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Elaine Azevedo Elaine Azevedo O livro Da pressa a urgencia do sujeito ~ Psicandlise e urgéncia subjetiva no hospital geral aponta-nos que a psicandlise, bem como 0s que se orientam por sua teoria e préxis, depara-se hoje com o desafio de sustentar uma clinica dentro das instituig6es, expandindo suas fronteiras para além dos settin- 4s tradicionais. A obra convida-nos a pensar, a partir de um laboratério de pesquisa clinica, que, no hospital geral, 0 psicanalista com 0 seu saber-fazer busca valer-se da teoria inaugurada por Sigmund Freud como pratica possivel de ser aplicada ao contexto da instituigao hospitalar. Eno espaco do hospital geral que o psicanalista € convacado a colocar seu saber-fazer em cena, E € a partir da presse por concluir, propria da urgéncia médica, que 0 analista buscard privile- glar uma abertura temporal; uma pausa necesséria para que 0 sujeito ocupe-se de outra tempo, possibilitando a ele, a partir da fala, uma abertura para um tempo de compreender, um tempo que vise a recolher 05 objetos caldos e articulé-los ‘auma nova cadeia significante. Por seu conteddo rico, partin= do da praxis do trabalho de uma psicanalista no hospital geral, esta leitura torna-se fonte importante de transmissa0 da Psicanslise nessa institui¢ao. ito do sujei a urgéncia Da pressa a urgéncia do syjeito Psicandlise e urgéncia subjetiva no hospital geral Da pressa | Avecs iil Averes Na urgéncia subjetiva, 0 sujeito experimenta um limite que requer uma intervencéo imediata. A urgén- cia subjetiva € a que aparece para o sujeito como algo. impossivel de suportar. Enguanto a intervencao da medicina est marcada pela pressa, uma intervenco caracterizada pelo tempo cronolégico, a psicandlise ‘também se apoia numa intervengo imediata sobre a urgéncia, mas, a partir de uma pausa légica, para que © sujeito possa apresentar-se a partir de sua condiggo de sujeito, privilegiendo a abertura de um ‘tempo para apalavra. Pudiemos verificar em nossa prética que esses sujeitos precisam de tempo, um tempo que foge aos protacolos da instituicéo hospitalar, um tempo quendo sereduz ao crona- I6gico. Um tempo subjetivo, que possa localizar osujeitoemsi mesmo, fem seu lugar de sujeito, Um tempo ‘que se inaugura a partir do encontro coin 0 analista, encontra este que abre a possibilidade de pasar de um impossivel de dizer a um bem-cizer, possibilitando a abertura de um tempo para a palavra do sujeita, tal como nos ensinou Freud. DA PRESSA A URGENCIA DO SUJEITO PSIGANALISE E URGENCIA SUBJETIVA NO HOSPITAL GERAL Etora Appia, 1° Esigdo- Copyright® 2019 dos autores Diritos de EalgboReservades AEsitora Appristida, esha es taper ser zs inner em tard sarcoma lf 61098 Se rere fer encrtaen roc nl eerie de og {stores Frenne Des6ts ign Fue B tc Neos, fe xeocam ae. ase seswt2t004 «122g OL0:0. Sela prioatn A Ore Basneccna 70 raed iire asses “Dupre surpncladonste: pantie surgéacasibetvano 201% espa mal/ Ene Awyeto- 1. Curiba Als 201. 185. 2in-(wulscphadde eau humaine chlorate Sensressa73.07663 2. Pucansae.2 Hesse 3 smergines mais Tengo ASpaos skopon5 Armin 6 Asstt hasta - Ageless Trin Sie Aeris EeltorseLivarisAspisktda ‘scManoel Ribas, 2265 berets CCurtba/PR - CEP: 0810-002 Yoh len) 3156-4798 woedtorasppris com be Printed inBraa Impress nora Elaine Azevedo DA PRESSA A URGENCIA DO SUJEITO PSICANALISE E URGENCIA SUBJETIVA NO HOSPITAL GERAL FICHATECNICA EDITORIAL COMITEEDITORIAL ASSESSORIA EDITORIAL REVISAO PRODUGAO EDITORIAL DIAGRAMAGAD capa COMUNICAGAD LUVRARIAS EEVENTOS LGERENCIA DEFINANGAS: ‘Augusto¥.de A Coto Mad Caetano Sera de Andrade Coeno [Andrés Barbosa Goureia-UFPR mei C. Perera -UFPR range ea Siva UFC Jacques a Lima Ferara-UP Maria Aprecia Berens PUCPR lesbclado Valo Mawr kustsquo Ferrera lucas Andrade KecenTortato ‘Surana vd Tegel Carlos Eduac Pereis Debora Nezilo| Kara PpoloOlegiro. Extedo Miso Selma MariaFernances do Vale ‘COMITE CIENTIFICO DACOLEGAO MULTIDISCIPLINARIDADES EM SAUDE E HUMANIDADES, DIREGAOCIENTIFICA OxtMici Gonaives (Uias) CCONSULTORES ian Oss Berra FRY) “ani Marine Raymundo FPR! “lan BaensPorees(UNB) JanainaDara tana Sores FR) ‘ubensteinzo(USP tena Unies Mara rine areca li Uren) Mara elena Zara PUG} Aldea Fernandes ese FEPD ia narra Gerace Famer) ‘Aas meus, por tanta! AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Roberto Calazans, pelas orientacdes criteriosas, pelo incentivo constante e pela parceria singular neste percurso. A Universidade Federal de Sao Joao del-Rei e a0 Prof. Dr. Wilson Camilo, 20 Prof. Dr. Fuad Kirillos Neto e ao Prof. Dr. iio Eduardo de Castro pelo amor na transmissio da psicandlise na universidade. ‘Aos amigos Rodrigo Afonso Nogueira Santos, pelas longas conversas inspiradoras, pela riqueza das interlocucdes; e & Thayane Bastos, pelo afeto compartilhado, pelos congressos e historias, pelos bons momentos que tivemos e ainda teremos. Foi um feliz encontro! ‘Aos amigos de pesquisa do Nticleo de Pesquisa e Extens2o em psica- nélise Nupep, Mayana, Samira, Carol, Nina, Isabela, Alberto, Chris ¢ Jonas (in memoriam). Agradeco a todos os momentos que passamos juntos ¢ a acolhida na linda cidade de Sao Joao del-Rei. A minha amiga de psicandlise e de vida, Juliana Marcal. Obrigada pela presenca vival Aos amigos/membros do Servico de Psicologia do Complexo de Satide Sao Joao de Deus ~ Divinépolis, MG, interlocutores permanentes. Aos amigos que esto comigo no dia a dia. Obrigada pelo carinho e aposta constantel ‘Um agradecimento especial ao prof. Wilson Camilo pela leitura generosa deste livro e pelo belissimo preficio. A Jésus Santiago, por ouvir-me A Vagner Faria e Arthur Azevedo, que estao sempre na torcida, respeitando meu desejo decidido pela psicandlise e sua transmissto. COM LICENGA POETICA ‘Quando nasi um anjo eset, desses que tocar trombeta,anunciou: vai caregor bandeira Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonkada, Accio os subrerfigios que me cabo, sem precsar ment. [Nao sou fia que nao possa csar, acho o Rio de Janiro uma beleeae or sin, ora no, eeio em parto sem dor ‘Maso gue sintaescrevo, Cumpro a sina Inauguro inkagens, fd eines = dor no amangura Minka tristeza nao tem pedigree jda minke vowade de alegra, sua rie vai ao meu mil av Vai ser coxa na vida é matic pra homer. Muther€desdcbréve, Eu sou. (ADELIA PRADO, Bagagem, 1993} APRESENTAGAO Olivro de Elaine Azevedo vememboa hora. Vivemosmomen- tos conturbados no campo da saiide mental em que a probabilidade de retorno a praticas desumanas se avizinha no horizonte. Este retrocesso nao é sem légica: ele vem acompanhado na ordem do discurso do capitalista neoliberal que pretende transformar todos em consumidores e em empreendedores de simesmo, Dentro dessa ogica, ndohé lugar para pausas ou rupturas, osujeito tem de sempre produzir para produzir mais e manter seu desempenho individual cada vez mais em alta velocidade. Como empreendedor de si, esse sujeito no discurso do capitalista neoliberal, cujo desempenho infi- nito esté sob avaliacao em termos de produtividade, busca novas maneiras de manter-se produtivo, E 0 que acontece com aqueles sujeitos que ndo conseguem essa produtividade ilimitada, ou que nao a querem? Essas manifestagbes podem aparecer sob a marca de sofrimento psiquico de diversas naturezas ~ desde o TDAH do sujeito que, para produzir sempre, nio consegue ter mais atenco por estar sempre ematividade — até sindrome de Burnout, na qual © sujeito fica estafado por estar sempre produzindo. Mas, como 0 capital nao pode parar, esses sujeitos passam a ser eles os objetos de um mercado, que é 0 mercado da loucura, seja por meio de retorno A internacao ~ e todos sabemos 0 quanto custae vale para as clinicas, ssa internagao ~ seja por meio da administragao de medicamen- tos ou até mesmo de eletrochoques, com a suavizagio do nome de eletroconvulsoterapia ~ para um retorno mais répido & producto. Ora, para a psicandlise 0 sujeito ¢ uma tessitura temporal e no proporcionar a experiéncia do tempo faz surgir 0 afeto a que chamamos de angtistia, Esse afeto pode levar muitos sujeitos, para sair dela, & produgio de sintomas ou até mesmo atuacdes — acting oute passagens ao ato. Ouseja, um laco social que ndo promove essa experiéncia temporal que necessita de pausas, de intervalos, é um lago social que traz. a anguistia para o primeiro plano? Como lidar ce abordar essa questo? Assim, agora o leitor tera em mao um livro que demonstra algumas alternativas para lidar com a angtistia no campo em que a morte é uma presenga constante: o Centro de Tratamento Intensivo de um hospital. Num lugar em que as respostas médicas sao urgentes, no podemos esquecer que estamos lidando também com urgéncias de outra natureza, a saber, as urgéncias subjetivas. Para isso temos de estar atentos aos trés tempos da experiéncia deuma clinicapsica- nalitica: o instante de ver, o tempo de compreendere omomento de concluir. O dispositive da urgéncia subjetiva permite-nos atuarmos em situages em que a pressa trazida pela morte nos faz trazermos modificagdes na escuta de pacientes que, muitas vezes, esto asso- lados pela presenga constante da angistia. Desse modo, o livro de Elaine é um alento por demonstrar a forca e a poténcia da clinica psicanalitica para além de seu setting tradicional; a importancia de sempre levar em consideracao a aposta no sujeito do inconsciente, mesmo em situagdes limites; e a contribuigao inicial a um debate considerado contemporaneo: sera que 0 discurso do capitalista neoliberal, em viriude do seu carter ilimitado, nao esté levando essa experiéncia de uma morte subjetiva para além do campo do hospital para todos os campos de existencia? Assim, estelivro