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ALLMEN | Wine an. 0 dnlty wstaos Leal Dea 4 CapfruLo 4 O PROBLEMA DAS FORMAS Nas paginas precedentes, vimos que 0 culto é uma recapitulagao da his- toria da salvacao, uma epifania da Igreja e testemunho, ao mesmo tempo, do fim e do futuro do mundo. No capitulo que ora iniciamos concentraremos a atengao na procura de resposta a seguinte indagacao: pode o culto ser tudo o que acima dissemos de modo acidental ou casual, ou, ao contrdrio, necessita ele assumir uma forma — e uma forma espectfica? Procederemos a essa pes- quisa examinando a necessidade e 0s limites das formas litirgicas, as diferen- tes esferas em que se manifesta a expressio litdrgica e, a seguir, o problema da rigidez e da liberdade na formulagio litirgica. Acrescentaremos, por fim, de passagem, observagdes acerca do que se poderia chamar de “recompensa” da formulagao liturgica, isto é, a relago entre culto e cultura. 1. Necessidade e limites das formas litirgicas Como recapitulagao da hist6ria da salvagiio, o culto dé testemunho do fato de que Jesus Cristo veio ao mundo e salvou-o, de que aconteceu o even- to da Natividade e, apés a paixdo e ressurreig&o, o evento da Ascensio. Em suma, tudo isso é proclamado no culto. Importa, contudo, que © tornemos explicito, a) Detenhamo-nos, em primeiro lugar, no exame da necessidade das formas litirgicas. Poder-se-ia afirmar que o culto precisa de formas unica- mente porque retine seres humanos numa assembléia especifica, e que nao “existe vida comunitéria sem alguma espécie de forma, Em outras palavras, poder-se-ia fundamentar a necessidadé dé formas litirgicas no aspecto sociolégico da Igreja. Tal argumentagio, no entanto, seria altamente insa- tisfatoria e insuficiente, porque, de um lado, implicaria considerar as for- mas males necessérios, e, de outro, porque, para avalié-las, nao disporfa- mos de outro critério senao o da sua adequagao As necessidades litérgicas. ot a Cemhae ta hate 2B © Curto Cristao - J. J. von Allmen Vale dizer, as formas passariam a ser consideradas optativas e nao o resul- tado da obediéncia.'* Ora, isso nao € verdade. Em materia litirgica, 0 problema da forma é essencial,'* pois o culto é uma recapitulagao da hist6ria da salvagdo e essa | | hist6ria culmina na encarna¢ao do Filho de Deus. Antes de ser um movimento ascendente, o cristianismo se caracteriza por uma imersao no mundo, para | -permed-lo e nele tomar forma. Somente apés assumida a forma é que, com ela \ €nela, se modifica a orientacdo das coisas, num movimento ascendente. Tra- ta-se do mesmo movimento a que jé aludimos ao falar na diastole e na sistole. Esse movimento de encarnagio e de ascensao do encarnado indica fundamen- talmente que Deus nio deseja salvar somente as almas, mas também os homens e o mundo. “Aquele que ouve a mensagem da encarnagao do Verbo - 7» Hit Asmussen = jamais procurara captar o que 6 cristio naquilo que € despro- | vido de forma’"* ou se insurge contra as formas. Vé-se, portanto, que a forma litdrgica é necessdria por ser um reflexo da encarnagio.'% _ Ora, a encarnagao, como o Encarnado, é um sinal de contradigo, um SEMEION ANTILEGOMENON (Lc 2.34). um escAndalo porque contradiz todos os pensamentos acerca de Deus que possam ser produzidos pela imagi- nagdo, materialista ou espiritualista, do homem natural. Se as formas sao ne- cessérias € porque, no Natal, Deus nos mostrou que nao deseja existir sem 0 mundo e sem os homens, mas, ao contrario, busca salvd-los. E, a fim de salv4- los, ele mesmo tomou forma, se ocultou entre nés, tornando-se visivel, audi- 6 & 4 vel e tangivel na forma de um homem concreto. Cientes desse fato, podemos 38 compreender que, embora necesséria e reflexo da encarnagao, a forma litirgi- $ “3 casera sempre escAndalo. Os que nao tém fé so por ela impedidos de contem- |S plaraquilo que ela exprime; aos que créem ela obriga a que continuem confi- antes na fé e perseverantes na oragao, ao invés de buscar afanosamente, aqui e -agora, aquela visdo a que s6 teremos acesso no Reino. Mas a encarnagio nao é somente escAndalo: ela é também um apelo diri- gido a todos os que por ela sao atingidos, no sentido de que redescubram nela e por meio dela a esperanga e o futuro. Contrariamente ao que niio raro se ouve dos que desejam desculpar-se por nao serem espirituais, Deus nao se fez "> Cp. P, Brunner, op. cit., p. 269. ™ “Liturgische Fragen sind nie nur Form-, sondern von Allen Sachprobleme” (J. Durr, op. cit,, p. 14). "8 Op. cit, p. 101s. "6 Poder-se-ia dizer que a Igreja forma seu culto como a Virgem Maria formou Jesus em set seio? A essa pergunta procuraremos dar resposta no capitulo referente aos elementos do culto, em que veremos de que modo se deve interpretar a sua estrutura, © Prostema Das FORMAS. 79 homem por ser essa a maneira menos escandalosa de se aproximar de nés € mais apropriada & nossa condi: terrena. Mais que a mensagem crista, 0 docetismo seria a doutrina aceitdvel aos nossos sonhos e desejos, e, portanto, A nossa situagao de seres pecaminosos. Deus encarnou a fim de retomar para sie recuperar a criagdo e as criaturas, mostrar sua solidariedade com o mundo e 0 seu amor por ele, e chamar 0 mundo ao reencontro com o seu verdadeiro destino. Dai podermos dizer que as formas sdio necessarias porque na Ascen- sao Deus demonstrou que o mundo e os homens, a criagdo e os seres criados, nao precisam renunciar & sua carnalidade, mas sim ao pecado, a fim de ganha- rem acesso a ele. Rejeitar as formas litirgicas ou delas desconfiar equivale, portanto, a contradizer o cerne mesmo da fé cristi: a visitagao do Senhor em Jesus de Nazaré e a salvagao do mundo por meio de sua cruz, ressurreigao e ascensao. b) Resta-nos agora aduzir alguns comentarios acerca do limite das for- mas litirgicas. Verificamos que, em virtude da encarnagio, as formas sao nao somente legitimas mas também necessérias. “O dilema consiste nao em esco- lher entre presenga ou auséncia de formas, mas sim entre boas e mas for- mas”.'>7 Quais sdo a mds formas? As que caregam de gosto, de estilo, de coe- réncia, de transparéncia? E certo que sim, posto que nada mais belo do que a verdade. O critério estético, porém, nao é o mais apropriado. E a um critério de natureza teolégica que devemos recorrer a fim de verificar os limites den- tro dos quais a formulagio littrgica adquire dimensGes cristds, tornando-se, por isso, tanto legitima como necesséria. Duas regras existem para auxiliar- nos nessa tomada de posi¢io, a primeira mais objetiva, a segunda de carater mais existencial. Em primeiro lugar, as formas littrgicas sao limitadas pelo segundo man- damento: “Nao fards para ti imagem de escultura... nao as adorards” (Ex 20.4).'* Isso nao significa, em primeiro lugar e essencialmente, que 0 culto cristéo deva afastar-se radicalmente da adorag4o dos deuses pagios. Tal pre- ceito é por si s6 axiomatico — ou ao menos devia sé-lo — e ja esta implicito no primeiro mandamento. O limite imposto pelo segundo mandamento significa a formulagao litirgica deve coincidir com o limite da revelago mesma. fato, a proibig&o do segundo mandamento diz respeito, nao a as) ne 4 "7 W, D. Maxwell, Na outline of Christian worship, Londres, 1958 (7" edigao revisada), ry p. 181. "5" Esse mandamento ~ importa lembremos mais uma vez ~ nao equivale a uma rejeigao da » formulagdo liturgica por parte de Deus. Basta pensar na preciso com a qual ele mesmo fornece diretivas pormenorizadas referentes & liturgia formal, quando ordena o culto do santuério (Exodo, Levitico), ou na serpente de bronze (Nm 21.85). 80 © Cuto Cristao - J. J. von Allmen idolos que representam 0 tinico Deus verdadeiro, mas sim a tentativa de ima- ginar 0 tinico Deus verdadeiro, ao invés de confiar na imagem que ele fornece de si mesmo." Semelhante teitativa equivale a substituir a revelagao pela imaginagdo humana. Isso nao significa que Deus seja “inimaginavel”, “A proi- bigdo das imagens nao deve ser equacionada com um pronunciamento de ca- rater filos6fico referente a natureza do ser de Deus, conceituando-o como trans- cendente e espiritual. Ela se refere ao modo pelo qual Deus se revela”,!® afirmando que ele se revela por outros meios que nao as-imagens elaboradas pela mente humana.!Sob a égide da nova alianga, podemos agora dizer que Deus se revela na imagem que de si mesmo ele nos deu em Jesus Cristo e por meio dela (II Co 4.4; Cl 1.15). Vemos assim que o elemento que limita a formulacio litirgica é 0 mesmo que a tora necesséria, a saber, a encarnacdo do Filho eterno de Deus. Para ser considerada auténtica e legitima, a forma litérgica deve, por conseguinte, corresponder aquilo que Deus nos ensina a respeito de si mesmo, de seu amor e de seu chamado (de seu “Zuspruch” e de seu “Anspruch”, diria Karl Barth) ao enviar 0 seu Filho ao mundo e ao exalta- Jo novamente & sua destra, apés 0 combate e a vit6ria. Note-se que tal limite no € menos severo em relagdo a formulagao dogmitica, homilética e légica. Considerando que 0 segundo mandamento nao pressupde que Deus seja ini- magindvel (0 que, de resto, contraditaria toda a Escritura!,]nada hé que, a priori, nos indique que, ao infringir a lei por meio da palavra, corremos um tisco menor do que se 0 fizéssemos por meio de gestos ou simbolos.!