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capitulo 7 A JUSTICA DISTRIBUTIVA © Estado mfnimo € 0 mais extenso que se pode justificar. Qualquer outro mais amplo viola direitos da pessoa. Ainda assim muitas delas apresentaram razdes que alegadamente justificam 0 Estado mais amplo. £ impossfvel, dentro dos limites deste livro, examinar todas as que foram formuladas. Por isso mesmo concentrar-me-ei nas que sfio em geral reconhecidas como as mais ponderéveis e influentes, 1 fim de verificar exatamente no que elas fracassam, Neste ca lo estudaremos a alegagéo de que o Estado mais amplo se justifi- a, porque é necessério (ou é 0 melhor instrumento) para se con- seguir justiga distributiva, No capitulo seguinte analisaremos varias outras alegagées. A expresso “justia distributiva” no € neutra, Ouvindo a pala- vra “distribuicio”, a maioria das pessoas supde que alguma coisa ou mecanismo utiliza algum principio ou critério para parcelar um suprimento de coisas. Nesse processo de distribuir parcelas — ou quinhdes —, algum erro deve ter-se insinuado, De modo que € pelo menos uma questio tdo aberta se a redistribuigdo deve ocorrer, se devemos fazer mais uma vez o que jé foi feito, embora mediocre- mente, Contudo nao estamos na situagio de criangas que receberam fatias de bolo das mios de alguém que, nesse momento, faz ajustes de tiltima hora para corrigir 0 corte desigual da guloseima. Nao ha istribuigdo central, nenhuma pessoa ou grupo que tenha o direito de controlar todos os recursos, decidindo em conjunto como devem ser repartidos. O que cada pessoa ganha recebe de outros, que o dao em troca de alguma coisa ou como presente. Na sociedade livre pessoas diferentes podem controlar recursos diferentes ¢ novos A Justice Distribution m tulos de propriedade surgem das trocas ¢ agdes voluntirias de pes- soas. Ndo hd essa de distribuir (ou de distribuigéo de parcelas do ‘que h4 para distribuir) os companheiros em uma sociedade na qual 28 pessoas escolhem com quem querem casar. O resultado total é produto de muitas decisées individuais que os diferentes individuos envolvidos tém o direito de tomar, Alguns usos do termo “distribui- fo”, & bem verdade, no implicam uma distribuicdo prévia corre- tamente julgada por algum critério (como, por exemplo, “distribui- go de probabilidades”). Ainda assim, a despeito do titulo deste capitulo, seria melhor usar uma terminologia claramente neutra. Fa- Taremos de propriedades de pessoas (dominio direto ou indireto). Um prinefpio de justia da propriedade descreve (em parte) 0 que 1 justiga nos diz (exige) sobre propriedades. Formularei inicialmen- te 0 que considero ser a visio correta de justiga em propriedades € em seguida passarei A discussio de opinides alternativas SECAO 1 A TEORIA DA PROPRIEDADE, © objeto da justign em propriedade consiste de trés t6picos princi- pais. O primeiro & a aquisi¢do inicial das propriedades, a apropri do de coisas nao possuidas, Tsso inclui as questdes de como coisas ido possuidas podem vir a sé-lo, 0 processo ou processos mediante os quais elas podem vir a ser possuidas, as coisas que podem vir a sé-lo por esses processos, a extensio do que vem a ser possuido me- diante emprego de um processo particular, etc, Denominaremos a complicada verdade a respeito desse t6pico, que ndo formularemos aqui, de principio de justica na aquisigao. O segundo t6pico diz. res- peito & transferéncia de propriedades de uma pessoa a outra. De que mancira pode uma pessoa transferir propriedades para outra? De que modo pode uma pessoa adquirir uma propriedade de outra pessoa que a mantém? Este t6pico abrange descrigies gerais de troca voluntéria, de doacdo e (no outro extremo), de fraude, bem como referéncias a detalhes convencionais particulares estabelecidos em vma dada sociedade. Denominaremos a complicada verdade sobre esse assunto (com marcadores de lugares para detalhes convencio- me Além do. Bstado Minimo nais) de principio de justiga nas transferéncias, (E faremos a su- posigdo de que inclui também principios que determinam como uma pessoa pode desapossar-se de uma propriedade, devolvendo-a a um estado no possufdo.) Se 0 mundo fosse inteiramente justo, a definigdo indutiva se- guinte cobriria exaustivamente a questo da justiga na propriedade. 1. A pessoa que adquire uma propriedade de acordo com 0 prin- cipio de justiga na aquisicao tem direito a essa propriedade. 2. A pessoa que adquire uma propriedade de acordo com o prin io de justiga em transferéncias, de alguém mais com direito a propriedade, tem direito a propricdade. 3. Ninguém tem direito a uma propriedade exceto por aplicagdes, (repetidas) de 1 e 2 © principio completo de justiga distributive diria simplesmente que ‘uma distribuigdo € justa se todos tém direito as propriedades que possuem segundo a distribuigio. Uma distribuigdo é justa se, por meios legitimos, surge de outra istribuigdo justa, Os meios legitimos de passar de uma distribuigio para outta so especificados pelo principio de justiga nas transfe- réncias, As primeiras “transferéncias” legitimas sio especificadas pelo principio de justica na aquisigao. (a) © que quer que surja de uma situagdo justa, através de etapas justas, é em si justo. Os meios de troca especificados pelo principio de justica nas. transferéncias reservam a justica, Da mesma forma que regras corretas de info réncia preservam a verdade, e qualquer concluséo deduzida através de aplicagio repetida dessas regras, baseadas apenas em premissas verdadeiras, € em si verdadeira, do mesmo modo os meios de tran- siglo de uma situagao para outra, especificados pelo principio de justiga nas transferéncias, sio preservadores da justica, e qualquer situagdio que realmente decorra de transigdes repetidas, de acordo com o principio, de uma situacdo justa, é em si justa. O paralelo centre transformagdes que preservam a justica e transformagdes que preservam a verdade esclarece onde elas falham bem como onde se sustentam, O fato de que uma conclusio poderia ter sido deduzida de meios que preservam a verdade, com base em premissas que sio verdadeiras, € suficiente para demonstrar sua verdade, Que de uma situacio justa uma situaco poderia ter surgido através de meios que preservam a justica ndo é suficiente para demonstrar-ihe a jus- tiga. O fato de que as vitimas de um ladrio poderiam voluntaria- A Justa Distributiva us mente terlhe dado presentes nfo the dé direito aos seus ganhos mal obtidos. A justiga na propriedade é histérica, depende do que realmente aconteceu. Voltaremos a este ponto mais tarde, ‘Nem todas as situagdes concretas so geradas de acordo com os dois princfpios de justia na propriedade: os de justica na_aquisi- io e na transferéncia, Algumas pessoas roubam outras, defraudam- nas, escravizam-nas, confiscam-Ihe os produtos e as impedem de viver como querem ou, pela forga, excluem outras de concorrer nas trocas, Nenhum deles € um modo permissivel de transigéo de uma situagio para outra, E algumas pessoas adquirem propriedades atra- vés de meios nio sancionados pelo principio de justiga na aqu'si- do. A existéncia de injustica passada (violagdes prévias dos dois primeiros principios de justiga na propriedade) introduz o terceiro ‘grande t6pico: a reparagio da injustica na propriedade, Se injusti- ga passada modelou de vérias maneiras propriedades presentes, al- gumas identificdveis e outras ndo, 0 que agora, se alguma coisa, deve ser feito para corrigit essas injustigas? Que obrigagdes tém os auto tes da injustiga para com aqueles cuja posigéo é pior do que teria sido se a injustiga ndo fosse praticada? Ou que teria sido, se uma compensagio houvesse sido paga imediatamente? Como, se é que isso ocorre, as coisas mudam se 0s beneficidrios e os colocados em pior situagao no sio as partes diretas no ato de injustiga, mas, por exemplo, seus descendentes? Seré praticada injustiga com alguém cuja propriedade em si bascava-se em uma injustiga ndo reparada? ‘Até quando devemos recuar para limpar o registro histérico de in- justigas? © que podem vitimas de injustigas fazer a fim de reparar injustigas que esto sendo praticadas contra elas, incluindo as mui- tas injusticas perpetradas por pessoas que agom através do governo? Nao conheco um tratamento teoricamente sofisticado ou exaustivo dessas questdes? Idealizando talvez em excesso, vamos supor que @ investigagio te6rica produz um principio de reperagio, Esse prin- cipio utiliza informagées hhistéricas a respeito de situagdes anterio- res e de injustigas nelas praticadas (da forma definida pelos dois primeiros principios de justiga ¢ os direitos contra interferéncia) © informages sobre 0 curso real dos fatos que derivaram dessas in- justigas até o presente, e produz uma descrigéio (ou descrigSes) das propriedades na sociedade. O principio de reparagio presumivel- mente faré uso de sua melhor estimativa das informagdes. subjun- tivas sobre 0 que teria ocorrido (ou uma distribuiclo de probabi- Iidades sobre o que poderia ter ocorrido, usando o valor esperado), m Além do Estado Miximo se a injustica no tivesse sido praticada. Se a descrigio real das ropriedades acabar por nao ser uma das descrigées produzidas pelo Principio, entio uma das descrigdes produzidas deve ser rea- lizada. (b) Os lineamentos gerais da teoria de justica na propriedade dizem que as propriedades de uma pessoa sio justas, e ela tem direito a clas, se foram observados os principios de justiga na aquisigio & na transferéacia ou o de reparaco de injustica (da forma especi ficada pelos dois primeiros prineipios). Se as propriedades de cada pessoa stio justas, entio o conjunto total (distribuigio) das _pro- priedades € justo. A fim de transformar esses lineamentos gerais em uma teoria espectfica, terfamos que especificar os detalhes de cada uum dos trés principios de justiga na propriedade: 0 de aquisigio, de transferéncia © 0 de reparacdo de violagdes dos dois