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Combates & Rituais Retratos da velhice. Um duplo petcurso: metodolégico e cognitivo Disserlagio de mestrado defendida no curso de Multimeios do Instituto de Artes da Unicamp. Orientador: Prof. Dr. Etienne Samain estudo “Retratos da velhice, Umdu- plo O percurso: metodoligice © cognitive ‘oferece principios de uma reflexio metodolégica sobte as potencialidades da fotogra- fia, quando se trata de pensarmos como-a memi- ria de pessons idasas se constedi e se organiza por meio de imagens O estude foi desenvolvide a par tir de dois suportes da comunicagao humana: a serbidade © a riseudlidaek, Desta forma, os grandes ‘momentos deste trabalho se desenvolvem no hon zonte de trés cixos correlacionados: a sensdiia, peluer imagens, resexvando 3 intepsalidade da tia jetdria desta dissertagio, uma vertente exploratrer em tomo dos Betas da Velie. Qs dois suportes comunicacionais foram empregados como péilos de entrada neste mundo da meméria de idosos: a ritwalddade exposta pot meio deimagens fotogsificas euardadas nos “batis” cinco pessoas idosas ¢,a rerbalidadk, ortunda concretizada a partir de enirevistass Q subtitulo, Une dpi perceesee metodaligica & copnitiveclefine a ditecao da pesep se explanaralgo inovador sobre a velhice ea me- méria de pessoas idosas conjugando-se a émagenr ea pclarra, sa: 0 descjo de Fasiana Bruno Colocados diante de uma imagem, de fato, somos, todos, de uma mania ou de outta, conv dados a penetrar na espessura de uma historia, a entrarnum tempo pasado, zeavivi-lo exeatualizi- To por meio de palanas, Sem deixar de reconheceea devida importincia dos relatos orais assim consti- nidos, por meicy «a partir de imagens, propde-se, todavia, nesta pesquisa, pritigiar as imagens, na. medida em que so, pensamas, muito mais do que “maguinarias da lemibeanca’”. Propomos, entio, encasar a memoria das pessoas idosas como uma arquitenura singular ¢ refletir sobre a questi do “‘malmilho depensamento” queas imagens reabizem, centre si, enquanto sio formas —portadoras de sig- nificagdes — em constante proceso de assoctacio ‘com outras formas Entrar no universo dessas fotografins, guia- dos pda meméra doidoso, éimduibitevelmente uma viagemn que, is vezes, teansporta-nos paca muito ppeeto da fotogeafia ¢, noutras, distancia nos dela, em diregio a temdticas ¢ horizontes visualmente inaleanciveis, Acompanhar esta viagem e seguir o ppetcurso desta memeéria, que mergulha nas sucess vas camadas da fotografia, articulando esses feag- mentos—de uma realidade secortada no tempo € AESGATE (13), 2004. Bruno, F.- p.177-184 177 Combates & Rituais no espago — com os relatos orais dos velhos, eis & que se propde no rehito do desenvolvi- mento metodoligico desta pesquisa. Uma ten- tativa de sugerir — por vezes de descobrir —ca- minhos metodolégicos capaz discernimento mais prec cognitivas existentes entre © verbal eo visual e de revelar modos oper: s do “trabalho da memoria”. Antes de apresentarmos os s de levar a um. = articulagées ciona questionamentes proprios das dimensé exploratdrias desta dissertagio, brevem tuaremos 0 universo deste empreendimento. (Os INFORMANTES ESEUS Batis FOTOGRAFIGOS A pesquisase desenvolveua partir dos“batss forognificos” —conjuntos de forografins reunidos, e guardados ao longo da vida —de cinco pessoas vvelhas, homens ¢ mulheres com faixa ctiria entre 70c80 anos, os quais nem semprese conheciam. ‘Tinhamemcomum, no entanto, suascolegdes pes soaisdeimagens, sendo que dois dos informantes distinguiam-se dos demais por serem, além de guardadores, colecionadares, amhém produto res forogrificos. Apésaconstrugfio deum relaeionamento de confiangamuinua entre pesquisadore informante,a. cada uma dessas cinco pessoasidosas foisolicitada ‘uma mesma tarefa:ddedicar se revisitagi do con. junto deus fotoprafias pessoais para escolber cerca, de 20) imagens, das quais mais gostassem ou que: melhor pudessem representar a suai prisptia traje 16ria de vida. As semanas se passaram. Os conta tos pessouis entre pesquisadota ¢ informantes seprolongaram, atéodia em que cada um sesentiu pronto pam apresentar sua escolha e—0 que nie imaginivamos plenamente até entio= enentar es pontaneamente [1] as suas fotos preferidas Desta forma, os idosos, a0 abrirem suas co- 178 lecdes, com 0 recorte de 20 imagens, nos