é uma resposta antecipada da psicandlise a novos modos de operar com sujeitos que, por estarem sempre apressados, necessitam de pausas e rupturas para ouvira verdade de seu sintoma. Boa leitura todos! Roberto Calazans Psicanalista, professor do Departamento de Psicologia da UPS], ‘pesquisador nivel 2do CNP4 e tricolor. PREFACIO Freud ja havia enunciado, em um dos textos tidos como técni- os, sobre o futuro da Psicanilise, que esta se estenderia, indo além do setting analitico, ou seja, chegaria aos ambulatérios, periferia; acrescentemos: ao hospital geral, sem perder o que a caracteriza como tratamento do sofrimento psiquico permeado por uma éticae levando-se em considera¢ao a hipétese do inconsciente, cuja lgica nao conhece a contradicao, é atemporal, convivendo como sime 0 ‘no ao mesmo tempo ~, licdes que tiramos de seus textos chamados de metapsicolégicos. Embora médico de formacio, Freud inventa um dispositivo préprio, saindo da medicina, extrapolando-a. Ouseja, tratar-se-A da clinica psicanalitica que diferiré da clinica médica a0 tomar 0 sujeito em sua singularidade, cujo sofrimento, mesmo que aparentemente corpéreo, ser acolhido, escutado na condigao de desejante, ser de linguager. Com a empreitada de um “retorno a Freud’, Jacques Lacan, de formagao psiquidtrica, depois analista, vai imprimir elementos singularesnesse retorno, nao ao sentido, mas, aletra de Freud, como elucidava sempre. Sob a égide do “inconsciente estruturado como uma linguagem’, devota seu labor & formagao do analista, passando pela elaboracdo dos registros do Imaginario, do Simbélico ¢ do Real, indo do desejo ao gozo, cunhando, entre outros, o conceito de objeto a, que vai do “objeto causa de desejo” ao objeto “mais de gozar’, resto, da ordem do Real. O dispositive analitico difere do dispositivo médico justamente porque leva em conta 0 sujeito do inconsciente, néo apreendido pela logica racional, cartesiana. Consequentemente, aquele que sofre, demanda, pede ajuda ainda mais numa emergéncia hospitalar, numa UTI, porexemplo, em que é acolhido pelo médico, pela equipe hospitalar no afa de restituir-Ihe, no que for possivel, a satide, a capa- cidade de laborar, enfim, a vida ou, em muitas situacées, paliativos diante da iminéncia da morte. Assim, nao ha tempo a perder... aqui nao se perde tempo. Ao analista, pela oferta de escuta ao sujeito, é possivel ater-se a outro tempo, ndo cronolégico, & outra urgéncia, ‘nao médico-hospitalar, qual seja a urgéncia subjetiva. Que o tempo, entao, seja o de encarar, pela via da palavra, a angiistia, em que a prépria palavra falta, isto é, que levou o sujeito 3 condicdo de “um sem palavras', ndo ter o que dizer diante do sofrimento, doreal, mas, paradoxalmente, nao Ihe permitindo esquivar-se da condicao de mortal finito; temporal, portanto, falar, expressar-se, dizer, palavrear. Esse € 0 cenario em que Elaine Azevedo estreia como autora, brindando-nos com esta obra, cujo titulo & Da pressa d urgéncia do sujeito ~ Psicandlise e urgéncia subjetiva no hospital geral. Trata-se de um texto bem enxuto, sucinto e claro quanto aos objetivos propostos, cuja problemitica gira em torno da fungao do analista no hospital eral, mais especificamente, na UTI, nos espacos de emergéncia, de muita angistia, ofertando sua escuta, que pode possibilitar que algo do sujeito possa advir num re-enfrentamento do real. Para tanto, Blaine Azevedo organiza trés capitulos, dois de natureza mais tedrica, ainda que recheada de vinhetas retiradas de sua experiéncia, e um de natureza pratica, em que enfatiza sua experiéncia clinico-hospitalar. No primeiro capitulo, a autora traz aluzo importante conceito de angistia, revisitando dois momentos da formulacao do conceito de angiistiaem Freud, enfatizandoaideia freudiana de que a angistia é um sinal de perigo. Ainda nesse capi- tulo, Elaine faz um recorte bem preciso da concepgao lacaniana de angtistia, trazendo A baila a formulacdo de Lacan de que a angistia €um afeto que ndo engana. No segundo capitulo, momento crucial de sua obra, a autora elucida a relacao entre inconsciente ¢ tempo em Freud, bem como a concepgao de Lacan a respeito do tempo logico, destacando-se os trés tempos no labor analitico, qual seja, 0 instante de ver, o tempo de compreender eo momento de concluir. ‘Tudo isso permeado pela experiencia clinica da autora no hospital geral. H 0 terceiro e tiltimo capitulo de formulacao impar, Elaine costura com muita competéncia e lucidez os conceitos de angiistia e tempo na urgéncia subjetiva, que difere da urgéncia hospitalar, demonstrando, assim, a viabilidade de um trabalho analitico numa UTI. A autora brinda-nos com um caso bastante instigante, bem- -sucedido, advindo de seu labor analitico num hospital geral. E concluia inquietante obra retomando a dicotomia entre a urgéncia hospitalar ea urgéncia subjetiva, destacando-se que oencontro com coanalista no hospital geral pode possibilitar ao sujeito um rearranjo diante da sua anguistia, “dando tempo ao tempo’, no que for possivel, tirando suas préprias conclusdes de seu existir, num enfrentamento diferente do real. Que este singelo aperitivo possa agucar o apetite do leitor a enveredar-se pelas prdximas paginas, revisitando, com Elaine Azevedo, momentos cruciais da teoria freudiana, bem como da con- tribuicdo de Lacan para o entendimento da concepcao de angiistia, inconsciente e tempo no labor analitico. Nesse caso especifico, uma experiéncia psicanalitica num hospital geral. Uma étima leitura a todas(os)! Wilson Camilo Peicanalista, doutor em Filasofia pela UFSCar e professor do Departamento de Psicologia da UFSJ. ‘Sao Jodo del-Rei, abril de 2019. SUMARIO CAPITULO 1 O LUGAR DA ANGUSTIA EM FREUD ELACAN.. 1.1 Notas sobre a primeira concepcto de angiista em Freud... 1.2 Notas sobre a segunda teoria da angistia em Freud sana 13 Aangiistia no Seminario X de Lacan... CAPITUL I NAO HA TEMPO... A PERDER: A URGENCIA EO TEMPO NO HOSPITAL GERAL.... 2.1 0 inconsciente freudiano: um breve percutso. 2.2.0 inconsciente freudiano ¢ 6 tempo. 2.3 Lacan, oinconscientee o tempo, Da pressa a urgéncia do suitO.cnmion82 CAPITULO II AUTORIZAR-SE A APLICAR A PSICANALISE NO HOSPITAL: O PSICANALISTA APLICADO. ee sone 7 3.1 A urgéncia subjetiva, tempo e angst: o analista no hospital eral entre a paUS € 8 P1ES88 een st ae ang 3.2 O encontro como psicanalista no hospital geral: entre apedra eo (AMINA 110 CAPITULO IV LAPSUS - LABORATORIO PSICANALITICO DE ACOLHIMENTO. A SUJEITOS EM URGENCIA SUBJETIVA... soe I2L REFERENCIAS. 27 INTRODUGAO © presente livro tratard a légica do manejo do tempo pelo psicanalista que atua em situacdo de urgéncia no contexto hospitalar, tendo em vista a angiistia em que se veern imersos o paciente e seus familiares nesse espaco. Busca compreender como 0 psicanalista pode possibilitar aos sujeitos mergulhados na inércia da anguistia um tratamento que Ihes permita subjetivé-Ia em tal espaco de urgéncia, ‘Nossa hipétese considera que tempo logico, tal como define Jac- ques Lacan (1945/1998) possa ser tomado como importante recurso analitico de abordagem desse momento de ruptura simbélica, pois, em face da iminéncia de estar confundido na condicao de objeto, 0 manejo légico do tempo pode convocar o paciente a dar alguma resposta a partir de sua condicao de sujeito, mesmo que tal resposta demande um tempo - a abertura de um tempo para compreender =, que 0 analista podera escutar. Nesse sentido, buscamos proble- matizar a fungdo do analista diante de algo que urge. Embora nosso trabalho se d? em varios ambitos do hospital, nossa experiéncia parte do trabalho no Centro de Terapia Intensiva (CTD. © CTIéo local em que o psicélogo se integra a equipe mul- tidisciplinar. Partimos da perspectiva te6rica clinica da psicanélise aplicada, apontando nossa pritica nesse espaco do hospital, onde atendemos os pacientes e seus familiares. Sempre que haja demanda de atendimento, o psicanalista de plantdo é solicitado. Nesse espaco deparamo-nos com varias apresentacdes do sujeito diante desses ‘momentos de rupturas como: atos,siléncios ¢ embaracos. No entanto, © sujeito mergulhado na inércia da angiistia precisa de um tempo que foge aos protocolos de atendimento médico. A angtistia traz uma temporalidade espectfica que demanda uma abordagem num tempo em que hé urgéncia. Para Freud a "Portarias que regulamentam o trabalho do psiclogo na sips muldsciplinares de Unies de ‘Terapalntensva UTI Adulte UT Infantil encontram- nas efestacis, ELAINEAZEVEDO angtistia ¢ um afeto, Lacan iré acrescentar: um afeto que nao engana (1962-1963/2005). Bla esté do lado daquilo que escapa a uma repre- sentagdo ejetada do sentido e se apresenta nos pontos de desconti- nutidade da rede simbélica do sujeito a partir de um acontecimento que desestabiliza ¢ lhe coloca num impasse. Partindo da perspectiva psicanalitica, entendemos as apre- sentagdes dos sujeitos, que se encontram no hospital, como carac~ teristicas da angustia, vivéncia de rupturas e mal-estar, que podem ser percebidos por agitac6es, delirios, alucinagoes e, até mesmo, passagens ao ato e acting-outs. A anguistia nesses momentos invade ‘o sujeito sem direcio, deflagrando algo para o sujeito que embarga ‘0 uso da palavra. Freud, em seu texto Inibicdo, sintoma e angustia (1926[1925]/1996), apés longo percurso em sua obra, ndo se deixando evar por solucées simples, busca uma explicagao mais consistente para esse afeto, tima vez que jé havia verificado precocemente que a angiistia estava ligada ao padecimento psiquico de seus pacientes. ‘Apés formular sua teoria da angiistia como amparada na libido, passa a pensa-la como reacdo a uma situagio traumatica ou de