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EDICAO STANDARD BRASILEIRA DAS OBRAS PSICOLOGICAS COMPLETAS DE SIGMUND FREUD Com os Comentarios e Notas de James Strachey Em colaboracio com ANNA FREUD Assistido por ALIX STRACHEY e ALAN TYSON VOLUME XII (1911-1913) O CASO DE SCHREBER ARTIGOS SOBRE TECNICA e OUTROS TRABALHOS Traduzido do Alem&o e do Inglés sob a Direcéo-Geral e Revistio Técnica de JayME SALoMAO Membro-Associado da Sociedade Brasileira de Psicandlise do io de Janeiro, Membro da Associagio Psiquidtrica do Rio de Janeiro, Membro da Sociedade de Psicoterapia Analitica de Grupo do Rio de Janeiro. Tradugéo de JOSE OCTAVIO DE AGUIAR ABREU IMAGO EDITORA LTDA. Rio de Janeiro ta on cnt SOBRE A PSICANALISE (1913 [1911}) NOTA DO EDITOR INGLES SOBRE A PSICANALISE (a) EDIGAO ALEMA: (1911 Data de composi 0; no subsiste texto alemao.) (b) TRADUGAO INGLESA: ‘On Psycho-Analysis’ 1913 Congresso Médico Australasiano, Atas da Nona Sessao, 2, Parte 8, 839-42. A presente tradugdo inglesa é uma versio modificada da publicada em 1913. No comego de marco de 1911, Freud recebeu um convite do Dr. Andrew Davidson, secretério da Seco de Medicina Psicolégica e Neurologia, para enviar um artigo a ser lido pe- Tante 0 Congresso Médico Australasiano, que se deveria reu- nir em Sidney em setembro daquele ano. Ele enviou 0 artigo em 13 de maio; foi devidamente lido e posteriormente publi- cado nas Atas do Congresso, juntamente com artigos (também oe assuntos psicanaliticos) da autoria de Jung e Havelock is. Nenhum texto alemao péde ser achado, mas parece im- Provavel, a partir de evidéncias internas, que a versdo publi cada possa ter sido escrita pelo proprio Freud em inglcs. mais provvel que tenha sido traduzida de um original, ale- Mio, possivelmente na Austrdlia. Nao parece haver razdo espe- cifica, portanto, para ater-se ao texto publicado, €, por cor seguinte, efetuamos nele algumas ligeiras modificagdes termi- nologicas e estilisticas, 263 tae nee SOBRE A PSICANALISE Em resposta A amistosa solicitagio do Secretério de sua Seco de Neurologia e Psiquiatria, aventuro-me a chamar a atencaio deste Congresso para o tema da psicandlise, que esta sendo extensamente estudada, na época atual, na Europa ¢ nos Estados Unidos. A psicandlise constitui uma combinagio notavel, pois abrange n&o apenas um método de pesquisas das neuroses, mas também um método de tratamento baseado na etiologia assim descoberta. Posso comegar dizendo que a psicandlise nao é fruto da especulacio, mas sim o resultado da experién- cia; e, por essa razio, como todo novo produto da ciéncia, acha-se incompleta. E vidvel a todos convencerem-se por suas proprias investigagdes da correcdo das teses nelas corporifica- das e auxiliar no desenvolvimento ulterior do estudo. A psicanélise comegou com pesquisas sobre histeria, mas, com o decorrer dos anos, estendeu-se muito além desse campo de trabalho. Os Estudos sobre a Histeria, de autoria de Breuer € minha, publicados em 1895, foram os primérdios da psica- ndlise. Eles seguiram o rastro do trabalho de Charcot sobre. histeria ‘traumatica’, as investigacgdes dos fendmenos da hipno- se efetuadas por Liébeault e Bernheim e os estudos de Janet sobre os processos mentais inconscientes. A psicandlise logo encontrou-se em nitida oposicio com as opinides de Janet, por (a) declinar de remontar a histeria diretamente a degeneracao hereditaria congénita; (b) oferecer, ao invés de mera descri- ¢a0, uma explicagio dindmica baseada na agao reciproca das forcas psiquicas, ¢ (c) atribuir a origem da dissociagio psi- quica (cuja importancia fora reconhecida também por Janet) a uma [falha de]' sintese mental resultante de incapaci- dade congénita, mas sim a um processo psiquico especial, conhecido como ‘repressio’ (‘Verdrdngung’). ) [Estas 3 Palavras, € Sbvio, foram acidentalmente omitidas do texto- publica ntalmente omitidas do text 265. tae Foi conclusivamente provado que os sintomas histéricos sio residuos (reminiscéncias) de experiéncias profundamente comovedoras, afastadas da consciéncia cotidiana, e que sua forma é determinada (de maneira que exclui a acao delibera- da) por pormenores dos efeitos traumaticos das experiéncias, Segundo este ponto de vista, as perspectivas terapéuticas resi- dem na possibilidade de livrar-se desta ‘repressaio’, de modo a permitir que parte do material psiquico inconsciente se torne consciente e priva-la assim de seu poder patogénico. Esta vi- sio é dinamica, na medida em que encara os processos psi- quicos como deslocamentos de energia psiquica que podem ser medidos pelo valor de seu efeito sobre os elementos afetivos. Isto é muito