primeiros prinefpios, Mas néo tentaremos aqui essa tarefa. (O principio de justiga na aquisigdo, de Locke, ¢ discutido abaixo.) PRINCIPIOS HiSTORICOS E PRINCIPIOS DE RESULTADO FINAL Os lineamentos gerais da teoria do direito A propriedade esclarecem a natureza e 05 defeitos de outras concepcdes de justiga distributi- va. A teoria de justiga do direito & proptiedade na distribuigio histérica, Se uma distribuigdo € justa ou nfo depende de como ela ‘ocorreu. Em contraste, os principios de justica na reparticao correntes sustentam que a justica de uma distribuiclo € determinada pela ma- neira como as coisas so distribuidas (quem tem o qué), da forma julgada por algum principio(s) estrutural(is) de distribuigao justa, ‘Um utilitério que julga entre quaisquer duas distribuigdes observan- do qual tem a maior soma de utilidade e, se as somas empatar aplica algum critério fixo de igualdade para escolher a distribuicio mais igual, adotaria um principio de justiga de reparticfo corrente, Como faria também alguém que tivesse uma tabela fixa de trocas compensatérias entre a soma de felicidade e igualdade, Segundo o Princfpio de repartigao, tudo o que precisa ser examinado, no jul- gamento da justica de uma distribuicao, € quem termina com o qué. Na comparacéo de quaisquer duas distribuigdes, temos que exami- nar apenas a matriz que contém as distribuigdes. Nenhuma outra informagio precisa ser introduzida em um principio de justiga. E A Jastiga Distribution 15 constituiu conseqiiéncia de tais principios de justiga que quaisquer duas distribuigdes estruturalmente idénticas sejam igualmente jus- tas, (Duas distribuigSes so estruturalmente idénticas se apresen- tam o mesmo perfil, mas talvez tenham pessoas diferentes ocupan- do espacos particulares, O fato de eu ter dez © voc’ ter cinco e eu ter cinco e vocé ter dez so distribuigdes estruturalmente idénticas.) ‘A economia do bem-estar social € a teoria dos principios correntes de justiga repartida, O assunto é concebido como operando em ma- trizes que representam apenas as informagdes correntes sobre a dis- tribuigio. Isso, bem como algumas das condigdes habituais (como, por exemplo, a escolha da distribuigo é invariante se forem nova- mente rotuladas as colunas), assegura que a economia do bem-cstar social ser uma teoria de justiga de reparticio, com todas as suas inadequagoes. ‘A maioria das pessoas néio acha que os prineipios da reparti- cio corrente constituam toda a histéria sobre parcelas a distribuir. Pensa que € relevante na avaliagdo da justica de uma situagéo con- jerar ndo s6 a distribuicdo que ela corporifica, mas também como la ocorreu, Se algumas pessoas esto na prisio por assassinato ou por crimes de guerra, nfo dizemos que, para avaliar a justiga da distribuigdo na sociedade, temos que examinar apenas o que esta pessoa tem, essa outra tem ow aquela tem... no tempo corrente, Julgamos importante perguntar se alguém fez alguma coisa para que ‘merecesse ser punido, merecesse ter uma parcela menor. A maioria ‘concordaré com a importincia de mais informagies a respeito de ccastigos e penalidades. Consideremos também coisas desejadas, Uma tese socialista tradicional diz que os trabalhadores tém direito a0 produto ¢ a todos os frutos de seu trabalho; mereceram-nos; uma distribuigo € injusta se no Ihes d& aquilo a que tem dircito, Esses direitos se basciam em histéria passada. Nenhum socialista que de- fenda essa tese gostaré de ouvir que, devido ao fato de a presente distribuigio A coincidir estruturalmente com a D, que deseja, A, por conseguinte, néo é menos justa que D. Difere apenas que os proprie- térios “‘parasitas” do capital recebem sob A aquilo a que os traba- Ihadores tém diretio sob D, ¢ os trabalhadores recebem sob A aqui- Jo a que os proprietérios tém direito sob D, isto é muito pouco. Esse socialista sustenta, corretamente em minha opinidio, as idéias de ganho, producio, direith a coisas, merecimento, etc, ¢ rejeita os prineipios de reparti¢éo corrente que examina apenas a estrutura do resultante conjunto de propriedades. (O conjunto de proprieda- 6 Mim de Estado Minimo des resultante do qué? Nao ¢ implausivel que a maneita como pro- priedades séo produzidas e vém a existir nfo produza efeito abso- Tutamente sobre quem deva possuir 0 qué?) O erro reside em sua opinido sobre que direitos surgem de que tipos de processos pro- tivos. Tnterpretamos estreitamente demais a posigio que discutimos ao falar em principios de reparticio corrente, Nada muda se os prin- cipios estruturais operam em uma seqiiéncia de perfis de repartigées, correntes ¢, por exemplo, dé mais a alguém agora para coniraba- Tangar 0 que feve menos antes. O utilitério, o igualitério ou qualquer mistura dos dois herdario com o tempo as dificuldades de seus ca- maradas mais miopes. Nao 0s auxilia o fato de que parte da infor- mago que outros consideram relevante na avaliagio da distribuigtio reflete-se, irrecuperavelmente, em matrizes passadas, Doravante, Ge- nominaremos esses princfpios a-histGricos de justica distributiva, in- cluindo os de reparticdo corrente, como principios de resultado final ou principios de estado final, Em contaste com os principios de justica de resultado final, os principios histéricos de justiga sustentam que circunstncias ou 2¢6i passadas podem criar direitos diferenciais ou merecimentos.diferen- ciais as coisas. Uma injustica pode ser cometida passando-se d= uma distribuigdo para outta estruturalmente idéntica, uma vez que a se- gunda, que em perfil € a mesma, pode violar os direitos ow mereci- mentos de pessoas. Talvez nfo corresponda a hist6ria real. ESTABELECIMENTO DE PADROES Os principios de justica que conferem direitos A propriedade que vimos esbogando sio de natureza histérica, A fim de compreender melhor seu cardter, vamos distingui-los de outra subelasse de prin- cipios histéricos. Vejamos como exemplo o principio de distribuigao segundo 0 mérito moral, Esse principio exige que as parcelas dis- tributivas totais variem diretamente com o mérito moral, Neahuma pessoa deve receber uma parcela maior do que outra cujo mérito moral é maior, (Se 0 mérito moral pudesse ser nao apenas ordenado, mas também medido em escalas de intervalos ou proporedes, pri cipios mais fortes poderiam ser formulados.) Ou consideremos 0 Principio que resulta da substituigio de “mérito moral” por “util dade para a sociedade” no exemplo anterior, Ou em vez de “distri- . A Justigg Disributiva m buir de acordo com o mérito” ou “distribuir de acotdo com a uti- lidade para a sociedade” poderiamos pensar em “distribuir de acor- do com a soma ponderada do mérito moral, uilidade para a socie- dade © necessidade”, com peso igual para as diferentes dimensoes, Chamemos 0 principio de disteibuigio de padronizado se ele espe- cifiea que a distrbuigio deve variar de acordo com alguma dimen- so natural, com a soma ponderada de dimensdes naturais, ou com a ordenagdo lexicogritica dessas dimensBes. E digamos que uma istribuigio & padronizada se esti de acoréo com algum principio padronizado. (Falo em dimensées naturais, reconhecidamente, sem um crtério geral para elas, porque, em qualquer conjunto de pro- priedades, algumas dimensoes artificiais poderiam ser manipuladas para variar de acordo com a distribuigo do conjunto.) © principio de distribuigdo de acordo com o mérito moral é um principio histé- rico padronizedo que especifica uma distribuicdo também padro- nizada. “Distribua de acordo com 0 Q-L” 6 um principio padroni- ado que leva em conta informagGes ndo contidas nas mairizes de distribuigdo, Néo € histérico, contudo, no sentido em que leve em conta agdes passadas que criaram dircitos diferentes a fim de ava- liar uma distribuigdo: requer apenas matrizes de distribuigo cujas colunas sejam rotuladas com resultados de testes de QI, A distribui- go em uma sociedade, porém, pode ser composta dessas distribui- ges padronizadas simples, sem que ela mesma seja simplesmente padronizada. Diferentes setores podem adotar padrées diferentes, ov alguma combinagio de padres pode ser usada em proporsoes. di- ferentes em toda a sociedade. Uma distribu'go composta dessa me- neira, a partir de um pequeno niimero de distribuigSes. padroniza- as, seré denomineda por nés também de “padronizada”. E ampli ‘mos 0 emprego de “padronizada” para ineluir 0 quadro geral confi gurado por combinagées de principios de resultado final ‘Quase todos os principios sugeridos de justiga distributiva sio padronizados: a cada um de acordo com seu mérito moral, suas ne- cessidades, produto marginal, seu esforgo, ou a soma combinada disso, ¢ assim por diante. O principio de direito a alguma coisa que esbo- sgamos acima, porém, nao é padronizado, (¢) Nio hé uma dimensfo natural, uma soma ponderada ou combinagio de pequeno némero de dimensdes naturais que produzam as distribuigdes geradas de acordo com o principio de direito a alguma coisa. O conjunto de propriedades que resulta quando algumas pessoas recebem seus pro- ddutos marginais, outras ganham no jogo, outras recebem uma parte 18 Mem do Estado Minimo da renda do companheiro, ou doagdes de fundagées, ou juros sobre empréstimos, ou presentes de admiradores, ou retornos de investi- mentos, outras fabricam pessoalmente grande parte do que possuem, outras acham coisas, ete,, nao sera padronizado, Linhas fortemente sugestivas de padrdes passardo por ela e partes importantes da va- rifncia em propriedades serio explicadas por varidveis de padrio. ‘Se a maioria das pessoas, na maior parte do tempo, resolve trans- ferir alguns de scus direitos a outras apenas em troca de algo que clas possuem, entio grande parte do que muitas pessoas possuem variaré com © que tinham € que outros queriam. Mais detalhes sio forecidos pela teoria da produtividade marginal, Presentes a pa- rentes, donativos de caridade, doagdes a criancas e coisas assim, porém, nio sio melhor concebidas, no primeiro