“2 As formas litirgicas, além disso, tém por limite aquilo que justifica a sua exist€ncia: elas cessam de ser validas na medida em que busquem em si mes- mas 0 seu significado ou razio de ser, na medida em que se recusem a ser reflexo do escAndalo e do chamado implicitos na encarnagao, e tentem tornar- se uma continuagao da encarnacao, transformando-se em fontes de salvagao, ao invés de instrumentos de transmissio daquela redengdo consumada uma vez por todas. Em outras palavras, as formas de culto, por mais importantes que as possamos considerar, nao tém o valor, a significagao, a canonicidade e ' Cp. W. Eichrodt, Theologie des Alten Testaments, Berlim, 1950 (4.a ed.), vol. 1, pp. 50, 101, etc.; Ed. Jacob, Téologie de l’Ancien Testament, Neuchatel ¢ Paris, 1955, pp. 32, 117; H. H. Rowley, The faith of Israel, Londres, 1956, p. 75ss.; J. J. Stamm, Le Décalogue ala lumiére dés recherches contemporaines, Neuchatel e Paris, 1959, p. 43, etc. “© G von Rad, Verkiindigung und Forschung, Munique, 1952, p. 178. ‘4! Cp. A obra interessant(ssima de F, Michaeli, Diew al'image de l'homme, Neuchatel ¢ Paris, 1950. © Ver as observagdes pertinentes de G, Gollwitzer, Die Kunst als Zeichen, Munique, 1958, p. 94s, © Pronuema DAs ForMas 81 a importancia de que dispée a forma que Deus assumiu, de uma vez por todas, ao habitar entre os homens. Elas ultrapassam os seus limites no momento em que pretendam ser, por si ss, salvadoras,'** situando-se, nao mais no plano que Ihes é proprio, isto é, o plano da necessitas praecepti, mas no que é pré- Prio do Cristo, o plano da necessitas medii. “Os contornos e as formas do culto cristo de maneira nenhuma poderiam assumir a mesma significagio que tem a forma de Jesus Cristo. O ponto de referéncia de tudo o que acontece na adoragao crista esta situado além do culto mesmo, isto é, no Cristo que veio em carne”.'“ Por conseguinte, tanto no que diz respeito 4 necessidade das formas do culto cristo quanto no que se refere aos seus limites, somos leva- dos outra vez a Jesus Cristo. c) A forma litirgica, limitada pelo segundo mandamento, nao é necess4- ria exclusivamente por causa do desejo que Deus manifestou de retomar para sia criacdo. Ela o € também em virtude da vontade de Deus de transformar a ordem criada. Poder-se-ia dizer que a necessidade da forma litirgica provém nao sé da primeira mas também da segunda criago. Com efeito, o Espirito Santo, que tudo renova, que transforma e metamorfoseia tudo aquilo que com ele entra em contacto (II Co 3.18; Rm 12.2), nao é um criador de caos. E Espirito de paz (I Co 14.32s) e de ordem (I Co 14.40). Nas palavras admira- veis de P. Brunner, “quando as forgas do século vindouro irrompem nesta vida Passageira, o ponto de impacto nio se transforma em centro de caos e deca- déncia, D4-se, ao contrério, um novo nascimento, uma nova edificagao, anova corporificagdo de uma nova forma... A obra caracteristica do Espirito é a me- tamorfose escatolégica, a recriagao de nossa existéncia corporal inteira, como foi feita por Jesus Cristo em sua ressurreigao. O Espirito que age na Igreja é 0 | que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, (Rm 8.11). Ora, a agao desse Espiri- | to jamais suscita uma espiritualidade desprovida de forma. Antes, seu poder | restaurador provoca o nascimento de uma corporalidade pneumitica”."*°E essa | | _ corporalidade pneumatica que deseja e deve manifestar-se no culto cristao. | Verificamos, portanto, no correr desses pardgrafos, que as formas sio elementos indispensdveis ao culto cristo para que este possa celebrar a gléria da Santfssima Trindade, do Pai criador que deseja trazer a si novamente as criaturas; do Filho redentor, que fixa, limita e justifica a formulagao litirgica, '® “Auch der Kultus rechtfertigt nicht, sondern bedarf der Rechtfertigung” (A. D. Miller, op. cit., p. 147). “4H. Asmussen, op. cit., p. 109, “8 Op. cit, p. 270. Cp. K. Barth, Gottes erkenninis und Gottesdienst, pp. 190-193; H. Asmussen, op. cit., pp. 99-126; W. Hahn, op. cit., p. 5s, etc, E aqui que se deveria levantar, do ponto de vista dogmatico, o problema dos fcones. ee O Cutro Cristio - J. J. von Allmen e do Espirito Santo santificador, que deseja transformar a criags0 redimida por Cristo, de gléria em gloria, em nova criagao. oe, " d) Antes de passar ao t6pico seguinte, valeria a pena aditar al ee ves observagées acerca da importancia teolégica da forma, no somente do ponto de vista littirgico mas também do eclesiolégico, candnico, ete. Por que a forma? Ela existe para expressar e proteger aquilo que, ao mesmo tempo, sustenta e envolve. A estrutura da Igreja €é, ao mesmo tempo, expressio e defesa da sua natureza, O dogma é tanto expresso como defesa da verdade. “Assim também a liturgia formulada € meio de expressao ¢ de protecao da natureza do culto, e, por conseguinte, deve tornar-se instrumento que expresse _0 fato de que 0 culto é a recapitulagio da histéria da salvacao, « epifania da greja e fim e futuro do mundo. Ao mesmo tempo, ela salvaguarda a histéria da salvagio, permitindo que ela possa tornar-se efetivamente operante; prote- ge a Igreja contra possfveis desvios e tentagdes, a fim de que continue a ser Igreja pura; e preserva o culto enquanto limite do mundo, a fim de que nao venha a perder nem a severidade do julgamento nem a atragao da promessa que representa para o mundo. A luz de tais consideragies, entende-se que a formulagao litdrgica, por- que tem o dever de expressar e salvaguardar a natureza do culto, desfruta de considerdvel liberdade, mas também estd cercada de normas precisas que nao podem ser transgredidas, sob pena de traigao a prépria natureza da ado- ragao crista. Da mesma forma, ai esté também a razao por que consideramos falsa a suposigao de que as formas do culto nao passam — como se costuma dizer, com certo desdém — de “meras questdes formais”. Fi claro que alguns dos problemas referentes as formas litirgicas sao “meras questées formais” € no acarretam um juizo definitivo a respeito da fidelidade da Igreja. Mas nao menos evidente é que nesses problemas € postaem jogo essa fidelidade, e ae Hal mais freqiiéncia do que muitas vezes reconhece a comunidade crista. 2. Os Gmbitos da expressdo litirgica E © seguinte o problema de que nos ocuparemos neste pardgrafo: na ado- ragao crista, Deus deseja dar-se a nés e receber-nos, Quais sao as esferas de que Deus dispée para a efetivacaio desse encontro? Por meio de que sentidos deseja ele comunicar-se conosco para nos conceder a salvagaio, e quais os “© Cp. G Gollwitzer, op. cit, p. 22 et passim. Ver ainda F, Buchholz, Von a Munique, 1948, p. 15s. iz, Von Wesen der Gregorianik, © Proatema Das FoRMAS 83 Ambitos da sensibilidade humana de que ele espera, em resposta, provenha a ago de gracas pelo que ele fez em Jesus Cristo? Para responder a essas perguntas, a maneira mais simples é referir-nos As mudangas operadas pelo Cristo nos homens, das quais os Evangelhos nos for- necem a descricao. Jesus abre a inteligéncia dos que demoram a entender (Le 24.25-27, 24.45; cp. Jo 12.16, etc.), os ouvidos dos surdos, a boca dos mudos, os olhos dos cegos; cura os paraliticos e exerce seu ministério messianico tocando nas pessoas e deixando-se tocar por elas.'*” Essa enumeragao das esferas antropolégicas atingidas pela salvagaio nos fornece, ao mesmo tempo, uma lista das dreas de expressao litirgica. Nem todas elas t¢m a mesma im- portancia: o paralitico ou 0 cego tem menos dificuldades no oferecimento do culto a Deus do que o surdo, o mudo ou o desprovido de discernimento inte- lectual. No entanto, assim como um homem seria mutilado se a salvacao nao o | tivesse atingido por inteiro, assim também 0 culto seria aleijado se nao propi- ciasse a0 Homem como um todo a graca de poder expressar-se liturgicamente. Mais ainda, embora um decapitado nio possa subsistir, 0 cego, o surdo, 0 mudo ou 0 coxo podem. No entanto, os milagres de cura narrados no Evange- lho constituem a promessa de que se abrem ao culto cristao largas éreas que nado temos 0 direito de excluir dele, j4 que esses milagres demonstram que tais reas da vida humana sao também capazes de santificagao.'** Quais so essas dreas? At AGmngel, Purranets C7) a) A Area “ldgica”, isto 6,0 ambito da expresso verbal que torna as coisas intelectualmente inteligiveis. E 0 esforco que consiste em, por meio de consoantes, atribuir 4s vogais uma estrutura e ordem capaz de transformé-las, de sons que eram, em palavras. E oesforgo, em seguida, de precisar o sentido exato dos vocdbulos e a sua relagdo gramatical e sintatica, e, por fim, de me- morizar ou fixar os esforgos precedentes, inserindo entdo essa formulagao légica numa tradi¢fo que se transmite, enriquece, reduz e depura. Poderfamos chamé-la a drea da “logolalia”, do falar em palavras. Essa “logolalia” é indis- pensdvel nao s6 a proclamagio da Palavra de Deus (leitura, pregagao, absolvi- G40, béngo, etc.), mas também as oracées, aos hinos e canticos, as confissGes, etc. E igualmente imprescindivel 4 compreensao do sentido profundo desse 147 Cp, Mt 9.18; 19.15 e paralelos; Le 4.40; Mt 8.15; 9.29; 20.34; Mc 7.33; 10.13; Le 7.14; Mt 9.20ss ¢ paralelos; 14.36 ¢ paralelos; Mc 3.10; Le 6,19; 7.39; 24.39; Jo 20.17, 27;1 Jo Ll, etc. 48 Contrariamente ao que afirma J. Dilrr, nao é mutilando 0 culto que o protegemos contra a autojustificagao, mas sim referindo-o, no seu todo, & pessoa e a obra de Cristo (cp. op. cit., p. 10). 