oferect- am preciosos dados visuais ¢ verbais, alimentando a pesquisa em curso, Para o descmpenho desta ta- refi elaboraram operagies mentais e para conclu rem a atividade da cxnius —semn ter necessariamen- te consciéncia da operagio ~ ontanan um conjun- ro visual da.ordem de 20 fotografiax Somente de- pois, com base nos registros imagéticos que tinham diante dos olhos,é quese puserama relatar,a partir das forografias,ecom elas, suas memirins, suasex- periéncias de vida, sua visio de munda, Os dados tinham se multiplicado eas problemiticas também. Diante do grande volume de fotogeafias re- colhidas ¢do ado menos complexo conjunto de evocagdesa que deram espago,a pesquisa, para se tomar vidvel, exigia um reeotte, Propusemos as- sim aos mesmos cineo informantes wma neva tare selecionar do conjunto de 20 fatogra fas ja apte. sentadas, apenas 10..\pés repetiten mesmo pro cedimentoenvolvendo 0 proceso de escolha, cada tum dekes nos ofereceu um outro ¢ simultanes re- gistro oral de suas impressdes, decorrentes de uh novo trabalho da meméria, isioé, de um nove per ‘curso da memaxia, indigo ¢ proche pelo reateanjo ta reformulacio das proprias “formas” signicas ccontidas nas forografias. ‘Um Durto Casantio Quando iniciamos os primed contatos coma tede de informantes, formada por cinco pessoas, ainda nfo podiamos medir 0 que vitiam a ser os _primeims albares sobre a tenvitica ¢, muito menos, imaginat o que significaria mapear com certo rigor nos detalhes as dados (visuais ¢ verbais) que iam. sendo recolhtidos Todavia, o proprio movimento de investi sgacio junto rede deinformantes revelou, rapida mente, aamplitude do empreendimentoe su com: "RESGATE (13), 2004. Bruno, F.- p.177-184 plexidade. A pesquisa se desenvolveu em tomo de dois cixos complementares. Num primeira, intitulacks Primaras comkelns, pcre ollares, parti. do das primeiras cntrevistas ofcrecidas por nossos informantes, dona Celeste ¢ sea Moaciz, Dos mo- wimentos indicativos verbais nelas registrados, se uiu-se os passos de um percurse de “seconhe- cenga”,de “triage” e de “montagem!”— exercieci- ‘os de memérin, que os informantes realizaram em. tomo de seus batis fotogrificos. ‘Num segundo momento, um tanto inverso, intitulado Novas contates, oxcros offarcs, operamos, desta vee, com dois conjuntos imagéticos ¢ as oe undas ontrevistas desses mesmos informantes Procuramos desvendar cntio, o trabalho da me- mériaa partir de “modelos de percurso’” ¢ de “ar ranjas visuais”, passando, depois, exploragio de “elosinteratives da memoria” existentes entre 0 Vi sual (pranchas fotogrificas) ¢ 0 verbal (entnevistas) na constituigio de panoramasexistenciais histérkas de las ou, simplesmente, retratos da velhice. Do VERBAL AO VISUAL “Mergulhando nes duplos conjuntos fotogré fieas — 20 edepois 10 fecografias —c nos mosaicos compostos por pequenss pecas visuals, escolhidas cordenadas pelos entrevistados cm dois mamen- tos levantamos a seguinte questio, aparentcmente simples: que interesse (ou, talvez, importincia) po- deriam tet essas. figuras sisuail? Qconvite, deste mode, é para acompanhar camihos explorat6rios deixando-se levar pelo potencial de revelagio que as fotogmafias eareyam quando comecam dialo- gnrentre sis quando elasse colocama “co-respon- dee” no sentido comunicacional do terma, istoé,a cstabelecer entre chis uma rede de relagdcs signicas. Desta forma, em Armunjs Wisi da Mem fa, consideramosos conjuntos fotognificos como, RESGATE (13). 2004. Bruno, F.-p. 177-184 Combates & Rituais se fossem “enunciagdes visuals” ou “frases visu- ais” de sua meméria. Q “leitor/espectador”, co- Jocado diante de cada um dos cinea conjuntos fe togeificos deve, deste modo, olhar cada prancha forogrifica, como uma “frase visual”, na qual as pakivras (Fotografias) se organizam, se articulam ‘eseconcatenam de tal modo que, de seus respec tivos arranjos, nasce sempre uma “singular hist6- ria” de memoria Num segundo momento, em Farms gue pea ‘amr, 0“leitor/espectador” é convidado a um ou- tro trabalho de aproximago com a imagem, mais albstrate ainda. Deve olhar para pranchas de foto- grafias que thes sero apresentadas a pattir de “tra- ‘ados de formas” distintos, ora horizental, ora ver tical, ora circular, ora hibrido, tilvez. descobrindo gee, porque chs sio,antes de mais nada, “formas quepensam’” imagens