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WO Dr. Anfonig we te rereo Neto, SOcIEDADE BRASILEIRA DE SocioLocia ANAIS do I Congresso Brasileiro de Sociologia REALIZADO SOB O PATROCINIO DA COMISSKO DO IV CENTENARIO DA CIDADE DE SAO PAULO (21-27 de junho de 1954) SKO PAULO 1958 ’ SOCIEDADE BRASILEIRA DE SOCIOLOGIA ‘Sede: Rua Marin Antonia, 294/310 - 3." andar — Calxa Postal, 8105 — Telefone, 86-2182 — 8, Pavio. Seoretaria: Rua General Jardim, 622 — Tel. 82-7074 — S. Pauio DIRETORIA Presidente .... Fernando de Azevedo ‘Viee-Presidente Mario Wagner Vieira da Cunha Ay Secretirlo . Anténio Rubbo Miiiler 2y Secretario . Vicente Unser de Almeida ‘Tesourelro .... José Querino Ribeiro CONSELHO FISCAL Antonio Candido de Mello © Souza gon Schadon Herbert Baldus Oracy Nogueira Otdvio da Coste Nauardo Comissio de Redaco dos Anais do T Congresso Braslletro de Sociologia Antonio Candido de Mello ¢ Sousa Plorestan Fernandes Oracy Nogueira I PREFACIO sescsesssssseesesesseseieeseeenes INDIOE II — ORGANIZAQAO H ATIVIDADES DO CONGRESSO 1 2 8. 4 Ba II — DISCURSOS ........0+5 1. 2. 3. IV — COMUNICAGOHS a 2 6. ‘Lista de Congressistas «4.02... Diregiio do Congresso .. ‘Regimento Interno . Registro sumfrio das sessbes Bogies ¢ resolugdes Discurso do Goy. Incas Noguelra Garces « Discurso inaugural ‘do prof, Fernando de Azevedo Discurso de encerramento do prof, Fernando de Azevedo. Oravo Barmsta Brno: O sistema estatfstico na- clonal: sua utillzagio como fonte de dados so- clolégicos . oom Bam: Tes, problimes dee , recherche soclologique au Brésil Himamacx SroowoK: Probiemas do panltcagto através do Direlto ........ Froustan Feawanpxs: © ensino da Soelologia na, escola secundaria brasilelra .......sssesseesssee Onscx Nocumma: Duas experiéneiae no ensino da. Sociologia. Anrdx10 CAxpmo: 0 papel do estudo soclol6gico da escola na sociologia educacional Pivzo Fueuuma: A Dindmlea socal e a lel do Mino Tana: A ‘ntegracto ta teorla © resin na Soctologin BREESE 4 888 107 aut ur Vv — EXPOsICOnS . VI— DEBATES . ‘Vi. — IN MEMORIAM 9. Axtéx10 Rumo Mie: Ritos eaboclos no Hs tado de So Paulo ...... 161 10. Meow Somanmw:' As culturas Indfgenas e a civi- Maaco care seitedoes 189 IL. Azm Smeio: © voto opertirio em So Paulo .. 201 12, Manta sauna Panama pe Quemoz: Contribuigio ara o estudo da soclologis polftica no Brasil... 215 1. Jost Boniricio Roveiauns: Conceltuagio das Areas ‘socials do Distrito Federal 2. Roy pa Costa Anzonns: Imprensa e Criminall- 8 25 8. ‘Wrsow Rosa ns Stuva: Wetudo de uma comunidad: rural na zona cacauelra .. +e 258 "da realidade brasileira, politicamente ortentados, de 1570 a nossos dias 22 de junho — manhft 22 de junho — tarde 28 de junho — manhi . 23 do junho — tarde 24 de Junho — manhi 24 de Junho — tarde 25 de Junho — manha 25 de Junho — tarde 26 de junho — manba 26 de Junho — tarde 27 de jamho — manba, Prof. Dr. Ant + Antoni Re, tore Nelo PREFACIO Enoarregados pelu Comissio Organicadora ¢ pela Diregio do I Congreso Brasileiro de Socio- logia de promover a publicagio dos Anais, vimos agora apresenté-los aos Congressistas, membros da Sociedade Brasileira de Sociologia ¢ interessados om. geral. A reprodugdo dos debates constituiu a prinoi- pal questéo a resolvermos. Por gentiteca do Depar- lamento Cutturat da Uniwersidade de Sto Paulo, através do sou Diretor Prof. Dr. Anténio Soares da Amora, foram éles registrados em. fio gravador por téonico especialisado, visto como tencionavam 08 organisadores reproduti-los na integra. No en- tanto, ds vézes os congressistas ficoram uso da pa- Javra sem buscar o microfone; ou falaram de modo @ dificultar @ clareza da transorigto; ov, ainda, de- foitos téonicos cortaram palavras ¢ mesmo treohos das intervengies. Além disso, @ enposigio oral tende a repetigto, a auto-retifioagao, ao tacteio verbal. Note-se afinal que se « matéria viva das seasées & 0 debate, que permite a trove de idéias © 0 contacto dos partioipantes, a matéria espeot- fioa dos Anais sdo as contribuigées sistemdticas, proviamente elaboradas, — sendo que @ maioria dos Congressos cientifiovs 96 a elas dao aoolhida em. suas publicagies, Vistas estas racdes, deliberumos, (owvida a Diretoria da Sociedade ¢ obtida a sua aprovagiio), operar no material das intervengdes uma redugto formal, de maneira @ thes conservar ¢ essénoia, ae 2 9, AvOm0 Romo Mon {uo de Sto Paolo 10, oor Somionn: As eulturas Indigenas © # clv- langko 11. Ana Sitio: Yolo operislo em Sto Paulo =. 12. Manta Tsavma Puno om Quainos: Contribuigto ara 0 estude da soclologia politica no Brasil. Ritos caboclos no Bs- Y — BXPOSIQOHS .... 1, José Boxricio Roogrouns: Conceltuagio das éreas ‘oclais do Distrito Federal . 20. Rox oA Comma Anronss: Imprensn © Criminall- dade... i 8. ‘Winsor Rosa pa Stiva: Tistudo de uma comunidade rural na zona cacaueira .. 4. ‘Towks Pourms Accor Borors: A estrutura agréria do Estado de Sio Paulo ..... 5. Aram Gummo Rantos: Hsforgos de teorizagio 4a realldade brasilei, poiltlenmente orlentados de 1870 a nossos dias 5 6. Peon Panarisa on Bast: 0 ‘toto ds ones soctais em Minas Gerais ....... ‘VI— DEBATES . 22 de Junho — manhfi . 22 de junho — tarde 28 de junho — mani ... 23 de Junho — tarde .... 24 de junho — manhfl ... 24 de junho — tarde : 25 de junho — manhfl ........ 25 de Junho — tarde...» 28 de Junho — manbi ..... 28 de junho — tarde... 27 de Junho — manbi (final) ‘VII — IN MEMORIAM . 161 f PREFACIO Enoarregados pela Comissto Orgonisadora pole Diregdo do I Congreso Brasileiro de Socio- logia de promover a publicagto dos Anais, vimos agora apresenté-los aos Congressistas, membros da Sooiedade Brasileira de Sociologia ¢ interessados om. geral. A reprodugto dos debates constituiv a princi- pal questéo a resolvermos. Por gentiloza do Depar- tamento Cultural da Universidade de Sao Paulo, através do sew Direlor Prof. Dr. Anténio Soures do Amora, foram. éles registrados om. fio gravador por téonico espeviatizado, visto como tencionavam 08 organieadores reprodusi-los na integra. No on- tanto, as véees 08 congressistas ficoram uso da pa- lavra sem buscar 0 miorofone; ou falarom de modo a difioultar « clareza da transorigdo; ou, ainda, de- foitos téonicos cortaram palavras ¢ mesmo trechos das intervongies. Além disso, a exposigio oral tende a repetigao, & auto-retifioagdo, ao tacteio verbal. Note-se afinal que se a matéria viva das sesades 6 0 debate, que permite a troot de idéias € 0 contacto dos participantes, a matiria expect fica dos Anais so as contribuigdes sistemdticas, préviamente claboradas, — sendo que a maioria dos Congressos oientifions #6 a elas déo acothida om suas publicagies. Vistas estas rasdes, deliberamos, (owide a Diretoria da Sociedade ¢ obtida a sua eprovagio), operar no material das intervengdes uma redugio format, de mancira a thee conservar a essénoia, -1- nada saorifioando dae idéias expendidas. Dete tra- batho foi, sob nossa orientagdo, confiado ao Prof. Oliveiros da Sioa: Ferreira — a quem deisamos rogistrado 0 nosso agradecimento — ¢ por nds re- visto a seguir. ‘Bi necessério também outro esclarecimento. Na 40 inicial previam-se, pela manhd, sessies de leitura das comunicagses ¢, & tarde, simpésios @ cargo das detegagdes. Enquanto as primeiras, apresentadas por esorito, partiam de escolha pes- ‘soal do congressista, conforme ow néo ao temério proposto, os segundos deveriam constituir contri- duigdo ooletiva das delegagses, versando tema de aue escolha, Na prética, todavia, cada dolegagio, — determinado o tema, — confiowo & responsabi- Tidade eeolusive de wm relator, que apenas a repre- sentou, som euprimir necessdriamente o ponto de vista dos demais componentes. Tal cirounstancia motivow pequena divide de nomenclatura na redagéo déstes Anais. Como clas- sificar as teses das sessdes da tarde? Decidimos afastar a rubrica da Comissio Organicadora ¢ ‘reuni-las sob a denominagto de Exposighes, j6 que niio houve propriamente simpésios, ow seja, pi cipagdo préviamente organisada de vérias pessoas na disoussdo de win tema, Porque entéo (pergun- tar-se-é) ndo englobar todas as teses mum. 86 item? ‘A resposta € que as das sessies matinais foram apresentadas ‘por escrito ¢ vio aqui reproducidas como ae recebew a Comissio Organieadore, embora algumas hajam. sido, em plenério, resumidas ¢ niio Tidas polos autores, Enquanto nas aessbos da tarde foram, salvo uma ow duas excegies, apresentadas oralmente, sem. um testo oficialmente remetido a Comissio; ¢ em. todo 0 caso aparecom. aqui segundo a versio do fio gravador. Tratase, U4, de leitura; aqui, de eaposigic. Devia-se ademais atentar ao fato de que as comunicagées sdo estritemente pes- soais, enquanto as exposigbes da tarde, embora de responsabilidade do autor, representaram. contri buigdo das delegagdes, que escotheram ow aprova- ‘ram os temas vorsados, Bucetuase neste esquoma © caso da sesso do dia 25, em que a Delegagiio do Parand cedeu ao Prof. Alberto Guerreiro Ramos © hordrio om que devia trazer a sua ccntribuigto, para que éste ficesse uma eaposigao pessoal. Parecew-nos finalmente de bom. aviso (inclu sive para tornar vidvel a impressdo de seporatas), destacar comunicagdes ¢ exposigdes dos respectivos debates, que, rounidos na ordem correspondente, sordo facitmente cotejados. Pensamos, desta maneira, ter justificado 0 ori- tério seguido nestes Anais, que nos esforgamos por apresentur como menor nimero posstoel ie lacunas. Desde jd noe eoousamos, todavia, pelar que how ‘vormos deivado passar. * A Comnssio pm Rupagio. ORGANIZACAO E ATIVIDADES DO CONGRESSO © I Congreso Brasileiro de Sociologia realizouse de 21 a 27 de junho de 1954, na Faculdade de Filosofia, Citn- cias ¢ Letras da Universidade de Sto Paulo, promovido pela Sociedade Brasileira de Sociologia, sob 0 patrocinio da Co- misstio do IV Centenério da Fundagiio da Cidade de Sio Paulo, como parte de seu cielo de comemoragies. A Comissiio Organizadora foi integrada pelos professOres ‘Fernando de Azevedo, presidente; Anténio Rubbo Miller, primeiro fecretério; Vicente Unser de Almeida, segundo secretério; Egon Schaden, tesoureiro; Luiz de Aguiar Costa Pinto e L. Pinto