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CAPITULO 20 RELACAO ENTRE PRINCIPIOS E REGRAS 20.1 Adscricao normativa A nogao de adscrigao de regras a principios é colhida de Robert Alexy®* por ser util 4 interpretacao das normas proces- suais penais. Isso porque suas disposigdes estado intimamen- te ligadas a protecao de direitos fundamentais, individuais, cuja efetividade pode ser aleangada por meio da relacao entre principios constitucionais e regras infraconstitucionais. Adscrigao tem significado de complemento, de acrésci- mo escrito, expressando imbricagéo entre normas de graus diversos. Volvendo para a relagao entre regras e principios, pode-se dizer que ha regras que estao adscritas a principios, em complemento a estes. Tal relagao é vista entre o principio da ampla defesa e as regras de citagao do acusado para se de- fender. Estas estao adscritas aquele. As normas processuais penais, produzidas a partir dos enunciados ¢ dos fragmentos de enunciados da Constitui- cao," podem ser levadas a efeito de forma direta ou indireta: 656. ALEXY, Robert, Teoria de los derechos fundamentales, Madrid: Centro de Est dios Politicos y Constitucionales, 2002, p.68-72, ; 657. GUASTINI, Riccardo, Distinguiendo: estiidios de «ori ee A ‘ (2) Tetiete conte quando a comics aa memes pende de complemento por meio de interpretag4o de enunciados infraconstitucionais. 20.2 Espagos de quadro E importante a delimitacao do nucleo processual penal sediado na Constituicdo, haja vista que destinado a proteger os direitos fundamentais individuais. Vale gizar que nem todo dispositivo do ordenamento jurfdico é complementar 4 Cons- tituico. Existem regras que preenchem espagos necessdrios ao funcionamento do processo pena estao dentro do 4m- bito do que a Constitui¢ao libera. Eis a regulamentagao dos espacos de quadro. Dando suporte a essa fundamentagao, Robert Alexy apar- ta as normas disciplinadas diretamente pela Constituicao e as normas que sao a ela adscritas. Considera, para tal conclu- so, que existem regras infraconstitucionais que concretizam prinefpios constitucionais, como forma de complementagao, tornando-os mais precisos, haja vista a forma difusa como posta pelo texto constitucional.** A titulo de e tam a Constitui emplo de disposicdes que nao complemen- 0, podem ser ados os enunciados que dis- poem sobre: (1) atomada de compromisso dos jurados no rito do juri; (2) oencerramento do inquérito policial por relatério da autoridade policial; cho, Barcelona: Gedisa, 1999. p.99. 658, ALEXY, Robert. Teoria de lox deree dios Politicos y Constitucionales. 2002, (4) anecessidade de tomada de compromisso pelos peri- tos, como forma prévia ao exame de corpo de delito. Disciplina legal como essas néo se caracteriza como ex- tensao de comando constitucional, estando no espago para a colmatagéo das disposigées processuais pelas chamadas leis de quadro. 20.3 Preenchimento dos espacos do sistema Com estabelecimento de um método padrao a producgao normativa processual penal, é possivel conferir previsibilida- de de resultados, com diminuigdo da discricionariedade judi- cial, sem ser necessdrio destoar dos fundamentos positivistas que reconhecem no Estado a fonte material de produgao do direito. Essa preocupacao de limitar o arbitrio nao discrepa da que externa Lenio Streck. Criticando certa 6tica atribuida ao positivismo, o ilustre jurista reputa que “negar a possibilidade de que possa exis- tir (sempre) — para cada caso = uma resposta conformada a Constituigao, portanto, uma resposta correta sob 0 ponto de vista hermenéutico (porque é impossivel cindir o ato interpre- tativo do ato aplicativo)”, pode ter o sentido de uma espécie de “profissao de fé no positivismo e, portanto, a admissao de discricionariedades interpretativas, o que se mostra