sio boas para pen: Pensar, numa perspectiva metodoléigica, no que representariam esses conjuntos dee forografias, es ceolhidas e organizadas,incluidas ou excluidas; pen- sar no quesignificou para os informantes trabalhar com fragmentos de meméria até compor («eecom- por) natrativa(s) de histria(s) de suas vidas, eis @ motive primordial que sinaliza para o esfiorge da apresentagao dos cinco “Arranjos visuais da me- méria". Fsses arranjos ¢ suas nespectivas ordena- es si, nosso ver, expressivos de todo um tra bbalho operacional da meméria sensorial que 1105 resta descobrir PROPOSTAS EXPLORATORIAS. A bez deste horizonte metodolégico tapida- mente lembrado, podemos agora apresentar aos Icitotes duas propostas exploratérias, as quais, pen- samos, poderio enriquecer a questio do“trabalho da memoria” das pessoas idosas ¢ da sua singular anquitetura. De um material muitomas amplo, reto- 179 Combates & Rituais PRANCHA 1 maremos dados oriundos do duplo conjunto de forogmafias escolhido ¢ montado por nossa in formante, dona Celeste. Atribuimos a estas pro- Postas a respectiva designagio provisoria “Ur fanjos ¢ formas visuais da Meméria” a seguir um segundo mo{vi) Propome mento exploratério das imagens de dona Celes te. Flt —como os demais informantes—nos ofe- receu dois conjuntos de fotografias: um consti- tuido de 28 fotografias ¢ um outro por 11 Nao € 0 snimero de fotografias que deve reter nossa atenglo no primeiro instante, mas 180 sima relevante constatacie: cada tum desses conjuntos é 0 resulta- do de uma escafha ¢ de uma non agen. Dee um lado, so fotogra- fins selecionadas ¢ escothidas, in- cluidas ¢ excluidas, por dona Ce leste ao trabalhar com fragmen tos de meméria na composicaa (recomposigio) da histéria de sua vida. So, por outro Indo, duas colegéies de pequenas pe- gas visuais ordenadas, duas s¢ qléncias ou, melhor dizendo. dois pequenos filmes que nos fa lam de toda uma existéncia, Ris, assim, outmas muitas questdes le vantadas, quais mereceriam, senio respostas, uma criativa in vestigagio. Podemos aqui ofere cer algunas pistas preliminares Ble, como poderiamos ver ¢ ler es a especial, a proposta de saa montay -na, eepécics de pa noramas existenciais. Propomos trés formas de leitura, quais se jam: Horizontal e Linear, Vertical © Colmer, ©, enfim, Cinetulae. 1. Forma: Horrzontat.: Lintan \ primeita forma (prance 1) consiste em lero conjunto das fotogeafias como se suas ima gens fossem “enunciados” (visuais) da meméria de dena este, “frases ‘isuais), ou ainda, como se, de maneiza orquestral comp texto. leitura da segunda colegio of dona Celeste, desta forma, s nos através de nosso sistema de representacio cida por daria — pelo me RESGATE (12), 2004. Bruno, F.-p.177-184 Combates & Rituais ‘ifica — da esquerda para a direita e de cima para baixo, um modo a0 gual esta mos bastante acostu- mados, Mas seri que isso basta para res- pond questo: a das impli ieas ¢ cog- nitivas que tal tracado: opera sobre o traba The da memoria c, a essa outra cages 16g conseqientemente, sobre a natureza das informagdes/lem brangas que estara re colhendo? 2. FORMAL Vortican 6 CouuNar A leitura da se gunda —_ proposta (Prancha 2), também metodolégica, divide em ctapas sucessivas as enunciacdes visuais da meméria de dona Celeste. Se antes liamos fr es visuais linea. res, hori ontais, agora temos uma forma ver tical que nos apresenta a colegio de foto grafias de nossa informante ei trés colunas ‘Ao realizar a leitura de cima para baixo ede uma coluna para oute: . existe uma quase obrigatéria interrupcio desta leitura, impon do-nos uma parada antes de prosseguir. Tal formato de leitura, ndo-habitual na socieda de ocidental, provoca-nos um esteanha RESGATE (13), 2004. Bruno, F.