Ferreira, membros, Foi proposto aos congressistas o seguinte temério, como sugestiio facultativa para as comunicagtes: I — 0 onsino ¢ as pesquisas sociolégicas, 1 — O ensino da Sociologia e disciplinas afins nos diferentes centros cul- turais do pais; 2 — As pesquisas sociolégicas ¢ antropol6- gicas no Brasil; 8 — O sistema estatfstico nacional — sua utilizagtio como fonte de dados sociol6gicos; 4 — A contri- buigo da Sociologia para a solug#o dos problemas sociais, IL — Organicagdo Social, 1 — Estrutura da comuni- ade (indigena, rural, urbana, rural-urbana); 2 — Siste mas sociais gerais © sistemas especificos (de familia © pa- rentesco, econdmicos, politicos, juridicos, pedagogicos, ete.) ; 8 — Relagies étnicas. TIT — Mudanga Social, 1 — Correntes migratérias in- ternas e estrangeiras; 2 — O impacto do desenvolvimento econtmico sbbre a estrutura social dos paises menos desen- volvidos; 8 — Transformagées técnicas ¢ mudangas sociais; 4 — Efeitos da. urbanizagio e da, industrializagio sbre a estratificagdo social do Brasil; 6 — Mudangas scciais e pro- Dlemas sociais, ‘Nos térmos-do Regiment. — publicado mais longe “— jnscreveram-se as seguintes pessoas, que passaram a integrar a LISTA DE CONGRESSISTAS Abelardo Fernando Montenegro, Abimael Campos Vieira, Ackeio Ferreira, Adalgisn Araijo de Castro Rangel, Alberto Guerreiro Ramos, Amélio Guariento, Alfonso Trujillo Fer- rari, Alda A, Moeller, Aldemar Moreira (8. J.), Alvaro da Veiga, Antonio CAndido de Mello ¢ Souza, Antonio Carlos de Souza Queiroz Cardoso, Antonio Rubbo Miller, Anny Zansmer, Aparecida Joly Gouveia, Aracy Ferreira Leite, Camilo Cechi, Carlos Correa Mascaro, Casemiro dos Reis Fitho, Oélia de Carvalho, Cesério Morey Hossri, Cid Rebello Horta, Djacir Meneses, Dinorah Ramos, Edna Beltramini, Tamundo Aceécio Moreira, Edson Carneiro, Egon Schaden, Brasmo H. M. Lopes, Hadras Borges Costa, Huclides de Mes: quita, Eunice ‘Todescan Ribeiro, Evaristo de Moraes Filho, Felte Bezerra, Fernando de Azevedo, Fernando Affonso Gay da Fonseca, Fernando Henrique Cardoso, Irmio Ié- vio, Florestan Fernandes, Frank Perry Goldman, Gastio ‘Thomaz de Almeida, Geraldo Brandio, Gerson Rodrigues, Gilda de Mello e Souza, Gioconda Mussolini, Gisela Ri- beiro dos Santos, Gléucio Veiga, Helena Maria Panizza, Helena Rocha de Achda, Helofsa Alberto Torres, Henrique Stodieck, Helbert Baldus, Hermelina Maria Pretto, Tone Gasolla Scarpelli, Irineu Gric Mascarenhas, Ivone Leda Tapado, Jacy Camarfo, Jair Conti, Jamil Munhoz Bailéo, Jo&o Baptista Benassis, Jotio Mendonga, Jofio dos Santos ‘Avefio, Joaquim Batista Neves, Joaquim Madeira Neves, Jonas Rodrigues, José Albertino R. Rodrigues, José Aloysio Reis de Andrade, José Arthur Giannotti, José Bonifacio Rodrigues, José Bueno de Oliveira Azevedo Wilho, José Fer. nando Martins Bonilha, José Maria Esmerard Arruda, José Olegério Ribeiro de Castro, José Guerino Ribeiro, José Ta vares de Mello, José Spina Franca, Jtilio Barbosa, Juares Rubens Brandio Lopes, Laudelino Teixeira de Medeiros, ue Lella Montanari Ramos, Lenira Faria, Licia Capri Pigna- ‘taro, Lina, Brandi, Lisette Toledo Ribeiro Nogueira, Louri- val Gomes Machado, Lticia Wollet de Mello, Lucila Herrmann, L: A. Costa Pinto, Luiz Alberto Cibils, Luiz de Castro Faria, ‘Luis Filipe Silva Wiedemann, Luiz Gonzaga Pereira Cam- pos, Manoel Carlos de Souza Ferreira, Menémio de Campos Lobato, Maria Alayde Trani, Maria Candida Sandoval Oa- margo Pereira, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Maria Luiz Alvarenga Freire Oarette, Maria Neusa Avenia, Maria Olga Mattar, Maria Sylvia de Carvalho Franco Moreira, Maria Suzana Eliezer de Barros, Marina de Andrade Re- sende, Mério Lins, Mério Miranda Rosa, Mario Wagner ‘Vieira da Cunha, Mauricio de Magalhiies Carvalho, Miriam Litchitz Moreira Leite, Morse de Belém Teixeira, Murillo Barros Costa Rego, Neide Carvalho, Nelson Pesciotta, Nice Lecoeg Miller, Norival Vieira da Silva, Nylsa Ivonette de Oliveira Salgado, Octavio da Costa Eduardo, Oliveiros da Silva Ferreira, Oracy Nogueira, Oswaldo Herbster de Gus: mio, Paula Beiguelman, Plauto Lapa Coimbra, Pedro Pa- rafita de Bessa, Raquel Vieira da’ Cunha, Renato Jardim Moreira, Renato José Costa Pacheco, Rivaiévia Marques Jénior, Robert Nicolaus Dannemann, Rodolfo Agi, Roger Bastide, Rubens Nerval Barbosa, Ruy Anacleto, Ruy da Costa Antunes, Sarah Rotenberg, Sebastifio Pagano, Stella Anita Martirani Bernardi, Suelly Quadros Missel, Samul J. Goldberg, Teéfilo de Queiroz Jiinior, Thomés Pompeu Ac- cioly Borges, Vicente Marotta Rangel, Vicente Unser de Al meida, Victor Antonio Peluso Jénior, Virginia Leone Bicudo, Wanda Valério Faria, Walkyria Siqueira Mori, Walter F. Piazsa, Wellman Galvi de Franga Rangel, Wilmar Orlando Dias, Wilson Cantoni, Wilson Rosa da Silva, Wilza A. Inar. Fizeram-se também representar em cariter oficial as seguintes instituigdes: Faculdade de Filosofia, Ciéneias ¢ Letras de Campinas, da Pontificia Universidade Cat6lica, elo Prof. conde Sebastiaio Pagano; Faculdade de Filosofia ‘da Universidade Catélica do Rio Grande do Sul, pelos Profs. ‘Fernando Afonso Gay da Fonseca e Irmio Leopoldo Flavio; Associaglio dos Antigos Alunos da Escola de Seciologia e Poli- 6 tica de Sio Paulo, pelos Profs. Olavo Baptiat:: Filho e Carlos. Borges Teixeira; Instituto de Sociologia e Polftica da Fede- ragio do Comércio do Estado de Sic Paulo, pelo Prof. Octavio da Costa Eduardo; Museu Paulista, pelo Prof. Her- bert Baldus, seu diretor em exercicio; Faculdade de Filosofia de Vitéria, pelo Prof. Wilson Cantoni. ‘A Secretaria de Educagio do Estado de Sio Paulo enviou uma delegagio integrada pelos seguintes professéres catedréticos do Ensino Normal Oficial: presidente, Carlos Correa Mascaro; membros: Nylza Yvonette de Oliveira Sal- gado, Walkyria Siqueira Mori, Hermelina Maria Preto, Ma- ria-Suzana Eliezer de Barros, Maria Candida Sandoval de Camargo Pereira, José Fernando Martins Bonilha, Menénio de Campos Lobato, Geraldo Brandao, Vicente Celso Quaglia, ‘Nelson Pesciotta, Leonidas Horta de Macedo, Welman G. de Franga Rangel, Helena Rocha de Achoa, Lizete Toledo Ri- beiro Nogueira, Licia Capri Pignataro, Stale. Anita Martirani, Luis Gonzaga Pereira de Campos, Irineu Grick ‘Mascarenhas, Oswaldo Elias Xidiec, Rubens Nerval Barbosa, Gerson Rodri- gues, Jair Conti e Maria Regina Braga de Carvalho. ‘Na sesstio proparatéria, realizada na tarde do dia 21. de junho, foi cleita a seguinte Mesa Diretora dos trabalhos do ‘Gongresso: Presidente Fernando de Azevedo ‘LY Vice-Presidente Luts de Aguiar Costa Pinto a) Wl L. Pinto Ferreira, ar” »: ‘Buclides de Mesquita as” ‘Morse de Belém Teixeira L? Secretério AntOnio Rubbo Miller ae” Jélio Barbosa, Stee ‘Edson Carneiro ‘Foram ainda indicados presidentes das varias sessGes ordinérias: Alberto Guerreiro Ramos, Felte Bezerra, Gléucio an ‘Veiga, Henrique Stodieck, Joi de Mendonga, Landelino Tei- xeira de Medeiros, Luis de Castro Faria e Orlando M. Car- valho, ‘Na mesma sesso foi aprovado, com modificagies que serfio referidas abaixo, o seguinte projeto de Regimento, ela- dorado pela Comisstio Organizadora: REGIMENTO INTERNO DO I CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA Cartroxo I Da Comissio Nacional Organizadora Art. 1 — 0 1° Congresso Brasileiro de Sociologia, pro- movido pela Sociedade Brasileira de Sociologia, com sede em Sao Paulo, realisar-se-4 nesta capital, de 21 a. 27 de junho de 1954, sob o alto patrocinio da Comissio do IV Centens- rio da Cidade de 8. Paulo e sob op auspicios: a) da Reitoria da. Universidade de 8. Paulo; b) da Faculdade de Filosofia, Ciéncias e Letras da Uni- versidade de 8. Paulo; c) da Faculdade de Citncias Econdmicas e Adminis- trativas da Universidade de 8. Paulo; @) da Escola de Sociologia e Politica de 8. Paulo. Art. 2 — 0 1° Congress Brasileiro de Sociologia seré. preparado e organizado por uma Comissio Nacional, cons- titufda especialmente para éste fim, e da qual fazem parte © Presidente, o Primeiro Secretério, o Segundo Secretério, 0 Tesoureiro da Sociedade Brasileira de Sociologia ¢ os Presi- dentes das Seegdes do Distrito Federal e de Pernambuco. Parégrafo tinico — A Comissiio Nacional poderé ser ampliada, a jufzo da Diretoria e do Conselho Fiscal da S0- ciedade Brasileira de Sociologia, conforme o volume de ser ‘vigos ¢ as necessidades dos trabalhos preparatérios, a Art, 8 — Compete & Comisstio Nacional Organizadora: &) fazer os convites a instituigdes nacionais, para se fazerem representar, nos térmos do art, 4 déste Regimento, e 0 professdres e especialistas no dominio da sociologia © disciplinas atins; ; b) praticar todos os atos preparatérios indispensiveis, A realizagtio do Congresso; ¢) distribuir as verbas, autorizar despesas ¢ prestar contas, em relatérios trimestrais, & Comissfio do IV Cente- nfrio, da aplicagio dos recursos postos & sua disposigiio para, a realizag&io do Congreso; @) registrar e examinar as credenciais dos Congressis- tas que se inscreverem nos térmos do art. 4 déste Regimento; fe) receber as teses e comunicagtes cientificas; ft) convocar a Sesstio Preparatéria do Congreso em ‘que devem ser cloitas a Mesa. as Comisstes, nos ttrmos deste ‘Regimento. Cartrozo I Das insorigées dos Congressistas Art, 4 — Poderfo inserever-se como congressistas os candidatos que preencham um dos seguintes requisitos: a) fazer parte, como belo, da Sociedade Brasileira de Sociologia; D) ser portador de diploma de nfvel universitario na secefio de citncias sociais ou em curso de sociologia e politica; ) ser ou ter sido professor de sociologia ou discipli- nas ating; 4) ser autor de obras de valor em qualquer das espe- cialidades indicadas na letra o do presente artigo. Parfgrafo tinico — Poderfio inscrever-se como observa- dores, jornalistas, estudantes e outras pessoas, ds quais niio se estenderdio 0 direito de voto nem o de apresentar teses ow propostas on mogées, Oxrtroro IIT Da diregdo dos trabathos do Congresso ‘Art, 5 — Na sesso preparatéria do Congreso os par- ticipantes déle, devidamente credenciados, elegerdio a, Mesa que deveré presidir os trabalhos do Congresso ¢ seré cons- titafda: a) de um Presidente: D) de trés Vice-Presidentes (I, II e TI); ©) de trés Secretérios (I, II ¢ Tit). § 1° — Serfio Presidentes de Honra o Exmo. Sr. Go- yernador do Hstado e Vice-Presidente de Honra o Exmo. Sr. Reitor da Universidade de 8. Paulo e o Exmo. Sr, Presi- dente da Comissio do IV Centensrio da Cidade de 8. Paulo. § 2° — A Comiaiio Nacional organisadora continuard no exercicio de suas fungées em tudo o que se refira as ati- vidades administrativas e financeiras, Art, 6 — Compete & Mesa que dirige os trabalhos do Congresso a) presidir As sessées plendrias; D) proceder as eleigées das Comisses Técnicas e espe- ciaia conforme o temério do Congresso; ©) promover a eleigéo da Comisstio de Redagio ¢ man- ter ou mudar a Comissio de Organizagio dos Anais; d) convocar as sessies solenes de instalagiio ¢ de encer- ramento do Congresso e as demais sesses plenérias; e) distribuir, pelos assuntos, as teses e comunicagdes cientificas as comissGes especiais ou técnicas para estudo relatério; f) tomar tda as providéncias necessérias ao funcio- namento normal das atividades do Congresso; ) Tepresentar 0 Congresso em solenidades oficiais ou particulares para as quais seja convidada ou tenha de com- parecer. p— Oartruzo IV Das sossdes plenérias Art. 7 — O plenério seré constitufdo dos delegados de instituigdes de ensino, oficiais ou particulares, (ue, convida- das, se fizerem representar, dos professbres e especialistas, convidados, e dos demais congressistas, inseritos nos térmos déste Regimento. Parfgrato ‘imico — O livro de inserig6es para partici- pacio nos trabalhos do Congresso, encerrar-se-f no dia 16 de junho de 1954, Art. 8 — Havers as seguintes sesses plendrias: a) sesstio preparatéria; b) seasées solenes de instalagio e de encerramento do Congresso 5 c) sessdes ordindrias. Art. 9 — Cabe ao Plenério, 1) em seestio preparatéria: a) cleger a Mesa que deve presidir os trabalhos do ‘Congreso ; bd) cleger as Comissdes Técnicas ou especiais; ¢) eleger a Comisstio de Redagio; @) aprovar o relatério da Comisstio Organizadora, sbbre as credenciais dos congressistas; ) aprovar o Regimento Interno do Congress. i TL) em sessbes ordinérias: a) tomar conhecimento ¢ entrar na andlise dos relaté- ios das teses, apresentadas pelas Comissées Expeciais, com ‘parecer favordvel ; ») examinar e votar as conclusdes das teses comu- nicagées cientfficas, tedricas, de pesquisa ou de alto intertsse sociolégico; ©) examinar, discutir ¢ votar propostas que forem apre- sentadas em plenério, e sejam de real interésse para o.estudo, — 20 — ensino ¢ pesquisa, nos dominios da sociologia ¢ disciplinas afins, ou para os progressos da Sociedade Brasileira de So- ciologia. Art, 10 — As sessdes plendrias ordinérias obedecerfio & seguinte ordem, nos seus trabalhos: a) Expediente e Comunicagées; b) Discussio e votacto dos relatérios de teses ou mo- nografias e de suas conclisdes; ¢) Discusstio e votaglo de propostas apresentadas por congressistas que se tiverem inscrito para ésse fim, em sessfio anterior. § 1° — Na discusstio de cada parecer, nenhum congres- sista poderé fazer uso da palavra por mais de uma vet, ca- endo ao autor da monogratia, tese ou comunicactio ¢ 20 relator falar respectivamente em peniitimo e dltimo Ingar. § 2° — Nenhum congressista poderé falar sem prévia inserigo por mais de 10 minutos prorrogéveis a juizo da ‘Mesa por mais 10 minutos, § 8° — A votagtio serd encaminhada pelo Presidente da ‘Mesa, nfo sendo permitida justificagiio de voto salvo por es crito, a qual constaré da Ata, mas nfo seré lida no Plendrio. § 4° — O resultado da votagio se tomaré pela maioria dos sufrégios dos Congressistas presentes. § 5° — Néo poder ser discutida nem votada tese ou comunieagio sdbre a qual nfo haja parecer escrito da Co- missio, Art, 11 — As sessGes plenfrias se realizaréo com qual- quer nfimero de presentes. Art. 12 — Na filtima sesstio ordingria os Congressistas designartio a sede ¢ a data para a reunitio do IL.’ Congresso Brasileiro de Sociologia, nfo podendo ser inferior a trés anos © intervalo entre um e outro Congresso. Pardgrafo tnico — Poderé ser, nessa sesstio, discutida votada qualquer proposta que tenha por fim assegurar 0 éxito cientifico do referido Congresso. —a1— Cartroo V Das comissdee Art, 18 — Serfio as seguintes as comissées: a) comissées especiais, para o exame das teses e ela: Boragio de seus pareceres ¢ relatérios; b) comissio de Redagio; § L* — As comissdes Técnicas ou especiais serfio com- postas, cada uma, de um Presidente e de trés relatores, eleitos na sesstio preparatéria do Congresso. § 2° — A Comissio de Redagio seri constituida de cinco membros, dos quais um ser o Présidente, eleitos todos na sesso preparatéria, Art. 14 — Compete As Comiasées Expeciais 4) reeeber ¢ esludar ax teves © comunicagdes que Thes forem distribuidas pela Mesa do Congresso; b) dar parecer e apresentar relatérios sdbre ésses tra- halhos, opinando pela aceitagio, — simples, com publicagio de sumfrio ou com publicagio integral, ou pela recuse. Parfgrafo tinico — Compete A Comissiio de Redagio coordenar e harmonizar as conclusdes e proposigées apro- vadas e darlhes redagio final, respeitando estritamente o seu contefido, Art, 15 — As teses © comunicagses que forem encami- mhadas a cada Comissiio Especial serfo distribufdas pelo Presidente aos relatores. § 1° — Os relatores deverfio apresentar pareceres, com conclusées articulares em trés vias e a Secretaria deverd estar devidamente habilitada para facilitar-Ihes a tarefa. § 2° — Qualquer dos membros da Comisstio poderé pedir vista da tese ou comunicagio, dispondo de 24 horas para devolvéla. § 3° — As teses e comunicages serfio discutidas na ordem de sua devolugtio pelos relatores, salvo pedido de pre- feréncia, devidamente justificado e aprovado. ma § 4° — O autor da tese ou comunicagiio a quem € asse- gurado 0 direito de debatéla na Comissio Especial, a que for a mesma encaminhada, nffo teré, direito de voto quanto A sua tese, ainda que faga parte da Comissio, Art, 16 — As teses ou comunicagées distribuidas a qualquer das Comissées especiais serfio devolvidas & Mesa do Congreso, com seus respectivos pareceres, em trés vias, no prazo improrrogével de 48 horas, Cartroto VI Da votagdo Art. 17 — Nas sessies plendrias como nas Comissées especiais, os votos serio contados por maioria e cada mem- bro teré direito a um voto, § 1° — Nuo podoriio votar sontio os Congrossistas pro- sentes & sessifo plendria ou A Comissio de que fizerem parte. § 2% — Em caso algum haveré voto por procuragiio. Cartruo VIL Das propostas ¢ mogbes Art. 18 — Ficam vedadas quaisquer prepostas e mogbes que nfo se enquadrem nos propésitos culturais ou niio aten- dam as finalidades puramente cientfficas do Congreso. Cartroo VIII Da Scoretaria Geral Art, 19 — A Secretaria Geral seré organizada ¢ diri- gida por um Secretério-Chefe que seré o Secretario Geral da Sociedade Brasileira de Sociologia e da, Comisstio Nacio- nal organizadora do Congresso e compreenderé tantos auxi- Hares quantos forem necessérios, ees § 1? '— 0 Secretério-Chefe fica subordinado ‘ao Presi- dente da Comissiio organizadora do Congresso. § 2° — Fica subordinada. ao Secretério-Chefe a comis- sfio de Recepedo que se constituir, ¢ & qual compete provi- denciar para o transporte e recepcho dos Congressistas con- vidados ou dos representantes das instituicdes que, a convite, se fizerem representar; para a reserva de quartos em hotéis. ea hospedagem dos referidos congressistas e delegados, bem como para o programa de passeios, excurades e reunies sociais, em-horas que os trabalhos do Congresso deixarem livres aos Congressistas, em geral. Art, 20 — Compete & Secretaria Geral: a) executar os servigos institufdos pela Comissiio Orga- nizadora, no perfodo preparatério, e os que forem determi- nados pela Mesa do Congreso, uma ver instalado; b) manter contato com a Comissio do IV Centensrio da Cldade de SH0 Paulo e, partisularmente, com a Dirctoria Geral dos Congressos, da referida Comissiio; ¢) organizar os servicos de correspondéncia e arquivo; 4) organizar a caixa e contabilidade e apresentar os comprovantes de tOdas as despesas autorizadas para os réla- ‘térios trimestrais de prestagtio de contas & Comissiio do IV Centensrio; e) organizar e manter os servigos de publicidade pela imprenga e pelo rédio; f) estudar e assentar as providéncias necessirias & re- cepgfio e hospedagem dos Congressistas e para a instalagio ¢ as atividades do Congreso; 2) organizar os servigos de expediente das reunides do Congresso, das Comissies ¢ os que forem necessérios para a publicagio dos Anais. As principais modificagées introduzidas disseram res peito ao regime de trabalho das ComissGes, que foram pra- ticamente eliminadas, a fim de permitir maior participasiio dos congressistas no debate e apreciagio das comunicagses. at) or REGISTRO SUMARIO DAS SESSOES Os trabalhos constaram de 14 sessdes, sendo uma pre- paratéria, 2 solones, de inauguracho e encerramento, 11 ordi- nériag, thdas realizadas no Salo Nobre da Faculdade de Filosofia, Ciéncias e Letras da Universidade de Sao Paulo, & Rua Maria Antonia 294. ‘Das sessGes ordindrias, realiza- ram-e 6 pela manh& e 6 a tarde, eonstando as primeiras de comunicagées lidas ou resumidas pelos autores ou relatores; as segundas, de exposigées desenvolvidas em nome das dele- gagdes por um dos seus membros, — tudo conforme & dis- eriminag&o abaixo, 21 de junkd 14 horas: Presidente: Fernando de Azevedo, Sessilo Preparatéria em que foram eleitos os compo- nentes da Mesa do Congresso, os presidentes das sessies ordindrias, sendo também discutide e aprovado o Regimento. 21 horas: Sessiio solene de inauguracdo, presentes 0 Governador do Estado, Prof. Incas Nogueira Garces, autoridades civis e numeroso ptiblico. Falaram o Sr, Governador ¢ 0 Presi- dente do Congresso, Prof. Fernando de Azevedo (*). 22 de junho: 9 horas — Presidente: Joo de Mendonca. Comunicagées: 1) Olavo Batista Filho: “O sistema estat{stico nacio- nal: sua utilizagio como fonte de dados sociolégicos”. 