perigo, nna qual tem em comum, apesar de serem diversas modalidades de situagio de perigo, o medo da perda do objeto amado: ‘Assim o perigo de desamparo psiquico éapropriado ‘20 perigo de vida quand 0 ego do individuo ima- turo; o perigo da perda de objeto, até a primeira infincia, quando ele ainda se acha em dependéncia de outros; 0 perigo de castracio, até a fase falica omedo do seu superego, até o periodo de laten- cia, Nio obstante, todas essas situagbes de perigo c determinantes de angiistia podem resistir lado a lado e fazer com que o ego elas reaja com angiistia ‘num periodo ulterior ao apropriado; ou, além disso, -virias delas podem entrar em agdo ao mesmo tempo, (FREUD, 1926{1925}/1996, p. 140) Freud, durante toda sua obra, mostra gradativamente como 0 conceito de angiistia vai ocupando um lugar de destaque no campo dos afetos, tornando-se este o afeto mais importante. A medida que 2» DAPRESSAAURGENCIADO SUETTO esse afeto se apresentava na clinica a Freud, nas varias formas de neuroses, este concedeu a angiistia um lugar cada vez mais privile- giado em sua investigacio, tornando-se este 0 afeto mais radical ¢ singular do sujeito. Lacan, em seu esforco de retorno ao pensamento freudiano, serve-se das lacunas encontradas na trajetdria freudiana acerca do tema da angiistia para trazer avancos 8 teoria da angustia a partir da esséncia dos ensinos de Freud, de forma, porém, a sub- verter as leituras pés-freudianas da época acerca da anguistia. E é em seu Semindrio X, intitulado A angiistia (1962-1963/2005), que Lacan se debruca sobre esse tema na obra freudiana. Para Lacan (1969-1970/1992, p. 136) esse afeto também ocupa o lugar de um. afeto por exceléncia, sendo esse 0...) afeto central, aquele em torno do qual tudo se ordena’ A questdo de Lacan também se desdobra a partir do grande problema que se apresenta & pesquisa de Freud sobre a angustia, a saber: qual o objeto da angiistia? Para Freud, esse objeto nao aparece de forma clara em sua obra. Se Freud nao chega a uma resposta final sobre o estatuto do objeto da angiistia, Lacan (1962-1963/2005, p. 101), porém, vai &s tiltimas consequéncias ¢ aponta que “..) a angiistia ndo é sem objeto” E esse lugar do objeto e sua relacdo com a angiistia sio importantes para a direcao do tratamento — principalmente em casos de urgéncia. Lacan serve-se do afeto da angiistia para elaborar sua concep- gA0 de objeto a. Esse afeto aparece no momento do encontro com o objeto, pois para Lacan a angtistia nao é sem objeto, ha algo embora nao se saiba 0 qué. “Jé podemos dizer que esse etwas (algo) diante do qual a angtistia funciona como sinal é da ordem da irredutibilidade do real, Foi neste sentido que ousei formular diante de vocés que a angistia, dentre todos os sinais, é aquele no engana” (LACAN, 1962-1963/2005, p. 178). Percebemosna pratica clinica no hospital que, diante de aspectos como medo, dor ¢ morte, 0 sujeito atropelado pelo inesperado tem dificuldades de suportar, com tal urgéncia, e nao apresenta recursos simbélicos ou imaginarios para lidar com esse momento de manu- tengo da vida ou de constatacio da morte. Desde os primeiros movi- a ELAINEAZEVEDO mentos de enfrentamento dos sujeitos com a urgéncia, é possivel percebermos como tal vivencia de angtistia abre uma temporalidade ‘que desestabiliza aquele que chega desprovido de informacdes € noticias. Um tempo atordoante aparece ai, jé que, nessa apari¢ao do real, o presente ¢ 0 futuro se veem embaracados num passado de hist6rias. A escuta psicanalitica nesse espaco permite atentar-se para esse paradigma simbélico, além da materialidade orginica dita pelos ‘médicos nos boletins. E imprescindivel que o psicanalista aposte na palavra nese momento, a palavra como sutura da cadeia significante, O trabalho do psicanalista nesse espaco ¢ possibilitar que uma nova rede de significantes possa ser construida a partir da palavra, dando contorno possivel a uma desordem que aponta para uma irrupcao de um real que desarticula a cadeia significante. Numa vivéncia de angustia, o sujeito perde sua posicao diante do outro; algo cai, deflagrando um real impossivel de ser simbolizado. Esse momento, que localizamos no campo da urgéncia, consiste num avanco do Real sobre o imaginfrio, produzindo anguistia. A angtis- tia, como jé dissemos, é um afeto que nao engana, que toca o corpo; 0 encontro do sujeito com um gozo impossivel fora da cadeia significante. Se 0 sujeito se constitui por meio de sua relagdo com © Outro, na crise ele nao encontra lugar para sua palavra e perde © recurso simbélico para lidar com esse Real. Sem esse recurso, 0 que se mostra é o ponto radical da angtistia. Diante da angustia, 0 sujeito experimenta a pressa diante de uma saida conclusiva, uma certeza precipitada sem o tempo de compreender, impedindo a possibilidade de um contorno significante que no tempo légico se apresenta como afirmagao, que o leva 3 certeza e a uma decisio. Acerteza que se apresenta nesses momentos difere da certeza que surge ao final do tempo ldgico proposto por Lacan em seu texto O tempo ligico e a asserrao de certeza antecipada (1945/1998), pois nao permite a emergéncia de um sujeito, mas, sim, o que se mostra é um curto-circuito, sujeito-objeto. Segundo Vera Lticia Santana (2004), considerando a hipétese de que, numa situacao desconhecida ~ que localizamos no campo da Fy DAPRESSAAURGENCIADO SUJEETO anglistia vivenciada pelos sujeitos* nas salas de espera de urgéncia no hospital -, 0 olhar & que governa no instante de ver, 0 fato de que isso n&o esgota a questio, indica a necessidade de um tempo para compreender. Nesse tempo para compreender, ou seja, no segundo tempo, o sujeito cede-a ao movimento dos outros, que traduz.o reconhecimento do um e do outro como homogéneo. Mas éno terceiro tempo, no momento de concluir, que a necessidade ogica de solucionar o problema produz uma intensidade temporal que culmina numa enunciacao subjetiva. Essa enunciacao ocorre quando uma certeza conclusiva, mas suspensa 20 outro, antecipa a sua realizacao. Se a pressao do tempo for muito incisiva, os trés momentos podem reduzir-se apenas ao instante de ver, como uma tradugao da percepcao primeira, ou seja, desse olhar que em seu instante pode engolir todo o tempo para compreender. Nese artigo, Lacan introduz a temporalidade na dire¢ao do tratamento, elaborando para isso a nogao de tempo légico. A partir da ideia da temporalidade especifica do sujeito do inconsciente, Lacan indicaré que do manejo e da eficécia desse tempo depende a psicanélise, mostrando, assim, a relevincia da questéo do tempo para a clinica psicanalitica. D4-se importéncia a tal questo, uma vez que 0 efeit de uma intervencdo no tempo e sobre o tempo incide sobre o sujeito. Lacan inclui no tratamento a triade tempo- ral, do instante de ver, do tempo de compreender e do momento de concluir, possibilitando, assim, diferenciar a légica na expe- riéncia subjetiva do tempo. Podemos perceber que, no sofisma dos prisioneiros apresentado neste texto, a dimensio do sujeito ainda nao esta posta. O tempo légico determina para o sujeito um come¢o, pois ganha o valor de ato, em que o movimento eo tempo. se articulam de forma a possibilitar ao sujeito criar sobre si uma hipétese. E a partir da funcdo do tempo que podemos pensar na dimensio do eu (je), que Lacan (1945/1998, p. 208) chamou de “sujeito da assercao conclusiva’. "sa anglstia pode sr vvenciad tanto pelos sujeltosadoccido, quanto pels fails que os scompanham nassals de espera do hospital. 2 HLAINEAZEVEDO Se para a psicanilise o tempo se apresenta diferente do tempo cronol6gico, tomando, assim, a dimensao logica do tempo do sujeito, a pressa, a urgéncia e o tempo tornam-se importantes para se pensar 1a pratica clinica do psicanalista na instituicdo hospitalar, em que 0 ‘tempo se torna significativo operador clinico do analista diante da possibilidade de dar um contorno a angistia a partir da palavra. Opsicanalista vé-se confrontado nesses momentos entre dois ‘tempos, 0 da instituiclo, que exige uma resposta rapida, e o tempo do sujeito, que se mostra paralisado diante da ruptura de uma cadeia de significantes, uma ruptura no campo simbélico proporcionada ali pela situagao do paciente, Entendemos que isso dificulta 0 acesso A palavra, O psicanalista, por sua vez, ndo pode prescindir-se do sujeito, considerando, assim, o tempo subjetivo, instaurando a pausa na pressa e possibilitando que nesse intervalo entre 0 que urge ea pressa possa advir 0 sujeito. Assim, propomos, como ponto de pesquisa possivel a partir de nossa prética, investigar as implicagdes da dimensao do tempo légico e como o manejo desse tempo pode ajudar na direcao do tratamento dos sujeitos/familiares, num hospital, uma vez que 0 tempo, pelo préprio atravessamento do Real, serd sempre I6gico. Portanto, torna-se fundamental sustentar um saber fazer do analista esse espaco, que possibilite um manejo desse tempo. Na clinica psicanalitica, tal momento é tratado como urgéncia subjetiva, Aparece em relacao direta com um vazio, um sem sentido, que irrompe numa dada ordem e que tem relagao com o real, Guil- lermo Belaga (2008) indica-nos que a urgéncia subjetiva éa urgéncia apresentada pelo sujeito no momento de crise, quando ha irrupcdo de um acontecimento que nao encontra saida nem sentidos, quando algo nao pode esperar, desconectado de um tempo: Enesse sentido que a “urgéncia” se apresenta como uma nova forma sintomitica ligada ao traumatismo generalizado de nossa época, na qual a modalidade temporal que responde ao aconte mento, ou a insercao de um trauma, seria um signo da emergéncia DDAPRESSA A URGENCIADO SUJETTO do que urge como