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Fragmentos de Arte e Historia: Benjamin Leitor de Baudelaire Antonio Basilio Novaes Thomaz de Menezes * "Le vrai visage de Vhistoire séloigne ‘au galop. On ne retient le passé que comme tune image Qui, a Vinstant oi ele se laisse reconnatte,jtte une lueur qui Jamais nese reverra® ! Resumo ‘Trata-se de um ensaio sobre aexperiéncia do tempo em Walter Benjamin. Anipétese em questto tem por objeto a leitura de Baudelaire como elemento de sua consirugto filoséfica. Trata da apropriagio deste autor por Benjamin a partir dos elementos de circunserigio do quadro histérico do pensamento fem torno da problematizasdo da Modernidade, trazendo para o centro da , analisado por Benjamin a luz da Modernidad através do confronto entre "imagem dialética” e "imagem arcaic: enquanto critica & “ossatura facista" da interpretagio psicol6gica.® Entre as cartas ¢ ensaios que tratam do autor, hd o projeto inconcluso de um livro: "Charles Baudelaire, un podte lyrique a l'apogée du capitalisme'", cuja divisto das partes (Idéia e Imagem, Antiguidade e ‘Modemidade, © Novo e o Retomo do Mesmo), além de pretender-se um equeno modelo do livro sobre as "Passages" 7, assinalao eixo de andlise condutor da leitura benjaminiana. De tal modo que, a experiéncia da fratura do projeto inicial em alguns ensaios temiticos - "Le Paris du secondempirechez Baudelaire” (1938), "Surquelquesthemes Baudelaire" (1939), "Zentralpark Fragments sur Baudelaire" (19.40) -espelha a leitura ‘que Benjamin faz de Baudelaire na forma de um mosaico construido; de um lado, pela propria fragmentagdo da Modernidade nas dimensoes da arte eda hist6ria; e de outro, pela composicdo da tradigao judaica com 0 ‘materialismo hist6rico numa mesma perspectiva de andlise. Assim, a figura de Baudelaire na obra de Benjamin pontua arelagio centre arte € hist6ria em termos do que se poderia caracterizar como a hipstese central de "experiéncia do tempo" enquanto uma dimenso ‘ontotégica constitutiva do quadro hist6rico no qual Baudelaire é apenas uma personagem. A “experiéncia do tempo” constitui o nacleo do _mosaico da interpretacio benjaminiana no qual se encontram a tradigao judaicae omaterialismohist6ricono plano decompreensiodadimensio hiistdrica eda percep da arte na Modemidade, considerado a partir da propria perspectiva de fragmentacdo. I. A anilise de um Baudelaire colocado sob a ética da indissociével relagdo entre arte ¢ hist6ria aparece emi Benjamin explicitado em diferentes momentos da sua obra, mas especialmente pontuada de aop.citpT 5. BENJAMIN. Oeuvres, vol, p.123-138 6. BENJAMIN. Carta F Lieb (97/37). In: Correspondance, vol I pp. 223-225 17. BENJAMIN. Cartas Horkbeimer (1614/38) In op. cit; pp. 230-248, Privepios UFRN Natal v7.8 05-18 jan /der.2000 ‘uma forma clara em algumas baudelairianosasteses sobre astra a concepeto de hist6ria como o lugar do eterno retorna do mesmo. sempre renovada na imagem vingadora do “surge” aquilo que define a figura de Baudelaire a parr 9 eu préprio quadro hist6rico, a signifieacio completamente excepcional” de quein apreendes forga produtiva do homem alienado, areconeceu e pela reficaco ihe deu mais forga ‘Ampliada no seu quadro de andlise a interpretagio da obra bavde- lariana revela nas suas marizes arelago de Benjamim com a literatura sob os aspectos da mediagdo da tradigto judaica e da apropriagio tard do materialism histrico, Rednemseaquinummesmohorzonte os diferentes registos daescrita, do tempo edahistSriaqueconstituem 0 seu eixo de anise. E, do mesmo modo, estruturam-se os diversos aspects do seu quadrodelitura nos planos convergente da perspectiva histérca, da ertica da Modernidadee da experiencia estes. Sob o registro da escrita encontram-se 0s aspectosnarrativos eda expressioartsticaque se projetam no plano dacompreensto histSrica, através da percepsio do hebraico como o vefeulo de uma identidade ‘culta e daescrta como uma alegoria que s6 pode ser decifrada cor. retamente de ts para frente Situada no émbito da escrita, a vida se caractriza como uma narrativa que sestabeleceapatirdo movimento pir trsda memcria. Ao passo que, sob oaspecto da expresso artistic, 2 seria assiminaprimazia da linguagem sobre o ser como aafirmagao simultinea do texto edo seu poder de revelacio. ‘A linguagem se coloca eto aquestao daescrita atistéria;ou “o aque écontar uma histia istrias, a HstSria?™, quando apalavra em Benjamincircunscreveaestruturada Halacha" (palavracriginsria fundamental) edo "Hagada’(comentirios que lembrameatvalizam a “Halacha") dentro de um quadro de compreensio da "desagrega¢do da tradigaoe do desaparecimento do sentido primordia". Anarragao 8. BENJAMIN. Cartas a Adorno (7/5/40) In: op. cit: pp. 325-326. 