-p.177-184 PRANCHA2 mento, quase um mal-estar Despidos da estranheza da leitura, no entanto, o sistema colunar, surpreendente- mente, nos impul Ps (imagen: trés fuses, ers jona a enxergar esas 11 visuais constituindo-se em colu um teipé que final- mente condensa a vida de dona Celeste. Di- Ferenter ate de outras implicacé ente da situacio anterior estamos es logicas ¢ cognitivas sobre o trabalho da meméria, qu nos falta desvendar, ind 181 Combates & Rituais 3. Forma Visvar Crecurar Aterceiza propo: 2 (prancha 3) de leita ra trata de uma forma circular. © circulo apre- senta as fotografias de dona Celeste no so mente teferenciando a forma ao tempo que passa, 0 tempo do reldgio, mas a um tempo que de vida, ou seja,e ciclo, compde uma hists Desta mancita, o conjunte circular nos con- uz exploragio de conexdes, comespondéncias ¢ aproximagdes entre as fotografias, que antes apare cam distanciadss, ouno minimo impensadas, como éo-caso da primeira e da dlkina fotogratiado con- junto dedona Celeste. ‘io impondo-nos apenas um sentido de le- tura hori, ou anti-horario, a forma circular nos: coferece miltiplas leituras, em fungio das infinitas associagdes entre imagens, pecas visuals, ¢ tragados; iaponais, lineares, transversais, perpendiculares ¢ também circulares. Seria a forma circular a que melhor zepresentaria-a dinmica da vida do traba- Tho da meméria? ‘Olbar paraa prancha torogritica carcular, no- ‘vamente como uma cauncia¢o visual ¢ permitir, de outra forma, que deste arranjo nasca uma “sin- gular histéria de memaria. [5, no-easo,a qué novas, implicagdes ligicas ¢ cognitivas sobre o tabalh dda meméria estariamos nos referiado? ‘Ourras CoNSIDERAGOES Seria paradosal pretender apresentut conch ses de uma pesyuisa que, desde o seu inicio, si tuou-seno campo de unua exploragio, Se fosse ne- cessitrio retomar as intengbes bisieas de nosso em preendimento, bastaria lembrar que dese} aproximar-nos do universo das pessoas idosas ¢, com elas, procurar descobrir ~ partindo de foto grafias crmbhidas ¢ montadas pelos informantes,¢ de entre w: concedidas por cles —a meméria que tragavam de suas proprias existénc Asexploragiesque apresentamosaté aguicm. como das diferentes formas de leinura das pranchas fowogeificas, apenas nos sugerem tabalhos que podem ser realizados com as proprias imagens, a partir do entrosamento da fotografia com o relato oral, Quando nos propusemos a priorizar a visualidade, sabiamos que as imagens carregavam um potencial de revelagiio © uma capacidade de dialogar entre si, 20 se eolocarem a postos, num plano de se “corresponderem” no sentido comunieacional do termo, isto & tee elas uma rede de selagdes signicas. Desta maneira, entendemos que os tragados de formas horizontal, vertical ¢ circular, desenha- estabelecer en- dos em tomo do mesme conjunte de fotegeatias de dona Celeste, estrunuram, entreas imagens, pen- mentos associativos distintos. Palavras, meladi- ss, assim. como imagens sio formas singulares € complementares, simbolimagdes que dispemos para representar arealidade de nossa condigio humana. Perguntamos: scr que podemos ir mais adiante ¢ afirmar gue escritas, melodias ¢ imagens, pot s rem veiculos de pensamentos e idéias, sio aconte- cimentos organizades, esirururados edinimicos? E necesstirio insistir sobre o fino de que ‘nosso empreendimento se constinai numa espé ce de pretiio em relacio ao macro-universo dos questionamentos levantados por Reinutos le Vall. Neste ensaio, a despite de entendermos a com- plexidade em torno desta temaitiea, ousamos, pen- sartambém sobre a questo da “materialidade”’ da meméria, essencialmente na sua condicio-estrute- fal, embora ndo exclusivamente constituida por “imagens”, com o intuito de sepuir em busca de novos horizontes de investigagio. A problemitica écminentemente complexa eneste quadro, até aqui, 182 ‘RESGATE (13), 2004. Bruno, F. -pi77-184 umbates PRANCHA 3 Combates & Rituais alcremos, indiscutivelmente, de que imagens 10 mem#rias.. FE, nesta direc, jd sabemos, que toda memaéria trabalha. Noras 1—Comentitios de certo modo muito singula- res, na medida em que decorriam ese processa- vam no vaivém de um olhar posto sobre cada imagem e perpassando, a0 mesmo tempo, ocon- junto das imagens. Fisses comentirios foram na- turalmente gravados 2—Dentre outros arranjos visuals, agui nio apre- sentados pela impossibilidade de espago, assi- 184 alamos as seguintes formas: eapresentar lado-a-lado, numa mesma prancha, as duas colegdes montadas por dona Celeste. sapresentar também numa mesma prancha, dear colegdes numa disposi¢io (horizon- tal, vertical e circular) como exposta no cor- po deste artigo. eapresentar nut conjunto de fotografias sepuido do segundo ede um terceizo, destacado com janelas (qua- dros) brancas, as imagens excluidas do pri meio conjunto, justaposi © primeiro, RESGATE (13),.2004, Bruno, F.-p.t77-184

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