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JBAN JACQUES COURTING Vretielo de Michel Pécheux ANALISE DO DISCURSO POLITICO O DISCURSO COMUNISTA ENDEREGADO AOS CRISTAOS "Uh egurscor Sho Carlos, 2009 © 2009, Jean-Jacques Courtine Capa oe Cristina Akemi G. Kiminami Projeto gréfico Vitor Massola Gonzales Lopes Preparagito ¢ revisio de texto Priscilla Del Fiori Marcelo Dias Saes Peres Editoragio eletronica Patricia dos Santos da Silva Traducao (Bacharéis em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no Ambito dp Projeto “A Traducao no Instituto de Letras: da teoria a prética”) Cristina de Campos Velho Birck, Didier Martin, Maria Liicia Meregalli, Maria Regina Borges Os6rio, Sandra Dias Loguércio e Vincent Leclercq Supervisio da tradugio Patricia Chittoni Ramos Reuillard Revisao técnica Carlos Piovezani Maria Cristina Leandro Ferreira Vanice Sargentini Preparagio do texto Luzmara Curcino Ficha catalogrifica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitiria da Courtine, Jean-Jacques c864a Anilise do discurso politico : 0 discurso comnista enderecado aos cristios / Jean-Jacques Courtine. -- Sao Carlos : EaUFSCar, 2008. 250 p. ISBN — 978-85-7600-160-7 1. Andlise do discurso. 2. Discurso politico. 3. Enunciado dividide. 4. Mensria discursiva. I. Titulo C00 - 401.41 (20) cou ~ 801 ‘Todos os direitos reservados. Neahuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida [Por qualquer forma c/ou quaisquer meios (eletrbnicos ou mecinicos, incluinde fotocépia € sgravacio) ou arquivada em qualquer sistema de banco de dados sem permissio excita do titular do direito autoral. cAPETOLO Ti (0 CONCEITO DE FORMAGAO DISCURSIVA © termo formagao discursiva (doravante FD) aparece em 1969 com a Arqueologia do Saber, fora do dominio da AD, nos trabalhos de M. Fou- ‘© ¢ fecundo questionamento sobre as condigées histéricas cault, neste va ¢ discursivas em que se constituem os sistemas de saber. Um questiona- mento que se efetwa longe dos caminhos muito frequentemente seguidos, racterizo como “paralelas” (Lecourr, 1972), mas que nos por vias que ca parecem, antes, aproximar-se indefinidamente de objetos como o discur- 0, 0 sujeito, a ideologia, sem nunca chegar completamente a isso. Um questionamento que, por meio da Argueologia e da Ordem do discurso, entido forte e que, a meio caminho aparece como uma pratica teériea no © a filosofia e, por vezes, também bastante perto da AD, entre a historia produz explicagdes extremamente fecundas que Foucault deixa em aber- to, a0 abrigo da verificagio experimental. Um trabalho que se realiza & margem e assim se condena ao paradoxo de s6 poder falar na condigao de no ser ouvido De fato, Foucault foi pouco ouvido pela AD; embora seja do discurso ue fale, ele o faz de outro modo. Ser4, entretanto, da Arqueologia que 70 Anilise do discurso politico o FD do qual a AD se reapropriars, sun, Pécheux extraira o term! aum trabalho especifico. ins elementos conceituais artigo recente, Pécheux (1977) desenvolve uma critica mary ta da concep¢éo foucaultiana do discurso, conduzida do ponto de vista 4, categoria de contradi¢ao, e conclui pela necessidade “de uma apropriacay daguilo que 0 trabalho de Foucault contém de materialista”, dele distan, ciando-se em pontos que elixcidaremos. Isso equivale a indicar o sentido do “Trata-se, antes de tudo, de dar conta do uso que é feito do conceito de FD balhos de Pécheux tanto nos desenvolvimentos teéricos quanto na de anélise que coexistem nesse autor, ¢ em seguida, mos. Michel tendo algut Em um que desejamos empreender aqui nos tral pratica concreta trar que na Arqueologia ha elementos que superam os obstéculos 0s quai, nos trabalhos de Pécheux, como na AD em geral, so encontrados nas ope- rages de constituigao de um corpus discursivo em CP homogéneas. Isso nos conduzird a definir uma forma geral de corpus que permita, na andlise do discurso politico, reduzir a distancia que separa atualmente o trabalho tebrico do conceito de FD de sua operacionalizacao no plano experimental. Essa forma geral se encontrara especificada na constituicao do corpus de nossa pesquisa no Capitulo IV. 1."FORMACAO DISCURSIVA” NOS TRABALHOS DE M. PECHEUX A problematica de Pécheux comporta dois aspectos ligados, mas dis- | baal desde a publicagdo em 1969 da Andlise automdtica do discurso. sses i 6 i lois elementos viram suas relacdes variarem e sua relativa importancia inverter-se = - decorrer das sucessivas transformagées pelas quais passou 0 junt 4 i ‘i '0 da problematica. Nesses trabalhos, com efeito, um corpus de pro- osigdes tebri . i “a ‘ebricas, ou “teoria do discurso”,' coexiste com um método de an- lise do discurso, a AAD. O titulo da obra d: obra de 1969 indica que a primeira fase 1 EB necesséei io precisar que a expressio “te: Peer rier oria do discurso” denota aqui a existéncia de u ieee te aval alguns elementos comerarama ser leased wd ee a no campo de Ait. © Proetoao qual mee essa exprestd0 const por outro lado, a manifestago da posicao “teoricista” criticada na introdugao, : © conceito de formagio diseursiva w esses trabalhos foi essencialmente mevodoloien, A diatncia entre tooria « snerodo vai inverter-se progressivamente a partir de 1971, sob 0 efelto, not damente, do trabalho de Althusser (1970) de wm lado, © da referdncia wedrien go conceito de FD de outro, mas sem que o trabalho tedrieo desse conceit renha acarretado consequéncias para as pritieas de reuniio ¢ de organiza go de dados discursivos. Isso vai nos levar a dissociar enien dis play 3 tentar precisar suas relagdes no estado atual dos trabalhos de Pécheux 1.1 ForMacAo IEOLOGICA & FD E sob a modalidade do que se conhece ~ na perspectiva das tenes ~ thusserianas sobre a instincia ideoldgica ~ como o assujeitamento (ou in terpelagio) do sujeito como sujeito ideoldgico que a instincia ideoldgica contribui para a reprodugio das relagées sociais, “de tal sorte que cada um seja conduzido, sem perceber e tendo a impressiio de exercer sua livre von tade, a tomar lugar em uma ou noutra das duas class: ntagonicas do modo de produgio” (Pecutux & Fucus, 1975, p. 101). stado que essa reprodu sociais E pela existéncia de aparelhos ideoldgicos de E. gio est materialmente assegurada. Trata-se de realidades complexas que colocam em jogo priticas associadas a relagdes de lugares (determinados c igualmente de realidades contraditérias, pelas relagées de classes). Trata-s na medida em que, em uma dada conjuntura, as relagdes antagdnicas de classes determinam o afrontamento, no interior desses aparelhos, de i F ideoldgicas que nao se devem aos indi- posigées politicas > viduos, mas que se organizam em forages mantendo en- tre si relagdes de antagonismo, de alianga ou de dominagao. Falar-se-4 de formagao ideolégica para caracterizar um ele- mento suscetivel de intervir, como uma forga confrontada a outras forgas na conjuntura ideoldgica caracteristica de uma formagio social num dado momento: cada formagio ideolégica constitui assim um conjunto complexo de ati- tudes e representagdes que nio séo nem individuais nem ~ universais, mas se relacionam mais ou menos diretamente n Anilise do discusso politico a posighes de lasses em conflito umas em relagdo 4s outras (Hanocue et al., 1971, p. 102). f nesse quadro que considerada a relagéo das ideologias com « discurso, Se as ideologias tém uma “existéncia material”, o discursive sers considerado como um de seus aspectos materiais, Isso equivale a dizer que as forages ideoldgicas comportam, necessariamente, como um de seus compo- nentes, uma ou varias formagées discursivas interligadas que determinam 0 que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um serméo, de um panfleto, de um relatorio, de um programa, etc.), a partir de uma dada Posigao em uma conjuntura, em outras palavras, em uma certa relagao de lugares interna a um aparelho ideologico € inscrita em uma relacéo de classes. Diremos assim que toda formagao discursiva diz respeito a condiges de pro- dugao especificas, identificaveis a partir do que acabamos de designar (PécHEux & Fucus, 1975, p. 11). 