antitético ao carter nao relativista da hermenéutica filoséfica, incom- pativel com a existéncia de miltiplas respostas”. De acordo com o que conclui, havera o risco de outorgar “ao juiz uma ‘ssiva discricionariedade (excesso de liberdade na atribui- 10 dos sentidos)”, entendido 0 direito, tao somente, > conjunto de normas.”” f O peeuieria parece ser melhor akuutads @ onl do por meio da exposigdo fundamentada e detalhada de um critério analftico que evidencie as raz6es e os passos para a tomada de uma decisao jurfdica. Para tanto, parece ser indis- pensavel a fixagao de pontos de partida sustentados em bases empiricas reconhecidas como direito pelo sistema. A forma de controle da licitude dos atos processuais existira de forma diferenciada, a depender do fundamen- to empirico para a producao da norma. Eventualmente, po- der existir relagao entre Constituigao Federal e legislagao infraconstitucional: (1) de complementariedade, identificando o texto cons- titucional que fundamenta direta ou indiretamente a validade da legislacao infraconstitucional; ou (2) de preenchimento de espacos que a Constituicéo nao disciplinou." Esse discrimen deve ser observado, por exemplo, quando do calculo normativo da classe de nulidade processual penal e sua correspondente consequéncia juridica. A incidéncia de principios que afastem a invalidagado sé tem cabimento quan- do viabilize maior eficacia de direito fundamental. A redugao do espago nao abrangido pela programagao normativa, de dttyidas interpretativas acerea da nulidade, da prova penal ou do recurso criminal, é aleangada por essa 40, em conjunto com as definigdes dos elementos dos atos processuais convencionados. Desse modo, a impli- 40 entre norma primaria (hipotese ou proétase) e norma ruturas 20.4 Nicleo constitucional do sistema acusatério A essencialidade de um elemento de um ato processual penal é atestada: (1) em primeiro lugar, por decorrer de concretizagao de norma juridica construfda a partir do nticleo proces- sual penal constitucional de protegao aos direitos in- dividuais fundamentais; (2) em segundo lugar, o enunciado infraconstitucional ditando, por exemplo, que haverd nulidade, median- te técnica de sancionamento direto, induz que o ele- mento essencial afetado deve ser objeto de reconhe- cimento (cogéncia). De todo modo, tais parametros decorrem de imperativi- dade direta ou indireta do texto da Constituigdo, cuja solugao sempre deve trilhar o critério de se atribuir maior eficdcia ao direito fundamental. No seu art. 5°, dormita o nticleo do sis- tema, do qual derivam os parametros para a identificagdo da essencialidade dos atos processuais penais. Desse canone, in- fere-se que a nulidade serve de elo entre a garantia fundante e o direito positivo (fundado). Alguns pontos de coincidéncia entre esse parametro e 0 alvitrado por Jorge Coutinho Paschoal sao verificados. En- bremenies, o autor pleads gue a cBting entre nulidade ta ae MU ANEHto do padrao legal.” Nesse cenério, 0 fulcro da incidéncia da disposigéo de que nao hé nulidade sem prejufzo deve ser definido negativa- mente. Terd lugar toda vez que nao estiver em jogo a aplica- ¢&o de direito constitutivo do nticleo constitucional de direito fundamental. Ou seja, sua incidéncia é restrita 4s nulidades relativas, salvo quando o afastamento do modelo jurfdico im- plicar maior eficdcia a uma garantia. Por outro lado, a comprovacgéo de auséncia do prejufzo deve ficar nas maos do juiz e nao das partes, como parece in- duzir o art. 563, do CPR O sistema acusatério pressupée divi- sao de funcgées (art. 3°-A%, CPP), bem compartidas, sem cria- ao de deveres as partes, senao por intermédio de lei. 20.5 Da verdade a todo custo a desisténcia da verdade Geraldo Prado explica que, “no cerne da aplicagao con- creta das normas