NO ENTANTO...
PENSANDO MELHOR
W. R. Bion
Traducao
Paulo Cesar Sandler kU
v5. A diferenciacao entre
personalidade psicética e
ndo-psicdtica!
51. O tema deste estudo é que a diferenciacao entre personalida-
de psicética e personalidade nao-psicética depende de clivagens
instantaneas de fragmentos de todos os aspectos da personalidade
que mantém uma nogfo consciente da realidade interna e exter-
na, e também depende da expulsao desses fragmentos ~ feita de
uma forma tal que esses mesmos fragmentos adentram os objetos
ou os envolvem, englobando-os. Descreverei em maior detalhe o
processo, discutindo suas consequéncias - e como elas afetam o
tratamento do paciente.
No contato analitico com pacientes esquizofrénicos, cheguei
a algumas conclusées, testadas na minha pratica. Peco sua aten-
Gao a essas conclusées, que levaram a desenvolvimentos analiti-
camente importantes nos meus pacientes. Desenvolvimentos que
nao podem ser confundidos com aquilo que psiquiatras conhecem
como remissées; tampouco com aquele tipo de melhora em que
fica imposstvel fazer uma rela¢ado com interpretacdes que tenham
1 International Journal of Psycho-analysis, 38(3-4), 1957.
Scanned with CamScanner- yuauyuel COLpO tedrico coerente da teoria
psicanalitica. Acredito ter visto melhorias merecedoras de investi.
gacdo psicanalitica.
52, Meu esclarecimento da obscuridade que permeia toda a
anilise de um psicético deve-se a trés trabalhos cruciais para a
compreensio do que se segue; portanto, é necessario lembré-
-los. Em primeiro lugar, a descrigéo do aparato mental por Freud
(1911b), acionado pelas demandas do principio de realidade, ao
qual me referi em um estudo apresentado no Congreso de Lon-
dres de 1953 (Capitulo 3 deste volume); em particular, aquela parte
esse aparato mental que se ocupa da consciéncia ligada aos drgios
dos sentidos. Em segundo lugar, a descrigao de Melanie Klein (5) a
respeito dos ataques sadicos fantasiosos que a crianga faz contra 0
seio, na posigao esquizoparanoide. Em terceiro lugar, a descoberta
de identificacio projetiva por Melanie Klein (7).
Por meio desse mecanismo, o paciente cliva uma parte de sua
personalidade, projetando-a para dentro do objeto, onde esta parte
se torna instalada, por vezes como um perseguidor, deixando em-
pobrecida a psique de onde esta parte foi clivada.
53. Para que o desenvolvimento de esquizofrenia nao seja ex-
clusivamente atribuido a certos mecanismos apartados da perso-
nalidade, nos quais desejo focalizar a atengao de voces, precisarei
enumerar neste momento 0 que me parecem ser as precondi¢bes
Para que esses mecanismos se instalem, Vou ignorar, neste es-
tudo, o ambiente, focalizando minha atencéo na personalidade,
que precisa exibir quatro caracteristicas essenciais: a preponde-
rancia de impulsos destrutivos, que, de tio grandes, impregnam
ae até mesmo os impulsos amorosos, transformando-os em sadismo;
um 6dio & realidade ~ interna e externa ~ que se estende a to-
dos os aspectos da psique que fazem com que o Paciente torne-se
cOnscio dela; ¢ um terror a respeito de uma aniquilacao iminente
‘WR. BION 67
(Klein, 7); e, finalmente, uma formacio precipitada e prematura
de relagdes objetais ~ e, acima de tudo, da transferéncia, cuja te-
nuidade se contrasta com a tenacidade com a qual 6 mantida. A
prematuridade, a tenuidade e a tenacidade sdo patognoménicas
e, de modo idéntico, tém uma importante derivacdo no conflito -
nunca resolvido no esquizofrénico ~ entre destrutividade, de um
lado, ¢ sadismo, de outro,
54. Essas caracteristicas originam alguns mecanismos, Vou
consideré-los, mas, antes disso, disponibilizo alguns pontos relati-
vos a transferéncia. O relacionamento com o psicanalista é prema-
turo, precipitado e intensamente dependente. Quando o paciente
for pressionado pelos instintos de vida e de morte, ampliaré 0 con-
tato ¢, nesse caso, dois fluxos de fendmenos concorrentes entre si
tornam-se manifestos.