1.2 ED & Inrerpiscurso Pode-se tentar extrair, a partir do que precede, as proposigdes que articulam a relagao das “formagées ideologicas” (FI) com as FD. a) A instancia ideologica estabelece, sob a forma de uma contradi- so desigual no seio de aparelhos, uma combinacao complexa de elementos dos quais cada um é uma FI. As FI tém um carater “regional” ou especifico ¢ comportam posigées de classe. O que explica que se possa, a partir de Fl antagénicas, falar dos mes- mos “objetos” (a democracia, a liberdade, o pluralismo, etc.) ¢ deles falar “diferentemente” (“as palavras mudam de sentido em fungao das posicdes daqueles que as empregam” (Harocue et al., 1971, p. 84). Oconee; Soneeito de formagio discursiva 73 b) As FD sao componentes interligados das Fl. FD que cbnstituem a mesma FL ' das outras (em razio, Isso implica que as s FD, isto é, em 2 FD € 0 que, em uma dada : “o que pode e deve ser dito” (o que equivale a dizer que as palavry ie "as, expressdes, proposigdes recebem seu sentido da FD na qual sio produzidas); convém acrescentar que essa canacteristica ndo é isolada das relagdes contraditorias que uma FD estabelece com outra ED. <) E no interior de uma FD que se realiza 0 “assujeitamento” do sujeito (ideologico) do discurso. Pode-se designar pelo termo de Processo discursivo “o sistema de relagdes de substituigo, pa- rafrases, sindnimos, etc., funcionando entre elementos linguisti- cos” (PECHEUX, 1975, p. 146) que aparece como a matriz de cons sua materialidade linguistica, Se um Fle em uma conjuntura, determina tituicao do sentido para um sujeito falante no interior de uma FD. Se uma dada FD nao ¢ isolavel das relagdes de desigualdade, de contradigao ou de subordinagio que marca m sua dependén- cia em relagio ao “todo complexo com dominante” (Idem) das ED, intrincado no complexo da instincia ideologica, e se nomea- mos “interdiscurso” esse todo complexo com dominante das FD, entio € preciso admitir que o estudo de um processo discursivo no interior de uma dada FD nao ¢ dissociavel do estudo da di terminacdo desse proceso discursivo por seu interdiscurso. Isso implica, notadamente, que o descompasso entre duas FD, de tal modo que a primeira sirva de “matéria prima representacional” (Pecueux & Fucis, 1975, p. 13) para a segunda, deve ser ne sariamente levado em conta tanto em teoria como em analise do discurso e que “o proprio de toda FD é dissimular, na transpa- rancia do sentido que nela se forma, (...) 0 fato de que ‘isso fala” sempre antes, em outro lugar, ou independentemente” (PECHEUX, 1975, pe147), isto é sob a dependéncia do interdiscurso 74 Anilise do dis “uts0 politics 1.3 PRE-CONSTRUIDO, ARTICULAGAO DE RNUNCIADOS 1H RORMA'SUINETO A caracterizagio do intentiscurso de uma BD 6, ento, um ponto er cial da perspectiva desenvolvida por Pécheux: a partir do interdiscurso ay modalidades do assujeitamento poderio ser anatisadas, Com efeito, 0 in rerdiscurso ¢ 0 lugar no qual se constimem, para unt snjeito falantey pro ada, os duzindo uma sequéncia discursiva dominada por uma FD determi objetos de que esse sujeito enunciador se apropria pata deles fazer objetos de seu discurso, assim como as articulagdes entre esses objetos, pelos quais © sujeito enunciador vai dar uma coeréncia & sua declaragilo, no que cha maremos, depois de Pécheux siva que ele enuncia, E, entio, na relagdo entre o interdiscurso de uma FD. (1975), 0 dntnadiscurso da sequéneia diseur 0 intradiscurso de uma sequéncia discursiva produzida por um sujeito enunciador a partir de um lugar inscrito em uma relagio de lugares no in. terior dessa FD que se deve situar os processos pelos quais 0 sujeito fa ate € interpelado-assujeitado como sujeito de sen discurso. F igualmente nessa relacdo que se estabelece a articulagio do discurso com a lingua da qual dois aspectos foram estudados até agora: a) O pré-construido, Esse termo, introduzido por Paul Henry, desig na uma construgio anterior, & terior, independente por oposigiio ao que é construido na enunciagio. Ele marca a existéncia de um descompasso entre o interdiscurso como lugar de construgiio do pré-constrnido, e o intradiscurso, como lugar da enunciagio por um sujeito. Trata-se do efeito discursivo ligado ao eneaixe sints tico: um elemento do interdiscurso nominaliza-se ¢ inscreve- se no, intradiscurso sob forma de pré-construido, isto & como se 7 elemento ja se encontrasse ali, O pré-construido remete assim as evidéncias pelas quais o sujeito se ve attibuir os objetos de seu discurso: “o que cada um sabe” e simultaneamente “o que cada uum pode ver” em uma dada situagao, Isso equivale a dizer que se constitui, no seio de uma FD, um sujeito univers | que garante “o que cada um.conhece, pode ver ou compreender”, e que o assu- jeitamento do sujeito em sujeito ideolégico realiza-se, nos termos de Pécheux, pela identificagio do sujeito enunciador ao sujeito O conceito de formagio discursiva s universal da FD: “O que cada um conhece, pode ver ou compre ender” é também “o que pode ser dito”. Se o pré-construide da seus objetos ao sujeito enunciador sob a modalidade da exteriori- dade e da preexisténcia, essa modalidade se apaga (ou se esquece) no movimento da identificacao. b)A articulagdo de enunciados. O interdiscurso, enquanto lugar de constituigao do pré-construido, fornece os objetos dos quais a enunciacdo de uma sequéncia discursiva se apropria, a0 mes- mo tempo que (ele) atravessa e conecta entre si esses objetos; © interdiscurso funciona, assim, como um discurso transverse, a partir do qual se realiza a articulagiio com o que 0 sujeito enn ciador da coeréncia “ao fio de seu discurso”: o intrad uma sequéncia discursiva aparece nessa perspectiva como um urso de efeito do interdiscurso sobre si proprio. Se o funcionamento do interdiscurso como pré-construido’ foi estudado essencialmen- te a partir do encaixe das nominalizagdes no intradiscurso, seu funcionamento como discurso transverso deu lugar a trabalhos (Henny, 1975; PEcHEUX, 1975) concernentes as oragSes relati- vas, O emprego de uma relativa explicativa produz assim, por expressdes tais que “como nés dissemos/como cada um sabe, pode-se ver”, uma lembranga lateral do que se sabe por outro nos termos de lado (um “retorno do saber no pensamento Pécheux), produzindo um efeito de apoio correlative & articula- go das oracées no intradiscurso.