juridicas, no momento de sua real constit cao, ha uma politica do direito que se manifesta”. Tal politica é depreendida da propria Lei Maior: “a validade juridica do ato de concretizacao da norma, espelhada na Constituigao da Republica, esta condicionada A compatibilidade entre a dis- posicao constitucional e o comportamento em si mesmo”. Alinhar 0 problema da adequagéo do procedimento a certificacao da verdade é providéncia que exige postura com- prometida com o sistema acusatorio. Os textos refratarios & 661. PASCHOAL, Jorge C estudo a I ibunal Federal e do: ue nal de Justig 2014, naa i : £662, Dispositivo com efieseia suspensa, consoante d 0298/DF - ede Ct Rel 2 tinho. O prejui da jurisprudéncia do Supren Rig de Janeiro; Lumen Juris, efetividade das garantias fundamentais constitucionais, de cunho inquisitivo, valem-se de formas legais incompatfveis com a Constituicéo para propiciar negociacéo ou manipulacées extorsivas tendentes a obtengo da verdade a qualquer custo. Percebe-se que o sistema atual tem apresentado oscila- go entre extremos opostos. A licdo da virtuosa justa medida, dos gregos, parece distante de ser apreendida, desde o legisla- dor até o juiz que aplica a norma ao caso concreto: (1) de uma vertente, convive-se com a ambigao de ver- dade levada a cabo pelo juiz inquisidor, lembrada por Salah Kahled.™ E prépria de sistemas inquisitivos, com a atuagao judicial marcada por postura ativa na producao probatéria; (2) do outro extremo, ha desisténcia da verdade e do uso de critérios racionais a sua certificacdo. Abre-se mao da producao da prova e sao usados atalhos como métodos de aplicagao de pena, tal como o acordo de nao persecucao penal (art. 28-A, CPP) ou com outros meios de suspensao pactuada de garantias funda- mentais (art. 4°, Lei n° 12.850/2013), com pressuposi- ¢4o de reconhecimento de culpa. Esses instrumentos terminam por colocar a confissao no patamar medie- val de rainha das provas. Alberto Binder obtempera que o limite legal, historiea- mente, nao foi suficiente para opor rédeas aos excessos esta- iS as manipulagées e dis- . Conforme leciona, “as possibilidades 0 nao foram eyitadas simplesmente 6es legislativas”. Dessa maneira, sao produzidos outros limites que, em alguns casos, exigem permissao jt cial expressa ou procedimentos com req maiores formalidades, Consoante pontua, tais, mormente quando considerada ses interpretati de limites demonstra a desconfianga que existe, em um Esta- do de Direito, na atividade de aquisigéo de informacéo”. Por motivos histéricos, pelo conceito de dignidade humana e pela meméria da arbitrariedade, limites dessa natureza s40 cons- trufdos: serao mais estritos quando a atividade probatéria afe- tar o imputado em sua intimidade.* André Nicolitt, relacionando verdade e exercicio do poder, pontifica que “o sistema inquisitivo caracterizava-se principalmente pelo fato de o mesmo 6rgao (juiz) reunir as fungées de acusagao e julgamento, mantendo-se em uma po- sigéo de superioridade frente ao acusado” que, por sua vez, estava “despido de garantias e envolto em um procedimento secreto, escrito e, em regra, sem contraditério”. Todo 0 arcabougo que oferece os contornos da persecu- cao penal deve se respaldar no nucleo duro das regras pro- cessuais penais. Com essa expressao, Walter Nunes da Silva Junior aponta que os direitos fundamentais configuram a “es- trutura central do processo penal”, razao pela qual sustenta uma teoria constitucional d tee penal. hs 20.6 Protecao dos direitos humanos pela estrutura de garantias O pice do sistema € o repertério das garantias consti- tucionais. O que deve informar a interpretacao de todos os enunciados que compoem o ordenamento juridico é 0 prin- cipio acusatorio (art. 129, I, CF; art. 3°-A,° CPP), funda- 665. BINDER, Alberto