médicos, depois a dos tagicos € por fim a dos fildsofos, é todavia na época dos sofistas € de Séerates que ela se afirma de modo organico e independente ¢ assinala a passagem ~ explicita ~ da educagao para a pedagogia, de uma dimensio pragmatica da educagao para uma dimensio teorica, que se delneia segundo as ca- racterfsticas universais e necessfrias da filosofia. Nasce a pedagogia como saber auténomo, sistemstico, rigoroso; nasce o pensamento da educagio como episieme, © wav mais cou étlus © Com frdxis apenas. A guinada ser determinante para a cultura ocidental, j4 que reelabora num nivel mais alto € complexo os problemas da educagio € os enfrenta fora de qualquer localismo e determinismo cultural e ambiental, num proceso de universalidade racional; € pora aquela nogio de paidéia que sustentou por milénios a reflexdo educativa, reelaborando-se como 1 circula puaidéia crista. como paidéia humanistica € depois como Bildung. 6 OS GRANDES MODELOS TEORICOS: SOCRATES, PLATAO, ISQCRATES, ARISTOTELES Entre Sécrates € Aristételes, no breve arco de tempo que vé a filo sofia afirmar-se como “ciéncia régia” (conexa com a metafisica, a ética ea ogica em particular) € que @ vé organizar-se em amplos e complexos sistemas especulativos, oferecendo uma imagem completa ¢ rigorosa do 88 FRANCO CAMBI cosmo ¢ das problemas que a animam, mas tamhém do hamem ¢ de suas caracteristicas éticas © cognitivas, a paidéia recebe um desenvolviment extremamente complexo, articulando-se numa série de modelos que re- fletem tanto a intensa problematica da nagio quanto as diversas perspec- tivas segundo as quais pode desenvolver-se. © pluralismo dos modelos vem enfatizar 0 papel da paidéia © a riqueza da nogav, coufirmande-a como 0 centro te6rico da elaboragio pedagégica da Antigiidade, que tem no seu centro a experiéncia grega, e no centro desta esta o perfodo dos séculos V € IV. Estamos diante da paidéia dos filésofos que, entre- tanto, nao elimina a dos médicos, como antes a dos tragicos, dando lugar a um leque bastante complexo e variado de modelos, os quais sublinham este aspecto de aomé atingido nos dois séculos da maturidade grega Com Sécrates (470-599 a. C.) ~0 fildsofo ateniense que se torna mes- tre de todos, desinteressado e impelido por uma torte motivacio é antropoldgica, que libera as consciéncias com seu didilogo € que depois universaliza e radicaliza seu pensamento, que nesta época de despertar in- terior € de liberagao do individuo se choca com o poder politico € religioso da pilis, até que esta o condena morte por corromper as consciéncias € os Jovens, sohremdo (condenagio qne o filésofo aceita com absoluta sereni- lade) -, estamos diante de uma paidéia como problematizagio ¢ como pes- quisa, que visa a um individuo em constante amadurecimento de si proprio, acolhendo em seu interior a voz do mestre ¢ fazendo-se mestre de si mes- \co- mo. A formagio humana é para Sécrates maiéutica (operagio de trazer para Tura) e didlogo que se sealiza por parte de uin meste (seja ele Scceates uu ‘um daimon interior), 0 qual desperta, levanta-ehividas, solieita pesquisa, dirige, problematiza etc. por meio do dilogo, queabre paraa dialética (para aunifica nar-se cada vex mais Tica). A ago educativa de Socrates consiste emt favo- recer tal didlogo ea sua radicalizacio, em solicitar um aprofundamento cad: vez maior dos conceitos para chegar a uma formula¢ao mais universal e mais exitica; desse modo se realiza 0 “trazer para fora” da personalidade de cada individuo que tem como objetivo o “conhece-te a ti mesmo” ea sua reali- zagio segundo o principio da