caso, desta manei- ra, Ignorando as linhas de padrio, suponhamos, por ora, que uma distribuigio a que realmente se chegou mediante operagéo do prin- io de dircito a alguma coisa € aleatéria no tocante a qualquer padrio, Embora o conjunto resultante de propriedades no obedega a um padrao, ele nao seré incompreensivel, porquanto se pode ver que surgiu de operagio de um pequeno niimero de principios. Esses prinefpios especificam como a distribuigao inicial pode surgir (0 principio de aquisigao de propriedades) © como as distribuigdes po- dem ser transformadas em outras (0 principio de transferéncia de propriedades). O processo mediante o qual o conjunto de propri dades & gerado seré inteligivel, embora 0 conjunto de propriedades fem si que resulta desse processo nao obedega a um padréo. Os trabalhos de F. A. Hayek focalizam menos do que 0 habi- tual a questo de que padrio a justiga distributiva requer. Argumenta Hayek que nao podemos saber o suficiente a respeito da situagéo de cada pessoa para distribuir a cada uma de acordo com seu méri to moral (mas exigiria a justiga que assim procedéssemos se nao vvéssemos tal conhecimento?). E continua argumentando que “nossa ‘objegio & contra todas as tentativas de impor a sociedade um padrio de distribuigao deliberadamente escolhido, seja ele uma ordem de igualdade ou de desigualdade”* Nao obstante, conclui ele que numa sociedade livre haverd distribuigéo de acordo com valor, @ niio méri- to moral, isto & de acordo com o valor pereebido das ages ¢ serv gos de uma pessoa a outras. A despeito de sua rejeigdo de uma con- cepgio padronizada de justica distributiva, 0 préprio Hayek sugere lum padro que ele considera justficavel: a distribuigéo de acordo ‘com 08 beneficios percebidos conferidas a outros, deixando espaco para A Insta Distribution 19 a queixa de que a sociedade livre nfo cumpre exatamente esse padréo, Formulando mais precisamente esse elemento padronizado de uma sociedade capitalista livre, temos: “A cada um de acordo com o quanto ele beneficia os demais que possuem recursos. para beneficiar aqueles que os beneficiam.” Isso parecerd arbitrério, a ‘menos que algum conjunto inicial de propticdades seja especificado, ‘ou @ menos que se sustente que a operacio do sistema ao longo do tempo elimina quaisquer efeitos importantes do conjunto inical Como exemplo deste tiltimo caso, se quase todas as pessoas teriam comprado um carro a Henry Ford, a suposicio de que cra uma coisa arbitréria quem tinha dinheiro na ocasiéo (¢ assim comprou) no colocaria sob suspeita os ganhos dese magnata da indistria, A distribui¢io de acordo com os beneticios aos demais é um gran- de clemento padronizado numa sociedade capitalista livre, como corretamente observa Hayek, mas & apenas um elemento e nao cons- titui fodo 0 padréo de um sistema que confere direitos (isto 6, @ hherangas, a donativos feitos por varios motivos, a caridade, etc.) ou um padrio que poderfamos insistir em que a sociedade atendesse. Tolerariam as pessoas por muito tempo um sistema que gerasse dis- tribuigdes que considerem no padronizadas? 4 Sem diivida, elas nio aceitario por muito tempo uma distribuigso que acham injusta. Pes- soas querem que sua sociedade seja ¢ parega justa. Mas ter a apa- réncia de justica que residit no padro resultante © nao nos princt- pios subjacentes, geradores do fato? Ndo estamos em condigées de ‘concluir que os membros de uma sociedade que corporifique uma concepeio de justiga que inclua direitos & propriedade a julgario inaceitével, Ainda assim temos que reconhecer que se as razées das pessoas para transferir parte de suas propriedades a outrem fossem sempre irracionais ou arbitrérias, julgariamos perturbador esse fato. (Suponhamos que as pessoas sempre escolhessem as _propriedudes que transfeririam, e a quem, usando um meio aleat6rio.) Sentimo- nos mais & vontade em defender a justiga de um sistema que con- fere direitos se a maioria das transferéncias é feita por boas razdes. Isso ndo significa necessariamente que todos merecem as. proprieda- des que recebem. Significa apenas que hé um objetivo ou motivo para alguém transferir propriedades para uma pessoa, e nfo para outra, que em getal podemos perceber o que aquele que transfere pensa que esté ganhando, a que causa ele pensa que esté servindo, que metas cle pensa que esté ajudando a atingir, e assim por diante. Uma vez que na sociedade capitalista pessoas freqtientemente trans- 180 Mim do Estado Minimo ferem propriedades para outras segundo 0 quanto acham que elas as esto beneficiando, a urdidura constituida pelas transagGes ¢ trans- feréncias entre individuos é na maior parte, razodvel e compreensi- vel. (d) (Presentes a pessoas amadas, doagies a criangas, caridade 105 necessitados so também componentes. ndo-arbitrérios da urdi- dura.) Ao salientar grande elemento da distribuigio de acordo com beneficios a outras pessoas, Hayek indica 0 motivo de nume- rosas transferéncias e, destarte, assinala que o sistema de transfe- réncia de direitos & propriedade nfo esté simplesmente movendo sem propésito suas engrenagens, O sistema de direitos & proprieda- de € defensavel quando constituido por objetivos particulares de pessoas distintas, Nenhum objetivo grandioso é necessério nem é re- querido qualquer padro distributivo. Pensar que a tarefa de uma teoria de justiga distributiva € pre- encher o claro na frase “a cada um segundo suas ————” im- plica estar-se predisposto a procurar um padréo, 20 passo que 0 ‘ratamento separado dado a frase “de cada um segundo suas ——" focaliza produgao e distribuigéo como duas questées distin- tas ¢ independentes. Numa concepeio sobre 0 direito a alguma coisa ‘essas questées ndo so separadas. Quem quer que faca alguma coi- sa, tendo comprado ou contratado os recursos de propriedade de outrem usados no processo (transferindo algumas de suas posses para esses fatores cooperantes), tem direito a ela, A situagio nao é de alguma coisa ter sido feita e de ser questio aberta quem vai ficar ‘com ela, As pessoas surgem no mundo jé ligadas a pessoas que tem direito a ela, Do ponto de vista hist6rico da concepgio de justica que confere direitos & propriedade, aqueles que comecam tudo de novo para completar a frase “a cada um segundo suas tratam objetos como se nao viessem de algum lugar, como se safssem do nada. Uma teoria completa de justiga poderia abranger também esse caso limite, Talvez neste particular haja um uso para as con- cepgoes habituais de justiga distributiva’ Tio enraizadas esto as maximas vazadas na forma habitual que talvez devéssemos apresentar como rival a concepgio de di- reito & propriedade, Ignorando a aquisicdo e a retificagio, poderia- mos dizer: ‘De cada um segundo o que ele resolver fazer, cade um segundo 0 que ele faz por si mesmo (talves com ajuda contratada de outros) € 0 que es outros resolver fazer por ele e darlhe parte daquilo que rectberam antes (de acordo comm esti mixina) © ainda no gastaram ow trsnsferiam, A Justis Distribution 11 Isso, deve ter notado o leitor perspicaz, tem seus defeitos como slogan. Assim, como sumério ¢ grande simplificagio (¢ néo como méxima com qualquer sentido independente), temos De cada um, como eles escolherem, a cada um, como foram escothidos. COMO A LIBERDADE PERTURBA OS PADROES Nio é claro como aqueles que defendem teses alternativas de justiga istributiva podem rejeitar a concepgio de justiga que confere di- reitos & propriedade, Suponhamos que a distrbuigio preferida por uma dessas concepgées € realizada. Vamos presumir ainda que é 4 que vor8 gosta mais © chamemo-la de D,, Talvez todos tenham parcela igual, talvez as parcelas variem de acordo com alguma mensio a que vocé atribui grande valor. Suponhamos agora que Wilt Chamberlain, sendo uma grande atragio de bilheteria, & objeto de grande demanda dos times de basquetebol. (Vamos supor ainda que 0s contratos tém duracdo de apenas um ano e que, depois disso, os jogadores t8m passe livre.) Ele assina com um dos times o seguinte tipo de contrato: por cada jogo ganho, 25 centavos do prego de cada ingresso The caberd. (Ignoramos @ questo aqui se ele esta “arracando ‘6 couro” dos donos do time e deixando que eles se virem como pude- rem.) Comeca 0 campeonato ¢ as pessoas alegremente comparecem aos jogos de seu time, Compram 0s ingressos, em todas as ocasiées colocando 25 centavos separados do prego de aquisicio do bilhete em uma caixa especial com 9 nome de Chamberlain. Ficam emocionadas 140 vé-lo jogar e acham que o prego que pagam é justo. Vamos supor que, em uma temporada, um milhdo de pessoas comparecem aos jogos em que ele toma parte. Wilt Chamberlain termina 0 campeo- nato com US$ 250,000, uma soma muito maior do que a renda mé- dia ¢ maior mesmo do que qualquer pessoa aufere. Tem ele dircito a essa renda? Essa nova distribuigdo, Dz, € injusta? Se assim, por ‘qué? Nao ha a menor divida se cada uma das pessoas tinha direito 80 controle dos recursos que possuiam em Ds, porque esta era a distribuigdo (a sua favorita) que (para as finalidades do argumento) supomos que era aceitével. Cada uma dessas pessoas resolveu dar 25 centavos de seu dinheiro a Chamberlain, Poderiam té-lo gasto 12 Mim do Estado Minimo indo ao cinema, comprando chocolate ou nimeros das revistas Dis- sent ou Monthly Review. Mas todos eles, ou pelo menos um milho deles, convergiram na resolugdo de dé-los a Wilt Chamberlain em troca do prazer de vé-lo jogar basquetebol, Se D; era uma distribui- ao justa, © pessoas voluntariamente passaram-na para D., transfe- indo parte das parcelas que haviam recebido sob D, (para que, se no para fazer alguma coisa com elas), Ds ndo seré também justa? Se as pessoas tinham o direito de usar os recursos a que tinham direito (de acordo com D;), no inctuiria isso terem o dircito de dé-los, ou trocé-los, com Wilt Chamberlain? Poderia alguém mais queixar-se por razdes de justiga? Todas as demais pessoas