84 © Curt0 Crisrio - J.J. von Allmen encontro entre Deus e a Igreja, que € 0 culto.'” Um tipo de culto em que a “Jogolalia” se reduzisse a mera gritaria possivelmente nos permitiria, quando muito, fazer conjeturas acerca daquilo que nele estivesse sendo celebrado (pen- semos, por exemplo, na vociferago tao expressiva de Charles Chaplin no filme “O Grande Ditador” ou em certas melodias sul-americanas). Faltar-lhe- ia, porém, um veiculo ou, mais que isso, um meio (no sentido de “media- dor”),!® indispensdvel para mostrar que se trata de um encontro entre Deus e o homem. Este é 0 momento propicio para dizermos algo a respeito do problema da “glossolalia”.'*' A glossolalia € uma espécie de grito, canto ou gemido, um arrebatamento escatoldégico, que 4s vezes se manifesta em momentos culmi- | nantes da vida espiritual, por exemplo, quando de uma stibita conversdo (cp. | At 19.6s; 10.46), porque aquilo que se deseja exprimir (como, as vezes, nas crises de amor, medo ou sofrimento) foge ao controle da linguagem e se trans- forma em grito, som ou uivo ininteligivel. Nao se trata necessariamente, por- tanto, de algo suscitado pelo Espirito Santo propriamente dito, mas de um fenémeno deste mundo, de que se pode servir o Espirito a fim de induzir a AGALLIASIS. E um fenémeno psiquico que, de resto, nao é dificil de produ-_ Zir por meios outros que nao o Espirito Santo: tortura, caricia, terror, édio, técnicas que levam ao frenesi pessoal ou coletivo — todos esses sao fatot perfeitamente capazes de provocar a glossolalia. Do ponto de vista teolégico, ha trés observagoes a fazer com referéncia “ O problema da relagao entre lex orandi e lex credendi, a esta altura simplesment nado, serd examinado mais adiante, ze "® Cp. O. Haendler, op. cit., p. 161. '*! Nao obstante o parentesco entre elas existente, nfo se deve identificar a glos “xenoglossia” mesmo de natureza extética, como parece ter sido 0 caso no f Pentecostes (At 2.4, 6, 11), Com referéncia A glossolalia, ver o artigo GL a ThWDNT, |, pp. 721-726. t Deverfamos incluir também o hebraico, ou, ao contrério, seria ele, isento da confusao? Cp. W. Vischer, “La langue sainte, sou Montpellier, n. 4/1946, pp. 318-326. Cp., no entanto, I Sm 1 Is 28.10s, que atestam a existéncia da glossolalia também entre © Prontima Das FoRMas: 85 nao nos € dado escolher, no curso da vida terrena, uma das linguas deste mundo e transformé-la em lingua litirgica privilegiada. Nao obstante, o desa- fio que constitui a glossolalia ante as Iinguas humanas nao nos fornece meios de superar miraculosamente a confusao babilénica, uma vez que, via de regra,'® a propria glossolalia precisa ser traduzida (I Co 12.10; 14.2, 9, 11, 13, 18s, etc.). Em segundo lugar, sem que tentemos negar que a glossolalia possa ser uma forma de carisma (0 que Sao Paulo diz em I Co 12 e 14 no-lo impediria), importa reconhecer que 0 apéstolo nao considera esse fendmeno um elemento conveniente A liturgia da comunidade crista. Para 0 Novo Testament, a vali- dade da glossolalia se restringe ao ambito da piedade particular. Nesse senti- do, é interessante notar que, embora outras igrejas estivessem familiarizadas com o falar em linguas (Efeso, Cesaréia de Filipos e Jerusalém), a de Corinto foi a tinica que procurou transformar esse fenémeno em elemento habitual do culto. Para Sao Paulo, tratava-se de uma tendéncia mérbida e perigosa, por- que, se a glossolalia pode ser um sinal da béngao de Deus, ela nao poderia ser transformada em objeto do desejo humano. Ha uma diferenga fundamental entre poder e querer exprimir-se na lingua dos anjos'“: 0 primeiro é uma graca pela qual alguém, com humildade e discrigao, se pode rejubilar; segundo equivale a um ato de cobi¢a que mina a edificagéio da Igreja. No entanto —e esta é a terceira observacao que gostarfamos de aduzir—a Igreja tem o direito de querer servir-se, no de uma linguagem decomposta, desconexa, abstrata, nao figurativa (tal como falamos na pintura ou escultura abstrata), mas sim de uma lingua transformada pelo Espirito, que, embora compreensfvel, seja capaz de exprimir os arroubos e as alegrias indiziveis do Espirito.'® Essa é a lingua dos hinos e cAnticos, que se inflama, por exemplo, na carta aos Efésios ou que permite 4 Virgem Maria, quando 0 seu filho nao havia ainda nascido, cantar, num arroubo de alegria e fervor, que Deus disper- sou os intentos dos orgulhosos, derrubou dos tronos os poderosos, exaltou os humildes, encheu de bens os famintos e os ricos despediu vazios (Le 1.51ss). Essa linguagem, que leva até ao limite a capacidade de expressiio e se mani- festa nos cAnticos, nas doxologias e nos hinos de fé, constitui a verdadeira linguagem litdrgica, a linguagem nupcial da Igreja que celebra o seu esposo e ‘= Cp. A narrativa, um tanto incoerente, de At 2: ni se sabe se se deve optar pela glossolalia (v. 12 € 13) ou pela xenoglossia (v. 4 € 11.6 € 8). ‘0 plural em I Co 13.1, é evidente, nao significa que os anjos tenham diversas Iinguas, mas sim que existem, de um lado, as Iinguas dos homens e, de outro, a lingua dos anjos. 'S Cp. P. Brunner, op. cit., p. 320. 86 © Curto Cristo - J. J. von Allmen ale se entrega. Ha e deve haver uma profunda diferenga entre ela ea lingua- |_gem eclesidstica que se dirige aos homens.'’* ~ b) A rea “actistica”. A formulagao litirgica nao fala e apela exclusiva- mente A capacidade de compreensio, mas também a voz € aos ouvidos, aos olhos e aos membros do corpo humano. Nao nos é dificil fixar regras preci- sas para a expressio “Iégica”. Tal nao se da com o Ambito do actistico, do 6ptico e do cinético, em que os gostos mudam com as épocas, o nivel de cultura € os pressupostos raciais. Embora a liturgia nao seja mero reflexo das preferéncias de um certo contexto, e sim, acima de tudo, formadora do gosto, € obviamente impossivel canonizar a maneira pela qual deve formu- lar-se o culto nessas diversas Areas,!5’ mesmo se se considera possivel dedu- zir da fé cristd regras gerais de estética vocal, musical, pict6ria, arquitet6ni- ca, coreografica, etc.!%* Comecemos pelo exame — embora breve — das questdes referentes ao Ambito do actistico.!® Falamos nessa drea porque, para a formulagao litiirgi- ca, hd uma relagdo de identidade entre 0 que conclama pela voz e 0 que se dirige aos ouvidos. Subdividimos o assunto outra vez em trés partes: a palavra ~ falada, a palavra cantada e o siléncio.'® A palavra falada pode ser considerada sob trés aspectos diferentes: a < palavra lida, a palavra proclamada e a palavra recitada. Lemos as oragGes, “ proclamamos a Escritura e a pregacdo (segue-se que a palavra proclamada 3 pode também ser lida), e recitamos 0 Credo, a Orago Dominical, os Salmos e > | as antifonas. Em cada um desses planos a palavra falada deve adquirir o tome | orritmo necessdrios para torné-la audivel e coerente com a natur juni — | tiado culto cristao. D ne lotar na pregagao um \ tom muito diferente do que se usa ao ler uma oraco. Ao pregar agimos como testemunha individual, ao passa que, ao ler uma oragdo, nao passamos de por- ta-vozes “neutros” da congregacao. Tudo isso se aprende a fazer —e énecessa- tio nfo ter medo de aprendé-lo, como se nesses assuntos a técnica pudesse prejudicar a sinceridade da celebragao > do culto.. E muito necessario que nés, nips “* Af esté a razio por que é plenamente justificdvel uma diferenca de tonalidade entre as oragdes e a pregagao. 7 Cp, H. Asmussen, op. cit., p. 130s; O. Haendler, op. cit, p. 165s. '** Ou mesmo do fato de existir uma estética teol6gica, a qual foi restaurada, de modo muito feliz, por Karl Barth. V. Die Kirchliche Dogmatik, Wl, pp. 732-752, '® Teremos oportunidade de voltar a esse problema quando tratarmos dos elementos do culto. Examinaremos entio também a questo da miisica no vocal no culto. " Com referéncia a esse problema, ver o belo livro de L. de Vienne, Paris, 1960. Spiritualité de la voix, © PropLema DAS FoRMAS 87 0s protestantes, em especial, aprendamos a ndo “pregar” a liturgia, mas a lé-la, mesmo que a saibamos de cor." A palavra cantada também pode ser considerada em trés planos diferen- tes: palavra cantada pela assembléia, por individuos ¢ com 0 acompanhamen- to de instrumentos musicais. Deixo de considerar, a esta altura, 0 terceiro ponto, que sera estudado no capitulo 6. O canto, diz o Pe. J. Gelineau é a “forma normal e insubstitufvel de expressio comunitaria”.'