significativo na histeria, onde o processo de ‘con- versao’ cria os sintomas pela transformagao de uma quantidade de impulsos mentais em inervacgdes somaticas. Os primeiros exames e tentativas psicanaliticas de trata- mento foram feitos com o auxilio do hipnotismo. Posterior- mente, este foi abandonado e o trabalho foi efetuado pelo método da ‘associaciio livre’, com o paciente em seu estado normal. Esta modificagio teve a vantagem de permitir que 0 processo fosse aplicado a um nimero muito maior de casos de histeria, assim como a outras neuroses e também a pessoas sadias. Tornou-se necessério, porém, o desenvolvimento de uma técnica especial de interpretagdo, a fim de tirar conclu- s6es das idéias expressadas pela pessoa em investigagao. Estas interpretagées estabeleceram com completa certeza o fato de que as dissociacées psiquicas sio inteiramente sustentadas por “resisténcias internas’. Parece Portanto justificada a conclusio de que as dissociagées se originaram devido a conflito inter- no, que conduziu & ‘repressiio’ do impulso subjacente. Para superar este conflito e desta maneira curar a neurose, é ne ‘aria a mao orientadora de um médico treinado em Psi- canilise. Ademais, demonstrou-se ser geralmente verdadeiro que €m todas as neuroses, os sintomas patolégicos sao realmente os Produtos finais desses conflitos, que conduziram a ‘repres- Sao’ ¢ & ‘divisdo’ (splitting) da mente. Os sintomas sio getados Por mecanismos diferentes: (a) seja como formagées de substi- tuigio das forcas reprimidas, seja (b) como conciliagdes ent? 1266 ta on cnt as forgas repressoras e reprimidas, seja (c) como formacées reativas e salvaguardas contra as forgas reprimidas. As pesquisas estenderam-se ulteriormente as condigdes que determinam se os conflitos psiquicos conduzirio ou nao ‘repressdo’ (isto é, dissociagio dinamicamente provocada), visto nao ser necessario dizer que um conflito psiquico, per se, pode ter também um desfecho normal. A concluséo a que a psicandlise chegou foi que tais conflitos davam-se sempre entre os instintos sexuais (empregando a palavra ‘sexual’ em seu sentido mais amplo) e os desejos e tendéncias do restante do ego. Nas neuroses, sao os instintos sexuais que sucumbem a ‘repressaio’, e constituem assim a base mais importante para a génese dos sintomas, que podem, por conseguinte, ser enca- rados como substitutos de satisfacdes sexuais. Nosso trabalho sobre a questao da disposicdo as afeccdes neuréticas acrescentou o fator ‘infantil’ ao somatico e ao he- reditdrio, até entao identificados. A psicanalise foi obrigada a remontar a vida mental dos pacientes até sua primeira infin- cia, e chegou-se 4 conclusio de que inibigdes de desenvolvi- mento mental (‘infantilismos’) apresentam uma disposicio a neurose. Especificamente, aprendemos, de nossas investigagdes da vida sexual, que existe realmente algo chamado ‘sexuali- dade infantil’, que o instinto sexual é constituido de muitos componentes ¢ atravessa um complicado curso de desenvol- vimento, cujo desfecho final, apés muitas restrigdes e trans- formagées, é a sexualidade ‘normal’ dos adultos. As enigmd- ticas perversdes do instinto sexual que ocorrem em adultos Parecem ser inibigSes de desenvolvimento, fixagSes ou cresci- mentos assimétricos. Assim, as neuroses sio 0 negativo das perversdes. O desenvolvimento cultural imposto 4 humanidade é o fator que torna inevitaveis as restrigdes e repressdes do instin- to sexual, sendo exigidos sacrificios maiores ou menores, de acordo com a constituig&o individual. O desenvolvimento quase nunca é conseguido de modo suave e podem ocorrer distirbios (quer por causa da constituigio individual ou de incidentes sexuais prematuros) que deixem atras de si uma disposig&ao a futuras neuroses. Tais disposiges podem permanecer inofen- sivas se a vida do adulto progride de modo satisfatério e tran- qiiilo, mas podem tornar-se patogénicas se as condigdes da 267 ta on cnt vida madura profbem a satisfagao da libido ou exigem gra- vemente sua supressdo. Pesquisas sobre a atividade sexual de criangas conduzi- ram a outra concepgdo do instinto sexual, baseada nao em seus intuitos, mas em suas fontes, O instinto sexual possui em alto grau a capacidade de ser desviado dos objetivos sexuais diretos e ser dirigido no sentido de metas mais elevadas, que nao sao mais sexuais (‘sublimag&o’). O instinto fica assim ca- pacitado a efetuar contribuigdes muito importantes as realiza- ges sociais e artisticas da humanidade. O reconhecimento da presenca simultanea dos trés fato- res de ‘infantilismo’, ‘sexualidade’ e ‘represso’ constitui a prin- cipal caracterfstica da teoria psicanalitica e