M. El incumplimiento de las formas procesales: elementos para uma eritica a Ja teoria unitaria de las nulidades en el processo penal. Buenos Aires: Ad-Hoe, 2000, p81 666, NICOLITT, André Luiz. As subversdes da presuncao de inocéneia: CCRRSHAGAIL Le ee le do Janis 668. Dispositive com hii jusnepate Aahdload Medida Caut mentado, contraditério, na ampla defesa, na motivagio das decisées ju- diciais, na publicidade dos atos processuais, na coisa julgada e na presungao de inocéncia (art. 5°, LVI, CF). A construgéo da estrutura do sistema converge a finalidade de um processo penal comprometido com a protecao dos direitos humanos. André Nicolitt aviva que “a caminhada na consolidagéo e realizagao dos direitos humanos além de dificil é longa. As mu- dangas sao paulatinas e por vezes quase imperceptiveis”. Por esse motivo, “pode-se pensar que a existéncia de instrumentos internacionais e de organismos internacionais de promogao de direitos humanos é algo inutil”. E absurdo “imaginar, em funcao da baixa efetividade, que as préprias declaragées e proclama- ges de direitos seriam dispensaveis em face da inutilidade”.™ Essa percepcao foi destacada por Alberto Binder, com aten- cao para as questées em torno da verdade. Na esteira do autor, a fungao duplice da verdade repercute, por um lado, sobre o con- junto de garantias e, por outro, afeta o regime probatério, consis- tente no conjunto de regras processuais que disciplinam o modo como se retinem informacées no bojo do processo. Destarte, sa- lienta que trés so os eixos desse sistema de garantias: (1) os atributos da conduta que deve ser julgada; (2) as condigdes a respeito das quais deve o fato ser apreciado; e (3 os lindes para a selecdo do objeto de prova e para a atividade probatéria, que carrearao, ao processo de verificagao, os resultados da cognicao judicial (regi- me da prova ou juridicidade da atuacao probatéria). O jurista argentino elucida, ademais, que “o regime prova nao esta a servigo da busea da verdade, se: constitui um dbice”,!" : 669. NICO) its 0 seane KLG Cy reagdo ao acatamento ou A violagfo A Constituigéo e as regras que regulamentam o procedimento penal. A verdade alcanga- da nAo justifica meios ilfcitos. Na dicgao de André Nicolitt, “a opgéo constitucional pela verdade n&o o é por qualquer verdade, senio uma verdade alcangada com respeito as garantias individuais, dentre elas, a dignidade, o contraditério e a ampla defesa”. Com efeito, o constituinte nfo sufragou a ideia de uma verdade absoluta, obtida por qualquer artificio, porém “por uma verdade mini- ma ou relativa, uma verdade possivel e limitada pelos proce- dimentos e as garantias da defesa”.*” 20.7 Controle da verdade pelo procedimento A justeza do processo deve se dar por meio das regras procedimentais previamente estatufdas no interior do siste- ma. A busca pela verdade a todo custo ofende os fundamentos do Estado Democratico de Direito, maxime as garantias indi- viduais constitucionais do imputado. A relativizacao de nulidades processuais (maxime as tra- dicionalmente elassificadas pela doutrina como absolutas), verificada na pratica dos tribunais, ndo se afina com a prote- zarantias fundamentais, O sentido dado a relativizagao pela praxe jurisprudencial é, indevidamente, o de flexibiliza- cdo, incompativel com a necessidade de 6rbita bem definida dos direitos fundamentais. A semantica da nogao de relativizagao deveria ser ou- tra, Trata-se de yocdbulo que tem o sentido de colocar algo em relagao com outros elementos. Os artigos e incisos CF, nesse contexto, nao sao interpretados isolad para una eritics 4 la teoria unitaria de las nulidades: Altes; Ad Hoe, 2000, p15, Fes conn on dennais dans de os fortes sistematico, Pontes de Miranda dedicou varia pAginas do seu “Siste- ma de ciéncia positiva do