* O culto cristéo sempre incluiu o canto comunitério,'® embora o estilo dos cAnticos tenha variado muito no decorrer dos séculos. Mas, ao lado do canto congregacional, ha também o canto do oficiante ou oficiantes, na forma de solo.' Restringi- mo-nos ao exame de duas entre as varias facetas que 0 assunto apresenta. Primeiro, notemos que a misica, vefculo do canto, transporta nao s6 0 contetido emocional expresso pela melodia, mas principalmente as palavras de que se constitui o cAntico. Ela é, em esséncia, vefculo daquilo que € dito — e que deve ser dito — é a gloria da Santissima Trindade e a vit6ria de Cristo.'* A miisica que transporta 0 canto tem, por conseguinte, fungao essencialmente diaconal, de servigo. Eis por que a melhor misica litirgica € a que permite cantar a liturgia, os Salmos, os cAnticos biblicos, sem necessidade de modifi- cagoes ou versificagio do texto. A melhor misica para o canto cristao seria a que mais se aproximasse do canto gregoriano,'® isto é, uma aplicagio do gregoriano a lingua littrgica usada num lugar especffico. pois “o canto grego- riano foi criado em fungio da lingua latina, e nao seria possivel aplicé-lo a um texto escrito em outro idioma sem violar os princfpios da estética”.'” Nao vai nisso uma condenagao de outros tipos de mtisica que caracterizaram as gran- des épocas da vida da Igreja, como 0 salmo huguenote, o coral luterano, aos quais acrescentarfamos as melodias “jordanianas” (no sentido teolégico do termo) conhecidas como “negro spirituals” , e deixando de lado os hinos “re- ) avivalistas” anglo-sax6es, os quais, em geral, constituem uma traigdo das res- ponsabilidades culturais do cuito cristdo.'* i —eey h | ‘! Cp, H. Asmussen, op. cit, p. 132. vis ‘© “Le chant du peuple: as necessité, sa beuté", em La Maison-Dieu, n. 60, 1959, p. 136. : © Com respeito Igreja nascente, ver o artigo AIDO, de H. Schlier, em TAWBNT, vol. 1, pp. 163-165. "St Nao se trata aqui de solistas que cantam miisica sacra. "8 “Jesus Cristo € cantado”, diz Indcio de Antioquia (Aos Efésios, 4.1). 1% Cp, Fr. Buchhols, op. cit., p. 33; P. Brunner, op. cit., p. 325. Sobre esse tema consulte-se também o inesgotavel vol. IV de Leitourgia, consagrado aos problemas hinolégicos. ‘© F Louvel, “Lés lectures”, em La Maison-Dieu, nota 60, 1959, p. 113. ‘st Interessante lembrar 0 que dizia o compositor G Doret: “A primeira reforma que se deve introduzir no canto dos fiéis é o canto em unfssono, que representaria um progresso diante da situagao em que se encontra aquele; citado por R. Paquier, op. cit., p. 134, nota 2. 88 © Cut Crisrao - J. J. von Allmen O segundo ponto a ressaltar toma a forma de uma pergunta: deve a litur- gia ser cantada ou falada? Como se sabe, grande parte da tradigao litirgica ste em que a liturgia deva ser cantada. Ha quem afirme, com um pouco de exagero, que a miisica e 0 canto se introduziram no culto cristao por meio da leitura biblica.'"” Muitos argumentos tém sido propostos para justifi- caressa maneira de proceder: o de que em suas oragées a Igreja sempre langou mao da melopéia, herdada do culto judaico;!” ou — raciocinio de natureza mais teol6gica — que a fungao principal da miisica no culto € a de poder orde- nador e que “a palavra revestida de melodia torna-se mais capaz de exercer uma influéncia ordenadora do que a palavra falada”.!”' Tem-se dito, tomando um ponto de vista pastoral, que na liturgia cantada é muito menos: facil ao oficiante modific4-la a seu talante do que quando ela é dita.'” Outros afir- mam, ¢ possivelmente com certa razfio, que os pastores protestantes se enga- nam se créem ser mais facil falar do que cantar em puiblico!”> (desde, é claro, que o que se tenha de cantar seja a liturgia, e ndo uma Gpera ...). Devemos admitir que nés, os das igrejas reformadas, temos a tendéncia de nao conside- rar como canto litirgico outra coisa que nao os canticos congregacionais os salmos huguenotes, os corais luteranos, etc. Daf uma certa confusao de lin- guagem. Temos de reconhecer, ademais, que nossa experiéncia de vida litargi- ca é pequena demais para que sejamos capazes de apreciar uma liturgia que no seja falada. Ela nos parece um tanto ridfcula. Conta-se (¢ talvez 0 epis6- dio tenha sido forjado posteriormente') que, para mostrar a tolice das ora- Ges cantadas, Zuinglio cantou as autoridades politicas de Zurique uma peti- ¢ao no sentido de que a liturgia cantada fosse substitufda pela falada. Notemos 0 seguinte: primeiro, o que acima dissemos a respeito da pala- vra falada nas orag6es refere-se, na realidade, a algo que se situa a meio cami- nho entre a palavra falada e cantada; segundo, devemos esperar que uma ado- ragao renovada e viva gradualmente venha a exigir uma forma de expressio cada vez mais musical; e por fim, esse movimento nao deve ser apressado. crista ins “@ “Der geschichtliche Ansatzpunkt fir die Funktion der Musik im Gottesdienst lieg dort, wo wir ihn heute kaum mehr suchen: im Verlesen dés Schriftwortes” (P. Brunner, op. cit., p. 321). "7 Id., ibd., p. 295. 1" {d,, ibd, p. 321. 1 L, Fendt, op. cit, p. 76. " Cp. H. Asmussen, op. cit,, 146. "4 Tal é a opinidio de R. Eberhard, em Paul Frey e Rolf Eberhard, Gottesdienst (Theol. Exis- a heute), nota 51, Munique, 1937, p. 2. V. também H. Asmussen, op. cit., p. 146, nota 143. © Prontema Das ForMas 89 Com o nosso habito tio arraigado (e herdado da Reforma) de cantar somente em verso, nao poderemos adotar 0 uso do recitativo antes de aprender a cantar em prosa. Nao seria aconselhavel seguir o exemplo do século XVI e transfor- mar em hinos 0 Credo e a Oragiio Dominical. Seré necessdrio comegar reci- tando-os em forma falada.'75 Resta-nos dizer algo acerca do siléncio litirgico. Trata-se de problema importante, nao somente por causa da tradigAo litirgica dos quacres, mas tam- bém porque o siléncio é um dos mistérios da fé crista: o recolhimento na paz de Deus, 0 siléncio diante do Deus que vem (Cp. SI 37.7; Is 41.1; Lm 3.26; He 2.20; Sf 1.7; Mc 4.39; Ap. 8.1).!"° No se trata, portanto, de maneira nenhu- ma, do deploravel costume, freqiiente na celebragiio litirgica catélico-romana e ortodoxa, de 0 sacerdote abandonar, em certos momentos, a vox sonora, que pode ser ouvida por todos, ou mesmo a vox submissa, s6 ouvida pelos que se encontram no santudrio, préximos ao celebrante, passando a usar entao vox secreta, com a qual o ministro diz a Deus coisas que sé ele deve ouvir. Essa pratica, alids, obriga-o a langar mao de certas “ekphoneses”, mediante as quais ele emerge do siléncio, como um submarino vem tona, a fim de indicar ao povo em que ponto da leitura se encontra.'” Trata-se, muito ao contrario, de uma atitude de receptividade, de calma, de plenitude, que parece sugerir que a palavra e 0 canto so uma espécie de decomposigiio do siléncio, tal como as cores nao passam de decomposigao da luz.!”* c) A Area “6ptica”, constitui o terceiro mbito da formulagao litirgica, Referindo-nos a este tema de passagem, pois dele trataremos mais pormenori- zadamente no capitulo 9 deste livro, referente ao lugar de culto. Em relagao ao actistico, 0 mbito dptico é certamente secundario,'” embora tenhamos de ‘Teconhecer que “quem nao vé enquanto esciifa por certo est perdendo algo de importante”.! Ademais — e esse é um pormenor muito pouco realgado entre 5 5 Em sua obra Wesen, Funktion und Ort der Musik im Gottesdienst (Zurique, 1960), Adolf Brunner opina que devem ser ditas a pregagao, a confissao de pecados, a leitura da Escritu- rae a Oracio Dominical, ao passo que se devia cantar tudo aquilo que diz respeito direta- mente & adoracio, & ago de gragas, ao louvor, confissio de {6 e ao sacrificio (p. 98ss). 17 Nao se trata, portanto, exclusivamente do siléncio litirgico reservado as mulheres (I Tm 2.115). "7 Cp, W. Maxwell, op. cit, p. 71. : "™% Com referéncia a esse tema, ver também o interessante artigo de W. Bieder, “Zur Deutung des kirchlichen Schwiegens bei Ignatius von Antiochien”, 7hZ, nota 1, 1956, pp. 28-43. Cp. Ainda O. Haendler, op. cit., p. 163. "9 “Figr das Heilsgeschehen hat das Optische offenbar nicht die gleiche Relevanz wie das Akustische” (P. Brunner, op. cit., p. 328). 80H Asmussen, op. cit. p. 150. Cp. Também R. Paquier, op. cit., p. 21. 90 © Corto Cristio - J. J. von Allmen nés — a encarnagdo de Deus em Jesus Cristo significa que Deus deseja, mais do que simplesmente fazer-se ouvir (pois para isso nao teria sido nécessario encarnar-se; cp. Mt 17.5; Le 3.22; Mc 9.7; Le 9.35; Jo 12. 28, etc.), deixar-se ver (Mc 16.14; Le 2.26; 19.3; 23.8; Jo 6.40; 12.21, 45; 14.9; 20.20, 29; I Jo g 1.1, etc.).'8! Nao esquecemos também os milagres de cura de cegos, narrados, ~ nos Evangelhos. Nao se pode também dizer, em linhas gerais, que 0 4mbito do - x | 6ptico é reservado, na formulagio littrgica, essencialmente aos atos litargicos mediante os quais a Igreja responde & graga de Deus, pois Deus, para agir, & | serve-se nao somente da Palavra mas também de sinais, tais como os elemen- S} tos sacramentais e os gestos simbdlicos que expressam e dao precisdo a esses elementos. Isso nos leva ao terceiro 4mbito da formulagio litirgica: d) A Area do “cinético”, 0 ambito das posturas, dos gestos e movimentos. A fé tem de fazer uso de gestos no culto. Que os protestantes modernos relute- | mos em aceitar esse fato deve-se mais a uma tendéncia docética do que a uma S| espécie de pudor espiritual. “A — publica deve ser feita com uma concen- tragfio muito especial do coragio” — dizem as ordenangas eclesidsticas de Jiilich e Berg, — que datam de 1671, e imediatamente acrescentam: “pelo ajoelhar-se ato yeoe) péor-se de pé ou por outros gestos exteriores de humildade”.'