2) Roger Bastide: “Les problémes de la recherche sociologique au Brésil”, (*) Os textos dos discursos vio publicados na seegfio corres ondente, a 3) Rivaddvia Marques Jéinior: “Andlise da zona rural sob 0 ponte de vista da. organizagio & condigies de vida”. Debates. 14 horas — Presidente: Henrique Stodieck. ‘Exposigho: ‘José Bonitécio Rodrigues (Distrito Federal) : “Concei- tuagiio das Areas sociais do Distrito Federal”. ‘Debates. 28 de junho: 9 horas — Presidente: Laudelino de Medeiros. ‘Comunicagées: 1) Henrique Stodieck: “Problemas de Planiticagio atra- vés do Direito”. : 2) Florestan Fernandes: “O ensino da sociologia na escola secundéria, brasileira”, ‘Debates. 14 horas — Presidente: Luis de Castro Faria, SExposigdes: 1) Ruy da Costa Antunes (Pernambuco): “Imprenss e Oriminalidade”, 2) Wilson Rosa da Silva (Bahia): “studo de uma comunidade rural na zona cacaueira”. Debates. 2h de jumh 9 horas — Presidente: Felte Bezerra. Comunicagtes: 1) Oracy Nogueira: “Duas experiéncias no ensino da Sociologia”. 2) AntOnio Candido de Mello e Souza: “O papel do estudo sociolégico da escola na sociologia educacional”, 14 horas — Presidente: Gléucio Veiga. Exposigiio. ‘Tomés Pompeu Accioly Borges: (Distrito Federal) : “A extrutura agréria do Estado de 8&0 Paulo”. Debates. a 25 de junho: 9 horas — Presidente: Orlando M. Carvalho. Comunicagses: 1) J. Pinto Ferreira: “A Dindmica Social e a lei do progresso”, Relatada por Gléucio Veiga. 2) Miério Lins: “A integragiio da teoria e pesquisa na Sociologia”. Relatada por Evaristo de Morais Filho. 8) Antnio Rubbo Muller: “Ritos caboclos no Estado de Sio Paulo”, Debates. 14 horas — Presidente: Buclides de Mesquita. TExposigio: Alberto Guerreiro Ramos: ‘“Esforgos de teorizagio da realidade brasileira, tedricamente orientados, de 1870 a nossos dias”. ‘Comunicagiio (transferida da, sesso da manhé por falta de tempo) : ‘Egon Schaden: “As culturas ind{genas e a civilisagtio”. Debates. 26 de junho: 9 horas — Presidente: Orlando M. Carvalho. Comunicagées: 1) Aziz Simfio: “O voto operério em Séo Paulo”. 2) Maria Isnura Pereira de Queiroz: “Contribuigho para o estudo da Sociologia Politica brasileira”. ‘Debates. 14 horas — Presidente: Orlando M. Carvalho. Exposigho: Pedro Parafita de Bessa (Minas Gerais): “O estudo das Citncias Sociais em Minas Gerais. Debates. 27 de junho: 9 horas — Presidente: Fernando de Azevedo. Encerramento dos trabalhos, com discussfio dos assun- tos em pauta, votagio de mogies e resolugées, adiante trans- critas, —a- 15 horas — Presidente: Fernando de Azevedo. Sessdio solene de encerramento com a presenga do Dr. José de Moura Revende, Secretério de Educagho do Estado, representando o Sr. Governador, e outras autoridades. ‘Em nome dos congressistas falou o Prof, Dr. Eucli- dos de Mesquita, da delegacio do Parané, fazendo um retros- pecto do Congresso e terminando por entregar ao Prof. Fer- nando de Azevedo a Medalha do I Congreso de Sociologia do Parané. O Sr. Secretario da Educagio pronunciou algu- mas palavras, relativas ao interésse com que 0 Govérno do Estado e le proprio haviam acompanhado os trabélhos. Encerrando, o Prof. Fernando de Azevedo féz uma palestra sobre “O ensino e as pesquisas sociolégicas no Brasil”. NOTA: — por varias vézes assumiu a presidéncia das sessées ordinirias o Prof. L. de A. Costa Pinto, 1” vieepre- sidente, ‘Neste resumo, fol seguida a programacio, nfo se regis: trando os casos em que os debates foram transferidos, afim de deixar clara a estrutura dos trabalhos. Na parte relativa, 08 debates, o leitor encontraré, o registro dessas interferén- cias de sesstes, ATIVIDADES SOCIAIS A Comissfio Organizadora do Congresso promoveu uma visita a0 monumentos histéricos de Sio Paulo; uma andigéo do Coral Paulistano e um cocktail ds delegates e congres- sistas. MOQOES E RESOLUQOES © Congreso aprovou, em alguns casos por maioria, em outros por unanimidade, as seguintes mogées ¢ resolugées: 1) — Dos Profs, Lourival Gomes Machado e Oliveiros 8. Ferreira — “Propomos que o nome do Prof. Geraldo Ito de Sio Plécido Brando conste dos Anais como convidado do Congresso”. 2) — Dos Profs, José Bonificio Rodrigues e Euclides de Mesquita: “Os abaixoassinados, mem- bros do I Congresso Brasileiro de Sociologia, reu- nidos em S80 Panlo de 21 a 27 de junho de 1954, “considerando 0 valor da. comunicagio apre- sentada pelo Prof. Florestan Fernandes e das di- versas opiniGes expressadas pelos srs, congressis- tas s6bre a inclustio da Sociologia no ensino se- eandério do pais; “considerando 0 que foi decidido no Congresso de Sociologia do Parané, reunido em Curitiba em janeiro déste ano, no qual se aprovou a seguinte resolugo: “que seja criada, nos cursos secundérios a cadeira de Sociologia, como disciplina optativa, no tiltimo ano dos Cursos Cientifico Clissico” ; “considerando que transita ne Clmara Fede- Fal um projeto de Reforma do Eusino Sedundério, segundo a qual passa o curriculo a ser mais sim- plificado que o atual e se divide em dois ciclos divetsos dos vigentes, tanto pela extensiio como pelo contetido, podendo o segundo ficar anexado as faculdades de ensino superior, “Proptem: “1 — que 0 I Congresso Brasileiro de Socio- logia. aceite, como uma de suas resolugées finais, a inclusiio da, Sociologia como disciplina auténoma no segundo ciclo do Ensino Secundério anexo a Faculdades em que haja, cursos de Ciéncias Sociais; “2 — que, com referéncia especial as “Suges- tes? contidas na referida comunicagto do Prof. Florestan Fernandes, sejam as perguntas nela for- smuladas convertidas em objeto de inquérito a ser Jevado a efeito pela Sociedade Brarileira de Socio- Jogia, através de suas secgSes regionais, no qual professbres © especialistas das diversas disciplinas sociais déem o seu depoimento sbdre as questoes metodolfgicas envolvidas naquelas “Sugestdes” ; ~a— “3 — que sejam publicadas pela Sociedade Brasileira de Sociologia, em separado e sem pre~ juizo de sua insergdo nos Anais déste Congresso, tanto o texto integral da comunicacio do Prof. Plorestan Fernandes, quanto as suas “Sugestdes” finais, as quais se acrescentario mais tarde, em publicagiio separada, os debates travados na. pre- sente discussfio, e as “Conclusées” do inquérito ora preconizado. As referidas publicagées serio a seguir encaminhadas As autoridades do ensino e 2 CAmara Federal, como contribuigéio dos socfblogos bragileiros & solugio do problema da incluso da Soviedade no Ensino Secundério, Antes de reali- zado o inquérito, que deverd ser de Ambito na- cional, 6 desaconselhével o pronunciamento, quer deste Congreso, quer da Sociedade Brasileira de Sociologia, junto aos érgios governamentais”. 8) —Do Prof. Vicente Unser de Almeida, ma- nifestando 0 agradecimento do Congreso a todos os 6rgios da imprensa escrita e falada de Sto Panlo que colaboraram para o maior éxito do Congresso. 4) — Do Prof, Oliveiros 8. Ferreira, suge- rindo que o IT Congresso Brasileiro de Sociologia tosse realizado em Minas Gerais. 5) — Do Prof. Buclides Mesquita e outros, Propondo um voto de louvor a0 Dr. Fernando de ‘Azevedo pela maneira com que se houve na directo dos trabalhos do Congresso. © voto fot estendido a8 demais membros da Mesa e aos componentes da Comissiio Organizadora do Congresso. DISCURSOS DISCURSO DO GOVBRNADOR DO USTADO, PROFESSOR LUCAS NOGUNIRA GAROEZ Sfo incaleuléveis os beneficios que para n6s brasileiros, , em geral para o progresso das ciéneias, resultaréo dos numerosos congressos cientfficos, nacionais ¢ internacionais, que se vém realizando em So Paulo, no quadro das comemo- ragées do quarto centenério da fundacto da cidade. Cada vex me convengo mais de que a idéia mais felix dos organizadores dos programas comemorativos de nossa grande data foi essa, de atrair para o nosso convivio, e de reuni-los em conferéncias, estudiosos do mundo inteiro, espe- cializados na investigagio, na pesquisa, nas aplicagées pré- ticas das conquistas dos diferentes ramos das ciéncias, Ao mesmo tempo que se nos oferece, assim, a oportu- nidade de hospedar uma verdadeira “elite” nacional ¢ inter- nacional, realizando a mais cficiente das propagandas de Sto Paulo, por visar & divulgaciio de conhecimento do que temos de mais brilhante e honroso, e que 6 0 nosso Progresso cientifico, temos sabido aproveitar essas ocesides para por- mo-nos @ par dos ‘iltimos avangos das ciéncias em todos os recantos do mundo, Especialistas brasileiros que tém par- ticipado dessas reuniGes nfo escondem seu entusiasmo diante dos resultados aleangados, assinalando a importdncia que representa para n6s 0 fato de ligarmos 0 nome de So Paulo ¢ do Brasil a tantos congressos que, por todos os motivos, representam acontecimentos de relévo mundial. Sem ter alguns objetivos dos demais congressos dlti- mamente realizados em So Paulo, j4 que é de Ambito mais restrito, reunindo apenas estudiosos brasileiros da Sociolo- gia, afigura-se-me esta conferéneia, entretanto, das mais trans- cendentes de quantas se tenham realizado entre nés em 1954. ‘Nela irdo enfrentar-se, com efeito, os progressos que 3 vimos realizando em todo o pats no campo dos trabalhos de pesquisa, andlise e critica dos fendmenos sociolégicos, numa impressionante demonstragio do empenho que estamos pondo oferecer também nossa. contribuicio para o amadureci- mento de uma ciéncia que, passada a fase de formacdo em que ainda se encontra, estaré capacitada a prestar servigos imensos & humanidade. Foram gigantescos og pasos dados nesse dominio desde que Angusto Comte teve a idéia de conceber os fatos sociais, em seu conjunto, como matéria de um estudo cientifico ¢ positive. Depois dessas primeiras tentativas de estudo esté- tico e dinimico da sociedade humana, dominadas, de um Jado, por uma espécie de anatomia e fisiologia sociais, e de outro, pela eélebre lei dos trés estados, a sociologia vem-se dobatendo nas tendéncias de diferentes escolas, tomando um rumo com Marx, enveredando por outro com Spencer e Schae- fle, para escolher depois um terceiro, um quarto, um quinto ‘caminhos igualmente fascinantes, mas igualmente falhos. Daf os diferentes aspectos que tomou segundo o objeto de seus estudos, encontrando-se diante do perigo de fracionar-se em outras tantas ciéncias, o que Ihe destruiria tOda a indispen- sivel unidade. Apesar da. renovagio a que a submetea Dur Kheim, que a constituin em ciéneia auténoma e rigorosa, dos trabalhos no mesmo sentido empreendidos depois por tantos espfritos fulgurantes que a cla se dedicaram e se vém dedicando ainda, a Sociologia apresentase, até agora, tio incompleta em sua complexidade que nela néio véem muitos estudiosos alguns dos caracterfsticos essenciais da verdadeira citneia, ¥ ésse 6 um motivo a mais para se atribuir extraordi- nério interésse a ste congresso. 