jé pos- suiam sua parcela legitima sob Ds. De acordo com esta, nada hé que alguém tenha que outra pessoa possa reivindicar. Depois que alguém transferisse algo para Wilt Chamberlain, terceiras partes ainda teriam suas parcelas legitimas, Suas parcelas néo foram mudadas. De que maneira poderia essa transferéncia entre duas pessoas dar origem a ‘uma reivindicagfo legitima de justiga distributiva a respeito de uma parcela que foi transferida, por uma terceira parte que nfo tinha nenhum direito, com base na justiga, a quaisquer propriedades dos outros antes da transferéncia? (e) A fim de eliminar as objegdes isrelevantes neste caso, poderiamos imaginar gue as trocas ocorres- sem em uma sociedade socialista, depois do trabalho. Depois de jogar todo basquetebol que sabe em seu dia de trabalho, ou fazer qualquer outra coisa em que se ocupa durante o dia, Wilt Cham- berlain resolve fazer horas extras para ganhar mais dinheiro. (Ini- cialmente, sua quota de trabalho é estabelecida, Ele continua a tra- balhar depois de té-la atingido.) Ou imaginemos que é um mala- barista que as pessoas gostam de ver que dé espeticulos depois do expediente. Por que deveria alguém fazer horas extras numa sociedade em que se supde que suas necessidades sejam satisfeitas? Talvez porque se interessassem por coisas que nfo as simples necessidades. Eu gosto de fazer anotagdes nos livros que eio e ter acesso a cles para relé-los quando me dé na telha, Seria muito agradével € convenien- te ter no men quintal os recursos da Biblioteca Widener, Nenhuma sociedade, suponho, colocaria esses recursos tio perto assim das pessoas que gostariam de fos como parte de sua quota regular (Sob D,). Dessa maneira as pessoas ou tém gue passar sem as coi- sas extras que querem ou ter permissio a fim de fazer alguma coisa extra para obié-las, Sobre que fundamento seriam proibidas as de- A Justiga Distributive 183 sigualdades que viriam a surgit? Notem também que pequenas fi- bricas brotariam nas sociedades socialistas, a menos que fossem proibidas, Derreto parte de minhas posses pessoais (sob Di) © cons- ‘ro uma maquina com o material, Oferego-Ihe, e a outras pes- soas, uma aula de filosofia por semana, em troca de vocé acionar a manivela de minha maquina, cujos produtos troco por outras coi- sas mais, etc. (As matérias-primas usadas pela maquina me sio dadas por outros que as possuem sob D, em troca das aulas que hes ministro.) Todas as pessoas poderiam participar, a fim de obter coisas, além de sua quota sob D,. Algumas pessoas gostariam mesmo de deixar seus cargos na indéstria socialista a trabalhar em tempo integral nesse setor privado. No capitulo seguinte, diremos mais al- ‘guma coisa a respeito dessas questdes, Aqui desejo simplesmente observat que a propriedade privada, mesmo de meios de produgio, ‘ocorreria em uma sociedade socialista que no proibisse pessoas de usar, como desejassem, os recursos que Ihes foram dados sob a dis- tribuigdo socialista D, A sociedade socialista teria que proibir atos capitalistas a adultos que gostariam de praticé-los. © argumento geral ilustrado pelo exemplo Wilt Chamberlain, € 0 dos empresérios em uma sociedade socialists, € que nenbum rincfpio de estado final ou distributive padronizado de justica pode ser continuamente implementado sem interferéncia continua na vida das pessoas. Qualquer padrao preferido seria transformado pelo prin- cfpio em outro nao favorecido, ou por pessoas que resolvessem agit de maneitas diferentes, como por exemplo pessoas trocando bens € servigos com outras pessoas ou dando a estas pessoas coisas a que elas tinham direito de acordo com o padrio distributive preferido. A fim de manter 0 padrio, terfamos que ou interferir continuamente para impedir que pessoas transferissem recursos como quisessem ou continuamente (ou periodicamente) interferir para tomar de algu- mas delas recursos que outras decidiram por alguma razio transfe- rit para elas. (Mas se limites de tempo fossem estabelecidos sobre © periodo em que as pessoas poderiam conservar os recursos que foutras voluntariamente lhes transferiram, por que deixar que con- Servassem esses recursos por qualquer periodo de tempo? Por que no realizar 0 confisco imediato?) Poder-se-ia objetar que todas as pessoas, voluntariamente, resolveriam abster-se de atos que pertur- assem 0 padrio. Isso pressupée irrealisticamente que: 1) todos de- sejario ardentemente manter o padréo (os que no 0 fizerem deve- ro ser “reeducados” ou obrigados a praticar “autocritica"?); 2) 1m Mlim de Estado Minimo todos possam reunir informagdes suficientes sobre seus proprios atos © as atividades correntes dos demais a fim de descobrir qual de seus atos perturbaré 0 padrio; ¢ 3) pessoas diferentes € muito dis- tantes poderio coordenar-the os atos para que se ajustem ao padrao, ‘Compare-se com isso a maneira como o mercado se mantém neutro entre 0s desejos das pessoas, na medida em que reflete ¢ transmite informagées muito dispersas por intermédio de pregos ¢ coordena atividades pessoais. Estaremos talvez forgando um pouco as coisas quando dizemos ‘que todos 05 principios padronizados (ou de estado final) prova- velmente sero contrariados pelos atos voluntérios de partes indi- viduais que transferem algumas das parcelas que recebem sob os prinefpios, Isso porque, talvez, alguns padrdes muito débeis nao sio contrariados dessa maneira, (f) Todos os padrées distributivos que ‘incluem um componente igualitério so subvertidos, a0 longo do tempo, por atos voluntérios de individuos isolados, como também toda situag#o padronizada, com um contetido suficiente para ter sido realmente proposta como representando o mago da justica distri- butiva, Ainda assim, dada a possibilidade de que algumas débeis condigdes ou padrdes talvez, nao sejam instéveis dessa mancira, seria melhor formular uma descri¢éo explicita dos tipos de padroes in- teressantes cheios de contetido sob discussio e provar um teorema 1 respeito de sua instabilidade, Uma vez que, quanto mais fraca a padroniza¢io, mais provivel & que o sistema que confere direitos a satisfaca, afigura-se plausivel a conjectura de que qualquer padro- nizagdo ou € instavel ou & satisfeita pelo sistema (© ARGUMENTO DE SEN Nossas conclusdes so reforgedas se estudamos um argumento geral recente desenvolvido por Amartya K, Sen.7 Suponhamos que os di- reitos individuais sfo interpretados como o dircito de escolher qual de duas allernativas deve ser classificada mais alto em uma ordena- cdo social de alternativas. Adicionemos a condigio fraca de que, se uma alternativa 6 unanimemente preferida a outra, entao ela é clas- sifieada mais alto pela ordenagdo social. Se ha dois diferentes indi viduos, cada um com direitos individuais, interpretados da maneira acima, a diferentes pares de alternativas (que néo tm membros em comum), entiio, no caso de possivel classificago de preferencias A Justin Distribution 185 ‘entre as alternativas pelos citados individuos, no ha ordenagio so- cial linear, Suponhamos que a pessoa A tem 0 dircito de decidir entre (XY) © a pessoa B entre (Z,W), © suponhamos ainda que suas preferéncias sto as seguintes (e que niio hé outros individuos): A pessoa A prefere Wa X, Ye Zea B prefere Ya Z, We X. Se- gundo a condigio de unanimidade, no ordenamento social WY & pre- ferido a X (uma vez que cada individuo o prefere a X) ¢ ¥ 6 pre- ferido a Z (acontecendo a mesma coisa em relagdo a Z). Além disso, no ordenamento, X € preferido a Y, de acordo com o dir de escolha da pessoa A entre essas duas alternativas. Combinando ‘essas trés classificagtes bindtias, vemos que W é preferido a X, Y, € Z no ordenamento. Contudo, de acordo com o dircito de escotha da pessoa B, Z deve ser preferido a W na ordenagio, Nao ha um ordenamento social que passe de um a outro e satisfaga todas essas condigées e 0 ordenamento social, por conseguinte, & ndo-linear. Até aqui, 0 argumento de Sen. A dificuldade surge de tratar 0 direito do individuo de escolher ‘entre alternativas como 0 direito de determinar a ordenacio relati- va dessas alternativas na ordenacdo social. Nao € melhor a que faz ‘com que os ind:viduos classifiquem pares de altemnativas e separa- damente as classifiquem, A classificagdo que fazem de pares parti- ipa de algum método de fundir preferéncias, a fim de produzir um cordenamento social de pares. E a escolha entre as alternativas no par mais altamente classificado no ordenamento social ¢ feita pelo individuo que tem o direito de decidir entre esses pares. Esse siste- ‘ma apresenta também o resultado de que uma altemativa possa set escolhida embora todos prefiram alguma outra, como, por exemplo, A escolhe X a Y, onde (X,Y) 6, de alguma maneira, 0 par classi- ficado mais alto no ordenamento social de pares, embora todos, in- cluindo A, prefiram W a X. (A opcdo dada & pessoa A, porém, foi apenas entre X ¢ ¥.) ‘Uma concepeo mais apropriada dos direitos individuais seria a seguinte: eles sio co-possiveis, podendo cada pessoa exercer seus direitos como quiser. O exercicio desses direitos estabelece alguns aspectos do mundo. Dentro das limitagdes desses aspectos fixos, a opeao pode ser feita por um mecanismo de escotha social baseado em ‘uma ordenagio social. Se sobrarem quaisquer escolhas a fazer! Os di reitos nfo determinam a ordenago social, mas sim um conjunto de mitagies, dentro das quais a escolha social deve ser feita pela exclusio de certas alternativas, a fixagio de outras, e assim por diante, (Se 186 lim do Estado Minimo tenho 0 direito de viver em Nova York ou em Massachusetts e es- colho Massachusetts, ento as alternativas xelativas a eu) viver em Nova York no sio objetos apropriados a serem incluidos em um ‘ordenamento social.) Mesmo que todas as possiveis alternativas fos- sem ordenadas previamente, & parte os diteitos de todos, 2 situagtio no seria mudada; isso porque, neste caso, a alternativa mais alta- mente classificada que ndo & exclulda pelo exercicio de seus direitos por alguém & instituida, Direitos néo determinam a posigio de uma alternativa, ou a posigo relativa de duas alternativas em um orde- namento social: operam sobre 0 ordenamento a fim de limitat « ‘opeio que ele pode produzir. Se 05 direitos & propriedade sfo os direitos de dispor dela, como se quer, entio a opgio social tem que ocorrer dentro das limitagdes de como as pessoas resolvem exercer esses direitos. Se alguma pa- Gronizagéo € legitima, ela se inclui no dominio da opgio social por isso mesmo, limitada pelos direitos das pessoas. De que ouira maneira poderiamos encarar o resultado de Sen? A alternativa de ter-se inicialmente uma classificagio social, com direitos exercidos dentro de suas limitagies, nido é absolutamente alternativa, Por que nfo escolher simplesmente a alternativa mais altamente classificada ¢ esquecer 0s direitos? Se essa alternativa altamente colocada deixa aigum espago para a opgio individual (¢ & aqui que se supde que entrem 05 “direitos” de opgio), tem que haver alguma coisa que impega que essas escolhas se transformem em mais outra altemat va. Dessa maneira o argumento de Sen leva-nos de volta ao resul- tado de que estabelecer padronizagdo exige interferéncia continua nos atos e opedes das pessoas.