liberdade e da universalidade A fniddin de Séerates é problematien & ahert fo através da oposigio, construindo uma unidade que tendea tor mas fixa o itine: a estrutura do proceso com as cscolhas que o sujcito deve realizar; con- signa um modelo de formacao dinamico € dramatico, mas ao mesmo HISTORIA DA PEDAGOGIA 89 tempo individual ¢ universal. Estamos diante de um modelo de paidéia entre 03 mais lineares € densos, jé que Sécrates bem reconhece 0 carter pessoal da formagao, seu proceso carregado de tensdes, sua tendéncia a0 autodominio e autodirecdo € o fato de ser uma tarefa continua. A “pedagogia da consciéncia individual” orientada pela Filosofia (tipica de Socrates) qualificase como, talvez, 0 modelo mais wdvel e original pro- duzido pela época clissica; caracteristicas que, por milénios, tornarao tal modelo paradigmético € capaz de incidir em profundidade sobre toda a tradigio pedagégica ocidental Plato, 0 maior filésofo ateniense (427-347 a. C.), discipulo e herdeiro de Socrates, elabora um grandioso sistema filos6fico de base idealista (que coloca a prioridade da idéia em relacio ao ser-experiéncia e, portanto, 0 desenvolvimento de uma especulagio que reconquiste a pureza € a fun- a0 teleol6gica das idéias) e 0 desenvolve através de belissimos textos fi los6ficos - os Didlogos ~ divididos em trés fases (da juventude, da maturi- dade @ da velhice), que retamam e reabrem as prablemas mi éticos, politicos ¢ légico-gnoseolégicos do idealismo plat8nico, levando-o a formulagoes cada vez nais eriticas € mais profundas, Platdo fixa em seu pensamento dois tipos de paidéia, uma ~ mais socritica -, ligada & formagio da alma individual, outra ~ mais politica -, ligada avs papéis sociais dos individuos, distintos quanto as qualidades intrfnsecas da sua natureza que os destinam a uma ou outra classe social € politica. A formagio da alma é teorizada, sobretudo, no Fédon, no Fedro, € em O banquets (didlogos que estio na encru: a maturidade), e implica uma hierarquizagio entre as diversas almas (concupiscivel, irascivel, racional) sob o controle do auriga-razio (como sublinha o mito da biga alada), tendendo & pura contemplacio das idéias. Neste itiner através da beleva (que parte dos corpos belos para chegar & beleza em si, a sua idéia) € assim se espiritualiza por meio de uma ascese ao mesmo tempo ética e cognitiva, atribufda & dialética. J neste primeira modelo de formacio, ligada A condi¢io do homem “aprisionado na caverna” do corpo € da doxa (opiniio), sublinha- se o forte acento individual e dramatico da paideia, cujo objetivo € o reco- nhecimento da espiritualidade da alma e da sua identidade contemplativa NIA Repriblicn e 0's oie, Pla cagio € rearticula 0 modelo de formagio em relagio as diversas classes hada entre a juventude e , aalma se el fn decenvalve ena visia politica da edu 90 FRANCO CAMB sociais. A “cidade humorosa” (rica e desenvolvida) teorizada por Plato ve presentes trés classes soclais: os governantes, os guardides e os produ- tores, aos quais correspondem tipos humanos € morais bastante dife- rentes (dureos e racionais; argénteos € corajosos; férreos e ativos, proc tivos, obedientes); siio classes separadas que desenvolvem diferentes fungoes, das quais a cidade necessita para ser realmente “humorosa” (tufésa), Pela divisio do trabalho, delineiam-se também trés tipos de edu- cago: a dos produtores, que ocorre no local de trabalho como aprendi- zadlu Wunivy, « doy guatdides-guerteitur (pigtukes-pulenikei), destinada a favorecer a formagio da coragem € da moderacdo; a dos governantes- filésofos. que é formacdo especulativa