* 2 Pode-se deerminar nos exemplos (a) € (b) a seguir, extraidos do jornal I'Humanite, de 28 de desembro de 1977, sob a forma de relativas explicativas incisas, a lembranga lateral de tum saber que vem, sob a modalidade do “como cada um o sabe" (no (a)) ou do cada um pode vé-lo” (no (b))smarcar © trago do interdiscurso enquanto discurso rransver so no intradiscurso: {@) Lembramos do comando da CFT ~ sindicaro controlado pelos patrdes — que abateu o delegado CGT, Pierre Maitre. {b) Dificil acreditar que 0 ministro do interior, que extrapola a0 colocar microfones nas casas das pessoas honestas, desconhece a existéncia de grupos especializados em explosi- vv0s plisticos e na metralhadora. Destaca-se, por outro lado, em (b) a presensa do interdiscurso enquanto pré-constraido nna nominalizacio: a existéncia de grupos (isto é: os grupos especializados em explosives plisticos e na metralhadora existente, 0 que cada um sabe... salvo © ministro do interior), 76 Anilise do discurso politico As concepgées desenvolvidas por Pécheux tém, assim, as seguintes consequéncias: (1) Eno interdiscurso como lugar de formagio dos pré-construidos € de articulagao dos enunciados que se constitui 0 enuincidvel como exterior ao sujeito de enunciagao. (2) A interpelagao-assujeitamento do sujeito falante como sujeito de seu discurso se realiza pela identificagao deste tiltimo ao su- jeito universal da FD; 0 sujeito enunciador é, nessa perspectiva, Produzido como um efeito das modalidades dessa identifica- 40; é, nos termos de Pécheux, o dominio da forma-sujeito. “O pré-construido corresponde ao ‘sempre-ja ali’ da interpretacao ideolégica que fornece-impée a realidade de seu ‘sentido’ sob a forma da universalidade (‘o mundo das coisas’), enquanto a articulagao constitui o sujeito na sua relaco com o sentido, de sorte que ela representa no interdiscurso 0 que determina a dominagao da forma sujeito” (PEcHEUX, 1975, p. 92). (3) A determinagao das condigées de produgao de uma sequéncia discursiva s6 deveria efetuar-se no quadro de definigao que constitui o conccito de FD, a partir do interdiscurso da FD que domina essa sequéncia como “conjunto complexo imbri- cado de FD e de FI”. Trata-se, pois, da expresso de uma posigéo tedrica na qual a nogao de CP de um discurso, cujos pontos fracos salientamos, encontra-se reor- denada em uma andlise que Ihe confere uma base tedrica que rompe com a concepgao psicossocial das CP dos discursos como circunstancias de um ato de comunicagao. E aqui que deve intervir a andlise do vinculo entre essa definigao te6- rica das CP de um discurso — colocadas sob a dependéncia da relagéo que uma FD mantém com a “pluralidade contraditéria” de seu interdiscurso eas operagées de constituigao de um corpus discursivo na construgio da isto €, a projegao no campo experimental dessa definigao tedrica. Nés esforcaremos em mostrar que a pratica de andlise de Pécheux contradiz, O conceito de formagio discursiva 7 na constituigao de corpora submetidos ao tratamento AAD, eorica que ele elaborou. 4 concepgiio 2A CONSTITUICAO DE CORPORA DISCURSIVOS EM AAD* 2.1 CORPORA DE ARQUIVO VS. CORPORA EXPERIMENTAIS DispSe-se, neste ponto, ao mesmo tempo dos corpora analisados no decorrer de aplicagdes do método AAD e de principios discutidos por Pécheux & Fuchs (1975, p. 25-30). Os corpora analisados sio de dois tipos, conforme mostramos no es- tudo do capitulo precedente sobre as formas de corpus em AD: ou corpora de arquivos (constituidos a partir de materiais preexistentes, como aqueles com os quais, por exemplo, os historiadores so confrontados) ou corpora experimentais (que equivalem a produgao de sequéncias discursivas por lo- cutores colocados em uma situagao experimental definida). Se a pratica de trabalho em corpora de arquivos é, antes, uma pritica de historiador, aquela em corpus experimental ¢ comumente adotada pelos psicélogos ou psicos- socidlogos quando da reuniao de seus dados. Os estudos realizados divi- dem-se de maneira quase igual em dois conjuntos: os corpora de arquivos foram constituidos de maneira classica a partir da selego de uma palavra~ ntextos de frase sao sistematicamente levantados num campo submetido ao tratamento AAD (Pécreux & WesseLius, ; 0s corpora experimentais S40 polo cujos co discursivo restrito € 1973; Pecueux & GavoT, 19715 Gayot, 1973) discursivas produzidas em situagao experimental constituidos de sequéncias io, a uma instrucao, a produgéo de um curto como respostas a uma quest! resumo de texto... (PECHEUX, 1974). 3. Remetemos, para a exposi¢do do mérodo, a Pécheux (1969), Haroche & Pécheux (1972), Pécheux & Fuchs (1975) 78 Anilise do discurso politico 2.2 A NOCAO DE “DOMINANCIA” Nos dois tipos de estudo, os corpora foram reunidos a partir de prin- cipios externos as caracteristicas técnicas do dispositivo AAD: é a nogao de “dominancia por CP estaveis e homogéneas” que “garante” as operacées de constituigio do corpus. No caso, por exemplo, dos corpora de arquivos tratados em AAD, a nogio de “dominancia por CP estaveis e homogéneas” recobre a delimitacdo de um campo discursivo restrito, a definigao das di- mensées de uma forma de corpus particular e a extracao de uma ou varias palavras-polos associadas a seu contexto por uma operagao de segmentagao das sequéncias discursivas (como a palavra “circunstancia” € seu contexto no estudo de Gayor & PicHEUX (1971), ¢ a palavra “luta” e seu contexto no estudo de PécHeux & Wesse.ius (1973)). Tal operagao sofre criticas gerais que podem ser formuladas em AD quanto ao postulado de coeréncia sob 0 qual é pensada a relagio do ideoldgico com o discursivo. O fato de associar ‘n corpora em um s6 num tratamento diferencial (P&cHEux & Fucus, 1975, p. 25) ndo nos parece tampouco escapar As reservas assinaladas acima, que se podem formular em relacio aos tratamentos contrastivos. 2.3 PROBLEMAS DE SEGMENTACAO E UNIDADE TEMATICA DO CORPUS De outro lado, a escolha da frase como unidade contextual no inte- rior da qual o funcionamento de pivés é estudado cria um grave problema, salientando a urgéncia em AD de desenvolver uma perspectiva intradiscur- siva. Na auséncia de uma teoria da interfrase sobre a qual os critérios de segmentagao das sequéncias discursivas poderiam ser estabelecidos, é por meio de uma solugao pragmatica que o problema se encontra “resolvido” nas aplicages da AAD: essa soluc&o equivale a favorecer a via “experimen- tal” em detrimento da via “arquivista” na constituigao de um corpus dis- cursivo, porque “o problema da segmentacao do discurso nao se apresenta {ou é mais facilmente solucionavel] no caso da via experimental” (Fucus 8 PécHEux, 1975, p. 29). Adiantaremos, ao contrario, que o problema da segmentagao se levan- ta nos corpora experimentais, ou mais exatamente, que é levantado de ma- © ceomenine de bor magic dh ~ peira implicita € due somente pode set Fesolvide ao comport necesariamente tods “mireemacine pa da segmentagio vurge de mancirs implicies vos “9 aie” ms tia “vituagdo experimental definida”, se determina que 48 wequincias discursivas 4 produsis no deverio exceder cer- ca de quinae linhas, por tastes