® REDISTRIBUIGAO E DIREITOS DE PROPRIEDADE Aparentemente 0s principios padronizados admitem que as pessoas resolvam gastar consigo mesmas, mas no com outrem, 05 recursos 1 que tém direito (ou melhor, receberam segundo algum padrao dis tributivo favorecido Ds). Isso porque, se varias pessoas resolverem gastar parte de seus recursos Dy com outra pessoa, esta reccberd ‘mais do que sua parcela Dy, perturbando dessa mancira 0 padrio distributivo preferido. Manter um padrio distributive € individua- ismo com violencia! Os principio distributivos. padronizados nfio io as pessoas o que thes confeririam os princfpios de dircito a A tiga Distribution wt guma coisa, apenas mais bem distribufdos, porque no concedem 0 direito de fazer o que se quer com aquilo que se tem, Nio admite © direito de visar a um fim que envolva (intrinsecamente ou como meio) o melhoramento da situagio de outta pessoa, Nos termos 4dessas opiniges, as familias sfo clementos perturbadores, uma vez que dentro delas ocorrem transferéncias que subvertem 0 padsio distributive favorecido, Ou as familias se transformam em unidades ‘onde ocorre a distribuigdo, 08 ocupantes de colunas (sobre que fun- damentos I6gicos?), ou 0 comportamento afetivo proibido. Cube, de passagem, notar a posigio ambivalente dos radicais em relacio 2 familia, Seus relacionamentos carinhosos so considerados como um modelo a ser enmulado ¢ disseminado por toda a sociedade, 20 ‘mesmo tempo que & denunciada como uma instituigéo sufocante, & ser desmantelada e condenada como foco de preocupagies paro- quiais que interferem na consecugio de metas radicais, Precisamos dizer que no € apropriado impor a sociedade mais ampla os rela- cionamentos de amor e carinho que so corretos dentro da familia, relacionamentos esses que sio voluntariamente estabelecidos? (2) Incidentalmente © amor constitui um interessante exemplo de outro relacionamento histérico no sentido em que (tal como a justiga) de- pende do que realmente aconteceu. Um adulto pode vir a amar outro por causa das caracteristicas deste, mas 6 a outra pessoa, e no as caracteristicas, que é amada,? Nao € transferivel a alguém mais com as mesmas caracteristicas, mesmo aquele que tem mais “pontos” nessas caracteristicas. E perdura através de mudangas as caracte- risticas que the derem origem. Amamos a pessoa particular que real- mente encontramos. O motivo por que o amor & histérico, ligando- se dessa maneira as pessoas ¢ no a caracteristicas, constitu uma ‘questo interessante ¢ enigmética. Os proponentes de principios padronizados de justiga distribu- tiva concentram a atengao em critérios que determinem quem deve receber propricdades, pensam nas razdes por que alguém deve ter ailguma coisa e também no quadro total das propriedades. Se é me- Thor ou no dar do que receber, os defensores desses.principios jgnoram inteiramente a dimensio de dar. Ao considerarem a distri- Duigtio de bens, renda, elc., suas teorias sfio de justiga receptiva. Ignoram inteiramente qualquer direito que uma pessoa possa ter de dar algo a alguém, Mesmo nas trocas, em que cada parte sinvulta- neamente dé e recebe, 05 prineipios padronizados focalizam apenas ‘© papel receptivo € seus supostos direitos, Dessa mancira as dis- 18 Mim do Estado Minimo ‘cassbes tendem a se focalizar em se uma pessoa (deve) ter direito de herdar, e no se a pessoa (deve) ter direito de legar ou se pes- soas que tém o direito de conservar tém também o de escolher que outras conservem em scu lugar. Nao tenho uma boa explicacéo do motivo por que as teorias habituais de justign distributiva sio tio orientadas pata a dimenso receptiva. Ignorar os que dio ¢ trans- ferem, ¢ seus direitos, é a mesma coisa que ignorar os produtores € 08 direitos que eles tém. Mas por que tudo isso & ignorado? Os principios padronizados de justiga distributiva precisam de atividades redistributivas. B pequena probabilidade de que qualquer conjunto de propriedades a que se chegou livremente satisfaca um dado padrao € € mula a probabilidade de que continue a satistazer © padrio & medida que pessoas trocam dio. Do ponto de vista da teoria que confere direitos & propriedade, a redistribuigio é um as- sunto realmente sério, implicando, como de fato acontece, a viola- Gio de direitos das pessoas. (Uma excecio seriam os apossamentos que ocorrem de acordo com o principio de reparagio de injusti gas.) E € sério também de outros pontos de vista. A tributagdo da renda gerada pelo trabalho esté na mesma si- tuagio que 0 trabalho forgado, (h) Algumas pessoas consideram essa alegugdo obviamente verdadeira: apossar-se dos ganhos den hhoras de trabalho € a mesma coisa que tomar n horas da pessoa, tal como forgat alguém a trabalhat n horas para as finalidedes de outrem. Jé alguns consideram tal alegacio absurda, Mas mesmo ‘estes, se sio contra o trabalho forgado, seriam contra a forgar hippies desempregados a trabathar em beneficio dos necessitados. (i) E obje- tariam a forgar todas as pessoas a trabalharem cinco horas extras cada semana para ajudar os carentes, Mas um sistema que tira cinco horas de salitios em imposto néo thes parece igual ao que obriga alguém a trabalhar cinco horas, uma vez que este lhe oferece uma faixa mais ampla de escolha em atividades do que a taxagio em espécie, especificado o tipo particular de trabalho, (Mas podemos imaginar uma gradacio de sistemas de trabalho forcado, de um que specifica uma atividade particular a outro que oferece escolha entre duas atividades, a outro..., e assim por diante.) Além do mais, pessoas imaginam um sistema como algo parecido com um imposto roporcional incidente sobre tudo acima do necessério as necessi- dades bésicas, Pensam alguns que esse fato néo obriga ninguém a ttabalhar horas extras, uma vez que ndo hé nimero fixo dessas hhoras que € obrigado a trabalhar e porque ele pode evitar inteira- A Justca Distribution 19 mente 0 imposto ganhando apenas o suficiente para atender as suas nocessidades basicas, Esta é uma idéia muito estranha de forgar no ‘caso daqueles que pensam também que as pessoas so forgadas a fazer alguma coisa em todos os casos em que as alternativas abertas 4 elas séo muito piores, Ainda assim, nenhuma dessas duas opinides € corteta, © fato de outros intervirem intencionalmente, com vio- laciio de uma restrigfo indireta contra a agressio, ameagando em- pregar a forca para limitar as alternativas, neste caso pagar impos- tos ou (presumivelmente, a pior alternativa) ganhar para a mera subsisténcia, transforma o sistema de tributago em um de trabathos forgados © 0 distingue de outros casos de escolhas limitadas que no sto forgadas.° O homem que resolve trabalhar mais horas para ganhar uma renda mais do que suficiente para suas necessidades bésicas, prefere alguns bens ou servigos extras a0 écio e as atividades que poderia realizar durante as horas em que estaria de folga, a0 passo que 0 homem que resolve no fazer servigos extraordinérios prefere as atividades de lazer aos bens ou servigos extras que poderia adquirir tcabalhando mais, Dada essa situagio, se seria ilegitimo que 0 sis- toma tributério confiscasse parte do lazer de um homem (trabalhos forgados) para o fim de servir aos necessitados, de que mancira poderia ser legitimo que expropriasse os bens de um homem para (© mestmo objetivo? Por que deveriamos tratar 0 homem, cuja feli- cidade requer certos bens materiais ou servigos, de forma diferente do homem cujas preferéncias e desejos tornam tais coisas desneces- sdrias para sua felicidade? Por que deveria 0 homem que prefere i ao cinema (e tem que ganhar dinheiro extta para comprar o in- sgress0) ser objeto da exigéncia obrigatsria de ajudar os necessita- dos, enquanto que a pessoa que prefere apreciar o por-do-sol (c dai no ganha nenhum dinheiro extra) nfo €? Realmente nao é de surpreender que os redisteibutivistas resolvam ignorar 0 homem cujos prazeres séo assim tio facilmente conseguidos sem trabalho extra, enquanto acrescemtam mais um fardo ao pobre infeliz. que tem que trabalhar para obter seus prazeres? Quando nada, terfamos esperado o oposto. Por que deve 2 pessoa sem desejos de coisas me- teriais e de consumo escolher sem impedimento sua alternativa vidvel preferida, ao paso que o homem cujos prazeres ¢ deveres envol- ‘vem coisas materiais e que tem que trabalhar para ganhar um di- nheiro extra (desta maneira servindo quem quer que considere suas atividades suficientemente valiosas para the pagar) € limitado no 190 Alim do Bstado Minimo que pode realizar? Talvez, em principio, nfo haja diferenga c talvez alguns pensem que a resposta diz respeito meramente & convenién- cia administrativa, (Essas questdes ¢ problemas néo perturbario aqueles que pensam que o trabalho forgado, a fim de ajudar as ne- cessidades ou a realizar 0 padrdo de resultado final preferido, & aceitével.) Em uma discusso mais ampla, terfamos (e quererta- mos) que ampliar nosso argumento a fim de incluir juros, Iucros empresariais, ete. Aqueles que duvidam de que essa ampliagao possa ser realizada e que tragam a linha na tributagdo da renda prodazida pelo trabalho, teriam que formular princfpios padronizados histéri- cos muito complicados, uma vez Gue os principios de resultado final no distinguem de qualquer maneira entre fontes de renda. Acha- mos que seré suficiente por ora afastarmo-nos dos principios de re- sultado final e esclarecer como varios principios padronizados de- pendem de idéias particulares sobre as fontes, a ilegitimidade ow menor legitimidade dos Iucros, juros, etc., que podem muito bem ser equivocadas ‘Que tipo de direito sobre os outros um padréo de estado final legalmente institucionalizado d4 & pessoa? O amago da idéia de reito de propriedade a X, em relagéo ao qual outras partes da idéia devem ser explicadas, € o direito de determinar o que sera feito com X, 0 diteito de escolher qual do conjunto limitado de opgdes a res- peito de X serd realizado ou tentado. As restrigies so estabeleci- das por outros principios ou leis operantes na sociedade:, em nossa teoria, pelos direitos lockeanos que as pessoas possuem (no Esta- do minimo). Os direitos de propriedade que tenho & minha faca me permitem deixé-la onde eu quiser, mas nao fincada no peito de outra pessoa, Posso escolher qual das opgdes accitaveis envolvendo a faca serd realizada, Essa idéia de propriedade ajuda-nos a compreender Por que tedricos mais antigos falavam de pessoas terem a proprie- dade de si mesmas e de seu trabalho, Consideravam cada pessoa como tendo o direito de decidir 0 que seria e 0 que faria ¢ também © de colher os beneficios do que fizesse Esse direito de escolher a alternativa a ser realizada em um conjunto limitado pode pertencer a um individu ow a um grupo, neste dltimo caso com algum procedimento para se chegar a uma decisio comum, ou o direito passar de um lado para outro, de modo que em um ano eu decido o que deve acontecer com Xe no ano seguinte vooé é queth decide (sendo excluida talvez a alternativa de destruigdio). Ou, no mesmo perfodo de tempo, alguns tipos de deci- A Justica Dittibutioa 191 s6es sobre X podem ser tomados por mim ¢ outros por vo’. E assim por diante. Carecemos de um aparato analitico adequado e frutifero para classificar os tipas de limitagdes ao conjunto de opgdes no seio das quais as escolhas devem ser feitas e 0s tipos de mancira em que os poderes de decisio podem se mantidos, divididos © ‘amalgamados, Uma teoria de propriedade conteria, entre outras coi- sas, essa classificagio de limitagdes e modos de decisio, e de um pequeno niimero de principios se seguiria uma série de interessan- tes enunciados sobre as conseqiéncias e efeitos de certas combina- ges de limitagées © modos de decisto. Quando principios de justica distributiva de resultado final sio incorporados a estrutura judiciéria de uma sociedade, eles (como acontece com a maioria desses principios) dio a todos os cidadios ‘um direito impositivo a alguma parte do produto social total, isto é, a alguma parte da soma total dos produtos individual e conjunta. mente gerados, Esse produto social total & gerado por individuos que trabalham, utilizando meios de produgfo que outros pouparam para ‘que existissem, © por pessoas que organizam a produgio criam meios pata produzir novas coisas ou coisas antigas de nova manei: a, Sobre esse conjunto de atividades individuais, os principios dis- tributives padronizados conferem a cada individuo um direito im- positive, Todos eles tém um direito as atividades e produtos dos demais, independentemente de se estes participam de relacionamen- tos particulares que dio origem a esses direitos ¢ sem levar em conta se eles assumem esses direitos por caridade ou em troca de alguma coisa. Seja isso feito através de tributagio dos salérios, ou dos salé- tios acima de certo volume, ou de confisco de lucros ou ainda se hhé uma grande panela social, de modo que nfo & claro o que vem de onde © para onde vai, os principios padronizados implicam a apropriagdo de atos de outras pessoas. Tomar os resultados do tra- bbalho de alguém equivale a tomarthe horas e dirigi-lo para que execute varias atividades, Se pessoas o obrigam a realizar certo tra- balho, ou trabalho nfo remunerado, durante certo perfodo de tem- po, elas decidem o que vocé tem que fazer e a que finalidades seu trabalho deve atender, & parte suas proprias decisbes, Esse processo, pelo qual the tomam essa decisio, transformam-nos em co-proprie- tarios de sua pessoa, dio-lhes um direito de propriedade sobre vocé, da mesma maneira que ter esse controle ¢ poder de deciséo parcial, 12 Mim do Bstado Minimo por direito, sobre um animal ou objeto inanimado implicaria ter um diteito de propriedade sobre eles. Os principios de justica distributiva de resultado final ¢ a maio- ria dos padronizados instituem a posse (parcial) por outros de pes- s0as, seus atos e trabalho, Esses principios implicam uma mudanca da idéia liberal cléssica de proptiedade de si mesmo para uma de direitos de propriedade (parciais) sobre ouiras pessoas. Consideragdes como essas antepdem as concepgdes de just'ca de resultado final e outras A questo de se os atos necessérios para estabelecer 0 padrio escolhido ndo violam em si restrigées morais indiretas. Qualquer idéia que sustente que hé restcigdes morais indi- retas aos atos, que nem todas as consideragées morais podem ser incorporadas aos resultados finais que se pretende alcancar (vet Cap. 3, pp. 43-45) tem que enfrentar a possibilidade de que alguns de sous objetivos niio sejam alcangéveis pelos meios disponiveis mo- ralmente permissiveis, Um tedrico do direito a coisas enfrentatia esses conflitos em uma sociedade que se desviasse dos prineipios de justiga para a geragdo de propriedades se © apenas se 08 atos possi- veis para implementar 0s pr6prios principios viotassem algumas res- ttigdes mozais. Uma vez que 0 desvio dos dois principios de justica (de aquisigdo e transferéncia) implicaré a intervengio direta e agres- siva de outras pessoas para violar direitos, ¢ uma vez que as restri- (qGes morais nfo excluem aco defensiva ou retributiva nesses casos, © problema do tedrico do dircito raramente seré urgente. E quais- ‘quer dificuldades que tenha em aplicar o principio de reparagdo pessoas que pessoalmente nao violaram os dois primeitos principios, serio as de equilibrar as consideragbes conflitantes, de modo a for- mular corretamente 0 préprio principio de reparacio, Nao violaré restrig6es morais indiretas aplicando 0 principio. Proponentes de concepcdes padronizadas de justica, contudo, enfrentam freqiiente- mente colisies de frente (e amargas caso amem cada um dos lados opostos) entre restrigdes morais indiretas sobre como individuos podem ser tratados e sua concepcdo padronizada de justica, que prevé um padrdo de estado final ou outro qualquer que tem que set implementado, Pode uma pessoa emigrar de uma nagio que institucionalizou aigum principio distributivo de resultado final ou padzonizado? Para alguns principios (0 de Hayek, pot exemplo) a emigragio milo con- figura problema tedrico, Mas para outros é uma questio comp! da, Vejamos 0 caso de uma nagio que tem um sistema compuls6- A Justia Ditrburioa 193 rio de assisténcia social minima de ajuda aos mais necessitados (ou organizado de modo a maximizar a posigao do grupo que esté em piores condigdes). Ninguém pode xecusar-se a participar dele. (Nin- guém pode dizer: “Nao me obrigue a contribuir pata 0s outros e nGio me dé assisténcia, através desse mecanismo compuls6rio, sc cu viet a scr um necessitado.”)Todo mundo acima de certo nivel é obrigado a contribuir para ajudar os necessitados, Se a emigragio do pais fosse permitida, porém, todos poderiam resolver ir viver em outro pais que no tem esse sistema social obrigatério, mas 10 res- tante (tanto quanto possivel) fosse idéntico, Neste caso, 0 tinico ‘motivo da pessoa para emigrat seria evitar participar do plano com- Puls6rio de assisténcia social, E se for embora, os necessitados no Primeiro pais no receberio dele ajuda (compulséria). Que funda- mentos I6gicos produzem 0 resultado de que a pessoa possa emigrar, mas seja proibida de ficar e preferir nao contribuit para o sistema de assisténcia social? Se atender as necessidades dos necessitados 6 de importincia esmagadora, isso milita contra permitir a recusa em participar, no pais, mas milita também contra a emigracio. (E jus- tificaria inclusive, até certo ponto, segilestrar pessoas que vivam em um pais sem sistema social compuls6rio, que poderiam ser for- sgadas a contribuir para os necessitados em sua comunidade?) Tal- ‘vez. © componente erucial da posigio que permite emigrago exclu- sivamente para evitar certos arranjos, mas nfo que alguém, inter- namente, se recuse a participar, seja a preocupacao com sentimentos ftatemais dentro do pais “Nao queremos aqui ninguém que nio contribui, que néo se importa o suficiente com os demais para con- ibuir.” Nesse caso essa preocupacio teria que estar vinculada a de que a ajuda forcada tende a produzir sentimentos frater- nais entre 0 que ajuda e 0 que é ajudado (ou talvez apenas a idéia de que 0 conhecimento de que alguém nio esté ajudando volunta- riamente gera sentimentos no fraternais.) A TRORIA DE AQUISIGAO DE LOCKE Antes de passarmos a estudar em detalhes outras teorias de justiga, teremos que introduzir um pouco mais de complexidade na estru- tura da teoria do direito a coisas. Faremos isso melhor, consideran- do a tentativa de Locke em formulas um principio de justiga na aquisigio de um bem. Julga