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Sheerbie 1407 Alain Virmaux ARTAUD E O TEATRO LES MYSTERES DE L'AMOUR Auditions du Phonographe d'Art ROSARIO Dens prinipal 4, RUE DE CLICHY, 2.Da Condenacao do Teatro Ocidental a Reivindicacao for ao texto de O Tp attude & pert tment coe Je qualquer discur- se vsando explictaro phesariogio Afiod so pessaria, na tnelhor das hpoteses, dduma rfaflasedaptada de sua obra. Etzel mostrar por que Por um lado, potave Adtonin Aftaud disse tudo em O Teatro eseu Dupo, da manera mals clara possivel, Esmero Seinclsive em precisa as ngies que pbdiam deixar subsistir flguma ambigGidade. A idea de™“Duplo (Double) «mais ainda, a de Crueldade. foram por ele viras vezes retomadas (che as carts sobre a Crucidade), com a preocupacto de Aissipar toda obscuridads © com aquela intenglo pedapbyica Gue ja destacamos. A exposgdo jamais permancce abstraa; prova disso so todas a corespondénciassucesivas © metal Fea gue ela propoe a nossa imapinagho:& peste, «algu © quacro de Luces Ge Leyde Lot e suas has, Seitia ailetismo afte. E. quando. por acaso alguma Ince Sutisteso contacto epstolar passa a fazer as ves da expo Sicho para atacar dictamente as reticéncis de um interlocutor “sterminado (Crémicux, Pauthan, Rolland de Renevile). As: Simsendo, torna-se indtl superpor uma outa inguagem & de ‘Artaud: nenhuma conseguria ser mais concreta, Mas scar cecdora, mis sapetva Teatro ¢ 20 % ARTAUD E 0 TEATRO Por outro lado, todo discurso explicativo resltaria pro= vavelmente na tentaiva de reintroduzir uma ordem exter ‘erme de um pensamento borbulhante que Artaud organizov onforme a sua propria ordem®. Poder-se-ia ser tentado a 4istinguir, por exemplo, em fungio de uma clareza superficial, ‘ois passos complementares no projeto de Artaud: destruicto do teatro existente — edificaclo de um teatro novo. Ora, essa Separagao destiguraria tudo: as duas atitudes estio estrets ‘mente ligadas em cada um dos textos que formam O Teatro ¢ seu Duplo, ¢ preconizando uma visio renovada do teatro aue Artaud luta contra o teatro de seu tempo. £ certamente possivelreagrupar frases que concernem alternadamente aos ois aspectos do seu combate, mas reconhecendo que tal procedimento desnaturaria a orientagto e a unicidade desse combate e arruinaria a vigorosa imbricago dos elementos do proceso. Quando muito, pode-se indicar, em termos di tices, que hi uma espécie de vaivém perpétuo de um elemento ‘outro, & a Gna maneira de ndo trir Artava. Resta a possbilidade de tragar um quadro recapitulativo as ids centrais de Artaud, assim como se pode estabelecer uma eronologia fatual de sua vida, uma lista de suas obras, de suas encenagies ou dos papéis que interpretou®. No entan- to, tratando-se de idéia e ndo de fatos, nko se deve perder de vista que semelbante quadro empobrece necessariamente € desseca aquilo que pretende descrever, es encontra justifies lo na medida em que remete & consulta permanente dos Texto. Quem se privasse dessas_ contradangas_indispensé ‘eis, renunciando & um contacto direto com a vor de Artaud =e hi poucos estilos que possibilitam, em tal nivel, @ Sensaglo de ouvir a vor eriadora — estaria condenado a ‘espojilo de suas virtudes essencias e aver nee tHo-somente ‘um terico entre outrs. Eis, portanto — para nio voltarmos ‘a0 assunto — um levantamento possivel das principais toma. das de posigio de Artaud com relaglo a teatro; sua dnica ambigho & a de oferecer algumas indicagSes cémodas para 0 prossoguimento de nossa investigaglo; destina-e exclusiva mente, convém friar, a ser superada © a favorecer outros niveis de leitura 1. CONDENAGAO DO TEATRO OCIDENTAL 1, Rejiso do teatro como divertimento Ct. Hes. (Th. Jarry) e Il, 185 (artigo de 1922). 