perteitamente justificadas, no extade atusl do peocedimento informatica de procesamento, que se devern As i de capacidade de meméris que o programa permite a solenda 4 questo ds domemedo untagmétion das as discursivas, For outro arvefato se encontrs resolvids 4 quentdo de sus wnidade te- mmicica, soponts pels “dommincis por CP estaveis ¢ homoginess™. £ pelo cartier mdator he wma onvtracio ¢ da meturccs homopencizante de uma senmagho experimental que ve compande com 4 stuscéo ercolar que doms- nbncs, cetabuictade ¢ homogenetade vio garanndas na expenmentagio Bans dhticwldiade apatece na eeperitmcns Muomehiods (Picvain, 1974) erate. se Aun cm aa tataERtO “experimental” diemnado a revelar a ambipuadade adeologrca die am dhecierso, de extra wes paseagem do relatono Manshole, commderadio coma tignco ds obs, « de agrennes-lo sob duae anunaneras de- ferevtes (ems acvimanene de cegmende “etsido do telstono de wm grupo de eanadon comporto die seeponnawen do umdicato CDT ¢ de mubtantes de pat tndon che excparneie”. «wens accomatens de devente “exttaado do telatomo de ume grupo Prowpectiores. erage dic eefiende compuntn de repablacaros grocartismon ede outros memiros dis muaorie”) 4 dows grupos de extagsarion de uma recicha- gem para adeanetrachones techncen, aoe quaie of pecs pars remmmto o mam Scuempletamence” « «tease “obuetonamente” puneieel E pela excoths de ce extrate determinade do relator Manhole contendo slgues termes que vio desempenkar papel de “palavras-polo” Cexpansio demogritica’, “paises om via de desemotvimento”, “popala- ho mundial”, “baixa de consumo”) ¢ pels imerapio dada ~ produrir een “resume feel” dele — que ¢ suegarads s endade teminca das sequincsns discursivas produzidas pelos does grapes de locutores em “CP estswrs ¢ bomogineas”. Come no observat, de outro lado, que as ssterpertagies parcialmente divergences produmdas pelos locutores do texto-fonte. sob 4 de uma “leirura de esquerda” e de sma “lerura de dieesea”. abo tam Jum efrito do caréter weolopcamente ambiguo do relatine Manshole Prego dos artetatos que experimental". © proble- 80 Anilise do discurso politico quanto um efeito da prdpria situagdo (uma reciclagem em contexto es- colar): se é verdade que o sujeito é “interpelado” como sujeito ideolégico pelas “praticas” (notadamente discursivas) regradas por rituais no interior de aparelhos ideoldgicos do Estado” (ALTHUSSER, 1970), que Ihe impéem a evidéncia de um sentido, entio, a “situagao experimental”, que consiste aqui na reprodugao “simulada” das condigdes de assujeitamento ideolé- gico, produzira como evidéncia a coincidéncia entre o contetido do texto- fonte a assinatura, isto é, induzird “espontaneamente” uma leitura “de direita” ou “de esquerda” do mesmo fragmento, sob a evidéncia bem esco- lar do respeito que se deve aos (bons) autores. Isso equivale a destacar 0 parentesco entre as operagdes de consti- tuigio de um corpus em AAD e aquelas que criticamos no item 2 deste capitulo, no quadro das definigées empiristas das CP de um discurso em AD. O recurso ao “método experimental” a um corpus discursivo que as aplicagdes da AAD privilegiam parece-nos inadequado as exigéncias te6- ricas expressas no conceito de FD. Essa inadequagdo é um dos efeitos do atraso do método sobre desenvolvimentos tedricos e leva necessariamente a fazer cairem “essas praticas instaveis” (PEcHEUX & FucHs, 1975, p. 30) no lado da psicologia social das situagées e do idealismo que lhe é correlato. A experiéncia anteriormente descrita contribui, pois, antes de tudo, para sublinhar (¢ destacar) 0 efeito ou o impacto das “relagdes de lugar” no in- terior de um aparelho sobre discursos produzidos, a partir desses lugares; ¢ se fecha, assim, por seu desconhecimento, em uma delimitagdo metaforica HEUX, 1974) Assim, e para concluir sobre esse ponto, enquanto Pécheux & Fuchs em que “luta de classes” rima com “sala de classe” (Pé (1975, p. 29) propdem considerar que a “forma-arquivo é uma forma de- rivada, adulterada do processo de tratamento que, nessa perpectiva, é de natureza experimental”, nés afirmaremos que o problema que se levanta em AD, no que concerne & realizagao material de um corpus discursivo que seja adequado a elaboragio tedrica do conceito de FD, somente poderd ser resolvido pelo tratamento de um campo de arquivo como dispositivo experimental. Isso significa afirmar o carater necessariamente construido de uma experimentagdo como realizagao de hipéteses tedricas e distinguir tal experimentagao das “experiéncias” que colocam em cena “sujeitos con- cretos” ¢ “situagdes concretas” com caracteristicas miltiplas. a A wmstragéo de wm plane experimental que organize om camp de ar- guins devexé, enien, inchaiz 2 pessizilidade de acoder 20 interdiscarso de uma FD, 0 que probe 0 aso da AAD em siezagio experimental: é nesse sentido que 8 pode dizer que o procedimente somente fornece, sob 2 forma de dominios de partizeses Gscarinas, os “traces” des processe discursive inerente 2 ume saps Ge constracie dos elementos pré-construides de antiodlacks desses dlemennos, estande ausente do plano experimental, #6 pode sez sbordada om sxe forma de maneire sleatbria = partir dos “tracos” com one de maze 0 process Escacsins. Convade, essa reconstrugao do in- sexdiscarse tem sempre um carécer hiporétice pelo fate de que os elementos gue permiticizen maztac 0 incextiscarse no Sgacamn no corpus discursive. OS predimennon de constincics de corpors adorades pelz maloria des crabe- Thos de AAD equivelexn, cssimn. praticamente, 2 acular algumas das exigén- dias wires do procedimenns (dimimacio da cavegoria de contradigzo/abar- dono de ume debaigga histisice des CP do discarso)- Essa anulacZo € um Han de réesctigés do compocen da pecblemacice no incerior das ideologizs da nenardlidade ¢ dz Ge hes pricclogicas™, inno €, cas ho idecligicn de Exado, nos terms de Althusser Estranhe destinacZo que ‘ ae Geixzcemas exe thera: 2 nogia de aparelho iene questa, idecligica de Estabe rin 12 fecea ems sirmesmna por toma especie de necessida- de interna, no feckamerts que wiicames? Bigsmas de suas *aplicaces con- 3 areas (Baupecact & Esraster, 1971), note, 20 que parece, se ainda convém regionalizar os aparelhos ideologicos crtas”, arto om AD quamo levam 2 pensar: ena mais do gut ra pouco caso do tra- Marandin. que re- mos ef Outro em certo mimero.de pontos, 0 objetivo ¢ 0 objeto da AD e da Arqueologia divergem consideravelmente; isso significa que se encontrar na problemé- tica de Foucault muito mais uma pratica tedrica exemplar na construgéo do conceito de FD do que uma bateria de nogées aplicéveis imediatamente 4 AD: reler Foucault nao é “aplica-lo” a AD, é trabalhar sua perspectiva no interior da AD. Outras restrigdes suscitadas pelas exigéncias de um trabalho materia- lista foram expostas (Lecourr, 1972; Rowin, 1973; PEcHEUX, 1977); nao re- tornaremos a isso. Destacamos, em contrapartida, um problema que surge com a leitura da Arqueologia: trata-se da relacao entre materialidade da lingua e materialidade do discurso. Se Foucault (1969) toma muito cuidado em separar esses dois elementos como veremos a respeito do enunciado, sua articulagio nao é pensada sob a perspectiva foucaultiana, o que nao se dé sem as consequéncias que indicaremos. 