1 perfeitamente compreen- sfvel que estudos de origons relativamente recentes, como 08 sociolégicos, se sujeitem ao embate de miltiplos pontos de Vista, de escolas, de correntes, como temos visto até aqui. ‘Ao mesmo fendmeno jé assistimos em outros dominios das cogitagdes cientificas, e sempre, no final de contas, em bene- ficio da perfeita compreensio e definicho da realidade, O —4— que se impe 6 que os partidérios de cada uma dessas cor- entes, de cada uma dessas escolas, de cada um désses pontos de vista, os procure comprovar, por estudos sétlos e conti- nos dos fatos sociais, e, sobretudo, discutitos com os sim- patizantes de tendéncias contrérias, capazes de oporlhes outros fatos objetivos em abono de suas teorias 6 assim, com'a paulatina eliminag&o das especulagées estranhas que se infiltraram na Sociologia, os sociGlogos passario a ser menos pensadores do que sociélogos, como afirmou Fernando de Azevedo, e mais sociélogos do que pensadores, sacrifi- cando, diante da realidade comprovada, as idéias preestabe- Tecidas que impedem a elucidagio da verdade ¢ os precon- ceitos que perturbam a orientacio das pesquises. 2 indiscutivel que, désse ponto de vista, temos feito progressos notéveis no Brasil. A. sociGlogos brasileiros j4 deve a nova ciéncia. contribuigdes brithantes, particularmente no quo respeita aos métodos eminentemente cientificos de observagio ¢ interpretagio dos fatos sociais, considerados em si mesmos, objetivamente, como sempre recomendou Dur- kheim, Mais um motivo para crermos no éxito déste con- gresso, que representaré com certeza um marco na historia do desenvolvimento da. Sociologia no Brasil. Tnangurando, como governador do Estado, os vossos tra- Dalhos, e agradecendo a presenca, nesta. reunifio, dos que a ela acorreram de Jonge sem medir sacrificios para garantir- ‘Ihe 0 brilho de que se revestiré, formulo os melhores votos de éxito a éste congresso, de cujos resultados tanto espera a ciéneia. brasileira, Prof. Dr. Antonio Deloreneo Nebo BG, 1189,802 ORAGAO INAUGURAL FPuRNANDO DH AZHVRDO Embora convicto da vyerdade contida na sugestiio de Andrew Carnegie, quando nos aconselhava a lembrar-nos sem- pre de que, ao falarmos, 86 repetimos o que j4 sabemos, e, ouvindo, sempre poderemos aprender alguma cousa, 6 falando que tenho a meu pesar passado grande parte de minha vida. O magistério que 6 uma conversagio intermingvel, ¢ as cir cunstineias de que se rodeiam as atividades de um refor- mador e abridor de caminhos, nfio slio, de fato, as condigses maix favariveis para. experimentarmos, com as vantagens de ouvir, o prazer inefivel das horas de meditagio © de silén- cio. ‘Daf talvez o meu sempre insatisfeito amor & solidio, © meu encantamento pelas vores e rumores da natureza, como o8 da noite no campo, que tornam o siléncio mais pro- fundo, e esa procura incessante do recolhimento e da vida interior, que 6 um derivativo para todos aquiles que, por seu oficio ou tipo de trabalho profissional, so obrigados a se exercitarem mais na arte de falar do que na de escutar a si mesmo e aos outros, que, com ser a mais grata, é a mais diffeil de tOdas as aprendizagens. 6 essa uma arte subtil, — um dos encantos da conversagio antiga por tudo o que en- cerra de delicadeza e de finura, de sensibilidade e de gosto, — que se traduziu em regra de bom tom, segundo a qual, quando se recebem visitas ou convivas, devem deixar 0s anfitri6es que o outros falem ¢ conduzam a palestra, limi- tando-se a entretéla pelo intertsse com que a acompanham. Mas niio faltam, por certo, ocasiées, como a que agora se nos oferece, em que se impde imperativamente aos que rece- ‘bem, romperem o siléneio, e em que guardélo seria um des- primor para com aquéles que acolhemos sob os nossos tetos € sob 08 nossos céus, a Permiti-me, pois, Senhores Congressistas, que, menos em obediéneia a @sse amével: preceito de cortesia do que aos apelos do coragiio, vos tome a precedéncia no falar para di- rigir, em nome da Sociedade Brasileira de Sociologia, a nossa mais cordial saudagiio a todos vs que, acudindo ao nosso convite, viestes dos varios centros culturais do pais para trazer a este Congresso, — o primeiro de Ambito nacional que, sdbre a matéria, se instala no Brasil, — 0 prestigio de vossa. presenga, o-encanto de vosso convivio e a colaboragio de vosso saber e de vossa experiéncia no domfnio das espe- cialidades a que nos consagramos. A cidade de 8. Paulo, no ‘ano em que se celebra o TV Centenério de sua fundagio, j4 se antecipou a nds, pela ilustre Comisstio que planejou e pre- side as comemoragtes, recebendo de coragdo e bragos abertos 08 brasileiros que, convocados para esta conferéncia cient{- fica, quiseram exprimir, na adesio dada aos que promo- ‘voram, no 66 0 seu vigilante intertss polos estudos © pes- quisas sociolégicas e antropolégicas como também os seus desejos de participarem, por essa forma, das solenidades co- memorativas do nascimento da capital quadrissecular, legi- timo orgulho dos paulistas, e, por isso mesmo, de todos os que integram e constituem a forga, a vitalidade e a maior riqueza, dessa imensa famflia que 6 a comunidade nacional. A extraordinéria diversidade de quadros geogréficos e de pai- sagens sociais e humanas, de costumes ¢ estilos de vida, de nifveis econémicos e culturais niio chega a dissimular a comu- nidade de sentimentos, de lembrancas e aspiragées, a liga indissoliivel de solidariedade eo poder de coeséo interna, em que se desfazem as diferengas e que tio fortemente se refle- ‘tem na propria hospitalidade com que, em qualquer ponto do pais, se reconhecem os brasileiros provenientes de todos os quadrantes, sentindo-se, em pouco tempo, quando se trans- ferem a outras regiGes, amazonenses no Amazonas e gatichos no Rio Grande do Sul, baianos na Bahia ¢ eariocas na ca- pital, mineiros em Minas ou paulistas em 8, Paulo, a0 mesmo titulo dos que af naseeram ou encontram suas raizes mais profundas, ‘Mas a ésses lagos subtis e tenazes que nos prendem uns a0s outros, como cidadios de uma patria, se acrescentam, para mais intimamente nos ligarem, os que erla a comuni- dade dos trabalhos do espirito e so bastante fortes para estabelecer, ainda acima e além das fronteiras que separam 08 povos, uma estreita solidariedade, como a dos membros de uma mesma familia, entre todos os que se dedicam, por thda. a parte, ao meso dominio de estudos e de investiga- g6es. 1 por isso que 8. Paulo se habituou a abrir-se, com tranqiiila confianga, nfio 56 aos brasileiros de outros Esta- dos que nos trazem o coneurso de sua inteligéncia e de seu trabalho, como também a todos aquéles que, vindos de outras partes do mundo, se mostraram capazes de nos trazer a cola- horagio de seus esforcos na obra comum, em qualquer dos setores das atividades humanas. Foi exatamente essa atmos- fera cultural que nos impelin a procurar 0 convivio cons: ‘tante com s4bios professires de Universidades estrangeiras que entretém, com 08 nossos, as Telagdes as mais cordiais de fraternidade intelectual. Mas, se em todas ag Faculdades ow escolas que compem 0 nosso sistema universitério, os espe- cialistas que nos vém de outros Estados ou de outros pafses e nos diio a honra de sua colaboragio inestimével, stio aco- Ihidos com simpatia e interéase crescentes, 6 certo que, den- tro déstes muros, & que os professdres brasileiros de outros ‘Estados so mais paulistas e og estrangeiros se sentem menos estrangeiros. A nossa jovem Faculdade que nfio 86 nos deu, para éste Congreso, todo o seu apoio como se empenhou em Teceber-nos a todos sob seus tetos hospitaleiros, nasceu, de fato, sob o signo da universalidade e, se, apesar de sua curte histéria que se estende pouco além de vinte anos e de seus defeitos ¢ falhas que somos os primeiros a reconhecer, j4 adquiriu ela s6lida reputagio nos meios cientifieos e cultu- rais do pafs, devea certamente & colaboragio de eminentes mestres estrangelros que, nos seus comegos, constituiam a quase totalidade de seus professbres ¢ nela se agrupam, ainda em nossos dias, como uma fragio ponderdvel. 8 na tradigfio da Tdade Média que a tsse respeito se inspiraram os fundadores da Universidade, entre os quais — 39 — avulta no mais forte relévo a figura inesquecfvel de Armando de Sales Oliveira, recolhendo a sua mais luminosa ¢ fecunda igo, a que se referiu um de nossos mestres mais ilustres, professor Almeida Jiinior, e que jé tive ocasitio de lembrar em uma de minhas confertneias, para destacar o caréter “nfio-nacional”, “nfio-racial” nem “regional” do pensamento medievo, quando a Universidade de Paris, criada no século XII, exereia o supremo reinado nas esferas da metafisica e da teologia. “Quem (pergunta Almeida Jtinior) ensinava a ésse tempo em Paris? Alexandre de Hales, inglés: Alberto Magno, alemio; Boaventura, italiano; Roger Bacon, inglés; ‘Tomés de Aquino, italiano; Sieger Brabante, que hoje seria chamado belga; Duns Scotus, escocts. E franceses? -Nenhum. ‘les eram chamados A Universidade, para ensinarem nfio 0 que era francés, mas 0 que era verdadeiro”. Ao éxito que hoje aleancaram algumas das mais importantes Universida- des dos Fastados Unidos, como entre outras, a de Columbia, a de Chicago ou a de Harvard, e ao prestigio que desfrutam na esfera internacional, nfo so estranhas, como sabeis, essas “rocas de mestres ilustres, essa penetragho recfproca do pensamento de diversos povos, essa comunhio dos espiritos no dominio das verdades positiva”, essa procura impaciente ¢ esta aceitagiio sem reservas dos grandes valores intelectuais| e morais onde quer que se apresentem, dentro ou fora da comunidade nacional. Eis porque também n6s nos sentimos no 86 honrados, mas realmente felizes ao acolhermos os espe- cialistas que vém de outras regides do pais ou de terras dis- tantes, ¢ os recebemos sempre como se jé nos tivéssemos ha- bituado ao seu convivio e as suas vores tlio agradéveis ao coragio quanto ‘ites ao progresso das ciéncias. Bis porque os préprios mestres estrangeiros, quando vém ter conosco, Para nos trazerem as Inzes de seu saber e as ligées de sua experiéneia, se sentem, por sua ver, inteiramente 2 vontade, como em sua propria casa. Chegam, colaboradores, e, quando partem, voltam amigos, deixando nos coragées dos colegas © discfpulos brasileiros, as saudades que ficaréo certamente em todos nés, quando partirdes, terminados os trabalhos que hoje se inauguram. 