Em_um fluxo, torna-se hiperativa a clivagem da personalida-
de do paciente, com projegio dos fragmentos para dentro do psi-
canalista (identificacao projetiva). Sua consequéncia ¢ entrar em
estados confusionais, descritos por Rosenfeld (9). No outro fluxo,
mutila as atividades mentais, e mutila também outras atividades
pelas quais 0 instinto dominante, seja de vida ou de morte, esforga-
-se ao maximo para se expressar, A mutilacdo é imediata, efetuada
pelo instinto que tenha sido temporariamente subordinado. Asse-
diado pelas mutilagées, e tentando escapar dos estados confusio-
nais, 0 paciente retorna ao recurso de restringir a relaco com 0
analista. Em toda a andlise, persiste a oscilaco entre tentativas de
ampliar e de restringir 0 contato.
55. Retorno agora 4s caracteristicas elencadas como intrinse-
cas A personalidade esquizofrénica, Constituem-se como dotacées
que tornam certo que seu possuidor ser uma pessoa que progre-
diré da posigéo esquizoparanoide para a depressiva de um modo
marcadamente diverso da pessoa que ndo tenha tal dotagdo. A
Scanned with CamScanner68. ADIFERENCIAGAO ENTRE PERSONALIDADE PSICOTICA...
diferenca se articula com dois fatos: 0 primeiro é que tal combina.
cdo de qualidades conduz a uma fragmentacao da personalidade
em diminutas particulas - especialmente no que tange ao aparato
em diminutas particulas ~ especialmente no que t
aque daria consciéncia da realidade, conforme descrito por Freud,
Fsse aparato comega a operar sob 0 comando do principio da rea-
lidade. O segundo fato é a existéncia de projecio excessiva desses
_fragmentos da personalidade para dentro de objetos externos.
Descrevi alguns aspectos dessas teorias em meu estudo para o
Congresso Internacional de Psicanilise, em 1953 (Capitulo 3 deste
‘yolume), quando discorri sobre a associacdo da posigio depressi-
va com o desenvolvimento do pensamento verbal e a importancia
dessa associagdo para que a pessoa torne-se consciente da realida-
de externa e interna. Neste momento, retomo a mesma histéria?
mas em um estgio mais precoce, ou seja, no inicio da vida do pa-
iente, Lido com fendmenos na posigdo esquizoparanoide que, de
modo tiltimo, associam-se com um pensamento verbal incipiente.
Como isso ocorre? Espero que esse modo possa emergir no texto
que se segue.
56. E necessdrio considerar mais detalhadamente as teorias de
Freud e de Melanie Klein as quais me referi anteriormente. Citan-
do uma formulagao em “Neurose e psicose’, de 1924, Freud defi-
ne uma entre as varias caracteristicas notaveis que nos permitem
discriminar a neurose da psicose: “na primeira, o ego, em virtude
de sua lealdade & realidade, suprime uma parte do id (os instintos
de vida), enquanto nas psicoses o ego, a servigo do id, isola-se da
realidade” (4),
Assumo que Freud, ao dizer da lealdade do ego a realidade, nos
conta que o desenvolvimento que descreveu tomou lugar quando se
introduziu o principio da realidade: “as novas demandas tornaram
2 Story no origina (NT).
WR BION 6
necessdria uma sucessio de adaptacbes no aparato mental que s6
podemos detalhar de modo muito superficial, por conta do conhe-
cimento insuficiente”. Nesse momento, Freud cita a importincia
incrementada dos dérgios sensoriais dirigidos para o mundo ex-
terno, e a consciéncia vinculada a eles; uma funcio essencial de
atengio, que precisa investigar quais seriam os dados que ja sio
familiares no mundo externo, caso apareca alguma necessidade
interna; um sistema de notagio, cuja tarefa ¢ colocar os resultados
dessa atividade periédica do sistema consciente naquilo que Freud
descreveu como meméria; julgamento, no. qual é preciso decidir se
uma ideia especifica é verdadeira ou falsa; 0 emprego de descarga
motora para alterar a realidade de modo adequado, ¢ nao apenas
‘para descarregar 0 aparato mental de acréscimos de estimulo; 6,
finalmente, pensamento, que segundo Freud torna possivel uma
tolerancia a frustracdo ~ uma companheira inevitivel da acdo, em
virtude de sua qualidade de ser um modo experimental de atuacao.
Oleitor poderd ver que estou estendendo a fungao ea importancia
do pensar. Entretanto, aceito a classificagdo sobre as fungbes de
€g0, que Freud coloca sob forma de hipétese, dando concretude
a uma parte da personalidade sobre a qual o presente estudo se
debruca, E uma hipétese que encontra acordo com a experiéncia
clinica, luminando eventos que, segundo meu exame, seriam infi-
nitamente mais obscuros sem essas colocagdes teéricas.