3.1 O concerto pe FD © termo “discurso” néo é um termo primitivo, mas um objeto de construgio para a Arqueologia. Essa elaboracao o relaciona Aquela de FD. “Chamar-se-A ‘discurso” um conjunto de enunciados na medida em que se inscrevem na mesma FD” (op. cit., p. 153). A analise do discurso (no sentido de Foucault) passa, assim, por aque- la dos enunciados e das FD: ds descreveria sistemas de dispersao. Na possibilidade de des- ‘A anilise de uma FD estudaria formas de reparti¢ao ( crever, entre um certo niimero de enunciados, um seme- Ihante sistema de dispersao, ou de definir entre os objetos, tipos de enunciagao, conceitos, escolhas tematicas, uma regularidade (uma ordem, correlacées, posigdes e funcio- namentos, transformagées), dir-se-a (...) que se trata de uma FD. Chamar-se-do regras de formagao as condigoes As quais so submetidos os elementos desta repartigao. As regras de formagio so as condigées de existéncia (mas © conceito de formagite discursiva a também de cocxisténcia, manutengio, modificago ou desaparecimento) em uma dada distribuigdo discursiva (op. cit., p. 53), A definigéo de uma FD como forma de repartig#o ou ainda sisterna de dispersao convida a estabelecer a contradig4o entre a unidade ¢ a diversidade, entre a cocréncia ¢ a hetcrogeneidade no interior das PD, equivale a fazer de sua unidade dividida “a propria lei de sua existén- cia” (op. cit., p. 197), o que Foucault explica assim: “Se h4 unidade, ela nao esté absolutamente na coeréncia visivel e horizontal dos elementos formados, ela reside bem aquém, no sistema que torna possivel sua for- magao” (op. cit., p. 95).4 O conceito de FD parece entéo correlacionar contraditoriamente dois niveis distintos que constituem dois modos de existéncia do discurso como objeto: a) O nivel de um sistema de formagao dos enunciados, que se si- tua “aquém da coeréncia visfvel ¢ horizontal dos elementos for- mados” no plano das “regularidades pré-terminais” (op. cit., p. 100). “Por sistema de formacio é preciso entender um feixe complexo de relagées que funciona como regra” (op. cit., p. 97). Designaremos esse nivel como nivel do enunciado. Se aproximarmos essas formulagées daquelas de Pécheux, evi- dencia-se que tal sistema de formagao funcionando como regra refere-se “ao que pode e deve ser dito” por um sujeito falante, a partir de um lugar determinado ¢ em uma conjuntura no interior de uma FD, sob a dependéncia do interdiscurso desta ultima. O nivel de um “sistema de formagao” faz que a constitui¢éo da “ma- triz do sentido” seja inerente a uma FD determinada no plano dos processos histéricos de formagao, reprodug4o ¢ transformacao dos enunciados no campo do arquivo. b) O nivel de uma sequéncia discursiva concreta, “estado terminal do discurso” (op. cit., p. 100), na medida em que esta manifesta 4 Grifo nosso. 84 ‘Anélise do discurso politico uma certa “coeréncia visivel ¢ horizontal dos elementos forma- dos”, ou seja, um intradiscurso. Toda sequéncia discursiva, oy discurso concreto, existe, portanto, no interior do “feixe com- plexo de relagdes” de um sistema de forma¢ao: é, propriamente falando, “um né em uma rede” (op. cit., p. 34). Chamaremos esse nivel de nivel da formulagao Isso implica que toda sequéncia discursiva deve ser apreendida enquanto objeto tomado num processo discursivo de reprodu- ¢4o/transformagao dos enunciados no interior de uma dada FD: 0 estudo do intradiscurso que tal sequéncia manifesta é indisso- cidvel da consideragdo do interdiscurso da FD. A aproximagao que estabelecemos mais anterior mente entre os niveis de um “sistema de formagdes dos enunciados” e do “interdiscurso” de um lado, do “estado terminal do discurso” e do “intradiscurso” de outro, nas respectivas problematicas de Foucault ¢ de Pécheux, nao deve levar a crer que essas duas abordagens do conceito de FD podem ser traduzidas uma pela outra. Se os procedimentos manifestam uma isomorfia de descrigio dos niveis em jogo em uma FD (na medida em que eles mantém uma certa relacao de filiagao, 0 conceito de FD proveniente do trabalho de Foucault), eles tém, no entanto, uma especificidade que nao poderia ser reduzida’ isso particularmente no que diz respeito as definigdes do enunciado e do sujeito na Arqueologia. Antes de chegar a isso, examinemos a nogao de enunciado em AD. 3.2 O enunciapo Em AD E preciso observar bem a auséncia, no campo da AD, de uma concep- 0 especificamente discursiva do enunciado. Essa nogdo somente recebe, com efeito, uma acepgao vaga ou empirica, que a subordina a problemati- ca da lingua. O enunciado em AD muito frequentemente sé designa a rea- lizagao de uma frase em superficie: na designacao “o enunciado seguido”, 5_ Essa observacio vale para todas as aproximages que indicaremos entre as duas aborda- gens do conceito de FD. O-coneeito de farmagio diseuroiva #5 ele se refere a uma suces flo de frases en tna superficie diseursiva, cujos modos de encadeamento foram até agora pouco estudados, Insereve se, por outro lado, em uma opoxigto bipolar com a enunclagao ¢ denota, nests sentido, 0 texto acabado e ence ado munido de sua estrutura linguistics, caracterizével a partir de unidades discretas, Pigura as vexes coma prripos) so logica; na AAD, o enunciado elementar designa um vetor indexadn de categorias morfossintaticas que vem codificar um conteddo proposicional Os enunciados representam, entio, “Atomos”, “grins” de discurse, exjas combinagdes produzem 0 texto, infin, acorte que se suplemento pragmatico destinado a comuti-lo em discurso, Ao contratio das definigoes precedentes, Foue Ihe assoeie um ault situa de saida o enunciado em uma perspectiva discursiva: o que define o enunciado na Ar queologia & 0 que o distingue das unidades que artic objetos da légica, da gramatic, mn O89 respectivos ou da Escola Analitiea; o enunciado nao & a proposicao, nem a fr fe, nemo ato de linguagem, “encontram-se enun ciados sem estrutura proposicional legitima; encontram-se enunciados lA onde nao se pode reconhecer fi , encontram-se mais enunciados do que se pode isolar speech acts (op. ci +P. 111), Ou ainda: “o enunciade no existe do mesmo modo que a lingua, apesar de ser composto de signos que somente sao definiveis em sua linguistico” (op. cit., p. 114). individualidade € no interior de um sistema A descrigio do enunciado na Argueologia ~ a “andlise enunciativa” ~ pGe em jogo a questo central para a AD da relagio entre materialidad lingua e materialidade do discurso; a da im, encontramos ai a dificuldade que destacamos anteriormente: esses dois aspectos siio cuidadosamente separa- dos por Foucault, mas niio articulados. A tripla distingo que ele opera, pela negativa que o discurso mantém, ind ‘a, entretanto, uma relagio privilegia- da com a estrutura Iégica, gramatical ou pragmatica do sistema linguistico (dando aqui uma ampla acepgio a esse termo), Isso ocorre, em nossa opi- nido, com a maioria dos objetos da Arqueologia: sua utilizagao necessita de a rearticulacio, aquém das di s que os fundam, a uma problemAtica AD. Esse ¢ 0 sentido da releitura que faremos da definigo do enunciado. ings 86 ‘Anilise do