0 Afinal, como j4 observou Charles Richet, a ciéncia nfo tem pétria, os sébios é que a tém, uma. Todos v6s, soci6lo- gos e antropélogos de profissdo, sabeis perfeitamente que “a maior parte das mudangas que se produziram no seio das culturas ainda as mais primitivas, como hé pouco lembra Alfred Métraux, se devem ao contacto com outras culturas; que as grandes civilizagdes so hfbridas, e as maiores que a hist6ria regista, sto as que tém manifestado suficiente malea- bilidade para absorver o maior néimero possivel de estran- geiros’. De fato, o estudo das civilizagdes demonstra uma discordincia entre suas evolugdes respectivas ¢ uma discon tinnidade no interior de cada evolugiio. O motor do pro- gresco nfio 6 “a capacidade dindmica de cada cultura, mas © fato histérico do contacto entre culturas diferentes. Como esereveu ‘Tylor, “a civilizagiio é uma flor cujo transporte se fax com mais facilidade do que o seu desenvolvimento”. Se concedeis a um sociélogo a licenga de uma imagem que nos dé a idéia, ainda que apagada, das duas fontes em que a caltura se alimenta, permiti-me mais uma vex (pois que me parece j4 me ter servido dela em circunstincias semelhan- tes) pedi-la a botinica. Como todos sabem, as plantas tomam. no solo e pelo canal de suas raizes a Agua de que necessitam, e que se evapora em seguida pelas f6Ihas (fendmeno conhe- cido pelos botinicos sob o nome de “transpiragio”). Ora, por experiéncias feitas recentemente por um botfnico de origem neerlandesa, o Prof. F. W. Went, foi verifieado que © proceso pode ser invertido quando uma planta fenece por falta de humidade do solo. © orvalho que se espalha sdbre ‘as f0lhas, 6 absorvido, passa no caule, desce ds rafzes @ sai mesmo delas para constituir uma reserva subterrines na qual a planta pode beber. fase fendmeno de absorgio e de utilizagio do orvalho, — favorecido le mesmo nas regides fridas por noites freseas e wma acumulacio relativamente freqiiente de nuvens, sugere a importdncia de uma das fontes ‘em que pode haurir a cultura para desenvolver-se em qual- quer campo do saber humano. A cultura, seja qual for 0 dominio de especialisagiio, cresce e se renova néio sdmente pelo que ela retira, para sua nutrig&o, do interior de uma —a- cultura, pelas suas raizes, como (e talvez sobretudo) por essas regas periédicas que vém de cima e de fora, pelo con- tacto com eulturas diferentes, ‘Acabais de chegar, muitos de v6s, caros e ilustres cole. gas, a uma das regides do pais, em que se processam com mais intensidade o contato e.a mistura de ragas culturas, £ 0 Estado de S. Paulo e, particularmente, esta cidade ten- tacular que eresce, progride ¢ se expande num ritmo tio acelerado ‘que todos os problemas urbanos se agravam ¢ adquirem'uma acuidade e complexidade singulares, desa- fiando a argécia e a energia, a capacidade ¢ a experitncia de todos os que se empenham na procura de suas solugles. ‘Mas podeis crer-me que essas mudangas, as vézes desconcer- ‘tantes, se operam em torno de um micleo primitive, sélido ‘vigoroso, de notével vitalidade e extraordindrio poder de absorgfo. Néo temos, portanto, razdes para ver em tdas essas inflitragdes, étnteas ¢ culturals, um fato de desgrega- go mas um: poderoso elemento de progresso em todos 08 domfnios. Néo deixamos nem deixaremos, por isto, de con- tinuar a ser uma porgiio auténticamente brasileira, com sua fisionomia, suas ‘tradigGes e seus caracteres préprios, em qne desabrocha, como nas outras regifes do pais, a flor americana de uma nova, civilizagio ocidental. A Franca, — para citar apenas um exemplo, — se considerou sempre a mais antiga herdeira, entre as nagdes da Europa, da tradi- gio greco-latina ou cléssica. Nao que o francés instrufdo de hoje julgue pertencer a uma raga puramente latina, Bretées, normandos, lorenos, — observava Lord Crewe, antigo em- baixador da Inglaterra em Paris, — orgulham-se igual- mente do sangue de seus antepassados, que, ao que cuidam talver, corre nas suas veias mais puro e viril, mas todos concordam em pensar que a mistura de ragas 6 um dos segredos da grandeza de Franga, As nossas raizes, que se embebem no povo e na cultura portuguésa, procuramos alon- gé-las em thdas as diregées no pafs e no estrangeiro, para encontrar por baixo de culturas tio diversas, espalhadas pelo mundo, as camadas fecundas dos pafses cujas contribuigées, no terreno das ciéncias em geral e, particularmente, de nossa, 4 ciéncia, sejam realmente importantes. 1 ao fim désse tra: Dalho subterraneo de pesquisa, de comunicacio intelectual e de compreensiio que nossas raizes se juntaram as de mes- tres e especialistas ilustres de paises dos mais préximos aos ‘mais distantes e com elas se entrelagam fraternalmente. De portas a dentro, infelizmente para nés, todos nos conhécemos muito pottco uns aos outros, ¢ quase tudo que uns dos outros conhecemos, & devido mais aos esforgos indi- viduais, isolados e dispersos, do que a um servigo regular, organizado e sistemético, de interembio ¢ de informagées culturais que nos permitissem contactos mais freqlientes com ‘0s nossos colegas de outros Estados ¢ conhecimento mais com- pleto de tudo o que se refere As instituigdes e as atividades de ‘ensino e de pesquisas em nosso préprio pais, como A produ- io dos principais trabalhadores no campo da ciéncia social. ‘Talvez por isso, a nossa Sociedade que assumiu a responsa- bilidade déste Congresso e tem a subida honra de vos acolher neste momento, niio seja. tio conhecida. de alguns de vs como certamente o desejarieis, Fundada em 1935 sob 0 nome de Sociedade de Sociologia de 8. Paulo, e, portanto, hé eérea de vinte anos, transformou-se em 1950 na, atual Sociedade Bra- sileira de Sociologia, filiada desde entiio 4 Associagio Inter- nacional de Sociologia que se constituiu em 1949, em Oslo, por iniciativa © sob os auspicios da Unesco ¢, a partir de 1952, A Associago Latino-Americana, criada em Buenos ‘Aires, na qual se agrupam ou tendem a agruparse todas as associagSes cientfficas do continente, prepostas, como a nossa, ao desenvolvimento dos estudos e das pesquisas sociolégicas e antropolégicas, nos seus respectivos quadros nacionais. O caminho que a nossa Sociedade jé pereorreu, ¢ em que ainda ‘ouvimos as recordagées de seus pasios sbbre os rastros de nossos pés, nfio foi longo, mas as dificuldades que teve de vencer, para consolidarse, j4 foram suficientes para nfio nos ‘iludirmos sbbre outras que ainda tenha de arrostar. Que ela, atenda senfo », uma necessidade, a0 menos a uma legitima aspiragio de todos os que trabalham no campo de nossa ciéncia, af estfio, para prové-lo, a simpatia e o inte résse que vém despertando em todos os centres culturais do pats, com guas importantes seccZes, jé instaladas no Distrito Federal, em Pernambuco, no Parané, em Minas Gerais e em Santa Catarina on que se acham em fase de organizacio. Os objetivos que temos em vista, estritamente cientificos, sfio, de modo geral, os mesmos que inspiram e para og quais se orientam as numerosas associagdes congéneres fundadas na Europa, na América Latina e, especialmente nos Estados ‘Unidos. ‘Mas, se me permitis particularizar ou apontar certos objetivos especiais que lutamos por atingir, nfio poderei deixar de referir-me nfio 86 aos propésitos de coordenagio e aos esforcos necessérios para preparé-la, como sobretudo & reagio constante e, por thdas as formas, contra as tendén- cias ao diletantismo e & improvisagio que ainda constituem, entre n6s, dois dos maiores obstéculos aos progressos de nossa ciéncia, 1 a mesma luta que a seu tempo sustentava Durkheim, quando insistia sbbre a necessidade dos estudos especfficos, reclamava o sacriffeio da megalomania intelectual, pedia, em nome da ciéncia, a substituigio da precipitagio pela paciéncia e tenacidade, ¢ aconselhava a “acumular, em Telagho aos diversos aspectos da vida social, conhecimentos veriticados donde se pudessem desprender idéias gerais de- monstréveis”. Porque, afinal, a ciéncia nfo é nem pode ser a mais alta generalizagio dos fatos de observacio e da expe riéncia. “O diletantismo de que ent#o Jules Lemaitre era © principe, cansava, segundo o depoimento de Bouglé, horror a Durkheim. ‘Tudo aflorar, sem nada aprofundar, sob pre- texto de cultura geral, correr & superficie das cousas e tirar -se das dificuldades por um golpe, por uma pirueta, era a seus olhos a mais perigosa das manias: o verdadeiro pecado do espirito, Contra ésse pecado nos premune solenemente sua tese que insiste (como nés temos insitido sem desfale- cimento) sobre o dever de se limitar cada qual, de se cana- liar, de especializarse”. Se ésses males, num pais de alto nivel cultural e de tradigdes cientificas, em que nasceu a sociologia e numa época em que jé contava a nova citncia com figuras de primeira ordem, se desenvolviam a tal ponto que Durkheim sentiu a necessidade de combaté-los, podese —4— ficilmente compreender os perigos que corre a nossa ciéncia ‘em um pais como 0 nosso em que ésses estudos so recentes, © engino secundério, de uma insuficiencia lameatérel, e o que ainda predomina so os habitos livrescos, as atividades lite: rérias, e as sugest6es da imaginacio, Néio