traumatismo, como furo num discurso que até esse momento ordenava o sentido da vida (BELAGA, 2008, p. 17). Assim, tomamos a temporalidade como ponto comum na clinica da urgéncia, 0 que nos leva a considerarmos a importan- cia do tempo ldgico na abordagem dos sujeitos. Entendemos que, independentemente do contexto, o campo da angustia se articula diretamente a uma légica do tempo, vivencia que se impde no con- fronto dos sujeitos com a presenca do objeto, localizada a partir de nossa pratica nas situacdes vivenciadas na urgéncia do Kospital. E com as diversas formas de apresentacio do sujeito que 0 psicana- lista deverd ocupar-se no momento da chegada daquele ao hospital, acolhendo a anguistia que est implicada nesse acontecimento e 0 desatamento da cadeia significante que ocorre num momento de urgéncia. Isso pode favorecer a abertura de um espago em que 0 sujeito possa ser escutado, nao a partir de uma sutura precipitada da falha do momento, mas, de um canal pelo qual o real possa arti- cular-se a um dizer. Na psicanélise, 0 tempo revela-se articulado a outros mar- adores além do cronolégico. E sensivel & experiéncia que pode, por exemplo, ser observada nos sujeitos que chegam ao Centro de Terapia Intensiva. Percebemos que, no CTI, eles vivenciam um presente fugaz, entrelacado a um passado jé remoto e um futuro quase sempre incerto e temido. Para. Psicanélise o tratamento do sujeito pelo discurso anali- tico é questio de um tempo que ultrapassa a dimensao cronoligica, Trata-se de um tempo ldgico que faz valer a possibilidade de um advento do sujeito ea invencao e uma saida, de um tempo na directo do tratamento. £ na urgéncia do tempo ldgico que o sujeito/familia precipita o seu juizo e a sua saida, e o momento de concluir pode objetivar-se. Entendemos que os sujeitos, enredados pela atem- poralidade das fantasias e medos decorrentes da angiistia, podem precisar de tempo; nao necessariamente por um alongamento do tempo cronolégico, mas, pela insergdo de uma pausa, um corte no fluxo subjetivo que the permita, por intermédio do ato do analista, % BLAINEAZEVEDO reposicionar-se em relagao ao objeto de sua angustia. De acordo com Dominique Fingermann (2009b), podemos dizer que o instante da entrada do paciente e da familia no hospital, e o momento do {fim (que separa, em geral, um longo tempo para compreender) so dois tempos paradigmaticos da incidéncia do discurso analitico na clinica no hospital. Podemos articular diretamente a incidéncia do tempo l6gico em nosso trabalho no CTI. O instante de ver ~ da entrada do sujeito na unidade — € um momento de interrogacao, que equivale a emer géncia real de um corpo adoecido e de uma familia desamparada, diante da urgéncia que se antecipa. O instante de ver na urgéncia consiste num topar com o real sem lei, Inclui a entrada do real na urgéncia, momento no qual a associacio livre ¢ a escuta analitica sto muito importantes. tempo seguinte é 0 tempo para compreender. Nesse tempo, verificamos que a hist6ria de vida do sujeito e seu lugar no arranjo familiar vio tomando forma no discurso da familia, que, a partir da oferta de escuta do analista, vai dando Inger ao que, no instante de ver, perdeu-se ante a sincronia do olhar. Esses ditos dos sujeitos na -vivéncia da anguistia tentam circunscrever algo da cadeia significante que se rompe diante da urgéncia que precipita uma saida. Esses ditos apresentam-se como demandas de sentido. A associagao livre des- dobra, recorta, alinhava, remenda o espaco topol6gico da estrutura familiar, Pouco a pouco, as voltas com os ditos e queixas, eles vio contornando a realidade dos boletins médicos, desenrolam emontam cena do tempo para compreender. Nesse tempo para compreender, co analista disponibiliza uma escuta de um lugar diferente do saber médico, desconectado da posigao de saber, possibilitando ao sujeito ‘uma dire¢ao rumo a0 momento de concluir. O momento de concluir apresenta-se, enfim. Do sujeito, cespera-se uma safda, que lhe possibilite respostas singulares perante a angiistia, Buscaremos por meio de um fragmento clinico exemplificar a temporalidade inerente ao fazer analitico no CTI como recurso possivel pela psicanélise. No momento de acolhimento posterior & 2% ‘PAPRESSAAURGENCIAO SUIEITO internagio de sua filha no CT! neonatal, um pai questionava: “Minha filha nao deve ser transfundida, doutor. Minha religiao nao esté de acordo ¢ tenho certeza de que ela nao iré precisar”. Os dias passa- ram- se € 0 pai, em seu discurso, narrava ao psicanalista a histéria gestacional da mae e o lugar dessa crianca no arranjo familiar, mas a0 médico sempre questionava exames de hemograma realizados na crianga, a fim de se verificar e se assegurar a nio necessidade de transfust0. O médico prontamente Ihe respondia e revelava algo do real que nao cessava de ser deflagrado a partir dos exames. Dezessete dias passaram-se e os relatérios médicos indicavam a gravidade do estado de satide da crianca e a urgéncia da transfusio de sangue. Era chegado o momento, Nos tiltimos dias, os exames mos- travam ao pai uma proximidade excessiva como real, eele se calava ¢ confiava de alguma maneira na intervencio divina. "Vinte mil pla- quetas! Teremos de transfundir. Chame o pai, faremos uma reunio”, disse o médico, que chamoua analista e aguardou a chegada do pai. Nasala, 0 médico jé aguardava certa dificuldade por parte do pai e mostrava-se ansioso em alguns momentos, irritado com a situacao, ‘mas mantinha-se ali, & espera do pai. O pai, chamado para reuniao, mostrava-se angustiado, Dizia & psicanalista que jé sabia do que se tratava a reuniao. O momento de concluir apresentava-se. “Doutor, uma fragio de sangue nao é sangue, 0 sangue é dividido em trés fra- ges; nao ¢ isso, doutor?”. O médico olhou para a psicanalista, que, ao sustentar com o pai a necessidade de sua enunciagio, permitiu a0 sujeito uma conclusio: “O concentrado de hemécias nao é san- gue, éuma fracdo de sangue; uma fraco de plaqueta nao é sangue, € uma fragdo de sangue; uma fracdo de plasma também nao é sangue Estive pensando sobre isso durante todos esses dias, livarios textos e dividi essa questio com membros da minha Igreja. Sendo assim, posso dizer ao senhor que a minha filha poder receber tal fraedo, ela poderé ser transfundida’. Oarranjo do sujeito ultrapassa a urgéncia médica e apresenta uma saida possfvel diante do atordoamento. E na urgéncia do movi n MRR eee ee eee eee ee eH [ELAINE AZEVEDO ‘mento logico que o sujeito/familia precipita o seu juizo ea sua saida, caminhando para um momento de concluir. Se o tempo para a psicanilise no se referencia somente numa dimenséo cronolégica, entendemos que o tempo légico possa ser um recurso importante na prética clinica hospitalar, uma vez que, no hospital, diante da angustia, o sujeito tende a responder de forma conclusiva, por meio dos atos ou impedimentos; ou seja, ruptura da possibilidade de uma articulacdo simbélica, O psicanalista inse- rido ma equipe do CTI apoia-se em um saber fazer que privilegia a dimensio do sujeito ¢ a possibilidade da invencao de uma saida possivel diante da angistia que se sustenta num instante dever: “O analista se dedica a encarnar na atualidade o instante do passado. E por isso que nao se trata simplesmente de saber ¢ sim de sujeito suposto saber” (MILLER, 2000, p. 52). Sustentamos que tal fazer abra uma dimensao possivel para um tempo de compreender. Tal perspectiva permite-nos sustentar a especificidade da pritica anali- tica no hospital, em que se torna fundamental sustenté-la, haja vista outros saberes que ali se apresentam. © tempo que se abre na urgéncia aponta para um desnuda- ‘mento significante que tem efeitos sobre um sujeito, Portanto, torna- se importante pensar 0 trabalho do psicanalista no hospital diante da experiencia de angiistia dos sujeitos e em seu saber fazer perante a irrupcao do real. E preciso abrir espaco de manejo da angustia. ‘Nem tudo que aparece nesses momentos é da ordem da angis- tia. Alias, o que da & angtistia seu carter de destaque, e que nos con- voca a coloca-la aqui em primeiro plano, é 0 poder de escapar-se & palavra e precipitar-se no corpo, como palpitacéo, vertigem, vomito, desmaio. No entanto, ¢a partir dessa dobradica entre 0 tempo légico eavivencia de angiistia, que pretendemos investigar nesta pesquisa ‘como 05 sujeitos lidam com a urgéncia subjetiva no hospital geral. Na angistia, acerteza apresenta-se de modo precipitado, sem a possibilidade de um trabalho significante, como um curto-circuito entre o instante de ver eo momento de concluir, sem que se constitua 1 passagem ao tempo de compreender do tempo l6gico. A angtistia 2s DAPRESSA AURGENCIADOSUJEITO apresenta-se nesses momentos de urgéncia diante da certeza do encontro com 0 objeto, impossibilitando uma mediacao simbilica que produza uma articulacao significante. No tempo ldgico, o segundo tempo denominado por Lacan (1945/1998) de tempo de compreender, apresenta-se a possibilidade ao sujeito de uma articulacao significante necessaria ao momento de concluir. Tal possibilidade perde-se na certeza da angiistia, diante da proximidade excessiva do objeto a. Diante da impossibilidade dessa operacao simbélica presente na angtstia, o sujeito tomado pelo instante de ver/concluir depara-se com a presenca sem corte do objeto a. O que se apresentard, pois, nesse momento, é a falta da falta, Diante da angiistia, hé um fecha- mento do tempo de compreender, o estilhacamento deste, ficando © sujeito a deriva de uma construcao singular, ce uma invencio. Este livro parte do estudo bibliogréfico norteado pela teo- ria psicanalitica de Freud e Lacan, assim como de seus principais, comentadores. Por