direito” & explicagao da relatividade. O conceito pressupée relagéo das dimensées de tempo e de espago de um sistema orgAnico, isto 6, do momento e do Ambi- to da incidéncia normativa, para permitir equilfbrio jurfdico. Nesse contexto, tudo seria relativo e interativo. Nao o mesmo que flexfvel! Nas palavras de Pontes de Miranda, “onde quer que haja organismos, o que mais importa conhecer é 0 complexo ‘or- ganismo x meio”. Elementos de um organismo jurfdico nao escapam a essa percep¢ao: “estao sempre, e necessariamente, em relacgao mediata ou imediata com 0 conjunto de outros ele- mentos. A interacao é perene do mundo. Como, pois, limitar a aplicagéo do relativismo?”*? A reagao do sistema de nulidades & violacdo do procedi- mento é um mecanismo de controle da juridicidade do proce- dimento, com vistas a obtencao da finalidade do processual penal protetora da garantia fundamental da liberdade. De tal modo, quando aquele sistema deixar de cumprir a fungao para 0 qual foi destinado, por conseguinte, a eficacia da ga- rantia fundamental resta comprometida. Quando violado esse ritual, deve o érgao competente ini- dico. Se o érgao é de grau de jurisdicao superior, essa fungdo é, inclusive, de natureza pedagégica. Ainda uma vez, a conclusao que aqui se chega, pertinen- te aos limites do poder punitivo, guarda compatil as colocagoes de Alberto Binder, Segundo ore as sobre a produgio probatoria devem ser “lin verdade e, como tal, cumprem, exclusiv de garantia, ¢ dizer, protegem o cidadio de eventual abuso de poder na coleta de informagéo”." Ricardo Gloeckner adverte que “um modelo que opta por restringir 0 alcance da busca pela verdade encontrar4 regras mais rigorosas no tratamento da produgao da prova assim como na condugao e averiguagéo dos requisitos de validade dos atos judiciais”. A relativizagéo de regras processuais néo € adequada & Constituigaéo de 1988, sendo, ao contrério, “ca- racteristica central do modelo inquisitorial”. 20.8 Deficit de eficacia de garantias fundamentais pela discricionariedade judicial Sob a lente da nulidade, é evidenciado o vinculo que ha entre as garantias fundamentais e o direito positivo delas derivado. Arelat los tribunais. ‘izacao de nulidades, no entanto, é admitida pe- No STJ, por exemplo, foi aplicado o instituto contratual civil denominado the duty to mitigate the loss. Nesse diapasao, as nulidades de qualquer natureza deveriam ser alegadas no primeiro momento que a parte interessada tivesse para falar nos autos. Caso ausente essa objecao, teria lugar a aplicacao do principio preclusivo, com a convalidagao do ato defeituoso. a0 das nulidades processuais mitiga as distin- » de limites entre as categorias de amplia as possibilidades de atribuicao de significado aos textos de direito positivo, desaguando em sistema assimilavel ao: inquisitivo, maxime pela superinterpretagao, isto 6, pela maior — dimensao da atividade de aplicagao do direito no caso BINDER, Alberto M. El incumplimiento de las for Dara ia critica a ly Wworia unital hay nulla Aires: Ad-Hoc, reams consequéncia final, a dispensa da qualificacéo di- ferenciada dos atos processuais penais atfpicos abre espago para a flexibilizagao das garantias que deveriam ser objeto de custédia judicial. Para o STY, teria cabimento a aplicagdo do dever de mi- tigar a perda ou 0 prejufzo, fazendo incidir o supradito prin- cipio de direito civil. O aresto sugere que a parte, que seria beneficiada com 0 vicio, deva aleg4-lo sem demora."