Fago duas modificagdes na descrigo de Freud para que ela
se torne mais préxima aos fatos que estamos examinando. Na sua
forma original, refere-se & maioria probabilistica de pacientes que
podemos encontrar na pratica analitica, aqueles cujos egos nunca >
ficam totalmente isolados da realidade. Diria que 0 contato coma
ealidade fica mascarado pela prevaléncia - na mente € no com-
Portamento do paciente - de uma fantasia onipotente, cuja inten-
so é destruir a realidade, ou destruir um estado de estar conscio
da realidade, para poder obter um estado que nao ¢ vivo, nem_
Scanned with CamScanner70. ADIFERENCIAGKO ENTRE PERSONALIDADE PSICOTICA...
_morto, Pois nunca se perde totalmente contato com a realidade c,
portant os fenémenos que nos acostumamos a associar com neu.
rose nunca esto ausentes; quando hé um progresso suficiente na
anilise, a presenga de neurose em meio ao material psicdtico serve
para complici-la, 0 fato de que o ego sempre retém algum contato
coma realidade depende da existéncia de uma personalidade nao-
-psicética paralela, mas obscurecida, pela personalidade psicética,
57. Minha segunda modificagao é que uma abolicao da reali-
dade é uma ilusio, e nio um fato. Surge a partir da mobilizacio de
identificacio projetiva contra o aparato mental, conforme enun-
ciado por Freud. A dominancia dessa phantasia fica tao evidente
que, para 0 paciente, nunca seré uma phantasia, mas parece-lhe
ser um fato, Esse paciente age como se 0 seu aparato perceptual
pudesse estar clivado em minisculos fragmentos, que pudessem
estar projetados para dentro de seus objetos.
Como resultado dessas modificagoes, chegamos & conclusio
de que pacientes que estejam suficientemente doentes para serem
certificados como psicéticos contém em sua psique uma parte da
‘onalidade presa aos varios mecanismos neuréticos ~ com os
quais a psicanilise nos familiarizou - ¢ uma parte psicética da_
personalidade, que ficou de tal modo prevalente a ponto de obs-
‘curecer a parte nao psicbtca da personalidade, j existente em jus-
“SP taposigio negativa.
Um concomitante 20 édio & realidade enfatizado por Freud é
composto pela phantasia infantil do psicético a respeito de ataques
sidicos sobre 0 seio, descritos por Melanie Klein como uma par-
te da posicio esquizoparancide (7), Desejo assinalar que, durante
essa fase, o psicbtico cliva seus objetos;simultaneamente, cliva em
fragmentos excepcionalmente diminutos toda aparte de sua perso-
nalidade que poderia torné-lo conscio de uma realidade odiada; é
isso que contribui materialmente para os sentimentos do psicotico
WR. BION 71
de que ndo poderd restaurar seus objetos nem seu ego. Como resul-
tado desses ataques clivantes, todas as caracteristicas da personali-
dade que algum dia poderiam prover-the fundamentos para uma
compreensio intuitiva a respeito de si mesmo, e de outras pessoas,
ficam comprometidas ~ no exato momento no qual emergem. To-
das as funcoes descritas por Freud como pertencendo, em etapas
posteriores, a uma resposta de desenvolvimento diante do prin-
cipio da realidade ~ ou seja, estado de consciéncia de impresses
sensoriais, atengio, meméria, julgamento, o pensamento ~ rece-
bem, ainda na forma incipiente que esses componentes podem ter
no inicio da vida, ataques sidicos, estilhacadores e eviscerantes,
levando a um incremento na fragmentaglo, produzindo fragmen-
tos mintisculos dessas mesmas fungdes ~ € entio sio expulsas da
personalidade para penetrar ou encistar os objetos, Na fantasia do
paciente, as particulas expelidas do ego levam uma existéncia inde-
pendente e descontrolada, contendo ou sendo contidas por objetos
externos; continuam a exercer suas fungdes, como se a provagio &
qual foram submetidas tivesse servido apenas para aumentar sua
quantidade e provocar sua hostilidade contra a psique que as eje-
tou. Em consequéncia, 0 paciente sente-se rodeado por abjetosbi-
zarros, cuja natureza descreverei a seguir.
58. Cada particula é sentida como consistindo de um objeto
real, encapsulado em uma parcela da personalidade que.o engolfou.