nos temos empenhado menos, em nossa Sociedade, em despojar a sociologia. de todos os preconceitos que costu- mam deformé-la, comprometé-la ¢ desvié-la do espirito e dos métodos cientificos. fsses preconceitos, como os perigos do diletantismo e da improvisacho, a que hé pouco nos referia- mos, se estiio ligados, por uma parte, & nossa velha menta- Tidade e tradigdes culturais, por outra, se prendem & base precéria de estudos propedéuticos em nosso pais cu a austn- cia, quase total, de uma firme orientagio intelectual nos ginasios e colégios. A. base do ensino superior nfo se levan- tou ainda entre n6s, infelizmente, uma solide educagiio se- cundéria que nos permitisse reagir com mais eficicia contra estas tendéncias, desenvolvendo, desde a adolesotncia, pelo estudo, bem dirigido, das ciéncias de observagio e de expe- ridneia, o sentido das realidades concretas, o espirito de ‘exame, o senso eritieo e a orientagto para as verdades posi- tivas. Como vés que, com tanto élo e saber servis 2 ciéncia, ineutindo por todos os meios 0 espfrito e os métodos cienti- ficos e, particularmente, sociolégies e antropolégicos, pro- ‘euramos servir @ sooiologia e aos seus progressos @ nilo ser- vir-nos da sociologia para fins particulares ou politicos, Par tilhamos, por isso, a conviegiio de Charles Richet de que “os térmos tio comumente empregados e ainda em voga em alguns pafses, de ciéneia “alem&”, de citncia “francesa” (e, em nosso caso, de sociologia “brasileira”, sociclogia “pe- ruana”) stio de uma terrivel inexatidfio. A ciéncia nfo 6 alemd nem francesa, nfio 6 européia, nem australlana, nem do século XX, nem do século XIII. WH preciso dizer a ciéncia, como a sociologia, em tdda a sua nudez, simples- mente, sem epfteto. © que 6 nacional, o quo brasileiro, nfo é a ciéncia, nem seu aparato conceptual, nem seus méto- dos ¢ técnicas de investigagiio, mas um determinado campo —6— de estudos, o objeto particular, a realidade concreta em que trabalha, que investiga, com seus coneditos ¢ técnicas que, sendo cientificos, slo por definigfo universais, “O sdbio, acrescenta o fisiologista francés, quando estuda um problema, considera-o em si mesmo, estorgando-se por esquecer sua na- cionalidade, sua época, seus sentimentos, seus costumes. 6 ‘o que se chama ser “objetivo”. A deixar-nos Ievar pelo sen- timento on pela moda, pela polftica ou pela ambiglo (aca- démica ou outra) somos fatalmente conduzidos quer a erros quer a resultados inteiramente nulos. 2 esse espfrito cientifico que nos impele a superpor, na medida do possivel, a um ensino didatico um ensino eriador de idéias e de sistemas; 6 ésse espirito que nos leva a repen- sar os problemas, te6ricos ou coneretos, niio em funciio de particularismos exacerbados, em larga parte anacrOnicos, mas AL luz de nosso destino comum e de nossa vocagio universa- Tista, como homens de cidncin; & Asse expfrito que certamente inspira, vossos trabalhos e vos conduzin ao 1.? Congreso Bra- sileiro de Sociologia, para expor os resultados gerais de vos- as pesquisas ou o estado das questies inais importantes, rela- tivas ao ensino ¢ que constituem o objeto de vossas preocupa- Ges tebricas ou préticas, Nao 6 para outro fim que se fun- dam por thda a parte associagées e por thda a parte se realizam conferéncias cientificas, destinadas a aproximar 08 especialistas, torné-los conhecidos uns dos outros, coordenar atividades, favorecerThes a apreciagio das idéias, a andlise das teorias ¢ a discussio de problemas, atenuar as diferencas A procura de uma zona de concordincia, e, num trabalho em comum, abrir perspectivas cada. ver mais largas a uma cién- cia una, universal, no seu espirito e nos seus métodos. Nio 6 sdmente no dominio cientffieo e cultural, mas em todos 08 outros setores, — o social, 0 econdmico e 0 politico que se manifesta, como jé observou Alexandre Mare, “uma irresis- Yivel tendéneia & unidade: tendéneia que nfio se interpretaria corretamente, considerando-a como uma simples “vista do espirito”, © qualificando-a, com um sorriso cético, de “gene- rosa”. Na verdade nfo se trata de uma nova, perspectiva ou de uma vista do espfrito, mas de um impulso ou surto = — histérico, ao qual contribuem igualmente o espfrito e 0 real. BE se se quisesse, nesta contribuicho, discernir a parte de cada um, ser-se-ia obrigado a convir, ao que parece, em que 6 a consciéncia que est em atraso sobre os fatos”. %, pois, de uma “tomada de conscitneie” que a huma- nidade, como cada uma das eiémeias, tem necessidade no momento, sob pena de se afundar no limiar de uma nova etapa de sua evolugio, ‘Tomada de consciéneia de uma, uni- dade que (notai-o bem), “Ionge de se opor a uma diversi dade irredutivel, nela toma ou dela extrai a férca de seu impulso, Indissolivelmente ligadas, diversidade e unidade constituem nfo «6 0 cardter de toda ciéncia, mas a nobreza e a propria marca da condigéio humana”, Todos os que tra- balhamos no mesmo domfnio, neste ou em qualquer outro sector cfentifico, somos diferentes uns dos outros, pelos dons naturais, pelas noseas virtudes e fraquesas, pelo tempera- mento, pela formagdo, filoséfica e cientifica de cada um, pelas influéncias que sofremos, pelas aptidées, en uns, para a andlige, em outros, para a s{ntese, pelo gosto, nestes, pelas pesquisas de campo, naqueles, pelas especulagées te6ricas, ‘Mas 6 pelas contribuigées miltiplas de todas essas diversi- dades que se elabora e se forja, com o essencial que fica dos espiritos verdadeiramente criadores, a universalidade ou a unidade da ciéneia, nos seus conceitos fundamentais, nas suas construgdes tedricas como nas suas hipéteses de traba- Tho, nos seus métodos e nas suas técnicas de investigacio. Por mais diferentes que fdssemos, pelos tipas de nossa for- magfo, pelos temperamentos, pelas tendéncias individuais ou elas circuntineias de nossas vidas, tio diversas umas das ‘outras, deviamos, no entanto, ter passado pela mesma expe- rigneia que, com igual devogio & ciéncia social, nos apro- xima a todos. Uma experiéncia em duas faces: de uma parte, deviamos ter sentido apaixonadamente a grandeza da cultura humana, o valor désses tesouros acumulados pela inteligén- cia durante séculos, através de geragdes sucessivas, e, de outra parte, deviamos ter constatado a espéssa camada de poeira e de esquecimento que recobre as idéias ¢ teorias Paes ‘ultrapassadas © nos faz pensar, para nossa humildade, que 2 hist6ria das ciéncias é também uma hist6ria de erros ¢ qua, se se dilaton 0 nosso campo de visio, nés o devemos aos esforgos imensos dos que nos precederam. Bsse sentimento de respeito e solidariedade para com os mortos e vivos, que compdem a galeria dos que mais con- correram para os progressos da nova ciéncia; essa secreta humildade, sem modéstia, o desprendimento pessoal, a pro- bidade, a tolerdncia, e portanto, a auséncia de qualquer dog- matismo, ou isso de “tender a infalibilidade sem jamais pre- tendéla”, como esereveu Malebranche porque niio é possfvel aleangé-la, so, com o amor A cidncia, o interésse pela pes- quisa, 0 espirito de objetividade e 0 gosto das idéias exatas ¢ precisas, algumas das qualidades essenciais ao homem que se aplica a qualquer domfnio de estudos cientificos. 1 sem- pre til lembrar que os homens de ciéneia e mesmo os shbios, na mais alta expresséio da palavra, “néo siio denses, ¢ hé sem- pre furos ou brechas em sua couraga”, que, por mais s6lida que seja, sempre apresenta pontos vulneréveis ou de pouca resisténcia... Certamente precisamos ter f¢ na ciéncia e, sobretudo, em nossa ciéneia, mas entre o semper ignorabimus de Dubois-Reymond e 0 impavidi progrediamur de Haeckel, entre o ceticismo e as negagées antecipadas, de que se encon- tram na histéria das ciéncias exemplos singularmente infe- izes, © a confianga ingénua nos progressos da citncia, a posigio, mais equilibrada © racional, 6 exatamente aquela em que a idéia de perfectibilidade da citneia e do espfrito humano sempre se acompanha da consciéncia profunda de que as conquistas clentificas nfio se aleangam, em qualquer setor, seniio & custa de esforcos constantes e de penosos sacri- ficios. De um lado, nunca se poderd dizer, em relagio a qualquer problema cientifico, que se malograré, sempre ou nunca seré resolvido. Quando Velpeau (para citar apenas um entre tantos exemplos) veio contar no Instituto de Franca, histéria de uma operacio feita no sono anestésico, no declarou Magendie que era “imposivel e contrério & moral” abolir a dor nas operagées? No entanto, ninguém hoje se aventuraria a discutir a importincia ¢ a utilidade dos pro- age cessos anestesiantes, que se tornaram prética habitual e ro- tineira em todos os hospitais do mundo. De outro lado, 6 Goethe quem afirma, com um fundo de verdade, ser “o génio, uma longa paciéncia” ; ¢ Edison, o feiticeiro de Menlo Park, a quem as suas extraordindrias invengies conferiram wma “espécie de apanégio misterioso”, nfo declarou, fundado na sua propria experiéneia, pessoal que, para se fazer ciéncia, sffo necessérios trés-quartos de “transpiracio”, para um 86 de “inspiragio”? ‘Todos v6s sabeis que a sociologia, como qualquer outra cifneia, 6 uma alta especializagio que se embaraga em difi culdades que seria imprudente e quase desonesto querer dissi- mular; que nfo progride senfo pelo trabalho incessante de geragio sucessivas; que reclama de todos os que a ela se consagram, uma obstinagéo metédiea e uma disciplina ascé- tica de todos os dias, e cujo desenvolvimento nfio se realiza mem so mede senflo poles contribuigées originals, mais ou menos importantes, provenientes quer das elaboragdes te6- ricas quer das Iongas e pacientes pesquisas em setores limi- tados. Para empregar as palavras, nfio de wn sociGlogo, mas de um filésofo e trabalhador incansével, — Santo Agostinho, que exigia, na atividade intelectual, a ascese (askésis), no na acepgio mfstiea que tomou a. palavra, mas no primitivo sentido grego, “aplicagio, exerefcio, estado”, poderia dizer- -vos: “ant illo ordine ernditionis aut nullo modo”, ou ésse longo e penoso itinerério ou renunciar a tudo. Mas, se 6 verdade