discurso politico 3.3 O ENUNCIADO E 0 SUJEITO NA ARQUEOLOGIA O enunciado encontra-se definido a partir de quatro Propriedades que delimitam sua “fungao de existéncia”, a “funcdo enunciativa”: + oenunciado esté ligado a um referencials + o enunciado mantém com um sujeito uma relagao determinada, « oemunciado tem um dominio associado (uma rea); + o enunciado apresenta uma existéncia material, distinta daquela da enunciacio. a) O enunciado esta ligado a um referencial O referencial do enunciado “forma o lugar, a condi¢do, 0 campo de emergéncia, a instancia de diferenciago dos individuos ou dos objetos, dos estados de coisas e das relagdes que sao postas em jogo pelo proprio enunciado. Ele define as possibilidades de aparecimento e de delimitagao daquilo que dé sentido a frase e que dé A orago seu valor de verdade” (op. cit., p. 120-121): é no enunciado que se constréi a estabilidade referencial dos elementos do saber. b) O enunciado mantém com um sujeito uma relacdo determinada O sujeito que esté em questio nao é 0 sujeito gramatical, tampouco © sujeito da enunciagao. Nao ser4 descrito como o individuo que realmen- te teria efetuado operagées (...). Portanto, nao se deve conceber o sujeito do enunciado como idéntico ao autor da formulagio (...). “A articulagao escrita ou oral de uma frase ndo é, com efeito, o ponto de partida desse fenémeno” (op. cit., p. 124-126). O sujeito, na perspectiva foucaultiana, néo pode ser reduzido a uma entidade linguistica nem a uma subjetividade psi- col ldgica qualquer. Entre as nogdes que vém caracteriz4-lo, destacaremos aquela de posigao de sujeito, O conceito de formagio discursiva 7 b.1 Posi¢ao de sujeito Por individuos até . : formularem o enunciado” (op. cit Oba Pome indifeenes, ao *»P- 123). Observemos, para comesar, que dividem-se as nogées utilizadas aqui, confor em dois planos ou niveis: aquela de um “ ‘me destacamos anteriormente, se a Feolcchn © enunciado tem um sujito, a formulagao é individuo”, ou'de um “autor” “Desi a : , rever uma formulagio enquanto enunciado, analisar as relagoes entre 0 autor € 0 que ele disse ( qual a posicao que todo individuo pode e deve ocup (op. cit., p. 126). Essa fungao vazia consiste, nao consiste em .), mas em determinar ar para ser seu sujeito” assim, em uma posigao de sujeito. Um exemplo vem ilustrar essa nogio Ra Arqueologia: num tratado matematico, no prefacio em que comunica suas intengées, o autor ocupa uma determinada posigao (aparece na qualidade de autor, dirige-se ao lei- tor, agradece tal individuo...), em seguida, outra posigo no corpo do tra- tado, “posigao neutra, indiferente ao tempo, ao espago, as circunstancias, idéntica em qualquer sistema linguistico” (op. cit., p. 124). b.2 Posicao de sujeito e desdobramento da forma-sujeito © que Foucault enuncia pode-se expressar na problematica da forma- sujeito, trabalhada por Pécheux (1975) ¢ depois por Henry (1977). Essa “fungdo vazia” que a Arqueologia descreve, indiferente aos sujeitos enun- ciadores que vém preenché-la, é 0 lugar do sujeito universal proprio a uma determinada FD, a instancia de onde se pode enunciar “todos sabem ou veem que” para todo sujeito enunciador vindo situar-se num lugar de- terminado, inscrito nessa FD, por ocasido de uma formulagao. Assim, © ponto onde se ancora a estabilidade referencial dos elementos de um saber. Esse lugar, ento, sé € vazio na aparéncia: ele € preenchido de fato lo sujeito do saber proprio a uma dada FD e existe na identificacao pela de saber wunciados) pré-construidos de que eles se apropriam como objeros de | os sujeitos enunciadores vém encontrar nela os elementos 88 do discurso politico seu discurso, assim como as articulagdes entre esses elementos de saber que assegiram uma coeréncia intradiscursiva a suas declaragées. E nesse sentido que se poderia dizer, com Foucault, que 0 sujeito esta em “descontinuidade consigo mesmo” (op. cit., p. 74): em toda formulacao © sujeito enunciador “encontra” o sujeito do saber, sem o seu conhecimen- to, sob forma de pré-construido e de articulagao de enunciados, e as mo- dalidades desse encontro variam ao longo da formulacao; assim se pode reinterpretar 0 exemplo do tratado matematico informando que o sujeito enunciador apaga no prefacio sua relagdo com o sujeito do saber para de- saparecer por detras 0 sujeito do saber no corpo do tratado. Estamos aqui no dominio da forma-sujeito, ou mais precisamente, do desdobramento da forma sujeito que P. Henry (1977, p. 59) introduz: Dever-se-ia conceber um proceso de desdobramento do sujeito da enunciago, sendo um dos sujeitos identificado com 0 locutor e se encarregando supostamente dos conteti- dos fornecidos; € 0 outro, duplo do primeiro, nao se iden- tificando mais com o locutor e assumindo por essa razao © estatuto de sujeito dito “universal”. Compreender-se-ia, ento, que os contetidos relacionados a esse segundo su- jeito (pré-construidos) parecem investir-se desta espécie de evidéncia que é 0 atributo do sujeito dito “universal”, sujei- to da ciéncia, ou do que se estabelece como tal. Concebemos, portanto, uma posigao de sujeito como uma relacio determinada que se estabelece em uma formulagio entre um sujeito enun- ciador ¢ 0 sujeito do saber de uma dada FD. Essa relagio é uma relacao de identificagao cujas modalidades variam, produzindo diferentes efeitos- sujeito no discurso. A descrigao das diferentes posicdes de sujeito no in- terior de uma FD e dos efeitos que esto ligados a ela é 0 dominio de descrigao da forma-sujeito. © antissubjetivismo de Foucault 0 leva aqui, concebendo uma po- sigdo de sujeito como simples interpermutabilidade dos locutores, a ne- gligenciar os processos de identificaco pelos quais um sujeito falante é constituido em sujeito ideoldgico de seu discurso; nds jA distinguimos esse Oconecita de > coneeita de formagito discursiva 9 la problematica da a ponro da pr matics da Arqueologia, no fato de que esta Gitima elide, na verdade, 0 mecanismo do assujeitamento,"'O trabalho de Voucault aprovt -se, a propdsito do sujei rel ologl se, a propdsito do sujeito, da relagio da Lingua com a ideologia, nas ma limita-se a isso para terminar em uma via parale ¢) 0 enunciado tem um dominio associado ae feces ‘De uma maneira geral, pode-se dizer que uma sequéncia lingulstica somente é um enunciado se ela estiver imersa num campo enunciativo onde ela aparece, entéo, como um clemento singular” (op. cit., p, 130). O enun- mpo adjacente”, ciado apresenta, pois, um “campo enunciativo”, um “c ado”: esse dominio 806i um “espago colateral” ou ainda um “dominio associado, sem a existéncia do qual a “fungiio enunciativa” niio pode ser exercida, consiste em uma rede de formulagées nas quais o cnunciado se insere e forma elemento. Esse dominio associado do enunciado compreende: 1, As formulagdes no interior das quais o enunciado se inscreve € forma um elemento em uma sequéncia discursiva. O enunciado se encontrar ai definido por sua inscrigdo em uma posigdo de sequéncia horizontal ou intradiscursiva ‘As formulagées “as quais o cnunciado se refere (implicitamente ‘ou no), seja para repeti-las, seja para modificé-las ou adapts- las, seja para se opor a elas, seja, finalmente, para falar delas; nao ha enunciado que, de uma mancira ou de outra, nfio reatua- lize outros enunciados” (op. cit., p. 130). 