através da dialética. Na educaci dos guardises, individuos escolhidos pelo seu valor ¢ treinados em insti- tutos do Estado, Platio se refere & educagéu “inusaica” (gindstica uma poesia-miisica) ou uma “educagio literaria e musical” que exclua, porém, ‘os discursos falsos (como as “fabulas” de deuses e herdis contadas por Homero), favoreca a narracio simples, sem imitagio, e valorize as har monias sobrias (de guerra e de oragao) pela misica. Quanto a ginastica, ela implica simplicidade de vida © preparagio para a guerra. Poesia € ginistica dio vida 9 yma alma harménica, “ao mesmo tempo remperante © Lorajusa”. Os guardiacs sio educados em comum, homens ¢ mulheres, vivendo depois em comunidade com os tilhos Entre os guardides, encaminhados depois de efebos para o estudo das matemiticas, serio escolhidos aqueles que se revelarem mais aptos para o estudo da dialética, que durara cinco anos, amas podendo prolou- gar-se até os 35 de idade, dando aos futuros administradores € gover nantes uma visio racional da realidade, guiada pela idéia do Bem, que é “a fonte da luz intelectual”, pensamento puro que deve guiar 0 gover 1a sta acho, como reafirmard Platdo também no Timen. Disciplinas como a aritmética, a geometria, a estereometria, a astronomia e a harmonia sto preparat6rias para a dialética, por habituarem a pensar em abst € a direcionar-se para a unidade, se estudadas no seu aspecto teérico: elevam a alma para os principios e para a contemplacao. A idéia de uma sociedade perfeita, ordenada, na qual cada um faz s6 uma coisa, regu- ada pelo conhecimento puro dos fildsofos é, na realidade, a de uma sociedade aristocratico-conservadora que se opée - também no campo educativo ~ a qualquer impulso de tipo democratico. Para além da cons- ante to HISTORIA DAFEDAGOGIA 91 truco utépica, tal modelo pesou, sobretuda, na atribuicio conferida a matemiitica e sofia de um alto e fundamental valor formative, que, se nao foi 0 modelo dominante na escola antiga € medieval, teve uma grande importincia na tradigio do platonismo e, depois, na organizagio da escola moderna. A paidéin de Pla Jado, ¢ inserida num amplo projeto politico, de outro, permaneceré na cultura ocidental como um modelo-maximo marcado por fortes impli io, herdeira de Sécrates, de um cagdes ut6picas. 0 modelo alternativalcomplementar ao platdnico & que resultar’ do- 8a. C.), de inspiragio ret6rico-orat6ria € gramético-literaria, Aluno dos solistas, en- trou em contato também com Sécrates, “dedicou-se & profissdo de minante no mundo antigo foi, todavia, o de Isécrates (43 logégrafo, escritor de discursos pronunciados depois no tribunal pelos interessados” (Bowen) e fundou et Atenas uma escola de retérica, De Is6crates nos restam diversas oragbes, politicas e forenses, que bem ca- racterizam sua concepeao de orat6ria, bem proxima d dos sofistas. Na sua escola, a formagio do orador durava quatro anos € compreendia sino da dicgéo © do estilo, mas wunbéin uma “filosofia da vida pratica”, elemento este que o distanciava dos sofistas € da sua técnica de debate. 