que a sociologia ainda é, infelizmente, entre nés, uma ciéneia que tantos trazem na béca ou na pena, sem a terem no coragio; cujo espfrito e rigor de métodos ¢ cujo carkter de nobre ¢ austera gravidade to poucos ainda. reve- Jam, em suas obras, atividades © pesquisas, nfo 6 menos exato que caminhamos cada ves mais no esfbrgo desenvolvido por toda a parte, no sentido de transformé-la de uma “terra de ninguém” (no man’s land), — em que tantos literatos impro- visados de socilogos ainda se sentem com o direito de niio sdmente fazer incursées, mais ou menos divertidas, mas de desfraldar suas bandeiras de grupos ¢ de interésses econdmi- cos ¢ politicos, — num dominio de especializacio, laboriosa —o— ¢ dificil, em que muitos so os chamados ¢ poucos os eleitos, como em qualquer outro campo de estudos cientificos. Como hd em toda a vida comum “qualquer cousa de ardente que stimula o espfrito, aquece o coragio e fortifica a vontade”, tudo 0 que hé de calor nessas palavras que tenho a honra de dirigir-vos, nfo deveis atribuir senfo a0 interésse de que todos participais, pelos progressos da ciéncia a que jé dedi- camos um quarto de séeulo de nossa vida, e ao entusiasmo contagioso que se irradia do encontro, amavel ¢ confortador, com tantos colegas ilustres que nos chegam de vérios pontos do pafs © compartilham conosco os mesmos principios, 0 mesmo zélo e as mesmas esperangas, 3 com estas idéins, Senhores Congressistas, ¢ com esses sontimentos que vos recebemos nesta cidade e nesta casa, em que hoje nos reunimos pela primeira vez, para a sessiio inau- gural do 1.* Congresso Brasileiro de Sociologia, ¢ aceitamos (ese nfio nos tivessem oferecido, certamente a terfamos disputado) a gratfssima incumbéncia de apresentar-vos, em nome da Sociedade que tenho a honra de presidir, com os nossos melhores votos de boas-vindas, as homenagens de nosso respeito ede nossa admiragio. Jé vos conhecia a quase todos pelos estudos e monografias que nos tendes feito a gentileza de oferecer-nos, ¢ com alguns de vés j4 vinhamos mantendo agradavel e proveitosa. conversagio & distincia sdbre nossos ‘trabalhos com ésse interésse comum pela ciéncia a que nos edicamos, © na expectativa confiante dos beneficios previs- tos ou ainda imprevistveis de suas aplicagées & solugio dos problemas sociais. De tantos e tao expressivos sinais de grata correspondéncia que nog atestaram honrosas simpatias na pléiade de mestres e especialistas do pais e do estran- geiro, nenhum nos tocou maig vivamente no coragiio do que essa, continua troca de gentilezas, de livros ¢ de idéias no ‘campo da especialidade a que votamos o melhor de nossos esforgos. A reunifio do 1." Congreso Brasileiro de Socio- logia, cuja realizagio devemos, antes de tudo, ao patrocinio da egrégia Comissio do IV Centenfrio da cidade de 8. Paulo, © entre cujos objetivos nfio 6 o menor o de aproximar ainda 50 — mais sociblogos e antropélogos do pats, estreitar as nossas relagées e favorecer 0 interedmbio cultural indispensivel ao desenvolvimento © & coordenagio désses estudos, deparou-nos agora # oportunidade de vos felicitar pelo trabalho que vindes realizando através de tOdas as dificuldades na capital, em 8, Paulo e nos demais Estados, e exprimir 03 votos que faze- mos para que a comunicagtio mais intima, aqui iniciada, a nosso prazer e para proveito de todos, seja fecunda em resul- tados e em novas inieiativas no plano do ensino, da produgiio ¢ das pesquisas cientificas. A nossa saudago a mais calo- rosa, dirige-se particularmente as secodes do Distrito Federal ¢ de diversos Estados e aos demais centros de trabalho e instituigdes de ensino que se fireram representar e consti- ‘tuem outros tantos mécleos de condensatao e de irradiagio cultural, que, no Brasil, j& comegam @ assinalar, no hori- zonte de nosses possibilidades, os principais pontos de refe- réneia e de orientagio nesses tio importentes setores de estudos ¢ de investigagies, e ht muito tempo jé uniram seus esforcos aos nossos, para fazerem colaborar 0 ensino © a pesquisa, a teoria e a prética no progresso da citncia social @ de suas aplicagSes, DISCURSO DH BNOERRAMENTO © ENSINO B AS PHSQUISAS SOCIOLSGICAS NO BRASIL — PROBLHMAS B ORIENTAQORS PuRwaNpo Dp AzuvED0 Quando, na Gitima fase da vida humana, atingimos os umes de que se descortinam horizontes ilimitados, de uma lus mais pura, a vaidade j4 nos desertou do coragiio, ¢, em lugar das competicdes e do entusiaamo, o que néle se instala 0 espfrito de remtincia, 0 gésto da meditacio ¢ a Uberdade ea serenidade de julgamentos. Talvez, a essa altura, em que se concede que 0 espirito critico se apresente as vézes mais apurado, j6 niio se admite facilmente nfio tenham sofrido desfalecimentos a inventividade e a fdrca de imaginagio. uma opinifio que se formou e s6bre a qual tende a estabe- lecer-se um consenso geral, a de que o poder criador declina com a idade e costuma tomar-the o lugar o ceticismo indul- gente, quase sempre motejador, com que os homens de cabe- los brancos parecem dissimular, aos seus préprios olhos, o8 primeiros desmaios de suas forgas, fecundas e renovadoras. Preferem entéo sorrir quando jé nfio podem pensar com vigor até o fim ou agir com o mesmo {mpeto da mocidade ¢ ‘a mesma seguranga da idade madura. Nas franjas da inter- feréneia entre duas vibragées Iuminosas, — a de uma vida intensamente vivida e apanhada nas suas melancélicas visGes retrospectivas, e os primeiros clardes, a que outros chama~ riam sombras da eternidade, — 0 espirito se recothe, incerto © meditativo, emergindo do flanco de um pessado irreverst- ‘vel e caminhando inelutavelmente para um futuro sem pers- pectivas humanas. % certo que, “quanto ao momento que se extingue.o poder de produgtio ¢ de invengio (cujo apogeu seria, para os sfbios, aos 35 anos, no parecer de Charles Richet), as diversidades so tais que nfio se poderia indicar regra” nem fixar fronteiras que ora avangam ora, Teouam conforme os individuos. Mas o proprio fisiologista, franets que reconhece grandes variag6es em {Oro daquele limite ¢ assinala notévels excegSes, 6 0 primeiro a declarar, fandado tanto na histéria das ciéncias como na sua expe- riéneia pessoal, que, “passados os cingtienta anos, j4 nio 1h quase idéias novas e cada qual nfo faz senfio repetirse”... Espero, no entanto, me tolereis que, na qualidade de presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia e déste Con- gresso, tenha mais uma vez a honra de vos falar, nesta hora, triste para n6s, por ser a de despedidas, e que, se nos con- vida a graves reflexdes sdbre assuntos de interésse cienti- fico, nos sugere, com o agradecimento a todos, por vossa amével presenga, uma homenagem particular aos que che- gastes de longe 6, através de dificuldades inimeras, vindes trazendo contribuigdes valiosas ao desenvolvimento dos es tudos sociolégicos e antropolégicos no pais. Temos razes para julgar que o Congresso, cujos trabalhos se encerram na tarde de hoje, marcaré uma época, se déle resultarem, como esperamos, uma consciéncia clara dos problemas que temos ainda de enfrentar, relativos ao ensino e as pesquisas nesse domfnio de estudos, e uma vontade decidida de concorrer para resolvélos, nfio por iniciativas isoladas, dispersas ou intermitentes, mas por uma coordenagho de esforgos conti nuos dos que trabalham no mesmo campo de atividades cientfficas. Por tudo o que ouvimos, em repetidas trocas de idéias, quer nos debates das comissGes e dos simpésios, quer nas conversagées a que abriram oportunidades encontros, fortuitos ou procurados, de todos os problemas que se discuti- Tam em wma semana de trabalhos, do maior interésse para o desenvolvimento das ciéncias sociais entre n6s, nenhum s0- breleva em importincia ao do ensino das especialidades a que nos dedicamos. Estivessem os progressos désses estudos liga- dos ou condicionados ao néimero de cadeiras de sociologia e de antropologia existentes no pals (¢ 66 as de sociclogia orgam por cérea de 150, das quais 80 em Faculdades de — i Filosofia e outros institutos universitérios, e 120 em Escolas ‘Normais ¢ Institutos de Educagio), ¢ j& podiamos certa- mente dar-nos os parabéns. Mas, infelizmente, entre ses dois fatos dos quais um nfo exprime senfio um erescimento quantitative ou difusdo do ensino, nfo ha nenhuma relagiio de qualidade, como se pode ver, para dar apenas um exem- plo, na Franga em que, sendo to poucas as cadeiras (talvex ‘umas cinco ou seis) existentes no ensino oficial, avulta, com uma tradigfo cientffica j4 secular, uma galeria notdvel de socidlogos, muitos de primeira ordem ¢ nfio poucos de repu- tago universal. pois, os diversos aspectos do problema, alguns dos quais }é foram analisados por muitos de vs com ‘a lucides ¢ firmesa a que nos habituaram vossas maduras roflexées sdbre 0 ponto om questiic, Se doscermos as raizes nfo de nosso atraso, — aliés perfeitamente compreensivel em dominio de estudos tio recentes entre n6s, pois, se 0 ensino da antropologia jé. vinha desde 0 wltimo quartel do século XIX, 0 da sociologia nfo data senfo de pouco mais de 25 anos, — mas das dificuldades que ainda embaragam ou retardam os progressos déstes' estudos, nfo nos seré difi- cil encontrar uma delas, e entre as mais profundas, na con- cepgiio que ainda se tem da sociologia em muitas camadas intelectuais do pais, Ou confundimos sociologia com filo- sofia social, socialismo ou mesmo servigo social (confusio que, ne propria Franca, ainda se verificava nos fins do século XIX, como se pode ver em revistas da época), ou caimos no érro oposto, — o de a tratarmos como se fdsse uma ciéncia jé constituida e, portanto, sem as cantelas que impe uma discipline. nova, de suma importincia, mas ainda em formagio. Ou idéias muito vagas e anacrdnicas, j4 com- pletamente superadas, sdbre a nossa ciéneia, ou uma con- fianga sem reservas nas suas conquistas cientificas, na exa- tidiio de seus métodos e no poder de seus instrumentos de pesquisa, Duas atitudes igualmente perigosas, Pois, como 36 observava, Claude Lévi-Strauss, concluindo um de seus 6

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