2 Oraem reset por J Paan para a pub de O Tete « seu Dopo eh Cara de AA 4 Pisin, de 61-19, V2. ver dan anexo see etd. DA CONDENACAO DO TEATKU UCIDENTAL. 37 2. Rejeido da “representasdo" e do teatro como mimetiemo. CEL, 18 (Th. Jerr. ‘Rejegdo da pxcologia, da inriga e do repertério. CE 1V, 89-100 (Por acabar, passim). 4, Rejeicdo da encenacéo tradicional, versta ow ilusionista CE T.213 es. (art. de 1924) eI, 79 (Th, Jarry S. Relegagdo do verbo CLV, 45, 82, 127, 141 (Double. 1. BEIWVENCHO DO TEATRO PARA UMA TRANSFORMAGKO DA 1. Apelo a um espetéculo integral. CEIV, 108 € 117 (Double). 2. Apelo a uma linguagem teatral fundada no corpo ¢ na inspiracdo. CL AV, 154 e s, ("Aleta efetivo") € IV, 175 e s. (Serafin). 3. Apel a uma resurgncia do teatro como cerimina migice C1IV, 83, 87, 99 (Double). 4. Apelo.a'wm teatro de comunicaedo e de “cura eruel”. ‘CE 1V, 98:9 (Por acabar) e 118 (Crueldade D, S. Apelo a uma renovacdo da vida através do teatro. CEIV, 18 ("Teatro e Cultura”) © 95 (Por acabar). ‘Observapdo Uma leitura, mesmo répida, de O Teatro ¢ seu Duplo permite constar que 0 teatro psicolgico, por exem: lo, ou a supremacia do verbo no teatro ocidental sto denun- fiados por Artaud em mais de vinte passagens e multas vezes no interior de um mesmo texto. A importincia da magia ou da metafsica © a exigéncia da crueldade so. do mesmo modo, incansavelmente evocadas ¢ comentadas, Para mio sobrecar regar 6 quadro acima proposto, deixamos deliberadamente de indicar todas as referéncias possiveis a uma determinada orientagdo,limitando as remissbes aos t6picos principal PRIMEIRAS APROXIMAGOES DE UMA VISAO TEATRAL, A palavra “magia” € uma das que ocorrem com m: {reqh8ncia em Artaud, quando ele procura definir o teatro que (quer insituir: Concebemos o teatro como sim verdadeire patse de magia (II, 23). No entanto a transmutagdo que ele espera ‘bier ja fol realizada em dreas alheias ao teatro. Com efeito, no comeso do século e sobretudo sob a influéncia da arte negra — exereida sobre os fauvistas, sobre Modigliani, Brac- ‘ue, Picasso, ete. — a arte pictérica européia deixow de ser uma téeniea para se tormar magia. ‘Trata-se portanto de fazer ‘com que também o teatro execute a sua Tevolug 38 ARTAUD E 0 TEATRO Para tanto € preciso comerar por se descartar de tudo aguilo de que ele se nutre: O Teatro Jarry foi eriado como reagio contra 0 teatro, e para devolver ao teatro a liberdade total que existe na musica, na poesia ou na pintura, da qual le até agora fo euriasamente privado (II, 33)*. O que a arte negra fez pela pintura as dangas de expressio oriental podem fazer pelo teatro: mesmo antes da revelaglo do teatro balings ‘na Exposiclo Colonial de 1931, um espeticulo de dangas cambojanas em Marselha, em 1922, diante de uma recons. tituiglo do Templo de Angkor, havia impressionado profun- ‘Uma pesquisa sistemética traria seguramente a luz ‘outras provas dessa obsessio. Notar-te-ia por exemplo que ‘Artaud preconiza para 0 teatro da crueldade um espetdculo siratério (IV, 103) € que ele propie colocar 0 espectador no ‘meio da acio para que este seja envolvido marcado por ela IV, 115). Recordaremos também certas priticas 4s. quais Artaud se entregava, sobretudo em Rodez, na presenca de testemunhas que na maioria das vezes s6 enxergayam nelas charlatanismo ov afetagio*: ele cirulava em torno de uma ‘adeira ou de uma mesa salmodiando palavras de sortilégio, Segundo um ritual que Ihe era peculiar. Observincia do anel migico? Sabe-se da importincia do circulo no dominio da perfeieio da linha circular, que constitul uma forma imutivel e infinita. Nada impede’ absolutamente de ver na ‘onipresenga da roda uma sobrevivénca inconsciente dos vethos filos, e singularmente um retorno ao rito das ressurelgies Solares, como sugere Gérard Lieber, que se apéia em Mircea Eliade®. Enfim, ¢ permitido pensar, como Siegfried Kracaver, que 0 cireulo é'9 simbolo do homem As voltas com 0 caos*, 4G. FREDERIC DELANGLADE, A Torre do Fogo, der. os ante nS REE on inna. Cinema Aiemao (1918-1933), Ed. Mondadori, 1954. bal DA CONDENACAO DO TEATRO OCIDENTAL.... 