* O atraso na arguigao, se proposital, pode ensejar conva- lidagao de nulidades absolutas, ajuntando, para essa conclu- sao, o principio da boa-fé objetiva. Malgrado essa argumentagao, 0 posicionamento do STJ mini- miza a eficacia de direitos fundamentais. Os érgaos de persecucao penal, diferentemente, devem tomar as cautelas para que os atos sejam editados de forma correta, nao sendo exigfvel que o acu- sado auxilie o Estado a cooperar para a sua prépria condenacao. Segundo Jorge Coutinho Paschoal, a afirmagao de que inexistiu prejuizo equivale a, quase sempre, proceder a “su- posicao caleada em dado fluido, ainda mais quando se con- jectura a auséncia de prejuizo com base em um ato que nao foi praticado, que nao existiu, fazendo-se a andlise por meio de prognéstico”. Conforme leciona, “a auséncia de prejuizo é que deve ficar comprovada”. Dai, se alegado o defeito, incum- be ao 6rgao julgador dirimir a questao assumindo a carga da argumentacao: “a parte nao precisa comprovar nada, nao ten- do o énus de demonstrar 0 prejuizo”. Com efeito, “em alguns casos, 0 prejuizo ma evidente, sobretudo nas hipoteses em que so cominadas”, na legislacao, os casos especificos de nulidade: “de todo modo, a imperfeigao do ato sujeito ao regi- me das nulidades, como regra, sempre acarretara um prejut zo, que comprometera a boa solucao da causa”. He) = De; 01 fey. 2013, 816, PASCHOAL, Jonge Coutinho, O prejuteae ax i estude a lug Ha jurispr A do. Su Aquele entendimento jurisprudencial, eminentemente discriciondrio, provoca um paradoxo: (1) primeiramente, STF e STJ fazem uso da distingéo entre nulidade absoluta e nulidade relativa; (2) seguidamente, os mesmos 6rgaos desconsideram as di- ferengas de gravidade desses vicios para incluir, na vala comum das nulidades relativas, as nulidades absolutas. Com esse proceder, desconstréi-se 0 arcabougo que pre- tendeu classificar as nulidades. Evita-se o tragado de um re- gime previsivel de controle das atipicidades processuais. Ao cabo, cai-se no espaco da discricionariedade judicial extrema- da, com correlato déficit de garantias individuais centrais. Havendo menor ambito de critérios para a atuagao judi- cial nulificadora, argumentos de toda ordem podem ingressar para evitar o desfazimento de atos viciados, restringindo-se os direitos fundamentais do imputado, por via transversa nao reconhecida pelo sistema. De tal sorte, olvida-se que o pro- cesso penal é disciplinado por regras que se incluem entre aqueles direitos de primeira geracdo, destinadas 4 protecdo do individuo contra 0 arbitrio. Como obtempera Geraldo Prado, as politicas adotadas pelo Judiciario, que podem ser entendidas como validas “no campo da rest: 0 e/ou suspensao do exercicio de direitos, liberda- ” estao previamente ditadas pela CF/1988, ainda quando ela mesma “reclame reserva de lei para regular a aplicacdo dos mecanismos de limitacao a direitos”. A politica que faz o Poder Judicidrio é, assim, “a politica da pré- pria Constituicao, expressa na defesa intransigente dos direitos fundamentais e dos principios republicanos e democraticos”.%* des e garantias fundament Dividir a nulidade em quatro categorias (inexistén nulidade absoluta, nulidade relativa ¢ irregularidade) Ae 677. PRADO, Geraldo, Linuite dg tnt perior Tribun a efetividade do controle da juni le da nal, conferindo maior eficdcia A protego do direito de tiher. dade. O ato de classificar as atipicidades considera nulidade como vicio processual, bem como que a gravidade pode ser de maior ou menor grau. 20.9 Limites a interpretacao no sistema de garantias Delimitar 0 objeto é pressuposto a incidéncia de uma norma juridica. A sua classificagao indicaré 0 padrao a seguir na edigao da norma implicada. A definigéo de uma categoria juridica fun- ciona como limite e deve se coadunar com a Constituigao. A formulacao desse padrao, interior ao sistema, parte dos enunciados do ordenamento juridico. O sistema é construido a partir da interpretagdo do ordenamento, do direito positivo. A incidéncia da norma é realizada sem que perca a base em- pirica textual. Pode-se dizer que a interpretagao