® Referindo-se & < Aprostrago, mas numa linha de pensamento que diz respeito a todo o Ambito * do cinético, P. Brunner afirma que nela “o corpo humano é inclufdo no res- | ponso espiritual dado pelo homem ao evento da revelagao”."* Por conseguin- \ Sa nao se pode desprezar essa inclusao. Nao ha dtivida de que a atitude, o “~gesto, 0 movimento podem tornar-se_vazi de contetido, assim como a fé | __pode estar ausente de uma doutrina. Sem eles, porém, a liturgia da Igreja tam- v * 6 bém corre 0 risco de tornar-se vazia de contetido, ou porque nao dispoé de wt continente, ou porque o continente contradiz o contetido, assim como a fé lod pode vir a secar-se quando nao definida e amparada por uma doutrina. Essa a" | consona ncia € harmonia entre o sentimento Titirgico (a fé,0 arrependimento, “A faker s “a 2A ank Arase prob Se JA “‘aagio de gragas, a suplica, a adoragao) e a. expressiio exterior desse sen exterior desse sentimen- f vy to,na 0, na forma de gestos e movimentos, nao consti constitui i necessariamente, portanto, wv uma fonte de hipocrisia (embora esta iiltima possa servir-se das express6es cinéticas), mas sim uma necessidade litirgica. E tempo de reaprendermos essa verdade. H. Asmussen nota, com razio, que ““é curioso observar que 0 ato dea | Cp, O. Cullman, ‘EIDEN KAI EPISTEUSEN, La vie de Jestis, objet de la “vue” et de la “foi” d’aprés le quatriéme Evangile”, Aux sources de la tradition chrétienne, Mélanges M. Goguel, Neuchatel e Paris, 1950, pp. 52-61. "® W. Niesel, op. cit., p. 319. " Op. cit, p. 266. © Pronema DAs FORMAS. a1 congregacao ou alguns fiéis se ajoelharem é considerado erro em quase todas as igrejas evangélicas. No entanto, hi milhares de fiéis que anseiam pelo di- reito de ajoelhar-se. Tornando-nos presa de um falso pudor, cuja origem situa- se no fato de nao mais ousarmos confessar abertamente nossa fé”.'* De que modo podemos subdividir essa érea dos gestos e movimentos? Em primeiro lugar, hd as posturas litirgicas: pér-se de pé, assentar-se, ajoe- Ihar-se.'*S Pomo-nos de pé para invocar 0 Senhor, ouvir a leitura do Evange- Tho, confessar a fé, saudar um irmio recém batizado, honrar a instituigao da Santa Ceia, entoar os cAnticos. Assentamo-nos a fim de ouvir as leituras (ex- ceto a do Evangelho) e a pregacio. Ajoelhamo-nos para as orag6es ¢ a bén- gao.'** Enquanto nao se restaurar ao seu devido lugar o ato de ajoelhar-se, a ago € o ritmo das posturas litirgicas terdo sempre algo de artificial. Incontes- tavelmente é tempo de nossas igrejas, que se confessam capazes do espirito de submissio, se disporem a manifestar esse espirito por meio de atitudes exterio- Tes, pois a rejeig¢ao do simbolismo dos movimentos, talvez mais do que o seu uso, pode torhar-sé uma fonte de hipocrisia. Entre as posturas litdrgicas incluiria também as que o oficiante assume ao celebrar a liturgia: de frente para 0 povo na absolvicao, leitura, pregacao, celebragao da Eucaristia e bén- ¢40; de costas, quando ora em nome do povo. A esse assunto voltaremos opor- tunamente. Em segundo lugar, a questo dos gestos liturgicos. “O gesto é 0 prosse- guimento e a intensificagao de uma postura conveniente. Mais do que mera “forma”, € um ato de natureza muito pessoal, que produz uma reacaio imediata naquele que o faz. Nao se limita a exprimir um encontro: ele o produz. Rejei- tar o uso de gestos equivale a diminuir a intensidade do “encontro” litirgico entre Deus e seu povo.'*’ Nao € pequeno o mimero de gestos litirgicos possi- veis: juntar as mos ou elevd-las, abrindo os bragos, durante as oragGes; ges- tos eucaristicos de fragdo do pio, de béngdo ou elevagiio do céllice, de humilde recepgao das espécies eucaristicas; gestos de béngio, etc. Vale mencionar tam- bém, sem, contudo, nos determos no seu exame, o sinal da cruz, que, em nosso meio, foi injustamente proscrito. ™* Op. cit., p. 162. Cp. Também P. R. Musculus, La prigre dés mains, Paris, 1938, p. 191ss. "5 Cp. O: Haendler, op. cit., p. 1648s; R. Paquier, op. cit., pp. 84-91. © © ajoelhar-se era comum nas igrejas da Reforma (ver referéncias em R. Paquier, ibd. W. Maxwell, op. cit., p. 85, etc.). Sabemos que, na Igreja primitiva, 0 ajoelhar-se dependia da quadra do ano litirgico. Tal simbolismo, porém, caiu em desuso quase total ~e, sem divida alguma, por razdes muito validas: em principio, o ano litirgico nao deve alterar profunda- mente, mas sim dar colorido tZo-somente & liturgia comum. "7 OQ, Haenndler, op. cit., p. 163. 92 © Curto CristAo - J.J. von Allmen des cio de um lugar para outro: proci de entrada ou safda dos dirigentes do culto, movimentos para ir ou vir da santa mesa 2 estante da Biblia ou a cadeira; procissao para recolher e trazer a frente as ofertas do povo (e — por que nao dizer? — as espécies do pio e vinho na Santa Ceia); a vinda dos fiéis para a comunhao sem falar nos atos de recolhi- mento individual antes ou depois do culto. Temos muito que aprender com respeito ao valor de tais atos. Nao se trata de atos formais (no sentido pejora- tivo do termo) ou irrelevantes. Sao elementos constitutivos do culto, séo expresses litirgicas. Longe de nés afirmar que haja, nesse sentido, canones absolutos. Parece-nos incontestavel, porém, que é necessrio possamos fun- damentar teologicamente a maneira de proceder, seja ela qual for. 3. Rigidez e liberdade na formulagao litirgica'* A questo que agora se coloca, como conseqiiéncia do que vimos de examinar, é a de saber se a natureza da adoragdo pode ser defendida e expres- sa em formas de culto diversas, ou se, ao contrério, uma s6 dessas formas € capaz de fazé-lo, ou ainda se a expressio e a defesa da adoragio podem ser mantidas legitimamente de modos diferentes, mas dentro do limite de normas precisas, que seria imperioso respeitar. A fim de responder a essas perguntas, examinaremos, primeiro, as normas e, em seguida, as condigdes da formula- cdo litirgica. Tragaremos a seguir os limites da liberdade litirgica e termina- remos lembrando que o culto é passivel de reforma. a) As normas da formulagao litirgica. O culto cristao nao se fundamenta numa necessidade humana mas na vontade de Deus. E muito menos uma peti- cdo do que um ato de obediéncia. Eis por que a formulagao do culto esta sujeita a certas normas que devem atender ao que dissemos com respeito 4 necessidade e aos limites das formas litdrgicas."* Quais sao essas normas? A primeira e mais importante, pois condiciona e justifica as demais, € a da fidelidade 4 Escritura. Nao que o Novo Testamento contenha in extenso a liturgia da Igreja apostélica,'” embora inclua um nimero de textos litirgicos muito maior do que habitualmente se supde. Mas o Novo Testamento traga os limites dentro dos quais — com mais ou menos felicidade, com mais ou menos '*8 Com referéncia a esse tema, cp. 0 notdvel capitulo de P. Brunner, “Die dogmatische Begri- gung der Gestalt”, op. cit., pp. 268-283. "© V. on. 1 do presente capitulo, Cp. também W. Hahn, op. cit., pp. 5-6; K. Barth, Gotte- serkenntnis und Gottesdienst nach reformatorischer Lehre, Zollikon/Zurique, 1939, p. 190s; P. Brunner, op. cit., p. 113, etc. © Cp. O. Haendler, op. cit., p. 175. O Proatema DAs FORMAS 93. sentido de obediéncia — pode celebrar-se 0 culto cristo enquanto tal. Os limi- tes so os seguintes: primeiramente, é necessdrio que a assembléia se retina em nome de Jesus Cristo, para celebrar sua vit6ria e invocar sua presenga. A intengao do celebrante, por conseguinte, deve ser a de celebrar 0 culto cris- to. Em segundo lugar, é necessério que o culto permita aos fiéis persevera- rem no ensino dos apéstolos. Em terceiro lugar, que se lhes dé a possibilidade, quando da fragiio do pio, de comungar o corpo de Cristo. Quarto, que retina as oragdes da Igreja e as ofereca a Deus.’ Por fim, que seja uma reunido de homens e mulheres nao meramente justapostos, como numa sessao de cinema ou teatro, mas envolvidos numa vida comunitédria. Estas quatro tiltimas carac- teristicas, de resto, possibilitam a existéncia da primeira. Para que possa con- siderar-se crist’o, 0 culto deve manter-se dentro desses limites. Tudo 0 que legitimamente se situa dentro de tais limites, ou por eles nao é impugnado (visto que tém no s6 a fungiio de expressar mas também a de proteger, isto é, apresentam um aspecto polémico)"” pode arrogar-se a prerrogativa de formu- lagi litirgica crista. Isso nao € tudo: é a base. E essa base permite-nos aplicar, justificar e controlar trés normas derivadas da formulagao litirgica, a primeira das quais €o respeito a tradi¢ao, parte integrante da natureza comunitéria do culto bibli- co, de que vimos de falar." Quando celebramos 0 culto irmanamo-nos com a \ Igreja de todos os tempos € lugares, e essa comunidade nos engaja. Respeitar { a tradigao litirgica significa: — 1°) um sentimento de gratidéo por aquilo que Deus ensinou a Igreja no | passado, pela maneira em que ele a inspirou e conduziu. Essa a razio por que pode haver na celebragao do culto certas formas que se tornaram classicas e, para repetir a frase de Otto Haendler, dispéem de tal plenitude teoldgica e antropolégica, de tao vasta importancia litirgica,'™ que a igreja nunca chega *° E surpreendente que, ao enumerar “das Gebotene und das Verbotene”, P. Brunner nio insista sobre a oragao (op. cit., p. 272ss). ' Assim, quando o culto exige que a Igreja faga restriges A doutrina dos apéstolos ou aceite doutrinas a eles estranhas ou conflitantes com o seu ensino; ou quando a fragao do pio nao € feita ou se omite a comunhio do povo; ou entdo quando as oragdes no sio dirigidas a0 Deus que se revelou plenamente em Jesus Cristo; ou quando 0 acesso ao culto é condicio- nado a fatores outros que ndo o batismo, de ordem social, racial, etc. em tais casos 0 culto transgride as normas que Ihe sfo inerentes, se corrompe € fica destitufdo de significado cristo, '®) “In diesen stets gleichbleibenden und immer neu wiederholten Formulierungen empfindet der Mensch in der Vergiinglichkeit seiner Tage die Kontinuitit des Gottesdienstes uber Geschlechter und die umgreifende Gemeinschaft der Kirche” (W. Hahn, op. cit., p. 41). Op. cit, p. 118. 94 © Curt0 CristAo - J. J. von Allmen a exaurir-Ihes a vitalidade ou desgas , Mau grado o seu constante uso. Elas sao transmitidas de geragAo a geragao e usadas diuturnamente, nao tanto por causa de uma espécie de piedade filial ou de falta de imaginagdo, mas sim > porque o seu abandono seria mais uma perda do que uma libertagao."" Esse € um fato que os protestantes tém muito mais dificuldades de compreender do que os anglicanos, os romanos e, em especial, os ortodoxos orientais. 2°) Respeitar a tradigao litirgica significa ser livre em relacao a ela. As belas pegas litirgicas provenientes da antiguidade crista, por maior que seja o seu valor, assemelham-se, nao a cadeias, mas a objetos de adorno.'° Em outras palavras, 0 respeito a tradigao litirgica nao arcaiza a formulagao do culto, mas, ao contrério, habilita-nos a dizer hoje, de uma nova maneira, aquilo que diziam os Pais ao se reunirem para celebrar a redengio crista.'”” Nao se trata de fazer ou dizer algo diferente, mas, antes, de nao cair presa de qualquer tendéncia arcaizante. Posto que seja legitimo incluir no culto pegas antigas (assim como se costuma, na decoragdo moderna de um ambiente, incluir um ou outro mével antigo), o culto nao é um museu, e, se nos dé acesso a outro tempo, nao é a um século passado, mas sim ao vindouro. Voltaremos a este problema. A esta altura, basta-nos aludir a ele, sem com isso negar que 0 culto, na sua formulagao, possa tornar-se denominador comum das diferentes eras , , da hist6ria. 3°) Respeitar a tradi¢ao litirgica e submeter 0 culto 4 norma dessa tradi- ¢40 significa, em terceiro lugar, compreender 0 culto na perspectiva da unida- | de crista e, por conseguinte, na perspectiva do amor. Para nés, o problema nao est4 em formular 0 culto reformado, mas sim 0 culto cristio. A preocupagao exagerada com o aspecto confessional do culto (que, em nosso meio, se mani- festa principalmente talvez na construgio de igrejas'** revela uma deploravel falta de esperanga. Evidentemente, nao é possivel formular o culto sem levar em consideragdo aqueles que o celebram hic et nunc e, por conseguinte, o fato de que, ao menos por enquanto, nao podem celebrar esse culto de outra ma- " Cp. P. Brunner, op. cit., p. 318. Ver ainda o que diz R. Stalin: “Der Gottesdinst... stellt das. kontinuierliche Moment dar, das der Kirchengeschichte ihre Stetigreit Verleiht und in Umbruchszeiten die Kirche zu sich selbst zuriickfihren kann” (op. cit., p. 3). % Cp. O. Haendler, op. cit., p. 175. ‘7 “Der in der christlichen Kirche immer wieder auftauchende Riickblick zur alten Zeit, besonders zur Urchristenheit, ist also ebenso normal zu werten, wie der ebenfalls immer wieder auftretende Drangs, das Alte neu zu sagen” (H. Asmussen, op. cit, p. 116). "Ver, entre muitas outras fontes, on. 8 de Werk, Schweizerische Monatschrift fiir Archi- tektur, Kunst, Kiinstlerisches Gewerbe, agosto de 1959, que trata de “Protestantischer Kirchenbau”. V. ainda O. Haendler, op. cit, pp. 170-172. © Proptema DAS FORMAS 95 neira que nao num estado de divisio. No entanto, submeter o culto & norma da tradigao significa procurar, em todas as confissées, liberté-lo do confessio- nalismo, a fim de que ele possa tornar-se também apelo em prol da unidade cristd e expectativa dessa unidade. Isso nao significa que 0 culto nao possa conter certa dimensio polémica em relagao ao de outra confissio. Mas, neste “ caso, 0 que deve distingui-lo daqueles contra os quais ele protesta € a rejeigao, no daquilo que nestes tiltimos se tenha mantido cristo, mas do que neles herético ou, no minimo, perigoso a pureza da fé. Abusus non tollit usum! Para citar um exemplo, o modo pelo qual a Igreja Romana celebra a Eucaristia nao deve levar-nos a suspeitar da Eucaristia propriamente dita 4°) Uma tiltima nota com respeito & importancia da tradigao como norma da formulagao litirgica. Quando essa norma é respeitada, a clericalizagio do culto, embora, evidentemente, nio abolida de todo, pode ser combatida com certa possibilidade de sucesso. Pois o ministro que preside ao culto percebe que nao tem 0 direito de formé-lo ao seu bel-prazer, e sim a_obrigagao de celebr4-lo na forma em que a Igreja, povo sacerdotal, o entende. A perda de uma liturgia tradicional, isto é, celestial, quase inevitavelmente dé azo ao sub- jetivismo do celebrante principal e a profunda clericalizagao do culto. Isso 0 demonstra 0 desenvolvimento litirgico das Igrejas luterana e reformada,” apesar da tentativa de Calvino para frear a multiplicagio de variagdes.2" No contexto das normas biblicas que a ele se referem, porém, o culto cristdo deve atender, nao somente a uma relagio com o passado da Igreja, representado pela tradi¢’o, mas também a relagdo com o futuro da Igreja, a saber, o Reino. Nunca seré demais salientar esse fato. A presenga do Reino no culto € uma norma indispensdvel na formulagao litirgica. O culto é o lugar eo momento por exceléncia de manifestacao do futuro no presente. Por isso, € necessério que a sua propria forma permita essa manifestago do futuro, irra- diando aquela AGALLIASIS|de que fala o Novo Testamento ao referir-se a este assunto (cp. At 2.46; 16.34, etc.).%” Denis de Rougemont disse, certa feita, que na danga o gesto adquire alma.” Assim também poderfamos dizer que na adorago as formas acolhem em si a presenga do Reino. Essa presenga do Reino, norma da formulagao litdrgica, manifesta-se acima de tudo pelo ' Cp. O. Haendler, op. cit., p. 2818. 20 Cp, R. Stahlin, op. cit., p. 63; W. Maxwell, op. cit., p. 99 etc. ®! Cp. Maxwell, op. cit., p. 115. : 2 Ver também P. Humbert, “Lactari et exultare dans le vocabulaire religieux de I"Ancien Testament”, Opuscules d’um hébraisant, Neuchatel, 1958, pp. 119-145. ™ Le Paysan du Danybe, Lausana, 1932, p. 97. =—! 96 © Corto Cristho = J. J. von Allmen cardter nupcial do culto, isto 6, pelo fato de os homens, no contexto da adora- ¢Ao, terem acesso 4 mesa do banquete messidnico e serem reconciliados, vale dizer, unidos apesar daquilo que os separa neste mundo. Manifesta-se também pelos simbolos litirgicos. A estes tiltimos faremos referéncia mais pormenori- zada oportunamente. Por enquanto basta dizer que os simbolos tém por fun- ¢4o precipua apontar, da melhor maneira possivel, para a natureza escatolégi- ca do culto, razao por que a rejeigao dos simbolos quase inevitavelmente leva a adoragdo a perder a dimensao da esperanca e a receptividade ao futuro. E fato consumado que, se, em nosso meio, raramente o culto traduz essa nogao de movimento em diregao as nipcias do Cordeiro, isso se deve ao fato de que, por medo da evidente ambigiiidade dos simbolos, nés impedimos que a Igreja, por assim dizer, “experimente” as suas vestes nupciais. De outra par- te, todas as vezes em que houve uma nova tomada de consciéncia da dimensao escatolégica da Igreja o resultado quase imediato foi uma ressurrei¢ao da sim- bologia litargica. Vimos que, submissa A norma litirgica neotestamentaria a formagao litirgica € regulamentada tanto pelo passado como pelo futuro da Igreja. Resta-nos aduzir que o presente também constitui norma da formulagaéo litérgica, em sentido derivado. No culto a Igreja confessa 0 hic et nunc de sua peregrinagdo. Tem, por conseguinte, o direito e o dever de expressar-se, por meio de orag6es, hinos e simbolos constantemente inspirados pelo Espi- rito de Deus. Uma vez mais, contudo, é necessério afirmar que esse hic et nunc s6 acidentalmente deverd ser confessional. O importante é que ele dé condigdes para que o génio de uma nag&o ou época possa redescobrir-se € exprimir-se, perdoado no culto da Igreja.