9. "Insurge nas palavra de Renjami:"representasemreseramaistenveldasacusages ‘wazidas conta uma soiedade ue anga noc como uta projeq del esta st im gem do cosmo” (cara Horkeime, 138. In: op-ctpp. 231233), 10. BENJAMIN, Cara & Horeimer (164/38). In-op. cit: pp 239-283 ALTER Anjos Necesss.Thaipioe Modemidade em Kafia, Benjanine Stole: p31 |2.GAGNEBIN. Walter Benjamin ou ahstria aber. tn: Obras Excolidas, vo. 7. 1B.cf BENJAMIN. CartaaSholememque erica imterpetagiode Kafka porMax Brood Apud op-cies pp 16-17 Principio UFRN Natal 878.0518 jansder.2000 corresponde &histria ("Geschichte"), 0 processo de desenvolvimento darealidadenotempocomoo seuestudo ouumrelatoqualquercujocaréter denaoacabamentoessencal, no qual aestruturado prépriorelatochama ou suscita novos texts, constitu uma dindmica iimitada da meméria. ‘Ahistria como uma narrativaaberta raz consigo aida de fragmento, da nio existéncia da totalidade de sentidos mas apenas de trechos esparsos que falam do fim da univocidade da palavra e do sujeito no horizonte da ameaga de destruigdo,esperanga e possbildade de novas significagoes. A imagem do "Angelus Novus” de Paul Klee que Benjamin descreve como o anjo da histrial® De outro modo, sob o registro do tempo, encontra-se 0 aspecto da fascinasao pelo passado"!> que norteia a critica da Modernidade no quadro da leitura de Baudelaire, parti de um modelo de organizacio da temporalidade implicita 4 compreensio da tradigio judaica, A ‘compreensio do passado se refre a dindmica na qual ele se desenvolve até o presente, ou sc a representago de um caminho que se volta para as origens mais arcaicas c cujo "o alvo € a origem"¥® dentro de uma perspectiva circular da negatividade ialtica, Negago da negacéo repetindo-se indefinidamente no tempo, sob esta perspectiva “tudo se originaria no momento fulgurante da revelagio que se reproduz 20 Jongodo tempoatravés dos diversosreflexoserefragbes daexegese".”” ‘Atensio entre o passado co futuro desereve a experiéncia do tempo no plano da especulagdo do devir hist6rico enquanto uma tentativa de reconciliar a idéia do futuro com sua fixagao pelo passado. Eis, entio, 0 tempo concebido como lapso, estendido entre dois polos, capaz de revelar no passado os germes de uma outra histéria, de um outro conceito de tempo: 0 agora” (Jettzeit),constituido no ambito de uma experiéncia (Erfahrung) que reatualiza 0 passado através do presente como uma poténcia da verdade. Assim, a experiéncia do tempo é a experiencia do fragmento naquilo que the dé sentido ou se revela de modo latente enguanto algo emudecido,o qual reside no proprio fragmento como uma forga histGrica que se reatualiza no quadro presente na forma dde uma evocago do que ficou esquecido no tempo mas permanece aberto ao futuro, “TEBENTAMIN “Thies sri poopie de Tito in: Occ, vo Hp 38T 1S ALTER Anjos Necesos radpoe Maiden Kata, exjaine Schlep 132 16. KARL KRAUS "Paroles Inver, 1". APUD Benjamin, “Thies sur la pilosopie de stir" In: Ouvtes, WoL, p28 {ALTER AnjosNecessirios. Tati e Modernidadeem Kafr, Benjamine Scholem £83, Pricipios UFRN- Natal 67.0518 jane, 2000 Por fim, € sob o registro da historia - de uma hist6ria concebida ‘como rufnas - que se encontra o aspecto da compreensio estética da cexperiéncia da fragmentagao no quadro da leitura de Baudelaire, A este aspecto corresponde a perspectiva de enfraquecimento e distribuigao da “experitncia" (Erfahrung) frente & "vivéncia” (Erlebnis) do individuo solitério no mundo capitalista moderno, paralelo a reflexao da necessidade da sua reconstrugio como meméria, malgrado a desagre- acdo e o esfacelamento soci ‘A “vivencia” (Erlebnis), situada no quadro da degradacdo da “ex- perigncia" (Erfahrung) como uma forma da meméria, despida do caréter tunissonoda palavrae de um prinefpiocomum, descreveo processohist6ri- code fragmentagio que configura a perda da dimensio aurdtica da obra deartena Modernidade. Compreendidanohorizontedodesenvolvimento histérico da sociedade burguesa, a "vivéncia” - tal como Benjamin assi- nala em Proust!