é um vai-e-vem. No entanto, a senda desse vai-e-vem deve encontrar seu nascedouro e seu ponto de chegada nos textos ou nos frag- mentos dos textos que compdem o ordenamento juridico vi- gente. Nao se resume no texto, porém nada pode ir além do limite elastico do mesmo texto. E deve se considerar que os textos entram em relagao, horizontal e verticalmente, a exem- plo da ligacao das leis com o fundamento constitucional de validade do sistema. A classificacao produzida e reproduzida é, dessa sor- te, fruto de interpretacao das fontes de cognicao do direito processual penal, Nada alem ou fora do (estas teechbeg das apresentada em graus diversos: (1) de um lado, a linguagem pres sitivo, ji filtro, conatiiugla n ual der, Para interpretar adequadamente 0 direito positivo, deve se reconhecer “a necesidade de cha- mar a atengdo sobre a importAncia de analisar a di- menséo substancial do sistema de garantias”,!” (2) de outro, a metalinguagem ou linguagem descritiva da ciéncia jurfdica. De todo modo, o direito existe onde ha linguagem, a exemplo do que observou Gregorio Robles, considerando que a afirmacao de que direito é texto pode significar muitas coi- sas. Consoante expée, ao afirmar que direito é texto, pode-se querer dizer: (1) em primeiro lugar, que o direito se manifesta ou se aparenta como texto; (2) em segundo, que a essén ia do direito € ser 0 texto; e (3) ‘ ito existe como texto, e se néo é = 20.10 Aplicacao a caso concreto — No STJ, sao encontrados casos que ilustram a aplicabili- dade do critério relacional entre prinefpios ¢ regras. Em julgado envolvendo acusados de crimes sexuais con- tra criancas (art 215:A, CP) fol dito que) a teondolere sae 1° e 3°, da Lei 11.419/2006, “a intimacao eletrénica considera- -se realizada no dia em que efetivada a consulta eletrénica”, ocorrida em até dez dias, “contados da data do seu envio, sob pena de considerar-se realizada automatigamente na data do término dalprazal . Alberto M, El incumplimiento de para uma eritiea a la teorta unitaria de las nulid Aires: Ad-Hoc, 2000. p84, 679, ROBLES, Grevorio. El del derecho, Madsic ‘A deciséo ainda destacou, a partir de precedente da pré- pria Corte Superior, que aquelas regras so aplicaveis ao Mi- nistério Pablico, em consonAncia com os princfpios da igual- dade das partes e do devido processo legal”. Apesar de néo ter expressado o fenémeno da adscrigéo normativa, a ementa do acérdao explicita a relacdo, de ordem vertical, que existe entre os textos de princfpios e regras. 20.11 Estratégia de resolugdo de questées Vide Site da Editora Noeses: www.editoranoeses.com.br 20.12 Conclusao e préximo capitulo A Constituigado é o parametro, sintatico e semantico, de ordenagao dos enunciados infraconstitucionais. H4 regras que consistem em extensao dos prinefpios, concretizando manda- mentos da Lei Maior. A legislacao que atua como longa ma- nus da Constituicao deve se circunscrever ao que foi por esta ordenado, permitido ou vedado. Ha enunciados processuais penais que ndo se relacionam, semanticamente, com o texto constitucional, situando-se no campo liberado ao legislador. Esse critério, que visa a fechar os espacos estruturais do sistema, possibilita classificar melhor um fenémeno juridico. oO 4ter complementar A Constituigao, relacionado as ga- rantias constitucionais fundamentais, possibilita melhor pre- visibilidade e efetividade dos atos processuais penais. Com 0 encerramento deste capitulo, foram reunidos con- tetido e estrutura, necessarios ao estudo do direito processual penal. A teoria deve ter cunho teleolégico, com vistas a tutela da liberdade. A partir do préximo capitulo, serao analisades 9s institutos processuais penais, a comegar pela persecugao estatal preliminar, A ae

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