*™ Esse o motivo por que o culto nao deve nem pode ser uniforme, apesar da unidade profunda que atribui & Igreja. Essa também a razao por que é legitimo esperar-se que o culto malga- xe seja formulado de modo diverso do escandinavo, ou a liturgia do século XX seja diferente da do século III ou XI.” Como acertadamente pondera Otto Haendler, é importante que “aquele que ora se sinta desafiado no con- texto do seu Hoje, e nao num Ontem trazido a superficie por meio de alguma solene magia”.2” Esse hic et nunc nao tem 0 direito de dominar e absorver 0 culto, tal como nao o tém o passado representado pela tradi¢fo e o futuro do Reino. Mas as trés normas derivadas, as normae normatae da formulagao litirgica, 2 Ver acima o pardgrafo sobre o culto como promessa para o mundo. ** Cp. J. J. von Allmen, “Le St. Esprit et 1é culte”, RTAPh, nota 1, 1953, p. 26s. % Op. cit., p. 188. © PropLema pas FoRMAS 7 devem, na tensio e no equilibrio de suas relagdes recfprocas, ser aplicdveis a0 culto cristo, com o fundamento que Ihes é comum, isto é, a norma biblica, a norma normans. b) As condigoes da formulagao litirgica. A formulagio litirgica esta sujeita, além das normas que vimos de examinar, a um determinado ntimero de condigdes que, embora nao se constituam em sine qua non, tém certo peso que nao pode ser desprezado. Tais condigées sao a inteligibilidade, a simplici- dade e a beleza. Como ato comunitério que é, importa que a congregacdo como um todo possa celebrar 0 culto. Por conseguinte, torna-se necessdrio que a congrega- ¢a0 como um todo seja capaz de entendé-lo.” A inteli; idade do culto situa-se em trés planos diferentes: 1°) Em primeiro lugar, o povo deve compreender o que acontece no cul- to. A isso voltaremos ao falar na simplicidade como elemento necessdrio no culto. Observemos simplesmente que 0 culto é talvez o melhor instrumento ou_ campo de treinamento da catequese. Lex orandi, lex credendi. E. ao explicar 0 culto que melhor explicamos a hist6ria da salvacio, a natureza da Igreja e sua missio no mundo (para mencionar somente os assuntos dos trés primeiros capitulos). Temos de confessar que os cristéos de tradigao reformada temos uma experiéncia muito restrita nesse sentido. Necessdrio se faz adquirirmos tal experiéncia. 2°) Em segundo lugar, é necessdrio que o povo compreenda a lingua do culto, isto é, que se empreendam todos os esforgos a fim de extirpar do culto as formulas arcaicas e fazé-lo celebrar na linguagem comum dos que dele participam. “Por conseguinte, nao se deve usar nas santas assembléias uma lingua estrangeira. Tudo deve expressar-se por meio do verndculo, em lin- guagem entendida por todos os cidadaos do lugar onde se reuniracongrega- ¢40”.2 Essa exigéncia pode dar oportunidade a que surja certo conflito entre o desejo de assinalar, por meio da lingua litirgica, a unidade da Igreja no tempo e no espago, e, de outro lado, a intengdo de mostrar, com a mesma Iingua litdrgica, que o culto é efetivamente um ato daquela congregagdo especifica que o celebra. Lembremo-nos de que em Jerusalém foi instituido um dia de jejum por ano, dedicado a pedir perdio a Deus pelo “escdindalo” da tradugdo da Septuaginta, ao passo que em Alexandria os judeus tinham uma festa anual para agradecer ao Senhor 0 fato de os livros sagrados have- *7 Cp. W. Maxwell, op. cit., p. 43. © 2% Confissto Helvétiea Posterior, cp. XXII, (ed. Neuchatel e Paris, 1944, p. 128). 98. © Curro Crista - J. J. von Allmen rem sido traduzidos em lingua entendida por todos.2” Seja como for, consi- derando que a, Igreja apostélica nao postulou a existéncia de uma tinica Iingua sagrada, o hebraico, mas, ao contrério, afirmou que toda lingua humana pode ser santificada e tornar-se portadora do Evangelho,2 é-nos necessdrio reconhecer que uma das condigée: importantes da formulagio litirgica esta no fato de ser vazada na lingua comum dos que celebram o culto, ou, a0 menos, numa lingua que por eles seja entendida e usada.2!! Negar essa exigéncia equivale, nao a pugnar pela unidade da Igreja, mas sim a preservar separagao entre o clero, que maneja a lingua, ¢ 0 laicato, que nao aconhece, ou entre os fiéis cultos, afeitos a tal linguagem, e os incultos, que a desconhecem. 3°) Finalmente, é imprescindfvel que o povo ouga o que é dito no culto. Sabemos que, a partir do século IX,2” certas oracdes comecaram a ser profe- ridas em siléncio pelo oficiante. Ainda hoje tais oragGes séo numerosas, tanto no rito romano?!’ como no ortodoxo orientais.? Que cada participante, inclusive 0 ministro, tenha, no decorrer do culto, ocasiao de recolher-se em oragao e meditagao particulares, é algo que tem cabimento. Mas é totalmente inadmissivel que 0 povo venha a ser excluido de certas oragdes que sao parte integrante da liturgia da Igreja. Essa exclusao contradiz 4 marca batismal do POVO, e, por coriseguinte, o seu direito a participagao no ato littrgico. B, por- tanto, uma profanacao da congregagao dos batizados. Compreende-se que esse costume se haja difundido numa época em que a tensao existente entre a Igre- ja e o mundo quase inevitavelmente se refletia na tensio entre 0 clero e o laicato. Mas essa nao € a situaco em que vivemos hoje em dia. Admite-se que, em determinado momento do culto, os nao-batizados sejam despedidos. Mas aos batizados cabe 0 direito liquido e certo de ouvir e, portanto, associar- se ao culto em cada uma de suas partes. >” Cp. F. Louvel, “Lés premiere expérience de traduction biblique: La Septante”, La Maison- Dieu, n. 53, 1° trimestre de 1958, pp. 56-88. 2 Cp. G. Bardy, “La question dés langues dans I’Eglise ancienne”, Etudes de théologie histo- rique, Paris, 1948, t. I, p. 302ss; W. Schneemelcher, Das Problem der Sprache in Theologie und Kirche, Berlim, 1958. Ver também o excelente nmero 53 da revista La Maison-Diew (primeiro trimestre de 1958), dedicado ao exame do problema das Ifnguas na liturgia. 211 Assim, em certas regides da Africa ou Asia as reunides dos sinodos tém de servir-se ou do francés ou do inglés, as Gnicas Iinguas capazes de possibilitar comunicagées supratribais. A Iingua usada nos debates em plendrio tem de ser a mesma empregada nos cultos sinodais. 40. 1 v. verbete “oracién” no indice D, p. 1.078, 214 PE, Mercenier, La priére des Eglises de rite bysantin, t. 1, 2* ed.; Mosteiro de Chevetogne, s.d. (1947), particularmente as rubricas das liturgias de Sao Criséstomo e Sio Basilio, pp. 231-280. © Prontema Das ForMAS 99, A segunda condigao necesséria 4 formulagao litirgica é a simplicidade. Evidentemente — e a isso voltaremos?!’ — nada hd de errado no fato de o culto de uma igreja urbana ser, do ponto de vista formal, mais rico em pormenores que o de uma capela do interior, ou que a adoragio de fiéis que vivem em comunidade apresente elementos e simbolos em ntimero maior do que os do culto paroquial comum. Isso nao impede que a simplicidade seja uma condi- cao importante da formulagio litirgica. Nao se deve confundir simplicidade com pobreza, negligéncia e impaciéncia docética perante o problema formal. Trata-se, antes, de certa concentragio, de determinagio de orientar 0 culto em dire¢ao aquilo que € o seu verdadeiro centro. Poder-se-ia dizer, em outras palavras, que se trata da intengaio de mostrar que o culto efetivamente recapi- tula a obra daquele em quem Deus tudo recapitulou. Daf certo sentido de ordem, de severidade em relagao a todo e qualquer barroquismo, e, ao mesmo tempo, uma atengao toda especial aos simbolos, pois sabemos de sua grande importancia e poder. Simplicidade, HAPLOTES litirgica nao é anténimo de complicag%o mas sim de dispersio litirgica. Em outras palavras, a segunda condigdo que se impée & formulagdo littir- gica consiste em respeitar a hierarquia que rege as relagées entre os diversos elementos do culto, em formular o culto de maneira tal que seja evidente 0 encaminhamento a um momento culminante, o seu dpice, e, uma vez atingido esse ponto, que o culto nele se fortalega a fim de, em seguida, levar ao teste- munho no mundo. Ora esse dpice do culto é a Santa Ceia*!