53 porque seu esforgo se encaminha para a forma perfita © Acaba, assim como ele tende para a unidade desaparecida, (Os maneguins Depois dos temas priilegiados do incesto eda roda, uma teroeira constante chama a atenglo do leiter de Artaud que Seja um pouco observador: o recurso sistemitico aos mane- ‘quins, preconizado nos manifests, sugerido nas obras escritas para‘ teatro e nos projetos de encenagio, aplicado conereta: ‘mente em quase todos os expetdeulos moniados por Artaud. ‘Impossvel enumerar todos os exemplos. Observaremos vunicamente que 0 uso dos manequins, recomendado desde a época do Teatro Jary (II, 47), é retomado com insiséncia no primeiro manifesto do Teatro da Crueldade (IV, II, 116, 117); que Artaud efetvamente recorse aos manequins em Os ‘Mistérios do Amor, O Sonho e Os Cenci; que prescreveu sem femprego em A Sonata dos Espectros e que 0 texto A Pedra Filosofalencoraja a sua utilizagio. Além do mais, nos seus projetos pretendia conferir maior amplitude a tal procedl ‘mento. Passemos ao julgamento. ‘Quando assistiu Jouvet no Teatro Pigale, Artaud nto hesitou em the propor (para A Doceira da Aldeia, de Alired Savoir) uma férmula de encenagZo bastante inesperada: ‘0 que acharia voce, para'a cena do sonko final, de uns vinte manequins de cinco metros de altura, dos quais seis representariam as personagens mais caracteriaicas da peca, ‘com seus tragos salientes, aparecendo de repente e bambo- leando com um or solene ao ritmo de uma marcha guerreira propositadamente esiranha, repleta de consondncias orientais, ‘companhada de extouros de fogos de Bengala e de roids? Cada wma desta personagens poderia ter consigo um atrburo ‘euma dentre ela carregaria, por exemplo, 0 Arco do Triunfo sobre seus ombros (Il, 284). Finalmente o épice dessa escalada — o primeiro mani festo do. Testro da Crueldade aconselha para 0 cenério 0 temprego de manequins de dex metros de altura representando barba do Rei Lear na tempestade (IV. 117). arece dificil deixar de sublinhar a qualidade de humor peculiar @ Artaud, esse tom de jogo, de distincia tomada em Telagio a sua personagem, sobre os uals insistem quase todos os que dele se aproximaram, ¢ sobretudo Jean-Lovi Barrault ¢ Arthur Adamov'* Assim Sendo, o humor ¢ uma ceria necestidade de aturdir ou amedrontar mio explicam tudo. Mesmo a constineia do emprego de manequins nas ‘encenagdes © of escrito ressalta A saciedade uma intengto Geliberada, nto um simples artficio jocoso. Intenglo, © até ‘mesmo estatégia que parece se exereer em varios nives "Ao nivel mais simples a utlizaglo dos manequins per- Py ARTAUD E 0 TEATRO mite umaevidente economia de figurantes ", na medida em que ‘presenta personagens mudas, praticamente iméveis, como 05 doentes prostrados no quadro de O Sono de Strindberg. ‘Outra vantagem: ela autoriza a erupedo do fantastico e do Durlesco, por exemplo, na pantomima intitulada A Pedra Filosofal, quando Aviequim engravida Isabela e retira de sob seu ‘raje um pequeno manequim, que é uma réplica do Goutor 4, entio, quando © doutor corta a machadadas os “pacientes” para suas experigncias sidicas (II, 83-90), Mas trata-se ai apenas de um nivel elementar de utiizagdo, Outros diretores recorreram a isso 0% poderiam t8-1o feito™® (0 que & caracterstico de Artaud e sb a ele perience & 2 maneira, num segundo nivel, de empregar os manequins para figurar ce duplot das personagens reais*. O. procedimento| intervém com 0 miximo de clareza no projeto da encenagdo da Sonata dos Espectras (Il, 113 ¢ s.). Somos advertidos de improviso de que as personagens podem ser substituidas ‘por seus duplos inerts, sob forma, por exemplo, de manequins {que vém, de repente, tomar seus lugares. Mais adiante descobrimos repentinamente ‘a0 lado de cada personagem uma espécie de dupto vestido como tes. Todot extes duplos,caracterzados por uma mobilidade inquietantee representados (pelo menos alguns dentre eles) por Imanequins, desaparecerdo lentamente, mancando, enguanto (que todas as personagens se agitam, com que despertadas de 4um sono profundo (Il. 120) ‘Ser preciso especiicar que nada disso tudo corre em Strindberg, exceto talver 0 fato de que determinada persona ‘gem da peca (a leiteira) ¢visivel unicamente para um outro (0 fstudante)? A bem dizer. pouco importa saber em que medida ‘Artaud traiu Strindberg, posto que uma sistemitica traigio fos autores entrava explicitamente no programa do Teatro Alfred Jarry, Um universo imaginiro ¢ aqui criado a partir de ‘um processo simples, que figurava de longa data na mitologia cena literatura germinicas!, e essa materializacto de doubles por Artaud reordena uma visto do mundo e do homem, que abemos ser dualista fracionada.. Os manequins de Os Cenei carregam simblica (eles estado lb para fazer os hers da peca dizerem ‘aguilo que os atormenta e que a palavra humana é incapar de ‘exprimir —V, 40) e pode'se esiranhar que Artaud no tenha procurado thes aribuir outro valor exceto esse. E que Os Cenei nao sao ainda o Teatro da Cruetdade, mas preparam-n0 (V, 46), Ora, exsta uma possiblidade que Artaud muitas vezes evocou, mas que de fato nenhuma de suas raras encenacOes Ver se resp o etude anteiomente desiado 4 0 Toto seu Danio DA CONDENAGAO DO TEATRO OCIDENTAL... 55 ‘eaplorou coneretamente pelo menos a0 nivel dos mane elormasto, sobretudo no sentido do xigantisme. 2 qual referlamos ainda ha pouco figantes? Note-se que a despr: porgdo desejada ndo se aplica somente a eles. Falgumas veres localizada sistematicamente nos abjetos que formam os ele: mmentos do cendrio. Para A Sonata des Espectris Artaud insste duas vezes sobre 0 fato de que certs objetor indicaon pelo autor serdo maiores que o natural, bem mainres que n malural (Ul, 117 e 119). Exigéncia confirmada eilustrala pela encena 0 de Victor: as fotos revelam que Artaud concthera para a ecaide Vitrac um ambiente burgués de um realism levado an ‘exagero. No primeiro ato, um imenso bolo de aniversirio enfeitado com longos cirios de igreja cobria inteiramente a ‘mesa e, no segundo ato, um vaso com uma palmeira de tres metros de altura ocupava 0 centro do salto, Perseveranga na desproporgio que precisa ser relacionada com uma pesquisa mais apurada de contrast e dissonancis, ssa busca se aplica a todos os elementos do expetacul € to também aos atores. Em Os Masters de Amor, ‘xemplo, Artaud nio hesta em colocar no papel da Sra, Morin ‘um homem de grande porte (Edmond Beauchamp) e no papel do St. Morin, uma atriz de pequena estatura (Jacqueline Hopstein): porianto, contraste em graus diferentes, Mas € em relagio a ruidos e vozes que ele aprofunda pesquisas apoiadas no contraste. Sonata dos Fspeciris: os passos das pessoas que ‘lo enirando serio aumentados produziran teu pripris co (Il 119). € logo pensamos no eco amplificade don passin {o velho Cenci (IV, 214, 216). Ou entda ounir-sed wm per pétuo barutho de dgua que aumenta cade vet mais ute se {ormar obsessivo (I, 117)- Quase todos os projetor cénicos de ‘Artaud contam também com a intervengo do vento. um vent geralmente furioso"®. 