tratar-se da psicanilise em que 0 conhecimento te6rico se deu a partir da pratica clinica, iremos utilizar também alguns recortes de casos clinicos de nossa prética para elucidar nossa pesquisa, Partiremos da psicanslise aplicada, buscando articulé-la em nossa prética. A psicanilise aplicada implica o sujeito em sua relacao com o laco social e com sua realidade. Podemos ver no hos- pital, de maneira clara, que o trabalho do psicanalista nao pode ser outro sendo o de colocar a psicanélise a servico da clinica perante as novas apresentagdes do sujeito no mundo contemporaneo, bus- cando, a partir da particularidade de cada doenca - como vemos ras urgéncias dos hospitais -, tratar o que de singular aparece em cada sujeito adoecido. Tomar a psicanslise em sua face ampliada € colocé-la a servigo de uma clinica que possa passar do discurso médico ao discurso do sujeito, uma psicanalise aplicada no mundo, apostando no sujeito e suas safdas, Iniciaremos esta pesquisa abordando no primeiro capitulo um percurso sobre o afeto da angiistia. Vamos partir das elabora- goes freudianas acerca da concepcao da anguistia, sua trajetoria na producao tedrica desse afeto e como gradativamente este ocupara » ELAINE AZEVEDO lugar de destaque em sua obra. Nos nos ocuparemos, também neste primeiro capitulo, das contribuicoes de Lacan e seu retorno a Freud, ‘mesmo que subversivo, a respeito da angistia, em que Lacan, nos anos de 1962 e 1963, dedicou um seminério a esse tema, Buscare- mos nesse primeiro momento localizar a constituicao do sujeito a partir da perda do objeto, na tentativa de localizar como o sujeito, a partir de sua constituigao no campo do Outro, ficara para sempre marcado por um resto, como uma insignia enigmitica, no qual este permanecera is voltas. Veremos que a angiistia é um acontecimento do Real, Hé um transbordamento deste, em que 0 objeto da angis- tia, 0 objeto a, possui a funcao de pressa e certeza. Verificamos que, diante da angistia, 0 sujeito experimenta a pressa em face de uma saida conclusiva, sem a possibilidade de um contorno significante, diferentemente da certeza produzida a partir da asserrdo da cerieza antecipada, como trabalharemos adiante, no segundo capitulo, em que a nocao de tempo logico se apresentara como afirmacao que levard © sujeito a uma certeza e uma saida a partir de uma compreensio, possibilitando-Ihe uma abertura entre 0 ver/concluir que se faz presente nesses espagos. No segundo capitulo, trabalharemos sobre o tempo na Psica- nilise. Partiremos da atemporalidade do inconsciente para Freud até ‘tempo légico de Lacan. Tal percurso dar-se~A a partir da perspec- tiva em que, se no tempo légico o ato é precedido por um tempo de ‘compreender, podemos inferir que a certeza légica nao produz uma conclusio, mas, sim, o ato de concluir que produziré uma certeza a partir da qual o sujeito poder dar resposta na condigao de sujeito. “Tal recurso sera importante para pensarmos sobre a nocio de tempo na Psicanilise, bem como a possibilidade de seu manejo no hospital, assunto que trataremos no terceiro capitulo. No iltimo capitulo, trabalharemos a experiencia de angistia ¢ urgéncia subjetiva — dos sujeitos e familiares que se encontram no momento da internacdo no hospital ~ 0 tempo e 0 trabalho do psicanalista aplicado nesse espago. Buscaremos analisar o problema do manejo do tempo no hospital, diante da certeza que irrompe na Fd DAPRESSAAURGENCIA DO SUETO angustia -, desarticulando o sujeito de sua cadeia significante -, € a possibilidade desse manejo pelo psicanalista - encontro com © psicanalista no hospital -, em que este, a partir de sua escuta, possibilitard ao sujeito responder de outro lugar e inventar uma saida subjetiva. Compreendemos, assim, que o manejo do tempo logico pode ser importante recurso do analista perante a urgéncia da angistia, abrindo uma pausa na pressa, fazendo uma abertura para compreender, em face do curto-circuito do ver/concluir que se apresenta nesses momentos de urgéncia no hospital. CAPFIULO I O LUGAR DA ANGUSTIA EM FREUD E LACAN Neste primeiro capitulo, trataremos do tema da angiistia e da urgéncia e como isso afeta o sujeito a partir da perda do objeto, tendo como ponto de partida a constituicao do eu em Freud e os desenvolvimentos posteriores de Lacan, Em seu texto Projeto para uma psicologia cientifica’, Freud (1950[1895]/1996) esboca seu primeiro modelo de aparelho psiquico, denominado nessa época de nervoso ou neuronal, Embora utilizando uma linguagem eminentemente neurolégica, demonstra o papel ativo desempenhado pelo outro na constituicdo do sujeito. Freud afirma nesse texto que o aparelho psiquico neuronal é constituido por trés classes de neurénios, representadas por @, 0)’ sendo estes estimulados a partir de duas fontes, o mundo externo e 0 interior do préprio corpo. Nesse mesmo texto, Freud fornece os elementos fundamentais para a compreensao da inscricdo do sujeito em sua realidade psiquica a partir do que ele chamou de primeira experiencia de satisfacao, E no Projeto para uma psicologia cientifica (1950[1895]/1996) que Freud ira descrever a experiéncia de satisfac vinculada a relacdo do sujeito com o préximo -, sendo esse 0 elo de transmissao da lei Doravante denominado Projet, “Phirecebe estilo sexdgeno,enquanto pl recebe co eatinelospusionss O sistema pestis Ac quntidades de nega externa send eat etidas pla saceho prguco deforma intense Eoses neusénios pst perceptive, ni eto, porém, em coRtato como mundo excero,O sistema V pst so neurOnios que podem ser modifiados efenciados pen exciaco, Este sistema relee-e 20 sistema de meméria. Somente psi atua na recordaco, Esoxativel de ecber tags incrges dos tstimalo se formar represents, Ges neurGnios to divides em duos classe pallu ~ 0 Investidos paride phisou ses, d exterior ef neuro do le, investiosa partido etn ‘ndogeno. Fo sistema w 6mega€exctado com a percept, produrindo qualidade subjetivas, senses. Enessesstema que se déoassensacoes de raze edespaze,aqvalidadedosestimalos Ey —— eas cK ...}.....§}° ELAINBAZEVEDO na cultura, aquele que detém o lugar de alteridade — ¢ a satisfacdo. Ouseja, por intermédio de outro ser humano, um semelhante, que se daré a primeira apreensio da realidade para o infans e por meio dda qual este ird constituir-se. Freud deixa claro em seu texto que nto é portanto, por referéncia & condicao bioldgica que 0 sujeito se constitui, A referéncia a esse semelhante, como falante, é funda ‘mental, e esse pequeno ser estar para sempre marcado pela relacio ‘com 0 outro. Trata-se aqui do primeiro lago do sujeito. ‘Ao descrever o proceso da experiencia de satisfagao, Freud aponta que o enchimento dos neurénios nucleares emi ~ que fun~ dam a meméria - apresenta como resultado a necessidade de uma descarga, uma urgencia que deverd ser liberada pela via motora. Esse estado de urgéncia em que se encontra 0 infans, que reage 20 desconforto, leva-o & inquietude, e ele busca, por meio do choro, ou grito, uma tentativa de reducio dos estimulos endégenos. Freud aponta-nos que tais estimulos estio ligados ao que ele chamou de urgéncia. Essa nocdo de urgencia, trabathada por Freud, é a forca que perturba 0 aparelho psiquico em sua funcao primeira functo de descarga, e necessita de uma acao especifica, jé que 0 individuo est sob condicdes que devem ser verificadas com urgéncia, pois nao se trata de simples necessidades, trata-se de excitacdes enddgenas, no sendo possivel, assim, uma fuga. Elas s6 cessama partir de uma aco, de uma modificacio no mundo externo. Essa acao, re ser exercida por um ser falante; em outras palavras, um sujeito, pois somente este sera capaz de traduzir e dar um sentido a essa demanda. Na situacao de urgéncia, o infans expressa seu desprazer’, por meio do choro ou do grito, como maneiras de descarregar essa 3 cen pocet-desprne spree tmhém em rex no testo 1900 Aner soa ‘Neve moment, ese ones sb spreseiads pars aticaar consent consciest © a temadesprimerannte como prince do depen. Osparloplguc tema tena de erie US preer questa ine deacon com osumentda presto Fudan Sune poate desprze se 5 concep ecotc do apart pigs em qu 0 spare ‘Saige alert doer so césino de um presi tnso copie corespon daniel eno pee descarga nsceria da tenocto produzia pel coveiamento, pela scares se rn ou DAPRESSAAURGENCTADOSUIEITO tensdo, Tal reacao, segundo Freud, conduz a uma alteragdo interna, Contudo, Freud adverte-nos que nenhuma descarga dessa espécie pode trazer alivio da tensao, pois do endégeno nao se pode fugir. Para Freud o organismo desse pequeno ser € inicialmente incapaz, de realizar o que ele chama de acio especifica, aquela que deteria a tensio acumulada no interior do corpo do infans e que the causa desprazer. O organismo humano é, a principio, incapaz de promover essa aco especifica” (FREUD, 1950[1895]/1996, p. 370). Freud aponta que o eu se constitui na experiencia primériade satisfagdo, na qual actimulo de estimulos e excitacdes endégenas no bebé tem uma propensio a uma descarga motora, a uma urgéncia, pelo grito. Freud conferiu ao grito um lugar de destaque na consti- tuicio do ser falante. Esse grito é tanto uma descarga motora quanto um apelo 20 outro. Portanto, essa via de descarga assume a forma de comunicacao primeva que se inscreve em direcio ao outro ¢ este o interpreta. 