§-introduz o infinito na dimensio existencial individuo bburgués sob o aspecto de uma "meméria voluntéria" que Ihe dé infor- ‘magies sobre um passado que nada conserva. Isto €, um "pasado [que] ‘est fora do seu poder, em qualquer objeto material (ou na sensago que tal objeto provoca em nés) que ignoramos qual possa ser", cuja pos- sibilidade de encontré-lo e assenhorar-se da sua propria experiéncia depende apenas doacaso. Detal modo que, énos dominios de um sujeito bburgués que a “vivéncia” desloca o conteiido da “experiéncia” sob a forma das analogias e semelhangas entre passado e presente, na medida fem que ela representa a pera da dimensio mais original do tempo no plano da meméri Ahist6ria, como um evento dinamico da revelagio, é um desfio constante & elaboragao do seu significado, através de um processo continuo de interpretacdo pelas geragbes; ela delineia a experiéncia estética como um instrumento criado pela cultura, enquanto memoria daquilo que esté oculto no ventredo tempo e concebe a forga revelarsria dopassado como a fluotescéncia da aural, Assim, ésob os registros das, ruinas histéricas, de wma dimensao implicita da meméria na experiéncia concreta, que leitura da experiénciaestética se faz através do fragmento, inaguilo que superpie as condigdes gerais de compreensao da obra & percepgio fundamental do seu proprio tempo. Ou ainda, nocaso espect- fico da leitura de Baudelaire, o privilégio do fragmento frente &totali- dade no quadro atual do desenvolvimento simuultfneo a perspectiva hist6rica deresgate do passado nomomentopresenteenquanto fragmento. 1S. BENJAMIN. “Sur quelques thimes beaudelairiens". In: Oeuvres, vol 1l,Pp.225-276. I9.CE ALTER. AnjsNecessirios Tadigioe ModeridadcemKafia BenamneScholem Principios UFRN Nal 78.0518 janJder.2000 10 II, Delineado na exposigio dos seus diferentes registros, a partir dos respectivos eixos de leitura, o quadro da andlise critica de Baudelaire articula-se em torno da idéia de fragmento, revelada sob a perspectiva do método "alegsrico-fragmentério” empregado por Benjamin ne compreensao da obra de arte. £ sob a triade da "reproducao", da “rememorizasio” e da “imagem dialética” que Benjamin estabelece 0 método como horizonte de apresentacao da obra de arte a partir da relagdo entre fragmento e verdade. ‘Através das ruinas e dos fragmentos € que 0 método "alegérico-frag- mentério” fazda critica da tradig0 0 remetimento a uma outra tridig0 ‘ou uma historia ainda irrealizada que pode vir a ser. A redencio cor- responde & possibilidade de realizagio na atualidade daquilo que foi recusado no passado, do mesmo modo que a rememoragao indica a reutilizago do passado na experiéncia presente. Sendo que ambos, reunidos na forma de apresentacio da obra de arte, concorem para a ‘compreensdo da "imagem dialética” como a tensdo imanente na dimensi0 temporal da obra que conjura atéa sua significagao hist6rica, despojada do seu significado "natural" através de uma leitura alegorica ‘Compreendida a partir da relacao entre fragmento e verdade, a obra de arte transpe para o plano dos fragmentos a perspectiva dos tragos simbélicos que possibilita & exposi¢ao (darstellung) o duplo aspecto, do recolhimento da expresso tanto quanto da preservagiio da inexpressével da idéia. Assim, é a partir do quadro da temporalidade, que a andlise de Baudelaire se coloca sob 0 duplo eixo da citcunscriglo da alegoria e da ‘meméria, de um lado, onde sfo salientadas as rupturas e continuidades dotexto baudelairiano,aexemplode "Les fleurs dumal",e da expresso € critica do seu tempo, de outro, onde se estabelece a critica da Modernidade a partir da sua propria atualidade, zexemplodo "Le spleen de Paris” ‘Acestrutura do quadro de compreensio da obra de Baudelaire feito por Benjamin apresenta os aspectos interrelacionados da perspectiva hist6rica, da critica da Modernidade e da experiéncia estética, as quais. desenhadas no plano da temporalidade apontam para a dimensio fundamental da experiéncia do tempo. Em termos gerais, a perspectiva hhist6rica das ruinas de um progresso inabalavele ireversivel se associa a dimensao critica da Modernidade naquilo que caracteriza 0 seu reflexo no plano do desenvolvimento social, no qual a experiéneia estética aparece relacionada As suas formas de expressio e percepcZ0, a partir da sua prépria temporalidade, Princpios « UFRN Natal «78 p05 18 _jan/den.2000 Assim, através dos 6ules de Benjamin se poe ver a arte merguthada nas misétias das metrdpoles modernas, observando os homens desper- sonulizados numa massa anfnima,evocando valores de um modo de vida passado enguant aresta consigo © seu produto aristicotransformado em mercadorias. sto, a imagem fragmentada de umn Baudelaire que aparece no horizonte de uma letura cujo quadro de andlise secanst6i a patir de cada aspect espectica Sob 0 aspecto da perspectivahistrica, 0 quadro da leitura de Benjamin esboga um Baudelaire que emerge na "Paris do Segundo Império" no contexto das agtag0es potcas na segunda metade do séeulOXIX. Aideiade progressoeasprofundastransformagoesnoquadro Social emolduram a sua expresso, rerato do seu proprio tempo. ace a0s conflits que 8 colocam 3 época aparece o perfil contra-

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