® — e importa seja- mos ousados o bastante para dizé-lo, muito embora tal afirmagiio contradiga as nossas tradigdes confessionais. Vé-se, por conseguinte, desde logo, que o culto ser4 tanto mais simples quanto melhor preparar para a Eucaristia e a tornar mais alegre, mais viva e mais existencial. A Giltima condigao necesséria 4 formulacao liturgica é a beleza. Hesi- to um pouco ao enunciar essa condi¢ao pois a beleza pode tornar-se uma armadilha (cp. Ez 16.15; 28.17), provocando o desejo de poder. O conluio entre o esteticismo e a liturgia é altamente perigoso. No entanto, importa afirmar que a formulagio litirgica deve procurar a beleza, pois é ela uma forma de preparagao nupcial, e a Igreja, cuja epifania se renova no culto, é chamada a parecer diante do seu Senhor “gloriosa, sem macula, nem ruga, nem coisa semelhante” (Ef 5.27). Esclaregamos, porém, que essa beleza esta no servigo da inteligibilidade do culto e exprime a simplicidade da 215 V. abaixo 0 tltimo pardgrafo do capitulo referente aos elementos do culto, 216 Cp, K. Barth, Die Kirchliche Dogmatik, 1V/2, Zollikon-Zurique, 19055, p. 722. Cp. Tam- bém O. Cullmann, Lé culte dans I’ Eglise primitive, Neuchatel e Paris, 1944, p. 13ss. 100 0 Curto Cristao - J. J. von Allmen adoragio crista, C. F. Ramuz, em uma de suas obras, condena a estética romintica porque ela julgava que “para embelezar é necessdrio enriquecer”. “Para embelezar 0 culto no é preciso enriquecé-lo mas sim purificé-lo. A beleza verdadeira é uma escola de purificagao: resiste a tudo o que tem em si o seu préprio centro; & graga e harmonia, severa para com as volutas € aberragdes do egocentrismo estético. O respeito & beleza nunca nos fara embelezar 0 culto por meio de artificios (& semelhanga da maquilagem, que artificialmente disfarga), mas sim a mostrar que o culto s6 pode ser belo se for verdadeiro. Eis por que também e necessério ser impiedoso com as “pro- dugées estéticas” com que se pretenda embelezar o culto, sejam elas interli- dios musicais ou 4rias de épera, arquitetura barroca, ret6rica que se justifica por si mesma, redundancia bombistica na formulagiio de oragées, ou ainda ~ horribile dictul — a maneira pela qual, segundo consta, se administram 0 batismo em certas igrejas “aristocraticas” dos Estados Unidos, em que 0 pastor batiza a crianga deixando a agua cair de uma rosa previamente mer- gulhada na pia batismal... Mas a beleza litirgica significa um protesto, nao sé contra toda autojus- tificagao estetizante, mas também contra a negligéncia, a grosseria, a desor- dem e a vulgaridade em matéria litirgica. Intimidade com o Senhor, de que desfrutamos no culto, nao se caracteriza pelo desalinho e vulgaridade, mas sim pelo maximo respeito. Ademais, 0 préprio fato de 0 culto ser um encontro entre o Senhor e a Igreja exige que se atribua a tal encontro uma dignidade toda especial e se glorifique o Senhor que se faz presente. Entendamos bem a afirmagio de que a beleza constitui uma das condi- ‘des necessarias da formulacao litirgica. Significa que 0 culto, celebrado com fé, esperanca e amor, cria beleza e, a0 mesmo tempo, torna-se um protesto contra 0 esteticismo, que busca em si mesmo o seu fim, e a vulgaridade. Oculto pode ser muito pobre sem deixar de ser belo, mas é bem possivel que, tentando tornar-se rico, venha a perder a beleza. Pobre nao quer dizer seco, triste ou barato. Significa, antes, despojado —inao de formas e simbolos — mas de pretensdo e egocentrismo.”” ~“Exenuih4 ©) Os limites da liberdade na formagao litirgica. A formulagio litirgica é, a um tempo, rigorosa e livre. Rigorosa porque se trata do culto da Igreja crista. Livre porque a liturgia é um “jogo escatolégico”,?"* o mais belo dentre todos os que o homem possa ter na terra. Para que nao degenere em licenga, orgia ou tumulto, o jogo precisa de certa liberdade disciplinada. Foi 0 que se 217 A esse respeito, ver R. Paquier, op. cit., p. 30. 218 A expressao € de Romano Guardini. Cp. P. Brunner, op. cit., p. 256. © Prostema pas FoRMAs 101 notou em relagio ao culto cristo desde as suas origens,?"” e nos primeiros séculos da historia da Igreja,”” em uma medida que deixa pasmos tanto aque- les que hoje em dia entendem 0 culto como um trem que provocaria catdstro- fes se safsse dos trilhos, quanto os que prefeririam comparé-lo a uma explora- gao desordenada de uma planura. Nas belas palavras de P. Brunner, “trata-se... de levar a sério tanto a liberdade dos que estdo vinculados ao Evangelho, quanto as cadeias daqueles a quem o Evangelho libertou”.! Ja afirmamos acima que, para manter-se cristao, 0 culto deve sujeitar-se acertas normas e condi¢ées. Pois adoragao crista vincula-se, intima, indisso- lavel e automaticamente ao contetido ao qual da expresso. Devemos a esta altura aditar que tais normas e condigdes nao sao uma camisa de forga: elas nao nos privam de liberdade. Mas dentro de que limites pode e deve manifestar-se tal liberdade? Em primeiro lugar, ela se manifesta na variedade de lugares e de tempos. E isso se da nao somente no plano da linguagem litdrgica, mas no das preocupagdes que aparecem nas agées de gragas e nas intercessGes, como também no do gosto que se revela na miisica, na duracao e no desenvolvimento do culto. Eo grande problema das “ceriménias”, que devem, sem rasgé-la, manifestar a grande variedade de cores da tunica inconsttil, para retomar a surpreendente comparagao que Gregério de Elvira fez entre a tunica de José e a de Jesus.” A Reforma insistiu nessa liberdade cerimonial, de modo as vezes excessivo, pondo nao raro dtivida sobre o vinculo indissoltivel que une a forma e 0 con- tetido por ela expressos.”* Temos de admitir, no entanto, que as preocupa- Ges, os gostos e a cultura de certo lugar ou duma época especifica ttm o direito de se expressar no culto. Os limites dessa liberdade — sempre conside- rada dentro do contexto das normas e condigGes da formulagao litirgica crista ~ so os que provém do sentido de unidade da Igreja, unidade essa que nao € uniformidade. 2 Cp, O. Cullmann, Le culte dans I'Eglise primitive, p. 32ss. 2© Cp, R. Stahlin, op. cit, p. 30; W. Maxwell, op. cit, p. 22. Ainda no fim do século V, em to de formular de modo novo, adaptado as circunstancias da ragdo. Em suas missas, Gelésio I (492-496) da provas, és lupercales et diz-huit messes du sacramentaire Roma, tinha o bispo o direit Igreja, as oragdes ordindrias da celebr desse fato. Geldsio I, Lettre contre éoni chrétiennes, n. 65, Paris, 1959, p. 145. ’ au eet na Sonn ~ und Feleiertagen”, Untersuchungen zur Kirchenagende, /1, 1949, p. 18, citado por W. Hahn, op. cit., p. 6. Ver também as disposigées da disciplina de i it, p. 319. Silich e Berg de 1971, apud W. Niesel, op. cit. p. ae Citedo'port i de Lubac, Catholicisme, 4* ed., Paris, 1947, p. 254. 23 Cp, W. Hahn, op. cit., p. 36- 102 © Curto Cristao = J. J. von Allmen Essa liberdade na formulagao littrgica nos interessa também — e em especial aos cristios de tradig&o reformada — no que diz respeito a autoriza- G0 das idiossincrasias do ministro. Consideramos exagerada a opiniao de R. Paquier de que essa liberdade s6 é licita quando o ministro for “realmente, pneumaticamente forgado a dela servir-se”.* Temos de confessar, porém, que as oragGes extemporaneas, tao freqiientes em nosso meio, s4o muito mais freqiientemente provas de orgulho pastoral e pretensao clerical do que de obe- diéncia aos impulsos do Espirito Santo. Evidentemente, nao as excluimos a priori. Mas o ministro deve saber que foi encarregado de presidir ao culto da Igreja, e nao de exibir a sua prépria fé, raziio por que, via de regra, se aterd as oragées prescritas pelos formulérios litirgicos herdados da tradi¢ao litirgica da Igreja, a menos que deseje introduzir no culto alguns momentos de oragao livre, 0 que, sem ser recomendavel, por razées pastorais evidentes,”* nao se deve deixar de levar em consideragao. O fato é que se o ministro deseja dizer em piblico suas préprias oragdes pessoais, nada impede queiram também os figis fazé-lo. Em geral, 0 ministro sera solicitado a seguir 0 que constitui, nao s6.a tradigao das igrejas de tipo “‘catélico”,** mas também a boa disciplina da Igreja Reformada das primeiras geraces®” a saber, a de que o pastor que preside ao culto se restrinja 4 formulagao das rages oficialmente aceitas pela Igreja, pois os figis que vém ao culto tém o direito de participar efetiva- mente do culto oficial da Igreja, e nao o de sujeitar-se aos caprichos individua- listas do ministro. Alegar-se-d talvez que as oragées oficialmente aceitas sao de m4 qualidade, teologicamente diibias, redundantes, arcaicas, complica- das demais, etc. Nao raro isso € verdade. Mas nao haverd na Igreja forte dese- jo de empreender uma revisao da liturgia enquanto ela nao puder contar coma obediéncia dos ministros. Ademais, as preocupagées com a disciplina litirgi- ca nao sao dissipadas de modo satisfat6rio enquanto s6 os pastores tiverem ™ Op. cit, p. 82s. * Notadamente a seguinte: € bem possivel que sejam sempre os mesmos que venham a orar em pGblico, vindo a cair por fim, quase inevitavelmente, nas ciladas do orgulho espiritual. %* Embora os anglicanos, apesar do Livro de Oragdo Comum, parecam também encontrar algumas dificuldades a esse respeito. Cp. Dom Gregory Dix, The shape of the liturgy, Lon- dres, 1943, p. 699s, %” Cp. as reprimendas que os sinodos nacionais da Franca dirigiam, com certa regularidade, 0s pastores que néo usavam, como era do seu dever, a liturgia oficial, em Aymon, Actes ecclésiastiques et civils de tous lés Synodes dés Eglises réformées de France, Haia, 1710. % J. Lécuyer, “Le célébrant: les fonctions liturgiques d’aprés la tradition”, La Maison-Dieu, nota 61, 1960, p. 24. Cp. M. Schian, Grundriss der praktischen Theologie, edigio de 1921, Coo 1945-46, p. 138ss.; H. Asmussen, op. cit, pp. 90-94; R. Paquier, op. cit, pp. 71- etc,

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