A natureza dessa particula completa dependerd parcialmente do
cardter do objeto real, digamos, um gramofone; e parcialmente do
cardter da particula da personalidade que engolfou esse objeto real
Sea poreio da personalidade se refere a visio, o gramofone, a0 ser_
acionado, ser sentido como algo que observa ou vigia o paciente.
Sea porcio da personalidade se refere & audigio, 0 gramofone, 20
ser acionado, serd sentido como algo que ouve o paciente. O obje-
to, podemos dizer, enraivecido por ter sido engolfado, avoluma-se
¢ extravasa. como se fosse um derrame, para controlar a porgio
Scanned with CamScannerTA DIFERENCIAGHO ENTRE PERSONALIDADE PSICOTICA...
da personalidade que o engolfou; a tal ponto que_a particula da
personalidade torna-se uma coisa. No entanto, esas sao justamen.
te as particulas de que o paciente depende, pois utiliza-as como
protétipos de ideias ~ e depois para formar a matriz a partir da
{qual se originariam palavras, O extravasamento da porgio de per.
sonalidade peo objeto contido, mas controlador, leva o paciente a
sentit que palavras que até ento nomeavam coisas passam a ser.
as proprias coisas que haviam sido antes apenas nomeadas. Tudo
{sso acresce-se &s confusées que surgem quando o paciente equa-
liza, mas no simboliza, do modo descrito por Segal. O fato de o
paciente se utilizar desses objeto bizarros para obter pensamentos
‘conduz a um novo problema. Caso consideremos que um entre os
objets do paciente estéutilizando-se de clivagem € identificacao
projetiva com o intuito de livrar-se de uma cogni¢io consciente® da
realidade,ficard claro que o paciente poderd conjugar o grau maxi-
mo de rompimento com a realidade com a maior economia de es-
forgo caso consiga langar esses ataques destrutivos sobre o vinculo
_que conectaimpressbes sensoriais com a consciéncia ~ sejalé qual
for esse vinculo, No meu estudo para o Congresso Internacional
de Psicandlise de 1953 (Capitulo 3 deste volume), mostrei que a
\cognigio consciente da realidade psiquica depende do desenvol-
vimento da capacidade para 0 pensamento verbal - cujo alicerce
vincul-se& posigio depressiva. Ndo posso prosseguir nisso neste
momento - mas indo o estudo de Melanie Klein feito em 1930
sobre “A importincia da formagio de simbolos no desenvolvimen-
to do ego” (6) também oestudo de H, Segal de 1955, apresentado
nna Sociedade Britanica de Psicologia (10), em que Segal demonstra
«a importincia da formagdo de simbolos, investigando sua relagio
‘com o pensamento verbal e também com os impulsos de r« io
‘normalmente associados posigo depressiva. Considero agora
3 Awareness o original [NT],
tox 73
tum estégio anterior nessa mesma historia.‘ Acredito que o dano.
= tornado muito mais aparente na posigio depressiva —foj, na rea-
lidade, iniciado na fase esquizoparanoide, época na qual seria ne-
«cessirio colocar os alicerces para o pensamento primitive; mas néo
0 foram, pela prevaléncia de clivagem e identificacso projetiva.
59, Freud atribuiu uma fungdo ao pensar: fornece um modo
para restringir @ agio. No entanto, Freud prossegue: “E provivel
{que o pensar tenha sido, originalmente, inconsciente, até o ponto
no qual se elevou da mera ideagio, voltando-se para as relacbes
centre impresses sobre 0s objetos ¢, nesse momento, oi dotado de
outras qualidades, perceptiveis & consciéncia, mas apenas por meio
de suas conexdes com restos mnémicos de palavras” (2). Minha
experiéncia conduziu-me a fazer uma hipétese sobre a existéncia
de algum tipo de pensamento no infcio da vida, relacionado aqui-
Jo que poderiamos denominar ideogramas e visio, e nio palavras
¢ audigio. Esse pensamento depende de uma capacidade de ba-
lancear introjegio e projecio de objetos,¢,a fortiori, da cognicéo
consciente dessa introjesio ¢ projegio. Capacidade que estaria
dentro da parte ndo-psicética da personalidade. Em parte, pela
clivagem ¢ ejegio do aparato de cognigio consciente que descrevi
anteriormente em parte, por razbes que descrevo a seguir.