0 procedimento, como sinn, nao varia: escolha de um dado realist, em seguida exacerhaya esse dado até a completa descaracier/agho. Cada elemento sonoro — ¢ Artayd insiste muitas veres nese ponto — sera tomado a vida, E assim que.» stores ddesempenhario seus papéis com verdade, mas 4 naturdlidade ‘das entonacdes ¢ dot gestos serd: propositalmente ampliada, sola e como que posta em exergo: seri preciso encontrar wm ‘om de uma naturalidade poucouilizada, escondidaecom que esquecid, porém tao verossimile tao real quantum wutra Vir, de ROGER NTTRAC Pa ARTAUD E 0 TEATRO 138), A partir dessedesvio proposal, ocrreri evdentemente ue a encenagio lee a0. extremo. as dicordincis_ asim Ghidas, de acordo com as exgencias daagdo. dramitia. Pode ler no argumento de Nao hd mais Frmamento qve as saver a) Barus os rites, se desimbram de modo exuisio. Uk"33), Dato contrases radicals no nteror mesmo do fealsmo corente O wzeri storey rl, mas arpa 0 dpa dt criceno um runico ices ¢pretnsio, Tudo {i causa tema Impress de equibrio e de nauseante distin: sl 105) impose deixar de observar que Artaud empregava correntemente eses ellos de deedo vlentamentcontas {tdos,e ae mesmo fas econséncias menos dramicas da vida cot ‘lcm do mais, &surpreendente constatar que & exata: mene sobre ay questo dat dendncias que ee o consegu ‘hoparaentenderse com Olvier Mesien ¢ Lous Jouve, & ue dave asistencia na encenagio de A Docira da Aldea carta que enviou a louvel & a esse resell, Feveladora do radicalisme de sua vist eds obsticules com os quas ela se Geparava, sobretudo em homens, mal. preparados para Te eben (Os ruldos puramente imittivos que 0 6red0 jamais imitard perfetamente noo serao compreendides porque eles indo séo claros. Jé que criamos dissondncias, fagamo-las, porém ttdvertindoo pibico: nos fazemos dssonincias. Ele contestard {nr aplauird’mas nao permanccerd nese estado de consran- iment proweado pelas melas medidas ¢ plas coisas mas om menos bem sucedida (IM, 256). ‘Auilizagio de manequins, de marionetes ¢ também de mdscras (fH, 108) mao coresponde, portato, de manera igoma a um deseo de uniformizar 2 intrpretagio de transforma os aloes em insirumentaspassivs. Ela participa fntes atanés de um jogo constante bascado na ferenga te 0 manequim e 0 ator vivo, ente a mascara o rsto de are, den pesquisa sitemdtcae gineralzada das disondn ‘an, que carectriza odor ox projets e trabuos cnics de ‘Artaud, Dissondneas, como vimos, em vis aus: em lugar Ak creunservélas a0 dominio de um Gnico sentido, nds as tremos rans um seni won V. 150, ala orgem, enfim, dean procura de dissondncias? Podesn tcaoripkia 8st woken do mimetsmo e Ch wpa ps 2S depiment de ean Flin DA CONDENAGAO DO TEATRO OCIDENTAL.... s7 Arte niio & imitaedo da vida - 1V, 310)". Mas esta atitude rnegativa 6 poderia desembocar em um descio de origina lidade a todo custo. Hé mais. No Teatro da. Crucidade a utlizagdo das dissondncias visa dar pleno efeito a todos os velhos ‘meio: experimentados e mdgicos de ganar a sensi: bilidade (IV, 150). Ela permite edificar um espago.cénico intesamente’ diferente, prédigo em imagens, repleto de sons (AV, 104) ¢ que exeree sobre o-espectador, atacado frontalmen- fe em todo seu organismo, uma acto global, magnética © rmégica, através da qual ele chegn a um fentido renovado da vida (IV, 18). A atualidade Vale a pena examinar uma ima obsessio: a da atua- lidade. Ela se justapie estranhamente & nostalgia, constan- temente expressada, dos grandes mitos primitivos. Nenhuma oposigto, eniretanto, entre essas duas atitudes. Artaud 6 atraido peas fabulas antiguissimas que remontam ao passado dda humanidade, pelos ritos que perpetuam obsessdes mile- hares, como ocorre entre os balineses e, a0 mesmo tempo, procura logicamente que expécie de ajuda fabulas e its podem presiar a seu mal presente e a uma gerago que ele imagina presa aos mesmos tormentos que os seus As palavras ‘tual ¢ atualidade retgrnam com efeito muito freqlentemente ‘os eseritos de Artaud®, As veoes de maneira apenas implicit, 4 