3. “O conjunto das formulagées, as quais 0 za a possibilidade futura ¢ que podem vir depois dele, como sua consequéncia, sua continuagao natural ou sua réplica” unciado organi- (op. cit., p. 130). ito universal 6 produzida 6 A mesma elisio da relagao de um sujeito enunciador com 0 sui na nocio de locutor coletivo que Gardin & Marcellesi (1974) utilizam, mas sob a forma de uma inversio simétrica. Longe de ser uma forma vazia, indiferente aos sujcitos enun- ciadores, 0 sujeito do discurso é pensado ai na forma plena de uma adi¢éo, ou de uma colegio de todos os sujeitos enunciadores. O mito empirista de uma “fala coletiva” vem qui recobrir 0 mecanismo de assujcitamento. 90 Anilise do discurso politico © enunciado entra, pois, em uma rede interdiscursiva de formula. sao. E € al, nos parece, que se pode encontrar na Arqueologia elementos tedricos permitindo conceber procedimentos de reuniao ¢ de organizacao de materiais empiricos que rompem com o postulado de homogeneidade que domina as operagdes de constituigao de corpus em AD, ainda que essa questo nao seja abordada por Foucault, enquanto tal. Observemos, em primeiro lugar, que o enunciado se encontra situado, de um lado, em uma relagao horizontal com outras formulagées no interior do intradiscurso de uma sequéncia discursiva; ¢, de outro, em uma relagao vertical com formulacdes determinaveis noutras sequéncias discursivas no interdiscurso de uma FD: a definigio do enunciado novamente acentua a indissociabilidade dos dois modos de existéncia do discurso como objeto. Por outro lado, nessa rede vertical, ou interdiscursiva, de formula- ses, um dado enunciado tomaré lugar entre um conjunto de formulagées extraidas de sequéncias discursivas levantadas de outras CP do discurso, entre as quais algumas serao heterogéneas. Com efeito, a sequéncia dos termos “referit-se” (implicitamente ou nao), “repetir”, “modificar”, “adaptar”, “opor-se a”, etc. indica que o enunciado insere-se em uma série de formulagdes entre as quais algumas so dominadas pela mesma FD que aquela que domina a sequéncia discur- siva de onde ele ¢ extraido (sio produzidas em CP homogéneas), a0 passo que outras, as quais o enunciado deve-se opor, referir-se implicitamente, modificar, etc. podem ser produzidas em CP heterogéneas em relagéo 4s suas, isto é, sob a domindncia de uma ou varias outras FD, mantendo rela- s6es de contradi¢do (antagonismo, alianga, ajuda, cobertura, recuperagao, etc.) com a primeira. Isso permite dizer que, no plano de constitui¢ao de corpus, a inscrigo de um enunciado num conjunto de formulagdes — como “um né em uma rede” — deverd ser caracterizada a partir de uma pluralidade de pontos, constituindo, ao redor de sequéncias discursivas tomadas como ponto de referéncia, uma rede de formulacées extraidas de sequéncias discursivas, cujas condigdes de produgao sera, ao mesmo tempo, homogéneas e hete- rogéneas em telagao a sequéncia discursiva de referencia. Comegamos a seguir a nos aproximar, em um exemplo, da forma de um corpus que corresponde ao que Foucault define como o dominio asso- © canceito de formagio diveursiva uw ciado do enunciado © a partir do qual we pode determinar o interdiscurse de uma ED, sob a forma das relagion de repotiga cho, redefinigdo, et ED distintas refitagito, transfor + qute se estabelecom entre enuneiados provenientes de partir de posigdes ideoligican dadas, d) O enunciado apresenta uma exinténcia matorial, dintinta daquela da enunciagio Essa propriedade do enuneiade conclu a definigiio que the dé a Ar queologia, Esta tiltima opse, com efeito, a mater ado Aquela alidade da exinténcia do enn a enuneia gio: pode-se falar do mesmo enunciado, onde hé varias enunciagdes distintas: “A enunciagio & um acontecimento que nio se repete. Ela tem uma singular pode reduzir” (op. cit., p. 134). de situada e datada que no se Se neutrali: armos a cnuncia gio, seu tempo e seu lugar, 0 sujcito que a realiza e as operagées que este sujeito utiliza, “o que se destaca, é uma forma que é indefinidamente repetivel ¢ pode dar lugar as mais dispersas enunciagées” (op. cit., p. 134).” O par enunciadolenunciagdo funciona diferentemente na Arqueologia ena tradigo linguistica que a AD retoma: se a nogio de enunciagao utiliza- da por Foucault é préxima aquela tomada pela AD (atividade de produgio de um discurso por um s jcito enunciador em uma situagao de enunciago), 60 enunciado encontra-se, em compensagio, ligado & nogio de repetigao. A existéncia do enunciado é da ordem de uma materialidade repetivel que “ dirige, segundo uma dimensio, de algum modo vertical,’ As condig6es de existéncia dos diferentes conjuntos significantes” (op. cit., p. 143). A opo- sar o discurso na unidade ¢ sigdo enunciado/enunciagio permite aqui pen na diversidade, na coeréncia e na dispersio, na repetigao e na variagéo. Tal oposicao reparte esses modos contraditérios de existéncia do discurso como objeto nos dois niveis, o do enunciado ¢ 0 da formulagio, que a descrigéo a existéncia vertical, interdiscursiva de um sistema de das FD pe em jog: formagio dos enunciados assegurando ao discurso a permanéncia estrutural Grifo nosso. Grifo nosso. 92 Anilise do discurso politico de uma repetigao, corresponde a existéncia horizontal, intradiscursiva da formulago, onde a enunciagao pode produzir uma variagao” conjuntural, As duas tiltimas propriedades do enunciado que acabam de ser men- cionadas apresentam, para nés, um interesse maior do ponto de vista da definigao tedrica ¢ da determinagio empirica de uma FD. Entretanto, elas criam uma dificuldade que ilustraremos com um exemplo. 4. O NIVEL DO ENUNCIADO E O NIVEL DA FORMULACAO: UM EXEMPLO Seja (1) um enunciado extraido do corpus da pesquisa: (1) Nossa politica em relagio aos cristdos no tem absolutamente nada de uma titica de circunstancia, é uma politica de principio. Esse enunciado provém de uma sequéncia discursiva respondendo a CP determinadas: é extraido de uma entrevista concedida ao jornal La Croix, por Georges Marchais, secretario-geral adjunto do PCF (Partido Comunista Francés), e publicada na edigao de quinta-feira, 19 de novem- bro de 1970. Pode-se, pois, relacion4-lo a um sujeito enunciador, que 0 enuncia em uma situagdo de enunciagao determinada, a partir de um lugar definido no seio de um aparelho ¢ isto em uma conjuntura caracterizada por um certo estado das relagGes sociais. Esse enunciado constituira aqui um ponto de referéncia, escolhido ar- bitrariamente, a partir do qual queremos mostrar a possibilidade de um tal enunciado inscrever-se em uma rede de formulagées. Observemos, de inicio, que esse enunciado toma lugar, entre outras formulacées, no intradiscurso da sequéncia discursiva, no interior da qual 9 E talvez nesse ponto que Foucault tenha encontrado espontaneamente os termos da dico- tomia sistema/sujcito, fundadora da linguistica estrurural, ¢ 0s tenha deslocado. 