Em fungio das operagdes feitas pela parte nao-psicética da
personalidade, o paciente torna-se consciente das introjegdes que
formam os pensamentos inconscientes ~ aos quais Freud se refe-
re como um voltar-se as “relagdes entre impressBes sobre 0s ob-
jetos” Actedito que seja essa a descricao de Freud sobre o pensar
inconsciente, responsével pela “consciéncia vinculada as” impres-
‘bes sensoriais. Minha crenga fica reforgada pelo enunciado, doze
‘anos depois, no estudo O ego e 0 id, de “que a questio ‘Como algo
4 Story no original (NT,
Scanned with CamScannerTA A DIFERENCIAGAO ENTRE PERSONALIDADE PSICOTICA,
toma-se consciente? poderia ser colocada, de modo mais vant
so, da seguinte forma: ‘Como algo torna-se pré-consciente?’ A res-
posta poderia ser: ‘Entrando em conexio com as imagens verbais
que se Ihe correspondem” (3)
[No meu estudo de 1953, afirmei que o pensamento verbal vin-
cula-se & consciéncia da realidade psiquica; penso também que
isso seja verdade para o pensamento pré-verbal, sobre 0 qual falo
‘no momento, Em vista do que disse anteriormente a respeito dos
ataques do psicético sobre tudo aquilo que, no aparato mental,
conduz a consciéncia da realidade interna e eterna, esperar-se-ia
que 0s desdobramentos de ideniicagdes projetivas seriam parti
calarmente severos contra o pensamento, independentemente de
qual seja 0 pensamento, que dirja a atencio para relagoes entre
as impressbes objtais, pois se fosse possivel romper esses vincu-
Jos, ou melhor, se esses vinculos pudessem nunca ter sido forjados,
centio pelo menos a consciéncia da realidade seria destruida, mes-
mo que a propria realidade no 0 fosse. No entanto, ainda que de
‘modo parcial, o trabalho destrutivojé foi feito, se considerarmos
6 fato de que, na personalidade nao-piscética, o material sobre 0
qual se executaadestruigio é equilibrado por introjero projecio
= equilibrio ndo disponibilizado para a personalidade psicotica,
pois a identifcacdo pojetiva faz um deslocamento de introjeqdo ¢
projegio, deixando para a personalidade psicética apenas objetos
biarros (como os descrevi anteriormente)..
60. Na verdade, o ataque no acontece apenas sobre 0 pen
samento primitivo, aquele que vincula impressdes sensoriais da
realidade & consciencia. Gragas& superdotacio de destrutividade
do psicético,a civagem estende-se aos proprios processos de pen
samente. O enunciado de Freud, a0 considerar a transformagio
do pensamento em relagbes entre impresses objetais, implica
fato de que a matriz ideogrfica primitiva, da qual brota 0 pensar,
contém denteo dela mesma os vinculos entre es virios ideogra-
‘mas. Todos esses ficam, nesse momento, atacados, até que, no final,
io se possa mais fazer uma conjungio de dois objetos de modo
«que cada objeto mantenha intactas suas qualidadesinrinsecas,e
mesmo assim possam produzit novos objetos mentais, por meio
da conjungio. Consequentemente, a parti desse momento, afor-
:magio de simbolos fica especialmente difcultada; para obter um
efeito terapéutico, depende-se de uma capacidade para reunir dois
objetos de tal modo que possa se manifestar sua semelhanga, mas
deixando intacta sua diferenga. Em um estigo posterioy,o resulta
dodesses ataques clivantes€ visto na negasio da artculagio como
principio para a combinacio das palavras. Isso nio implica e, por
tanto, ndo sera verdade airmar que 0s objetos ndo possam ser reu-
nidos ~ como mostrarei mais tarde ao falar de aghomeragio, Além
disso, como 0 vinculo entre os objetos nio apenas sofreu uma
{ragmentagio em particulas mindsculas, mas foi também projeta-
do.em objetos para se juntar a outros objets bizaros,o pacente
se sente cercado por vinculagBes diminuta, agora impregnadas de
«rueldade, conjugando cruelmente os objetos.
Concluindo minha descrigio da fragmentagio do ego, ¢ sua
«expulsio sobre e também para dentro de seus objetos, preciso falar
sobre minha crenga de que esses processos que estou descrevendo
constituem-se como fator central na diferenciagio entre a parte
Psicdtica e a ndo-psicética da personalidade ~ até o ponto em que
se possa islar tal ftor sem distorgbes. Essa diferenciagio ocore
fo inicio da vida do paciente:ataques sidicos sobre o ego e sobre
4 matriz do pensar, conjugados com a identificacdo projetiva dos
fragmentos, toram certo que, a partir desse momento, ocorreré
uma divergéncia sempre crescente entre as partes psicética¢ nSo-
-psicdtica da personalidade, até que 0 abismo entre as duas s