5 a partir do outro que o grito toma corpo na linguagem. Essa via de descarga tem para Freud uma funcao secundaria de comunicagao de seu desamparo ao outro. fa partir desse movimento do outro doalivio do desprazer, do mal-estar, que temos a representa¢ao do objeto e do movimento que comunicou a urgéncia; € 0 outro que torna a vida possivel. O apelo desse bebé servird para promover a atencio de uma pessoa, aquela que ira proporcionar-Ihe suspensio provis6ria desse desprazer ~ esse outro deverd dar significacao a esse apelo. Segui- mos com Freud (1950[1895]/1996, p. 370, interpolacao nossa): “Ela [a agao especifical se efetua por ajuda alheia, quando a atencao de uma pessoa experiente é voltada para um estado infantil por descarga através da via de alteracao interna’, Nesseencontro como semelhante, este interpreta o apelo do infans e aesse apelo responde ao oferecer algo, executando, assim, o trabalho da acto especificae conduzindo, portanto, esse desamparado a remover do interior de seu corpo os estimulos endégenos que se acumularam 38 EN Ea ee eee eee HLAINEAZEVEDO de forma continua. Tal operacio mostra efeitos de alteragao interna no aparelho psiquico, constituindo, assim, a experiéncia de satisfagdo. ‘Aacio especifica apresenta-se a partir da leitura que um outro experiente faz desse grito, emprestando ao pequeno sujeito tum sentido. Esse sentido dado pelo outro, porém, é atravessado pelo desejo deste, ficando o sujeito em constituigio alienado a esse desejo. E nessa impossibilidade real do organismo do pequeno ser de realizar essa ago especifica que podemos localizar 0 primeiro movimento do sujeito em seu mundo. ‘A acdo espectfica aponta-nos para uma totalidade do evento, que retine o pequeno ser desamparado e a introducao de outro} este tiltimo nao dissociado do objeto capaz de atender a demanda no momento de urgéncia imposta pelo estimulo endégeno. Es6apartir dessa acao que o aparelho psiquico passara a funcionar ~ a partir de jum registro de uma imagem motora (movimento) ¢ da meméria do objeto (representacac). Freud (1895(1950]/1996, p. 370, interpolagito ‘nossa) afirma, em virtude do que esta em jogo nesse encontro: “Essa vvia de descarga adquire, assim, a importantissima funcdo secundaria da comunicacio [comunicacao com o préximol, eo desamparo inicial dos seres humanos ¢a fonte primordial de todos as motivacdes morais” ‘Nesse momento da teoria freudiana podemos pensar na dimen- sto ética do encontro do infans com seu préximo. Localizamos aqui que 0 estado de desamparo no qual se encontra o pequeno ser é condicao para que uma subjetivacao possa apresentar-se. Ba partir desse movimento primevo que 0 préximo passa ser buscado como objeto capaz de realizar tal a¢do sempre que 0 pequeno infans se encontrar novamente em estado de urgéncia. Em outras palavras, é a resposta do préximo ao apelo do infans que ira possibilitar a experiéncia de satisfa¢do. Esse pequeno ser estar para sempre marcado pela totalidade desse evento, que ‘para Freud (1895[1950]/1996, p. 370) terd“L..Jas consequéncias mais radicais no desenvolvimento das funcées do individuo”. Tal experiéncia, mediada pela linguagem, produz alteracbes no sistema ‘p, como descreve Freud (1895[1950}/1996, p. 370): 36 DDAPRESSA AURGENCIA DOSLIEFTO (.) Wefetua-se uma descarga permanente e assim, climina-se a urgincia que causow o desprazer ex. (2)produz-seno pallium a catexizagao de urn ou de vitios) neurOnios que corresponde i percepeto do objeto; e 3) em outros pontos do pallu chegarm as informacdes sobre a descarga do movimento reflexoiberodo que se segue’ acto especifica Este- belece-seentdo uma facilitagao entre as catenins © ‘os neurénios muclares. __ Portanto, seré a partir dos investimentos dos neurénios do jpallium® e das informacoes sobre a descarga do movimento que pro- duziu.a satisfagto que se criarao vins de facilitacbes, como trilhas, que irto abrir-se 4 medida que se realizar tal experiéncia. A expet encia de satisfacao leva a facilitacdes entre as imagens mnémicas do objeto do desejo e do movimento reflexo. Nesse sentido, podemos dizer com Freud que, quando tal estado de urgéncia voltar a ocorrer, 0 exes reat as duas lembrancas, essa vivencia que faz incionar esse aparelho, De acord [1950]/1996, p. 370, interpolagao Aaah See Assim, como repltado da experiencia desatisfacio, hi umafacilitaco entre as duas imagens mnémicas {do movimento edo objeto] eosneurGnios mucleares aque fcam catexizados em estado de urgéncia,Junto com a descarga de satisfacto nao resta divida de aque a Qr se esvai também das imagens mnémicas Ora, com o reaparecimento do estado de urgéncia ‘ou de desejo a catexia também passa para as divas Iembrancas,reativando-as.£ provével queaimagem _mnémica do objeto srs a primeiraa ser afeteda pela ativacio do desejo, “Osea pl repone pee ima rencie finuldo apart defeat endgensdtanentee can ment Fn tn pe sane at Niko so invests pr e ots engens cmp or urénodo Pll 0 ‘ules ives ep ove, do eatin, orien s ea emia moter: oi, Sth dse cmp pn Hs mens tt or rn on cerlam tri entos que, com os neurénios nucleares, que estdo ligados a0 corpo, cesses tracos na tentative. oar de reconstruir 0 objeto a partir de uma alucina;so, i ”, ra aati ELAINEAZEVEDO Essa experiéncia tem uma importancia significativa para 0 funcionamento do aparelho psiquico, pois afetara as diversas fun- «goes deste, inscrevendo tracos do outro como alteridade primeva. 0 que esté em jogo, pois, a partir da primeira experiéncia de satisfacdo, é um modo de funcionamento que, diante do reapareci- ‘mento daquilo que Freud chamou desejo, possibilitaré reencontrar 0 objeto a cada experiéncia, o que levard aum esforco para adequar os objetos encontrados a esse primeiro, a fim de reencontrar tal objeto. Portanto, a experiéncia de satisfacdo deixa um resto: 0 desejo. No entanto, o encontro com o desejo nao é sem angiistia, visto que, diante do desamparo estrutural do sujeito ¢ da acio de desfazer-se dele, surge algo de um afeto enigmatico, ‘Vemos em Freud que a falta de uma representacao do objeto esti relacionada ao surgimento do desejo e, consequentemente, auma urgéncia para o reencontro com esse objeto. Estamos aqui diante da relagdo entre a falta eo desejo, que sera sustentado posteriormente por Lacan. Veremos agora como essa falta do objeto est no centro da teoria freudiana sobre a angtstia. 1,1 Notas sobre a primeira concepeio de angistia em Freud Enquanto encontrava-me no aposento 20 lado, oui ‘uma crianga, com medo do escuro, dizer em vor alta: “Mas fala comigo,ttia. Estou com medo!’. “Por ‘qué? De que adianta isso? Tu nem estés me vendo” A {sto a crianca respondeu: “Se alguém fala, fica mais claro’. (FREUD, 1916-1917/1996, p. 408.) Foi em suas correspondencias a Wilhelm Fliess que Freud comecou aabordar as questdes sobre a angustia’. Este se questionava ‘em suas cartas sobre um ponto que lhe parecia importante: a angiistia derivava-se de uma inibicdo sexual? Essa pergunta acompanhou-o nessas correspondéncias, mas é no Rascunho E - texto sem data, “Embora nos veto em portyuts,tenba sido empregade o terme ansedade ope por sbstino solonge de todo este taba po agai. 28 tee ee ee Hee eee DH DAPRESSA AUIRGENCIA Do SUEFTO provavelmente de junho de 1894 -, que podemos acompanhar Freud na tentativa de formular suas ideias inerentes acerca da neurose de angistia. Podemos examinar, nesse momento de sua producio teérica, Freud em seu propésito de localizar que na angiistia se coloca em jogo. Esta, no primeiro momento, esté articulada a uma psicopato- logia, a neurose de angistia, o que durante muito tempo foi modelo. para se pensar a primeira teoria de Freud acerca da angiistia, em especial para marcar a origem sexual desse afeto. No texto Rascunho E: como se origina a angiistia, Freud (1894/1996, p. 235/241) busca, a partir da observacio de seus pacientes, trazer & luz suas primeiras elaboracées referentes & angistia, Nesse momento, o que ocorre para Freud na neurose de angiistia é que ha um actimulo de excitagao, que nao encontra um ‘caminho psiquico e acaba transpondo 0 limiar de excitabilidade, transformando-se em descarga afetiva em forma de angistia, sendo essa, portanto, uma descarga somatica e uma sensacao de prazer/desprazer. Segundo Freud, a tensao endégena, cuja fonte se situa dentro do corpo (fome, sede), 36 é percebida a partir do momento em que atinge determinado limiar. E somente acima desse limiar que a tensio passa a ter uma significacao psiquica e o infans busca solugdes que possam retirar-Ihe desse estado de urgéncia como apresentamos na seco anterior. Freud aponta-nos que, quando esse estado de urgén- cia ndo encontra caminho a partir da aco especifica, e esta deixa de realizar-se, a tensio aumenta desmedidamente e torna-se uma perturbacao no nivel de angtistia, Freud concebe a angtistia funda- ‘mentalmente como a inscrico no corpo de uma impossibilidade de uma elaboragao psiquica, em que a angtistia se apresentava a partir da ultrapassagem do limiar de suporte do psiquismo; portanto, a angiistia como certo excesso energético transformado em afeto. A citacdo a seguir indica uma reflexdo de Freud (1894/1996, p. 238) a respeito desse tema: » a, ce Ie i | lini Geteitaiiaielialals ELAINEAZEVEDO {da tenstofisica aumenta,atinge o nivel dolimiar fem que consegue despertar afeto psiquico, mas, por algum motivo, a conexao psiquica que Ihe é ‘oferecida permanece insuficiente: um afer sexual nio pode ser formado, porque falta algo nos fatores psiquicos. Por conseguint, a tensio fisica, nto sendo psiquicamenteligads, 6 transformada em angistia. Freud situa, nesse ponto como base, uma expectativa ansiosa, em que aenergia se encontra livre, desligada, conferindo & angistia o estatuto de afeto mais real, mais préximo de uma descarga dessa cenergia, sendo esta fora de qualquer articulagio. Portanto, [.