ele os direitos de propriedade em um 198 Mim do Estado Mining objeto sem dono como originério do fato de alguém misturar seu trabalho com o mesmo. Isso dé origem a numerosas questées. Quais, so as fronteiras daquilo com que 0 trabalho é misturado? Se um astronauta privado limpa um lugar em Marte, misturou ele seu tra- balho com todo o planeta (que passa a ser seu), todo 0 universo, ou apenas com um dado lote? Que Jote um ato transforma em pro- priedade? A érea minima (possivelmente nfo continua), de modo que um ato reduz a entropia nessa rea, e nfo em outro local? Po- deré terra virgem (sobrevoada a alta altitude por um avido para fins de pesquisa ecolégica) ser posta sob regime de propriedade, segundo um principio lockeano? Construir uma cerca em torno de ‘um territério presumiveimente nos tornaria proprietérios apenas da cerca (e da terra imediatamente embaixo dela), Pot que misturar nosso trabalho com alguma coisa nos toma proprietério dela? Talvez porque possuimos nosso préprio trabalho, de modo que passamos a possuir uma coisa antes sem dono que é saturada com aquilo que possuimos, A propriedade infiltra-se no resto. Mas por que misturar aquilo que possuo com aquilo que néo possuo néo é uma maneira de perder o que tenho, e nao de ganhar ‘© que nao tenho? Se possuo uma lata de suco de tomate e derramo- a no mar, de modo que suas moléculas (tornadas radioativas para que eu possa controlar isso) se misturem uniformemente com o ‘mar, Passo eu, por isso, a possuir o mar ou gastei tolamente meu. suco de tomate? Talvez a idéia, em vez. disso, seja que trabalhar fem alguma coisa methora-a e a torna mais valiosa e todos tém di- reito a possuir uma coisa cujo valor eles criaram, (Reforgando isso, talver, haja a idéia de que trabalhar 6 desagradével. Se alguma pes- soa faz coisas sem esforgo, como os personagens do desenho anima- do O Submarine Amarelo, que deixam flores na esteira do barco, teriam menos direito aos seus préprios produtos, cuja criagio nada Ihes custou?) Ignoremos o fato de que trabalhar em alguma coisa poderia torné-la menos valiosa (como borrifar com spray cor-de- rosa um pedaco de madeira flutuante que encontramos). Por que deveria nosso direito de propriedade estender-se a todo 0 objeto ‘no apenas ao valor adicionado que nosso trabalho produziu? (Essa referéncia a valor poderia servir também para delimitar a extensio da propriedade, como, por exemplo, substituir “reduz a entropia em” por “aumenta o valor de” nos critérios de entropia acima.) Nenhum esquema prético ou coerente de propriedade por valor adi cionado foi ainda elaborado ¢ ele provavelmente nfo resist A Susticg Distrito 195 objeges (semelhantes a elas) que derrubaram a teoria de Henry George. ‘Seré implausivel considerar melhorar um objeto como suficiente para conferir plena propriedade ao mesmo, se 0 estoque de objetos sem dono for limitado. Iss0 porque um objeto que passa a proprie- dade de alguém muda a situagdo de todas as outras pessoas, uma vez que, antes, elas tinham liberdade (no sentido que ihes dé Hoh- feld) de usé-lo, 0 que no acontece mais. Esta mudanga na situa- io dos outros (retirando-lhes a liberdade de agir no tocante a um objeto que antes no tinha dono), porém, ndo precisa tornar-thes pior a situagdo, Se ev me aproprio de um grio de areia de Coney Island, ninguém mais pode fazer 0 que quiser com aquele grao. Mas sobram grdos & vontade para que facam com eles © que qui- serem, Ou, se nfo grdos de arcia, outras coisas, Alternativamente, a8 coisas que faco com o grio de areia de que me apropriei pode melhorar a posigio dos demais, compensando-Ihes a perda de liber- dade para usé-lo. O ponto crucial é se a apropriagao de um objeto sem dono torna pior a situagéo dos demais A condigio de Locke, de que tenha sido “deixado tanto e to bom em comum para os outros” (sec. 27) visa a garantir que a situagio destes no ficard pior. (Se esta condigo é satisfeita, hé qualquer motivagio para sua condigdo posterior de néo desperdi- cio?) Freqiientemente se diz que essa condicio aplicava-se outro- Fa, mas nfo mais agora, Mas parece haver aqui um argumento para a conclusio de que se a condicio nao mais se mantém, entio néo pode jamais ter-se mantido, de modo a gerar direitos de propriedade permanentes ¢ de heranga. Consideremos a primeira pessoa Z para quem nao hé o suficiente e to bom para que se aproprie. A viltima pessoa Y a apropriar-se deixou Z sem sua liberdade anterior de agir sobre um objeto e, assim, piorou-lhe a situago, Assim, a apro- priago praticada por ¥ no € permitida pela condigio de Locke. Por conseguinte, a pentltima pessoa X a apropriat-se deixou Y em pior situaglo, uma vez que 0 ato de X acabou com a apropriagio permissivel. Neste caso, 0 antepentiltimo apropriador, W, acabou ‘com a apropriago permissivel e assim, uma vez que agravou a tuago de X, a apropriagio que ele praticou no era permissivel. E assim vai, recuando até a primeira pessoa, A, que se apropriou de um direito de propriedade permanente. de duas maneiras, ser colocado em pior situagdo pelo ato de apro- 196 Mim do Btado Minimo priagdo de outro; em primeiro lugar ao perder a oportunidade de melhorar sua situagéo por uma apropriagdo particular ou qualquer ‘outra; e em segundo por néo ser mais capaz de usar livremente (sem apropriagio) 0 que antes poderia fazer, Uma exigéncia rigorose de {que outra pessoa no fosse colocada em pior situagio por uma apro- priago excluiria a primeira maneira, se nada mais compensasse a diminuigo de oportunidade, bem como a segunda, Uma especifi- cago mais fraca excluiria a segunda maneira, mas nfo a primeira, Com a condigo mais fraca no podemos voltar to rapidamente de Z para A, como no argumento acima, Isso porque, embora a pes- soa Z no possa mais apropriar-se, pode restar-Ihe a possibilidade de usar, como antes. Neste caso a apropriagio praticada por Y no violaria a condigdo lockeana mais fraca, (Restando menos do que pessoas tém liberdade de usar, os usuérios poderiam enfrentar mais inconveniéncias, congestionamento, etc.; dessa maneira, a situagio dos demais poderia ser piorada, a menos que a apropriagio cessasse muito antes desse ponto.) E discutivel que ninguém possa legitima- mente queixar-se se a condigio mais fraca for satisfeita. Contudo, como isso & menos claro do que no caso da condicao mais rigorosa. Locke pode ter tido em mente que sua condigio rigorosa “tanto © to bom” permanecesse e talvez tenha proposto a condigdo de nao desperdicio a fim de retardar a chegada ao ponto final, de onde 0 argumento volta rapidamente para trés. Sera tornada pior a situagdo de pessoas que néo podem se apropriar de alguma coisa (nao havendo mais objetos acessiveis ¢ liteis no possuidos por alguém) por um sistema que permita a apropriago e a propriedade permanente? Neste ponto aparecem varias consideragdes sociais bem conhecidas favordveis & proprieda- de privada: ela aumenta o produto social, pondo os meios de pro- dugo nas maos daqueles que podem usé-los da forma mais eficien- te (lucrativa?); a experimentagio é estimulada, porque, com pes- soas separadas controlando os recursos, nfo hd uma tinica pessoa ow pequeno grupo com quem alguém com uma nova idéia tenha que convencer para submeté-la a teste; a propriedade privada per- mite as pessoas decidirem sobre 0 padrio e tipos de riscos que de- sejam correr, levando a tipos especializados de aceitagio dos mes- mos; a propriedade privada protege pessoas no futuro, levando al- gums a reter recursos tirados do consumo corrente para futuros mer- cados; proporciona fontes alternativas de emprego para pessoas im- populares que nao tém que convencer qualquer tinica pessoa ou A Ista Distribution 191 grupo a contraté-las, etc, Essas consideragées entram em uma teo- ria lockeana para sustentar a legago de que a apropriagio da propriedade privada satisfaz A intengdo por tras da condi¢io “o su- ficiente © tio bom”, mas ndo como justificagdo utilitarista da pro- priedade, Ingressam elas na teoria para refutar a alegagao de que. Porque a condigio 6 violada, nenhum direito natural & propriedade rivada pode surgir através de um processo lockeano. A dificuldade de elaborar um argumento desses para demonstrar que a condicio € satisfeita reside na fixagao da linha-base apropriada para a com- paragéo. Como a apropriagio lockeana néo colocaria as pessoas, em pior situagaio do que ficariam? # Essa questio de fixar a linha- base requer investigago mais detalhada do que podemos fazer aqui. Seria desejavel ter uma estimativa da importancia econdmica geral da apropriagao inicial, a fim de verificar quanta liberdade hé para teorias diferentes de apropriagio e de localizagéo da linha-base. Talvez. essa importincia possa ser medida pela percentagem de toda renda que se baseia em matérias-primas ndo transformadas ¢ em dados recursos (e nao em agdes humanas), principalmente a renda de aluguel que representa o valor nao melhorado da terra e © prego de novas matérias-primas in sifu, e pela percentagem de riqueza corrente que representa tal renda no passado. (j) Cabe notar que nao so apenas as pessoas que defendem a propriedade privada que necessitam de uma teoria de como os di- reitos & propriedade legitimamente surgiram. Os que acreditam em propriedade coletiva, como, por exemplo, os que acham que um grupo de pessoas que vive em uma érea possui conjuntamente o ter- Tit6rio ou seus recursos minerais, tém também que fornecer uma teoria de como surgem esses direitos de propriedade. Precisam demonstrar or que as pessoas que nele vivem tém direitos de decidir o que deve ser feito com a terra ¢ recursos que 14 existem e que pessoas que vivem em outro local nfo os tém (no tocante & mesma terra € aos recursos), A CONDICAO Se a teoria de apropriagio de Locke pode ser ou ndo interpretada de mancira a enfrentar varias dificuldades, presumo que qualquer teoria adequada de justica na aquisigo conteré uma condigio se- melhante & mais fraca das que atribuimos a Locke. Um processo 198 Mim do Estado Minimo que normalmente dé origem a um direito de propriedade perma- nente, transmissivel por heranga, em uma coisa néo possuida pre- viamente, no o faré se por ele € piorada a situagio de outros que ‘no tém mais liberdade de usar a tal coisa, importante especifi- car esse modo particular de agravar a situagio de outrem, porquanto a condigao nao inclui outros modos, Nao prevé, por exemplo, 0 agravamento devido as oportunidades mais limitadas de apropriar- se de alguma coisa (a primeira maneira acima, correspondents & condigio mais rigorosa) ¢ tampouco leva em conta como eu “pioro” a situagio de um vendedor se me aproprio de materiais para fabr car parte do que ele esté vendendo e em seguida entro em concor- réncia com ele, Alguém cuja apropriagio de outra maneira violaria a condigio poderé ainda apropriar-se, contanto que compense os demais, de modo que suas situagdes nfo se tornem por esse ato piores. A menos que compense essas pessoas, a apropriagio que pratica violaré a condigio do principio de justiga na aqui serd ilegitima.