0 aprendlizado da oratéria ocorria falando e escrevendo sobre qualquer as- sunto € confrontando analiticamente os resultados com 05 prinefpios es- abelecidos pelo mestre. No seu manifesto pedagogico ~ Contra as sofisas, de 390 a. C. -, ele se opie a elaboragio de manuais para aprender orat6- ria, a qnal cresce em qualidade com o crescimento do homem inteiro, do seu conhecimento geral, € nao apenas das technai ret6ricas, do seu carater. Em outro escrito ~ Antidasis (Sobre o interedmbio), de 354 a. G. - sublinha que a retérica € uma arte que depende de atitudes naturais, mas também da vontade ¢ do empenha @ que tende a acolher como firndamental tan~ toa formagio do corpo (gindstica) como a da alma (Filosofia), numa sin- ese orginica e pessoal. Com Is6crates, outrossim, fixa-se a organizacio do discurso em quatro partes (proémio, narracio, demonstracio, pero ragio) conhecendo vastissima fortum A puidéia isocs dtica vem seu Centiy a palavia, € uma puidéin du Logos como “palavra criadora de cultura”, colocando 0 sujeito em posicio de autonomia, mas sempre como interlocutor da cidade, na qual e pela qual desenvolve uma subjetividade mais rica de humanidade. Assim, “a orga 92 FRANCO CAME nizacio estética das palavras e das idéias torna-se uma filosofia, um ideal que coloca, em toda a Antigitidade elissica, no vértice da educagio, a cul ura oratoria” (Mialaret & Vial), € 0 modelo formativo de Isécrates sera Vitorioso no helenismo, chegando a Cicero € a Quintiliano, e daf se irra- diard para o cristianismo, a Idade Média e até a Moder ade. Com Aristoteles (984-322 a. C.) ~ nascido em Estagira e formado na Academia de Platio, deixou esta escola em 349 por causa de seus senti- mentas filamacedénicns; fai depois preceptor de Alexandre na carte de Filipe 11 da Macedénia; voltando a Atenas em 334, fineon o Liceu, uma escola de formagio cientitica e filosofica para a qual escreve suas obras mais geniais ¢ complexas, organizando uma verdadeira encielapéelia do saber que se abre com o Organon (textos de légica), articula-se na Metafivica, na Fisica, na Abna, para chegar depors & Politica, A Poéhea, Elica ete. ~ pedagogia é reconfirmada. seguindo Platao, como disciplina formadora da alma e como acio civil, ligada A cidade. Sob o primeiro aspecto, de yemos considerar os tratados sobre a dine ¢ sobre a Htice, nos quais 0 elemento intelectivo € posto no centro € no vértice da vida psiquica e, portanto, também da vida moral: o homem deve realizar-se segundo sua propria forma ou enteléquia, que € constivufda pela vida contemplativa pela atividade do nous (intelecto); este é também 0 escopo final de todo 28 virtucles dlianoétieas (racio~ process de formagio individual: realizar nais). Mas 0 homem € também homem social, inscrito numa sociedade ¢ num Estado. Nesta vertente, éa Politica que ilumina a posigio aristotélica. As per rio, distingue entre 0 povo € os nobres ou homens livres, os nicos dos jista: visa nao a forma concepgio do Fstado nio & utépi ‘ta, mas forma melhor aqui ¢ agora. O seu Estado nao é igualité quais a educacio se ocupa, jd que s6 eles vivem “com razio no conforto (cloléy". les devem ser educados “a viver no écio” pi tingir a virtude cla sophia, que nasce do controle do corpo € dos apetites, para passat depois & instrugio, sete anos nas escolas estatais seguindo quatro disci- plinas (gramatica, gindstica, mdsica, desenho), que servem como “prope- deutica” para a Filosofia. No conjumo, o modelo ariswrélico nao € muito distante do platénico, embora mais realista € pragmitico: liga-se a uma sociedade regularmente dividida em classes ¢ a virmde do deie (mesmo reconhecendo fungao ¢ valor, mas inferior, as atividades profis HISTORIA DA PEDAGOGIA 93, sionais € ao seu aprendizado). A sua paidéia € um pouco a corregio empirica do grande e ousado modelo platénico, mas de maneira nenhu- ma uma refutag’o € um modelo alternativo. Entre os dois modelos ha mais continuidade do que oposi¢io ou diferenga, Como salientou com preciso Ma cards: “Plato prapas um quadro de vida palitiea ¢ cule tural que a Grécia e todo o mundo helenistico, incorporado primeiro no império