-Jaangistia éasensacao de acumulagio de outro estimulo endégeno, 0 estimulo de respirar;um esti- smulo que €incapaz de ser psiquicamente elaborado parte o préprio respira, portanto, aangtstia poderia ser empregada para a tensio fisica acumulada em sgeral, (FREUD, 1894/1996, p. 240.) Para Freud, nesse momento, existe na neurose de angustia algo parecido comum & conversao histérica; contudo, explica que na conversio histérica a excitagdo seria psiquica e na neurose de angiis- tia hé uma tensio fisica, que nfo consegue caminho no psiquismo, permanecendo, assim, no corpo. Podemos pensar nesse ponto de suas formulagdes que @ angiistia estaria inscrita como um produto de insatisfacdo libidinal, que provocaria desprazer. A angistia aparece nas primeiras teorizagdes freudianas nos anos de 1890 como inscricao no corpo de uma dificuldade de ligacto psiquica. Ela parte de um modelo que ultrapassa o limiar de energia do suporte psiquico, sendo vista como a modificacdo dessa energia excessiva em afeto, : ‘Apés esses manuscritos informais trocados entre Freud e Fliess sobre isso que o inquietava, este publica em 1895|1894] seu primeiro artigo acerca desse tema com o nome: “Sobre os fundamentos para destacar da neurastenia uma sindrome especifica denominada ‘neu- (FREUD, 1895[1894]/1996). © DAPRESSAAURCENCIADO SUETO Nesse texto, Freud destaca as apresentacdes ea sintomatologia caracterizadas na angiistia, considerando a neurose de angtistia como uma entidade clinica, Freud descreve os sintomas da neurose de angiistia, tais como: instabilidade geral - um actimulo de excitacao ou incapacidade de tolerar tal actimulo; expectativa angustiada - visio pessimista das coisas; angtistia moral; terror noturno; hipocondria; ataques siibitos de anguistia acompanhados de distiirbios corporais, sudorese, dispneia, taquicardia, mal-estar stbito; vertigens; fobias e outros. Para Freud, aetiologia das neuroses de anguistia est ligada = como jé vimos no Rascunko E ~ a fatores econémicos, que s40 originarios de perturbacdes da vida sexual de seus pacientes que nao encontram caminhos para a descarga dessas excitacoes. Portanto, nesse momento, a tese de Freud para se pensar a causa da angustia é que esta esté atribuida a acumulacao de tensao sexual, produzida por essa energia nfo consumada, em que o fra- casso psiquico dessa descarga se apresenta no corpo. Nesse texto, Freud (1895[1894]/1996, p. 110) aponta: “A neurose de anguistia [..]€ produto de todos os fatores que impedem a excitagao sexual somética de ser psiquicamente elaborada’, Portanto, a angiistia apresenta-se a partir da transformacao desse aciimulo de energia em excitagao 0 nd corpo. Freud, acossado pela questio da angiistia, ¢ certo de que o enigma desse afeto ainda nao tinha sido desvendado, escreveu, em 1916-1917 na “Conferéncia XXV — A angistia’, sua primeira teoria sobre o tema, Freud iniciou seu artigo a partir de um ponto nodal da teoria psicanalitica, em que aponta ser a angiistia um estado de afeto de que os neuréticos mais se queixam, sendo esse estado afetivo 0 pior sofrimento de seus pacientes: “Qualquer que seja 0 caso, nao ha dividas de que 0 problema da angistia é 0 ponto nodal para 0 ‘que convergem as mais diversas e importantes questdes, um enigma cuja solugao deverd inundar de luz toda nossa existéncia mental” (FREUD, 1916-1917/1996, p. 394). Nesse artigo, Freud comega a trabalhar o tema da angiistie, buscando estabelecer a diferenca entre angiistiarealistica eangiistia a ae ee ee ee gD gD Ia ELAINE AZEVEDO neurética. A primeira remete a uma reagéo diante de um perigo externo, uum perigo que vem de fora ¢ tem como consequéncia 0 ‘movimento de fuga a servico da autopreservacao. Hi um estado de atengao sensorial aumentada e uma tensio motora que Freud descreve como uma preparacao para aangtistia. A angistia aqui aparece como ‘um sinal, uma acao defensiva diante de uma situacio de perigo, um perigo interno, pulsional, que se prepara para um perigo externo, Essa definigdo da nogao de angtistia como sinal acompanhara Freud durante toda sua construcao sobre o tema, desempenhando um papel fundamental em sua teoria, Para Freud, se hé um sinal, hé também a possibilidade de uma preparacio para o perigo que vir, sendo que esse sinal servird para preparar-se para perigo que se anuncia: o estado de preparacio para a angtstia parece-me ser 0 elemento adequado daquilo que denominamos e a geracao de anguistia, 0 elemento inadequado” (FREUD, 1916-1917/1996, p. 396). Adiante, Freud diferencia os termos Angst, Furcht e Sherech. ‘Ao termo Angst, angiistia, Freud refere-se a um estado particular de ‘espera do perigo ou de uma preparacio para cle. A angiistia fica nesse ‘momento encarregada de comunicar ao eu sobre a proximidade de ‘um perigo, podendo este ser desconhecido ou sem representacao. Em Furcht, medo, a0 contrério, Freud chama a atencao para 0 objeto, ‘um objeto valorizado, bem definido, que causa o medo. Nesse caso, co sujeito sabe definir qual € esse objeto; ou seja, no medo o perigoé sempre determinado por um objeto valorizado, temido. Por fim, em Sherech, susto, 0 perigo aparece sem que a pessoa possa preparar- se para a anguistia. “Portanto, poderiamos dizer que uma pessoa se protege do medo por meio da anguistia” (FREUD, 1916-19 17/1996, ‘p-396). Quando a angtistia aparece diante do encontro com 0 perigo, cesta pode ser ttil na medida em que o sujeito pode preparar-se para enfrenté-lo. Freud faz essa distingao para explicar e marcar a diferenca de como o sujeito se posiciona, ou se apresenta, diante de uma situacdo de perigo. Se o que se apresenta nesses momentos da ordem de um afeto, Freud segue questionando: o que é, por- tanto, um afeto? a DDAPRESSA AURGENCIA DOSUETO Para Freud, a angtistia é um afeto, e inclui descargas moto- ras, inervacdes e sentimentos de prazer/desprazer, sendo o ato do nascimento 0 protétipo do estado afetivo da angiistia, momento em que hé enorme aumento de estimulos. De acordo com Freud (1916-1917/1996, p. 397), essa primeira angistia seria o que ele denominou de angistia téxica: Acreditamos que, no caso do afcto da angistis, salbemos qual & a vivencia original que ele repete Acreditamos ser na ato do nascimentoque ocorse combinacdo de sensacbes desprazives, impulsos de descarga esensagSes corporais, a quale tornou 6 protitipo dos efeitos de um perigo morta, ¢ que desde entio tem sido repetida por nds como rigor mortal e que desde entdo tem sido repetida por nds ‘como estedo de angtistia.(..]a primeira angistia Sr : A partir da concepcao do nascimento como protétipo da angiistia, Freud passa agora a considerar a angistia neurética, Esta se referea um perigo interno, pulsional, que é sentido pelo eu, sendo este muitas vezes dificil de ser identificado, em que o perigo aparece a partir de uma excitagdo interna, Freud descreve trés formas de apresentacio dessa angustia. A primeira Freud dao nome de angiistia expectante, caracterizando-a como uma angiistia que se apresenta de forma flutuante, pronta para ligar-se a alguma ideia. Na segunda, a angistia das fobias, ele a denomina como uma angtstia que est psiquicamente ligada ~ ao contrério da angiistia neurética de ser livremente flutuante ~ a um objeto ou situacao. A terceira forma de angtistia neurética, por fim, denominada ataques espontineos de angistia, Freud aponta que nessa forma nao ha qualquer conexio entre angiistia e perigo. Sao ataques espontineos de angtstia, sendo para ele a forma de apresentacdo desse afeto mais enigmitica. Buscando delimitar e compreender melhor o problema que a angiistia ocupava nas questdes da psicologia das neuroses, ¢ sem abandonar a tese de que a angtistia é libido transformada, Freud busca estabelecer, a partir da concepcao de recalcamento, a base a RMR ee SSE CI I hea ELAINE AZEVEDO para construir sua primeira teoria da angiistia, apontando, nesse momento de suas formulacdes, que o recalque ¢ responsivel pela angiistia e sua causa, Freud (1916-1917/1996, p. 404) afirma: J portanto, a anguistia constitui moeda corrente universal pela qual € ou pode ser trocado qualquer impulso s¢ 0 contetido ideativo vinculado a ele estiver sujeito ao recalque” Para Freud (1916-1917/1996, p. 410), pois, o afeto que acom- panha determinado contetido recalcado transforma-se em angistia: Conforme os senhores se recordarao, lidamos exten- samente com a regressto, mas, ao fazé-lo, sempre seguimos apenas as vicissitudes da deia a ser ecal- cada ~ devez que isto, naturalmente, era mais fil dereconhecer edescrever. Sempre deixamos de lado aquestio referente Aquilo que acontece ao afeto que cestava vinculado & ideia recalcads; e apenas agora. / verificamos que avicssitude imediata desse afeto é ser transformado em angistia, qualquer que seja2 | ‘quelidade que, fora disso, ele exibia no curso normal dos acontecimentos. Essa transformacio do afeto é todavia em grande escala a parte mais importante do processo de recalque. Para Freud, portanto, nese momento a angistia € consequén- cia do processo de recalque, o que mais frente, em seu texto Inibicto, sintoma e angistia (1926[1 925]/ 1996), poderemos ver o contrario, em. que a angtistia aparecerd como um precipitador do recaleamento. Desde 0 momento de sua formulagao da teoria do recalque, Freud tomaa angiistia como o resultado desse mecanismo. No infcio de seus textos, como podemos acompanhar nos escritos ja citados, cle descreve esse afeto, enfatizando seu valor energético, sempre em oposicao ao psiquismo, sendo esse ponto a base para a construcio de sua primeira teoria acerca da angiistia, em que até entao esta era tomada como libido transformada apés o recalque. A anguistia, como libido transformada, apresenta-se como uma quantidade de libido que nao encontra um caminho, um trilhamento, torna-se ‘uma excitagio acumulada, que se transforma sob a forma de um “4 DAPRESSA AURCENCIA DO SUETO afeto de anguistia. Tais questdes jé se apresentavam no Projeto, em que Freud apontava a experiéncia de desamparo como resultado dessa quantidade excessiva de excitacio que se apresentava como uma experiéncia traumatica. 