assinala sua dis- tingZo de outras visdes da vida mental patolégica. Ao mesmo tempo, a psicandlise demonstrou que nao existe diferenca fun- damental, mas apenas de grau, entre a vida mental das pes- soas normais, dos neuréticos e dos psicéticos. Uma pessoa normal tem de passar pelas mesmas repressdes e lutar com as mesmas estruturas substitutas; a unica diferenca é que ela lida com estes acontecimentos com menos dificuldade e mais sucesso. O método psicanalitico de investigagio pode, por con- seguinte, ser aplicado igualmente A explanac3o dos fendme- nos psiquicos normais e tornou possivel descobrir 0 estreito relacionamento existente entre produtos psiquicos patolégicos € estruturas normais, tais como os sonhos, os pequenos erros da vida cotidiana, e fendmenos tao valiosos como chistes, mi- tos e obras da imaginagio. A explicagio foi conduzida mais Jonge no caso dos sonhos:e resultou aqui na seguinte formula geral: ‘O sonho é uma realizacio disfarcada de um desejo re- primido.’ A interpretagio de sonhos tem por objetivo a remo- cao do disfarce a que os pensamentos do que sonha foram submetidos, Constitui, além disso, auxilio altamente valioso & técnica psicanalitica, porque é 0 método mais conveniente de obter uma compreensio interna (insight) da vida psiquica inconsciente, Amitide h4 uma tendéncia nos circulos médicos e, espe cialmente, nos circulos psiquidtricos para contradizer as teorias da psicandlise sem nenhum estudo real ou aplicagio pritica delas. Isto se deve niio apenas A notdvel novidade destas teo- mas © ao contraste que apresentam com as opinides até aqui 268 ta on cnt sustentadas pelos psiquiatras, mas também ao fato de as pre- missas ¢ a técnica da psicandlise acharem-se relacionadas: mui- to mais de perto com o campo da psicologia que com o da medicina. Nao se pode discutir, contudo, que os ensinamentos puramente médicos e nio psicol6gicos até © presente muito pouco fizeram por uma_comprecnsiio da vida mental. O pro- gresso da psicandlise 6 ainda retardado pelo temor que o obser- yador médio sente de ver-se a si mesmo em seu prdéprio espe- tho. Os homens de ciéncia tendem a enfrentar resisténcias emo- cionais com argumentos e, assim, satisfazem-se a si mesmos para sua propria satisfag&o! Quem quer que deseje nao ignorar uma verdade fara bem em desconfiar de suas antipatias e, se quiser submeter a teoria da psicandlise a um exame critico, que primeiro se analise a si mesmo. Nao posso achar que nestas poucas frases tenha conse- guido pintar um quadro claro dos principios e propésitos da psicandlise, mas a elas adicionarei uma relagio das principais publicacdes sobre o assunto, cujo estudo forneceré maiores esclarecimentos a quem quer que eu possa ter interessado.* 1. Breuer e Freud, Studien iiber Hysterie, 1895, Fr. Deuti- cke, Viena. Uma parte deles foi traduzida para o inglés em ‘Selected Papers on Hysteria and other Psycho-neu- roses’, do Dr. A. A. Brill, Nova Iorque, 1909. 2. Freud, Drei Abhandlungen zur Sexualtheorie, Viena, 1905. Traducao inglesa do Dr. Brill, ‘Three Contributions to the Sexual Theory’, Nova Iorque, 1910. 3. Freud, Zur Psychopathologie des Alltagslebens, S. Karger, Berlim, 3% edicfo, 1910. 4. Freud, Die Traumdeutung, Viena, 1900, 3% ed., 1911 5 Freud, ‘The Origin and Development of Psycho-analysis’, Amer. Jour, of Psychology, abril, 1910. Também em ale- no on frarere valer a pena reproduzir esta relagio tal como aparece no original, quanto mais ndo seja como lembrete da literatura extrema- pene limitada existente sobre o assunto (quase toda ela s6 em alemio) na dala em que este artigo foi escrito.) 269 tae nee 13. 14, 270 mio: Ueber Psychoanalyse. Cinco conferéncias pronun- ciadas na Universidade Clark, Worcester, Mass., 1909, Freud, Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten, Viena, 1905. Freud, Collection of minor papers on the Doctrine of Neu- roses, 1893-1906. Viena, 1906. Idem, segunda compilacio. Viena, 1909. Hitschmann, Freud’s Neurosenlehre, Viena, 1911. C. G. Jung, Diagnostische Associationsstudien. Dois vo- lumes, 1906-1910. - C.G. Jung, Uber die Psychologie der Dementia Praecox, 1907. . Jahrbuch fiir psycho-analytische und psychopathologische Forschungen, publicado por E. Bleuler e S. Freud, orga- nizado por Jung. A partir de 1909, Schriften zur angewandten Seelenkunde. Fr. Deuticke, Vie- na, a partir de 1907. Onze partes, da autoria de Freud, Jung, Abraham, Pfister, Rank, Jones, Riklin, Graf, Sadger. Zentralblatt fiir Psychoanalyse. Organizado por A. Adler e W. Stekel. J. Bi ‘ergmann, Wiesbaden. A partir de setem- bro de 1910. ian nme

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