idéia de atualidade & invocada para sublinhar o extremo Ineresse da apresentagio de uma obra, isso até os dltimos dias de sua vida: Jamais uma irradiagdo for esperada com mais curio- sidade e impaciéncia pela grande massa do pilblico que aguar- ‘dora unicarente esto emissdo para compor uma atitude em {face de certs coisas da vida ug. 94.95) ‘Quer se trate da palavra ou da idéi, a insisténcia no retomo & perturbadora; a adaptaglo de Airew e Tieste, de Séneca, fez dela wma obra de extrema atualidade (Il, 185); hé fem Os Cenc elementos de uma terivel atualidade (V, 249); as tentaivas feitas no Teatro Jarry procurayam manifestar um ‘estado de esprit atual (Ill, 202) e essa palavra € sublinhada, por Artaud, ete Tnicialmente somos tentados a pensar que essa referéncia permanente & nogio de atualidade procede de uma estratégis 1, Sobre ous eum teatro gut iia vd, tamblin 1, 81, 1, 955. * "em 0 Tar se Duplo antamon 3 emprege di paar “ats” cous trate OF mts, Grae Fernand Pony, 12.198, 38 ARTAUD E 0 TEATRO ingEnua; para tranqiilizar os empresirios que se alarmariam fom 0 aspecto “"vanguardista" de suas experifncias, Artaud se fmpenha em repel que elas apresentam um interesse ime- dato parao pablico, sem falar de um interesse comercial para fas administzagbes dos teatros (cf. III, 206). assim que Sugere'a Yvonne allendy fecomendi-lo a Marine em Roma, fnviando com sua carta algumas fotografias que lhe dardo time idéia do estilo claro e vigoroso, e de um efeito as vezes langustianeyinsistente e muito. atual, que ele introdustu nas Sina pesquisas de encenagao (II, 90). "rovqe parece, salase Ge anlar as restigbes © prove 'No entanio, 0 relomo quase obssessivo dessa idéia em todos os esettor de Artaud — e no somente nas carias ‘estinadas a the assegurar um meio eonezeio de se exprim (dig a entender que para cle « aivalidade mio € um simples trugue publicitéri, mas corresponde a uma conviegdo pro- finda, € que a propria palavra amalidade, como as palavras teatro ou erveldade, assumem a seus olhos uma signifcagto particular. © que nos leva a acreditar nesse fato €, na Epoce ‘do Teatro Jarry, a sugesido feita aos autores de procurar falcancar uma espécie de universalidade adequada ds neces Sidades desse tempo (Il, 30), onde fiea patenieado que a ilidade enfocada deve set concebida em seu sentido mais, plo. Mais ex é Toda obra que ndo obedega ao principio da carecerd de qualquer espécie de interesse™ Atualidade de sen sacées ede preocupagies mats que de fatos (Il, 34). or fim a publicagia O Teatro Alfred Jarry ¢ a Host: dae Pilica® preconiza como tema: a alualidade® entendida fem todos os semtdos (IL, 4). ‘A plasiiidade da palavra acarreta as mesmas conse: incias ja verficadas no teatro: assim como hi um teatro a Ser condnado e um tearo a ser inventado, existe para Artaud luma aiwalidade que ele reeita © uma outra que ee reivindca. ‘Compreende-se entdo que 0 teatro, na medida em que ‘permanece fechado em sua linguagem. onde se maniém em ‘orrelacao com ele mesmo, deva romper com a. atualidade’, (que sew objetivo nao é 0 de resolver conflites sociais ou [oicoligics, de servir de campo de batalha ds paixdes moras, ‘mas de exprimir objetivamente verdades secretas.. (IV, 84), ‘Texto cristaline: o teatro deve banir a atvalidade no seu sentido mais restio, isto 6, 0s problemas em voga na arte ena digi per Vibae, ms wo cura ned po Are praise ca pT, DA CONDENAGAO DO TEATRO OCIDENTAL.... 