12 Notas sobre a segunda teoria da angistia em Freud Foi a partir de suas investigacdes sobre as neuroses atuaist e as psiconeuroses’, que Freud se defrontou com aquilo que constitui © tema de nosso interesse aqui, a saber, o problema da angtstia. Suas primeiras investigagdes sobre a angistia aparecem em seu primeiro artigo “Sobre os fundamentos para destacar da neuras tenia uma sindrome especifica denominada ‘neurose de angtistia”” (1895) e nas cartas enviadas a Fliess, tal como: Rascunho E: como se origina a angiistia, datada de 1894 provavelmente. Freud ainda estava sob a influéncia de seus estudos neurolégicos e buscava adequar a psicologia em termos fisiolgicos. Foi nesse contexto que ele fez a descoberta clinica de que, em caso de neurose de angiistia, havia certa tenso sexual e uma interferéncia dessa descarga no corpo, concluindo, assim, que existia uma excitacZo acumulada que escapava, e tinha sua forma transformada em angistia. Portanto, considerava a angtistia como um processo puramente fisico, sem interferéncia de fatores psiquicos. Nas fobias ou neuroses obsessivas, porém, a anguistia ocorria de maneira que a presenca dos fatores psiquicos nao poderia ser desconsiderada, Nesse sentido, a razio do aciimulo de excitacao que nio encontrava seu camino era psicolégica, recalcada, mas ainda mantinha seu fator de libido transformada, “|...] a excitacao acumulada (ou libido) foi transfor- mada diretamente em angistia” (FREUD, 19256{1925/1996],p. 83). Durante muitos anos, essa teoria acompanhou Freud. "Nas neurose ats temos as neuroses de arin, nerateiae hipocondrs em gue ocorte ut, acimulo de excart, smligacdo com aorgem piquc: origina se de ntes deinaacs eral os sues, um decréscmo da libido ser "As psiconcuroses sto composas peas neuroses de trasfetacae nares, estas so fete de oats paiguics. 45 eae SO harap pee ia ak ELAINE AZEVEDO Veremos agora, em seu texto Inibigao, sintoma e angiistia (1925-1926/199625]), como Freud reelabora essa teoria, que foi um dos pontos fundamentais de sua teorizacdo durante muito tempo, tomando a angistia agora, nao como libido transformada, mas, como ‘uma reacdo especifica diante um perigo. Esse perigo seria como aquilo que envolve a separacao ou a perda de um objeto amado. Ba partir desse texto de 1926 que Freud estabeleceu uma formalizacdo ~ condensando as elaboracoes tedricas ~ decorrente das alteracoes em sua teoria provinda da segunda topica e do segundo dualismo pulsional, Nesse sentido, Freud descreveu a angistia como um sinal do perigo a disposicao do eu. Em Inibiedo, sintoma ¢ angiistia’, Freud (1926[1925]/1996) sustenta que a angtistia € um afeto, algo que se sente, um afeto que invade, cuja funcdo é ser um sinal ao eu, sinal diante de um perige. O ew nesse momento de suas formulagdes tornou-se o ponto de incidéncia da angtistia. Q abandono da tese econémica - a libido transformada - permitiu a Freud chegar a um ponto central em que o recalque nao é mais a causa da angiistia, mas, sim, 0 contririo. Esse texto, escrito muitos anos depois de suas primeiras ela~ boracdes sobre a teoria da angtistia, mostra-nos como essas questoes ainda se apresentavam a Freud, mas foi a partir desse artigo, em que os conceitos ainda aparecem de forma conturbada, que ele iria corrigir-se, questionar-se, construindo, assim, sua segunda teoria da angéstia. Freud inicia seu texto buscando distinguir sintoma ¢ inibigao. Para ele, era importante a distingao entre esses conceitos, bem como sua articulacdo com a angiistia e seu processo. Os dois conceitos nao se encontram no mesmo plano: a inibicao seriam restrigbes, de uma funcdo, nao tendo necessariamente uma relacao com 0 patol6gico, ou seja, nao esté ligada a uma patologia, mas, sim, auuma restricgo do eu, uma funcao consciencial do eu. O sintoma, por sua ‘vez, demonstra a presenca de fatores patologicos ea modificacao de ‘uma funcao. Por ser produto do recalque, 0 sintoma apresenta-se como substituto de uma satisfacao pulsional. Portanto, a inibi¢ao 46 DAPRESSA AURGENCLA DO SUEITO ¢0 sintoma apresentam uma relacdo intima com a angiistia, sendo formas de defesa contra o aparecimento desta: A inibiclo tem uma relagao especial com a fun- ‘lo, mio tendo necessariamente uma implicacio patolégica. Podemos muito bem denominar de inibigao a uma restricto normal de uma funcao. Um sintoma, por outro lado, realmente denota a presenca de algum processo patol6gico. Assim, uma inibigao pode ser também um sintoma. (FREUD, 1926 [1925]/1996, p.91,) Freud depara-se, logo no inicio de seu texto, com certas difi- culdades que o fazem questionar sua primeira teoria da anguistia, na qual considerava 0 eu como impotente contra o isso. E questiona- se: de onde vem a energia empregada para transmitir 0 desprazer? E nesse ponto que Freud legitima a ideia de que o eu tem grande importancia, pois, a0 opor-se aos processos do isso, o eu tem apenas que dar um sinal de desprazer para que seu objetivo seja alcancado € que todo o proceso possa ocorrer, sendo a angiistia esse sinal de desprazer. Nesse ponto, Freud (1926[1925]/1996, p. 97) anuncia seu distanciamento de sua primeira teoria e legitima sua nova desco- 0 eu é a sede real da anguistia’. Abandona, portanto, sua tese de que a angiistia seja resultado de um impulso recalcado em decorréncia de uma transformacio da libido. Conforme Freud (1926[1925]/1996, p. 97), a anguistia, por- tanto, “... nao &criada novamente no recalque; éreproduzida como um estado afetivo de conformidade com uma imagem mnémica ja existente’O que hé, portanto, na origem dos afetos, segundo Freud, o trauma. O trauma fica como marcas e, sempre que ocorre uma situacdo semelhante a essa, sdo reativadas as imagens mnémicas, tracos de memérias a disposicao do eu. Freud busca articular a vivéncia de desamparo, condicao primordial do ser humano, com o tema da angiistia, quando esta & definida como um estado afetivo, ou seja, uma quantidade de ener- gia que provocaria um desprazer, em que este poderia ser liberado ” HLAINEAZEVEDO tando que automaticamente, ou como um sinal para o eu, possil este se preparasse para evitar a reativacdo dessa situacio traumé- tica ou uma experiéncia de desamparo, Essas marcas servem como protétipo para a experiéncia de angiistia: [..J 0 ser adulto nao oferece qualquer protegto absoluta contra um retorno dasituacao de angistia ‘taumatica original Todo individuo tem, com toda probabilidade, um limite além do qual seu apazelho ‘mental falha em sua funcao de dominar as quan tidades de excitagoes que precisam ser eliminadas (FREUD, 1926 [1925/1995] p. 146) ‘Nesse ponto de suas formulacdes, porém, nado toma mais essas quantidades de excitacdes do ponto de vista de um fator quanti- tativo, mas da capacidade psiquica que o sujeito tem de suportar Geterminada carga de estimulo, tomando, assim, a dimensao da singularidade do sujeito. Buscando formular seus estudos acerca da segunda teoria da angéstia, Freud busca na clinica com seus pacientes o material para localizar suas formulagdes. E a partir dos casos clinicos O pequeno Hans (1909) ¢ © Homem dos lobos (1918) que Freud ira verificar que, apesar da singularidade de cada caso, o que se apresenta em ambos éa fobia por animais, e que a forca que motivou o recalque, a saber, era o medo da castracio, o medo de ser castrado pelo pai, Portanto, Freud formula que a fobia aparecia como distorcao da ideia de serem castrados, sendo essa ideia central a que foi recalcada. Assim, a angiistia que aparece nesses relatos nao é efeito do recalque, mas ja estava contida no eu: [Aangistia pertencente is fobias anima era um ‘edo nio transformado de casracao. Fraportanto uum medo realistico, o medo de um perigo que era realmente iminente ou que era julgado real. Foi a angiisti que produziu o recalque endo, como eu tmtelormene eredlavao reel que produsis aanguistia. (FREUD, 1926[1925]/1996, p. 110-111.) 4 DPAPRESSA AURGENCIA DO SUEFTO Freud indica-nos, portanto, que a angiistia sentida nas fobias nio é um efeito do recalcamento, é uma angtistia que surge no eu, ¢ que, ao inverso, nao parte do recalque, mas, sim, coloca-o em ago. A.angtstia surge como reacao aum estado de perigo vivido em determinadas situagdes de acordo com o desenvolvimento psiquico do sujeito, Na crianca muito pequena, trata-se de um perigo do desamparo, pois cla se encontra dependente de um outro cuidador. Jana primeira infancia, surge o medo diante do perigo da perda do ‘amor dos pais. Mais tarde, diante da constatacao da diferenga sexual, ‘esse perigo torna-se o perigo de castracdo. Mas de que perigo se trata? Freud, em suas elaboragdes nesse mesmo texto, aponta-nos que a angiistia é um sinal diante da reacdo a um perigo pulsional, € esse perigo deve-se a situacdo traumitica originaria. Mas, em seu texto “Conferéncia XXXII ~ Angiistia e vida pulsional”, Freud (1933[1932]/1996) retoma um ponto importante que nos esclarece a questao deixada a partir de sua formulagao de que haja um sinal de perigo que tem como protétipo o nascimento. Para ele 0 que € perigoso e temido numa situacao de perigo pode ser explicado pelo nascimento, sendo este o modelo de estado de anguistia, Freud (1933[1932]/1996, p. 96-97) afirma: © essencial no nascimento, assim como em toda situagdo de perigo, é que ele imprime & experiéncia mentalum estado deexcitagao marcadamenteintenss, ‘que é sentida como desprazer e que nao & possivel

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