de Alexandre € depois no de Roma, ignoraram, preferindo a educacio ret6rica; Aristételes tentou a iiltinma racionalizagao da socie- dade da pélis, que justamente a agéo de scu diseipulo Alexandre devin relegar definitivamente ao quadro da histéria ‘passada”. Elaboracoes ulteriores da paidéia tiveram lugar com a reflexao dos médicos e o Corpns hyppocraticum e ainda com as posigoes de outras escolas pés-socraticas, cujo expoente no campo pedagdgico foi Xenofonte. O modelo de formagio exaltado pelos médicos~a partir do mitico Hipécrates (séeulo V a, C.) — esté ligada A dialétiea e 4 atividade gindstica, que deve conserva a saddle du Corpo € a valoriaagav de uma inteligencia empitica € experimental como instrumento de compreensio dos fendmenos: sio aspectos que se opéem nitidamente ao Logos metafisico e remetem mais a0 principio da metis. A formagio € um processo naturalista cempirico, que se desenvolve através de crises € retomadas, que nao tem em si nenhuma divisio necessaria, mas tem aspectos dramaticos € uma radical precarie- dade. A paidiia é aqui um proceso em que intervengio do sujeito huma- no ~ do médico, do mestre, além do doente ou do proprio discente — pa- rece determinante € guiada por uma racionalidade sem necessidade, Com Xenofonte (435-254 a. C.)— ele também segnidor de Sécrates, a quem ret aton nos Difos memonivels le Sderades considera-se a educagio espartana 0 modelo mais 1ddneo para fazer Atenas sair da erise que atra- vesst: deve-se retornar a uma educacio familiar uradicional, com a mi- her ligada aos trabslhos domésticos, cons a valorizagio de uma inteligéncia apenas pratica, com centralidade na disciplina e nas atividades guerrei- ras, opondo-se & identificagdo platOnica da virtude com 0 conhecimento. Nas duas obras, Keondmico ¢ Ciropédia, Xenofonte teoriz um modelo de formayio wadicional que no era sequer allorado no grande debate aberto em torno da nogio de paidéia como formagio humana por meio de ativi- dades especificamente humanas, justamente as lnumanitates 94 FRANCO CAML 7 O HELENISMO E A EDUCAGAO: AS TEORIAS E A PRAXIS ‘Ohelenismo coincide como perfodo em que se desenvolvea hegemonia da cultura grega no Mediterraneo, em que se chega a constituir uma ver- dadeira e propria koiné grega (uma lingua comum) a afirmar um modelo de cultura baseado na humanitas; isto 6, na valorizagio da humanidade mais propria do homem posta em exercicio pela assimilagao da cultura que exalta seu cardter de universalidade; mas se trata também de uma época em que se delineia uma cultura cada vez mais cientifiea, mais espectalizada, mais aiticulada em formas diferenciadas entre sitanto pelos objetos quanto pelos métodos: & a época em que se desenvolve a créncia fisica em tormas quase experimentais, em que se delineiam a filosofia ¢ a historiografia em for- mas amadurecidas, em que cresce a astronomia tanta quanto a geometria © amatemdtica, como também a botdnica, a zoologia, a gramatica, dando vida a uma enciclopédia bastante complexa do saber. Além disso, 0 helenismo € uma época que assiste a um claro declinio da pélis € 20 nasci- mento de monarquias territoriais burocraticas e, ao mesmo tempo, & afir magao da individualidade tipica de um sujeito que se sente e se reconhece sobretudo como homem e no mais comé cidadio. O helenismo é, portanto, uma grande época da cultura antiga que chega 3 mamridade em torno de suma crise (da relagio entre o individuo ¢ o Estado) ¢ de um crescimento (ao mesmo tempo cientifico e humanistico) da cultura, a qual vem se mo- delando segundo a tradic¢ao grega, de modo que esta se torna patriménio ‘comum do Mediterraneo e momenta de unificacio e de maturacio de toda a ivilizagao antiga Nesta época, ao lado de Atenas, que perde sua hegemonia ja a partir de 404 com a conquista macedénica, desenvolvem-se outros centros de cultura: Rodes, Pérgamo, Alexandria; Alexandria, em particular ~ fun- dada por Alexandre Magno en 982 4. . nv Eyiwo -, com a biblivweca e 0 museu, afirma-se como 0 centro de toda a cultura helenistica, literaria, filoséfica e cientifica. No campo.filoséfico. depois dos grandes sistemas metafisicos, cientificos e politicos de Plato e Aristételes, delineia-se um novo periodo que labora um pensamento de fundamento antropol6- gico dividido em légica, tisica € ética, mas mais ligado aos problemas da ética e da busca da “vida boa” que é indicada na figura do “sibio”: aque- le que limita suas proprias necessidades, pratica uma meditagio cons HISTORIA DA PEPACOGIA. 95 tante, procura a felicidade individual pela ascese. Entre Epicuro de Samos (342-270 a. C.) e Zeno de Citio (335-264 a. C.). com o epicurismo e 0 estoicismo se fixa como priméria ¢ central esta tarefa ético-antropolé- gica da filosofia e se indica na ataraxia (indiferenga) ou na apatia (imperturbabilidade) a virtude mais propria do homem como sabio. Com Pirro de Elida (365-275 a. C_) ¢ o ceticismo coloca-se em crise também toda busca da verdade € se exalta a “suspensio do juizo” ¢a afasia. Estamos diante de um novo clima filosético e cultural: mais individualista, que olha 0 homem eo mundo com maior desencanto € com comportamen- tos mais laicos, mas que se interroga com decisfo sobre as “vias de sal- yagio” do homem, reconhecendo-as apenas na requalificacao interior E so temas que da filosofia em sentido estrito penetram no romance, na poesia, na historiografia; sf temas alimentados pelo despertar das religiées de salvagio (de isis a Mitra, aos mistérios, do hebrafsmo ao cristianismo, depois a0 maniqueismo) € que percorrem toda a longa € complexa época do helenismo. Esta se infeia com a morte de Alexandre Magno (328 a C.) e chega, pademos dizer, até a morte de Augusto, até, talvez, a grande crise do século IV d. G., que assiste ao choque frontal ¢ definitivo entre cultura classica e pensamento cristo. Um papel decisive nesta unificagio espiritual do Mediterraneo foi exercido por Roma, que, conquistando 0 Oriente, foi por sua vex conquistada pela cultura greco- helenfstica € @ difundiu amplamente por todo o império. Tal cultura levava A maturidade a rica tradigio da Grécia, desenvolvida em todas as snas articnlagées, construfda em formas gratidiusas em todos os setores (da arquitetura A poesia, & filosofia ¢ As ciéneins), mareada agora de wm forte individualismo apolitico € orientado para o “cuidado de si” que implica uma rica elaboracio de “exercicios espirituais” capazes de favo- recer a ascese Se “o homem clissica nfia acreditava poder viver fora da [ilis ¢ da vespectiva estrutara sovial, © homem helenistico quer dem trar, a0 contrario, que © homem pode bastar a st mesmo como indivi duo, pode ser totalmente auto-suficiente”; “é o homem que se conven- ceu profundamente de que 0 verdadeiro bem € 0 verdadeiro mal nio derivam das coisas mas unicamente da opiniay que ele forma das coi sas”; assim, “a justa avaliagéo das coisas nos torna invulnersveis” (Reale) Alidéia de Alexandre de uma ecumene grega realizou-se, portanto, com Roma, mas mantendo no centro a cultura grega, do modo como v ha 5g 90 FRANCO CAMBI definindo ¢ se organizando sobretudo em Alexandria: como cultura cien- Uifica e como cultura da humanitas. De um lado, estavam a erudigéo € a expecializagio, 0 aparato organizativo verdadeiramente grandiose € tec nicamente articulado, a presenga de doutos de cada discipl tura da Biblioteca realmente universal e completa de todo 0 patriménio antigo marcando a cultura alexandrina, com 0 seu filologismo, seu refi namento, seu formalismo também; de outro, estava a forte consciéncia ética que atravessava tal cultura dando-Ihe uma conotagdo profundamente pedagigica, da qual a enkyklins paidéia seré a produte mais macro, tal na ea estru como sc aprescnta nas anotagdcs de um Luciano ou de um Plutarco ¢ como se vem realizando na escola helenistica. Como revelou Marrou, “a partir da geracao que vem depois de Arist6teles e de Alexandre Magno, a educagio antiga tornou-se realmente ela mesma”: atingin “sua forma classica”, unindo 0 aspecto “eminentemente moral” com caracteristicas “mais livrescas” ¢ “escolares”; difunde-se “em toda a parte oriental do mundo mediterraneo” € prolonga-se depois até Roma e por fim até Bizfincio, que acolhem “a tradigio clissica A qual a civilizagto helenistica conferiu a sua Forma, e da qual a educacao helenistica representa a s{n- tese € quase o simbolo”. Aqui, a paidéia & entendida como construgio de amente desenvalvide”, coma é indieada na nocio de “nm espirite ple umamitas, que € 0 prin em valores universais que distingue “o homem do bruto, 0 heleno do bar- baro”. A formacao visa a um “homem completo”, moralmente desenvol- vido, que nao seja s6 um técnico, mas justamente um homem, nutrido de io animador da formagio helenistiea, inspirada culuna antes de tudo lites tradigao e que se faz “pessoa”, sujeito dotado de carater. Tais principios ideais encontram uma elaboracdo precisa tanto nos te6ricos da pedagogia helenistica quanto na escola do helenismo. Mesmo sein apresentar autores cum modelos comparaveis em riqueza € articula~ G0 aos do perfodo classico, a pedagogia helenistica encontrou no ambito grego algumas vozes representativas: 0 comediégrafo Luciano. 0 mora- lista Plutarco, depois, num perfodo sucessivo, o filésofo Sexto Empirico € Plotino, que dao vor aquela desorientacao espiritual do homem helentstico € 0 fazem confiar, depois que “desmoronaram os muros de sua cidade” € “os deuses os abandonaram”, apenas em si mesmo, procurando em si proprio salvacao e “realizagao” (Marrou). E sto pedagogias que se tigam ja © habil ao uso da palavia, conscicute da INSTORIA DA TEDAGOGIA 97 direta e estreitamente & formagdo moral, a qual encontra seu proprio idada de si” Com Luciano, estamos jé no século Il (120-180) ¢ se fixa uma critica ao _gymnasion e a oratoria: 05 dois modelos/instrumentos formativos da escola helenistica. A sitira de Luciano € cortante €, tanto em Anacarsi ou dos gind- sios como em O mestre dos oradores, toca nos pontos salientes de uma prixis educativa formalista © corruptora, porquanto Com Plutarco de Queronéia (50-120), estamos numa fase anterior, incera © impositiva. em que é central a formagio do cariter segundo 0 modelo helenistico de equilibrio e de racionalidade, de autodominio e de brandura. Em todas as obras de Phutarco ~ desde as Obras movais ate as Vidas parolelas € 0 texto, que € pseudoplutarquico, Sobre « educagdo das criangas ~ circula modelo da formac io do carter qne faz convergir de modo harménico “habito”, que valoriza a obra do mestre (que acon- “natureca’, “discurso” selha ¢ orienta), que sublinha o papel do meio na educagio e, por fim, 0 objetivo ético-filos6fico deste processo. O Pseuclo-Plutarco, sobretudo, sublinha que “a educacio das criangas” é considerada um maxima importancia” € que o seu “resultado € a excelénicia moral” Sexto Empirico (entre os séculos II III) escreve duas obras: Contra as dogméticas ¢ Contra os docentes, 05 quais sho criticados segundo as perspec: tarefa da. tivas do ceticiamo, que favorcee, exclusivamente, 0 conhecimento senso: rial, Portanto, 0s “dogmuiticos” (os légicos, os metafisicos etc.) erram ao partir de prinefpios especulativos, ao passo que os docentes sio comple- tamente in teis ¢ corruptores, j4 que se desviam do conhecimento sen- sivel. Mas € talver com Plotino (203-270) que a formagio como ascese ¢ passagem da beleza ao Uno, segundo um proceso quase mistico, vem at delinear-se como um itinerdrio educativo espiritual, de cardter ético-reli- gioso. Nas Enéadas fixa-se a ascensio da alma até a idéia e a unidade, seguindy o pereursy do Platav sucrdtivo € v valor religiosy desta ascen= sao, a qual nao é apenas terior e ética, mas também metatisica: vinculo com aquele Uno que constitui o principio animador e a regra de todo real, 0 seu centro-motor € 0 seu ponto de aspiragio, Nesse itinerdrio, é atribufdo a beleza um papel de unificacio € de sublinvagéo educativamente bastante signiticatvo No centro do itinerario pedagogico helenistico coloca-se a formacao ética e do cardter, que se realiza como “euidado de si”, como autocontrole, 98 FRANCO CAMB diregio de si, desenvolvimento auto-regulado, por uma dosagem harmo- nica de prazeres ¢ remincias € de um “exercicio espiritual” que visa A criagio de um habitus interior que marque de maneira constante a perso nalidade do sujeito € a disponha a controlar 0s eventos, de modo que no venham perturbar os processos de equilibrio interior. Como bem salientou Foucault em 0 cuidado de si, todos os problemas da vida, até mesmo os da sexualidade, devem fazer parte de um “cosmo” espiritual individual ordenado € harmonico, do qual 0 proprio sujeito € 0 ordenador © 0 fiador, 8 A ESCOLA GREGA E A ESCOLA HELENISTICA Na escola do helenismo, com 0 conceito de enkyllios paidéia, “baseado a disciplina intelectual resuluunte do estudy analticy da palavra exert” € destinado a sublinhar a fungio formativa antropolégico-ética da cultu- ra, omodelo da paidéia helenistica na forma salientada por Marrou (como formagio lingiifstico-literdria e como formagio do carter) também é cen- wal. Mas a escola helenfstica € apenas a tiltima etapa da evolugaio da escola na Grécia, que inicia seu caminho jé desde os tempos pré-sofisticos © se manifesta cada vez mais como uma instituicio central em toda a cultura grega, enquanto desenvolve seus aspectos cientificos © aqueles que sao comuns a transmissao € a sintese pessoal da cultura, No infcio, encontramos escolas como seitas culturais € religiosas ~ 0 thyasos ~, presentes sobremdo na Jénia, que acolhem homens on mulhe- res ligados por uma mesma atividade ou por uma idéia religiosa comum; aqui se criam vinculos fortes em nivel pessoal € se elabora uma cultura em comum, educando-se em valores coletivos € comunitirios. O thyasos de Lesbos, ande operon a poetisa Safo, au o da escala pitagériea assim chamada porque fundada por Pitégoras de Grotona (século VI a. C.) ~ sdo exemplares para fazer compreender que tipo de comunidade eram: com fortes vinculos de grupo, praticas inicidticas, um saber de tipo esotérico © aspectos de seita religiosa. “A escola pitagériea era uma seita religiosa, uma espécie de ‘mnistério™ com seus mitos brficos de purifica- ho, suas regras de vida e seu saber sagrado: a matematica. O nimero é 0 fundamento do cosmo € esta na base da harmonia do mundo (Preti). Na

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