(k) Uma teoria de apropriagio que incorpore essa condigio lockeana tratard corretamente dos casos (objegdes A teo- ria que caregam de tal condigio) em que alguém se apropria do oO suprimento total de alguma coisa necesséria & A teoria que inclua essa condicio em seu na aguisigao teré que conter também um prinefpio, mais complexo, de justiga na transferéncia. Certos reflexos da condi¢io sobre a apropriagio limita agdes posteriores. Se o fato de eu me apropriar do total de uma certa substincia viola a condi¢o lockeana, o mes- ‘mo acontece se me aproprio de parte e compro o resto de outros que o obtiveram sem por isso desrespeité-la. Se a condigio impede ‘que alguém se aproprie de toda a égua potével do mundo, ela im- pede também que ele a compre toda. (Mais débil, © complicada- mente, pode impedir que cobre certos pregos por parte de seu su- primento.) Essa condigio (quase?) nunca se concretiza; quanto mais alguém adquire uma substincia escassa que 0s outros querem, ais subiré 0 prego do resto © mais dificil seré para ele adquitir tudo, Mas ainda assim podemos, pelo menos, imaginar que alguma coisa parecida acontece: alguém faz ofertas simultdneas secretas aos donos separados de uma substincia, cada um dos quais vende, su- pondo que pode faciimente comprar mais dos outros donos; ou uma catfstrofe natural destr6i todo 0 suprimento de alguma coisa, exceto ‘© que est de posse de uma tinica pessoa, No principio no seria permissivel que 0 suprimento total fosse apropriado por uma tinica A Hastica Distribution 199. pessoa, Sua aquisico posterior do mesmo néo demonstra que a apropriagio inicial violou a condigio (nem mesmo mediante um argumento inverso, semelhante ao discuti a, que tentava tra- zer Z de volta a A). Ao contrério, 6 a combinagdo da apropriagio inicial mais todas as transferéncias e agdes posteriores que violam 1 condi¢do lockeana. © titulo de cada dono A sua propriedade inclui a tonalidade hist6rica da condigfo lockeana sobre apropriagéo. Isso exciui a transferéncia de sua propriedade para um aglomerado que de fato viola a condigo lockeana ¢ também que a use de uma maneira, em conluio com outros ou independentemente, que viole a condicio, 0 tornar a situagio dos demais pior do que sua situagio de linha- base. Uma vez se saiba que a propriedade de alguém se choca com 1 condigdo lockeana, hé limites rigorosos ao que ele pode fazer com (0 que neste momento é dificil denominar sem reservas) “sua propriedade”, Desa forma uma pessoa no pode apropriar-se do ‘énico otho d’sgua em um deserto e cobrar 0 que quiser, Nem co- brar o que queira se possui um deles e, infelizmente, acontece que todos os olhos d’égua no deserto secaram, menos o seu. Esta ci cunstincia infeliz, que reconhecidamente nio € culpa sua, pe em operagéo a condigdo lockeana ¢ limita-lhe os direitos de proprie- dade, (m) Analogamente o direito de propriedade do dono da tinica itha em uma rea ndo permite que ele ordene ao sobrevivente de um naufrégio que saia de sua ilha, acusando-o de invasio, porquan- to isso violaria a condigdo lockeana, Notem que a teoria nio diz que os donos tém de fato esse ireito, mas sim que os direitos so anulados a fim de evitar-se al- guma catéstrofe, (Dircitos suprimidos nao desaparecem, Deixam algum tipo de vestigio nos casos sob discussio.) #¥ Nao hé essa supressio externa (e ad hoc?). Consideragdes internas A prépria teoria de propriedade, & teoria de aquisigio e apropriagdo fornecem ‘0s meios para tratar esses casos. Os resultados, porém, podem ser coextensivos com alguma condigdo a respeito da catéstrofe, uma ‘vez que a linha-base para comparacio € to baixa em comparacio com a produtividade de uma sociedade com apropriagio privada. que a questio de a condigio lockeana ser violada surge apenas no caso de catéstrofe (ou de uma situagdo deserto-itha). 0 fato de que alguém possua 0 suprimento total de alguma coisa necesséria para que outras pessoas continuem vives ndo implica 200 lim do Estado Minimo ‘que sua apropriagdo (ou de qualquer outra pessoa) de alguma coisa deixou algumas pessoas (imediatamente ou depois) em pior situs- ¢40 do que a linha-base. © pesquisador médico que sintetiza uma nova substincia que combate eficazmente certa doenga © que s¢ recusa a vendé-la, exceto em seus termos, néo piora a situago dos demais ao privé-los do que quer que ele tenha apropriado. Os de- mais podem facilmente possuir 0s mesmos materiais que ele apro- priou, A apropriacdo ou compra pelo pesquisador dos produtos qui- micos no os tornou mais escassos, de maneira a violar a condicio lockeana, Nem o faria alguém mais que comprasse a0 médico 0 su- primento total da substincia sintetizada, O fato de o pesquisador usar produtos quimicos de facil acesso para sintetizar o medicamen- to ndo viola mais a condigio lockeana do que 0 fato de que o ‘inico cirurgiio capaz de realizar uma dada operagio come alimen- 10s de obtengio fécil para permanecer vivo e gerar energia para trabalhar. Isso demonstra que a condigdo lockeana néo é um “prin- cipio de resultado final”. Ela se concentra em uma maneira parti- cular em que as agdes apropriativas afetam os demais, e no na cstrutura da situagao resultante.!* Coloca-se em situagdo intermedifria entre alguém que se apos- sa de todo o suprimento piiblico ¢ alguém que produz a oferta total com substincias facilmente acessiveis aquele que se apropria da oferta total de alguma coisa de uma maneira que dela nao priva os demais. Suponhamos, por exemplo, que alguém descobre uma nova substincia em um local muito remoto, Descobre que ela & capaz de curar cetta doenga e se apropria do suprimento total. Ele no agrava a situago dos demais. Se néo houvesse achado por ‘acaso a substincia, ninguém mais a teria encontrado © os demais permaneceriam sem ela. Contudo, & medida que passa o tempo, au- menta a probabilidade de que outros descubram a substancia, Sobre esse fato poder-se-ia basear um limite ao seu direito de proprieda- de & substancia, de modo que outros nio ficassem abaixo de sua posigdo na linha-base, como, por exemplo, a transmisséo da mesma em heranga poderia ser limitada. A questio de alguém piorar a si- tuagio de outrem ao privé-lo de alguma coisa que, de outra manei- ra, ele possuiria, poderé esclarecer também 0 caso das patentes. A patente de um inventor no priva ninguém de um objeto que nao cexistiria se no fosse por ele, Ainda assim a patente produziria esse efeito sobre outros que inventassem independentemente o objeto. Por conseguinte esses inventores independentes, a quem caberia 0 A Sstiga Distribution 201 ‘nus de provar a descoberta independente, néo deveriam ser impe- didos de utilizar sua propria invengGo como desejassem (incluindo vendé-la a outras pessoas), Além disso um invento conhecido reduz drasticamente as possibilidades de uma invengdo independente real As pessoas que sabem da existéncia de uma invengdo geralmente ndo tentam reinventé-la, e a idéia de descoberta independente, neste particular, seria, na melhor das hipéteses, nebulosa, Ainda assim podemos supor que na auséncia da invengdo original mais tarde alguém teria chegado a ela, Isso sugere que se coloque um limite de tempo a vigéncia das patentes, como regra empfrica para apro- ximar-se do tempo que levaria, na auséncia de conhecimento da invencZo, para a invengio independente. Acredito que a livre operagéo do sistema de mercado niio se chocaré realmente com a condigio lockeana, (Recorde-se 0 leitor que crucial para nossa histéria na Parte I, sobre a mancira como uma agéncia de protecio torna-se dominante ¢ monopélio de facto, € 0 fato de que ela usa de forca em situagdes de conflito, néo esté meramente em concorréncia com outras agéncias, Uma histéria se- melhante, porém, néo pode ser contada a respeito de outros negé- ios.) Se esta visio € correta, a condigfo ndo desempenharé um papel muito importante nas atividades das agéncias de protegio no criaré qualquer oportunidade significativa de futura ago do Estado, Realmente, nfo fossem pelos efeitos da prévia ago estatal itegitima, pessoas no pensatiam na possibilidade de a cond'gio ser violada como mais interessante do que qualquer outra possibilidade Jégica, (Aqui fazemos uma alegagio hist6rica empirica, como acon- tecerd também com quem discorde dela.) Isso completa nossa des- crigio da complicago que a condi¢&o lockeana introduz na teoria do direito a coisas. SECAO 2 A TRORIA DE RAWLS Podemos colocar nossa discussio de justica distributiva sob luz mais clara, estudando com alguns detalhes a recente contribuigio de John Rawls a0 assunto. 0 A Theory of Justice & um trabalho vigoroso, profundo, sutil, amplo, sistemético sobre filosofia politica e moral como nunca se viu igual desde as obras de John Stuart

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