10 A descrigdo do corpus serd eferuada mais adiante (ver Capitulo IV). Observeros que 0 termo enunciado aqui € utilizado a maneira de Foucault, quando este o define a partir de seu “dominio associado”. © conceito do formagio discueaiva ” cle se produziu: © emunciado (1) figura He; raise if num conten oh a mexto Intrad (2) (Pergunta da entrevista), No fundo, qual 6a vasdo da politics dita da mao estendida? ‘Tratarse de uma tdtica d . mentar sua influéncia politica (...)? O Sr eleitoral (, destinada a au Procura um reforgo }8/(Resposta de GM.) (1)! Sobre o que ela repou sa? Repousa no fato de que (...) O enunciado (1) inser Se, pois, no interior da sequéncia discursiva constituida pelo texto da entrevista num contexto intradiscursivo de formu- lagio com o qual mantém uma relagio particular (nesse caso (1) é tomado como efeitos de didlogo, pelo fato de que constitui uma resposta a uma série de perguntas da entrevista...), ‘Trata-se ai de uma relagio horizontal, referente a uma descricio do intradiscurso. Mas (1) tece outros Lagos com formulagées localizaveis no scio do pro- nesse caso a FD. cesso discursivo inerente & FD que o domii “comunista”: (1) existe igualmente em uma rede discursiva, ou vertical, de formulagdes como (3)-(9): (3) De Lille, um pai de famtlia, catdlico praticante, escreveu, em julho de 1936, que tinha dado pouea importincia ao primeiro apelo que se podia ficar tentado a acreditar ditado pelo inte le nao hesitava em dar seu assentimento ¢ nos resse eleitoral. E! encorajar comprovando, em seguida, nossa inflextvel perseve- ranga."' (M. Thorez, outubro de 1937) (4) Voltou-se contra nés a censura tio pouco de agit com duplicidade. (M. Thorez, outu- original de mano- brar, de enganar, bro de 1937) / ' (5) Esse, hoje, confirmamos nossa posigio de 1937, € ques entos no se tratava, como alguns assim querem fazer crer, de um en- gano, de uma tatica ocasional, mas sim de uma posigao politica LI Grifo nosso. ” Anilive do diseuree polities perfeitamente em acordo com nossa doutrinn o leninismo, (W, Kocher, 14 de dezembro de 1944) (6a) Para nds a wnido, Mat Kiones Who é ume Ldticd ocasional, wma manobra ligada a conjuntura (6b) a luta pela wnido constitu una constante, wen Principio da Po. litica de nosso partido, (6c) Nosso partido sempre se aplicom com puixdo € Pacitneia 4 HIT Ov Operitios, a agrupar em torno deles todas ay vitimas do poder do dinheito, todas as forgas vivas da nagio, (6d) Propomos as diversas camadas socials confusio, mas em uma base preci de 24 de outubro de 1974) que se unam, ndo na : (XXI Congreso do PCE, (7) Os cristios verificam cada ver mais que a cooperagio, a luta comum que Ihes propomos ndo é uma armaditha, mas um pro. cedimento de principio (Principios da politica do PCF, outy- bro de 1975) (8) Dizer isso ¢ destacar quanto a politica de unido ¢ para nés uma politica de principio. (XXII Congresso do PCE, 4 de fevereins de 1976) (9) Nao, isto no é pela tatica momentinea ena confusio ideologies ue Procuramos apaixonadamente faret que se encontrem, lado 8 lado, todos aqueles que querem a libertagio comunistas porque é seu ideal socialista, € o8 c seu ideal evangélico. (G. Marchais, 10 de junho do homem ~ os ristos porque de 1976) Ea uma simples determinacio empirica que Procedemos para reagru- Par as formulagies (3)-(9): trata-se de uma sere cronologica, extraida de dife- uais 08 termos grifados lagies umas as outras, O conceito de formagio discursiva 95 Se considerarmos mais uma vez 0 enunciado (1) tomado como ponto de referéncia, devemos indicar que a propriedade que ele manifesta, de figurar como “um nd em uma rede”, nao se limita ao conjunto (3)-(9) das formulagdes pertencentes 4 FD comunista. As formulagées (3)-(9), ex- traidas de sequéncias discursivas ilustrando um aspecto regional da FD comunista ~ 0 discurso comunista “enderegado aos cristdos” — somente tém existéncia discursiva na contradigéo que as opéem ao conjunto das formulagdes (10)-(16), produzidas em CP heterogéneas as suas, em outras palavras, a partir de posigs (10) (ily) (14) (15) 16) de classe antagénicas: © comunismo é intrinsecamente perverso, e nao se pode admi: tir, em nenhum terreno, a colaboragao com ele. (Pio XI, 19 de marco de 1937) A Vox (de Thorez) se esforcava em vao, ternamente urgente como a da camponesa que chama seus bichinhos: “Filhotes! Filhotes!” Eu me dizia: “Nao, é impossivel que eles avancem. (F. Mauriac, Le Figaro, 18 de abril de 1937) Os cristios se deixam pegar na armaditha de uma filosofia vul- gar da historia, (R. Aron, 0 Grande Cisma) Oc da seducao discreta, da impregnagao lenta ou da solicitagao dlico nao pode permanecer ingénuo, nem isolado diante organizada do comunismo de hoje. (Mons. Fauche, bispo de Troyes, feverciro de 1976) Os catélicos sio chamados, numerosos so os que se deixam prender. (J. Boudarias, Le Figaro, 10 de junho de 1976) Haveria uma ave catolica a depenar? (Y. Levai, Europa 1, 11 de junho de 1976) E mesmo se Marchais adjurasse sua fé, isso nao seria uma dag astticias que Lenin aconselhava precisamente? (G. Senchet, L’Aurore, 11 de junho de 1976 Os termos grifados em (10)-(16) novamente fornecem, uma vez mais, marcas intuitivas permitindo, na rede de formulagdes, extrair a repetibi- lidade de certos elementos, a0 mesmo tempo que um conjunto de varia- Ses; as duas séries conhecem um desenvolvimento paralelo que pode se 96 Anilise do discurso politico perceber a partir da recorréncia contraditéria, no interior do proceso discursivo inerente a cada FD, de elementos de saber opostos e que perma- necem estaveis em seu antagonismo, que um enunciado como (17) poderia condensar de maneira aproximativa: (17) A unido com os cristaos nao é uma artimanha, é um principio da politica dos comunistas vs. A politica dos comunistas é uma armadilha na qual os cristdos nao se devem deixar prender. A formulacao (17) constitui uma aproximago dessas “formas inde- finidamente repetiveis” podendo ocasionar “as enunciagées mais disper- sas” que mostramos nas séries (3)-(9) € (10)-(16): isso equivale a dizer que se trata, nos termos da Arqueologia, de uma relagdo contraditéria entre dois enunciados. E ¢ ai que se situa uma dificuldade maior da definigao do enunciado: este termo pode designar, na problematica de Foucault, ao mes- mo tempo uma expressto como (17) ¢ uma formulacao como (1). Os dois niveis de descrigao de uma FD, distinguidos na relagao enunciado/enuncia- do, esto confundidos na defini¢ao do enunciado a partir de seu dominio associado. A definicao do enunciado nao é, pois, fixada; essa indecisdo deve ser relacionada 4 concepgao descrita anteriormente, de uma posicao de su- jeito como forma vazia, indiferentemente preenchida por locutores inter- cambiveis. Veremos af os efeitos de retorno das questdes cuja elisio a ‘Arqueologia produz: aquelas da relagio do discurso com a ideologia e da relagao do discurso com a lingua. O sujeito do discurso é, de fato, ao mes- mo tempo sujeito ideoldgico, na sua relaco com o sujeito do saber que assegura o enunciado; e sujeito falante, por poder enunciar os elementos desse saber na formulacao. Parece-nos, assim, crucial, na andlise das FD, distinguir o nivel do enunciado e da formulagao, assim como produzir sua articulag4o, na qual se constituem o discurso € 0 sujeito.

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