59 vida dos homens. & sob esse enfoque que se aborda a inatual dade profunda (WII, If) de Hellogabalo. Rejegho das modas ‘atuais no que elas encerram de exterior © de passageiro, confirmada pela recomendacto (Crueldade 1) de evtar 0 mais possivelo figurino modern. ‘Qual € portanto a alualidade superior que Artaud quer instaurar? Nem sempre a definigdo que ele apresenta € muito expla: ‘Mas, driam, um teatro to afastado da vida, dos fats, das preocupacies atuais....Da atualidade e dos acontecimen: tos, sim! Das preocuparies, no que elas encerram de mais rofundo e que ¢ 0 apandgio de alguns, nao! E no Zohar, a Instéria de Rabi Simao, que queima como o fogo (IV, 117). ‘0 dinamismo.arrebatador dessa passage dissimula sua insuficgneis; com efeito, €atribuir & amualidae uma tal Amplitude de sentido que a palavra acaba por se diluirnela, ‘Mas acontece que Artaud tomou consciéncia das fragi- lidades de seu manifesto, do qual foi tirada a citaglo prece- dente. Seguindo ent um processo que encontrames em todas as tapas de sua vida, ee se obstinou, em muita eartas ‘ Paulhan, em precisar seu projeto inicial, atenvando suas insufcGncias e esforgando-se em fazer com que 0 acetas sem! Ao fazer isso explicou,e dessa vez muito claramente, 0 ‘gue entendia por atualidade. E na terceira Carta sobre a Linguagem que retoma a ogo de atualidade: (0 interessante nos acontecimentos atwais ndo slo os acontecimentos em si mesmos, mas 0 estado de ebuligao moral tno qual eles mergutham os espiritos, 0 grau de tensdo exire ‘mas E 0 estado de cant consciente no qual nao cessam de nos fenvover (..). Pos bem, € dessa atualidade patttica e mitica (que o teatro se desviow, © & com justa razéo que 0 piblico se esinteresia de um- teatro que ignora a realidade @ esse ponto%® (IV, 139). ‘atualidade patética ¢ mitia, Ditiamos hoje: atualidade iio fatual. Ela ‘designs um estado generalizado de caos spiritual, © esquema € simples: ado vai mal, a humanidade fe sente A beira do abismo, viveros todos aruatmente em Continuo malestar e, portanio, precsamos de um teatro que tos auxilie a superar nossa angista, como as fsiasteatais da dade ajudavam os homens a exorcizar seu medo dos ‘Em suma, a atualidade assim compreendida se aplica a uma ameaga obscura, que neste momento pesa_ sobre os homens. Apenas 0 abismo no qual corremos o perigo de set tragados a qualquer hora é e ndo é verdadeiramente atual ‘Artaud exerceu de bom grado — ou seria preciso dizer ‘sdesempenhou? — entre seus contemporineos esse papel inquictante de profeta dos utimos dias da humanidade, Mero o ARTAUD E 0 TEATRO papel de eleto, diviam seus inimigos, interpretado no entanto por um ator definitivamente marcado pelot papéis alucinados (Marat, Savonarola, etc.) que the haviam confiado no teatro € no cinema; tendéncia a atribuir a toda uma época, diziam os rmédicos, um mal de que ele padecia soz sua morbidez. Mas entregaram tais papéis a Ariaud unic mente porque ele era um ser alucinado em seu estado na- tural, €-éfato, gualmente, que toda uma geragto de entre- ‘gucrras tornou-se sitima da incertera e do. desatino, Uma ‘das cartas a Rividre analisa com perfelta lucidea essa relacho ‘com sua época: Artaud percebe que o mal de que esti facometido nio the € peculiar — dessa fragueza padece toda ‘uma época. Exemplo: Tristan Tzara, André Breton, Pierre Reverdy (I, 139 ¢ Re. 1, $0), mas entre todos ele & 0 mais cenvolvido: Neles a alma ndo foi fisilogicamente atingida (Cid.). © que Ihe contre o direito de falar (I, 28 e Re. 1,38) © falvez de falar em nome de uma época que ele por sua vez representa e ultrapassa ‘Daf a insisténcia sobre a confusto espritual de seu ‘tempo. O programa do Teatro da Crueidade prevé, entre futras coisas, uma adapragdo de uma obra da época de ‘Shakespeare, inteiramete de conformidade com 0 estado de pperturbagéo atual dos espirtas (IV, 119). Variante manuscrita {que do deita de oferecer inteesse... obra da. época de Shakespeare, prenbe de alusies aos acontecimentos atuais e ‘sobretudo ao estado de perturbacdo atual dos espiritas (IV, 376, nota 37). Para fins da publicagto, Artaud suprimiu Pportanto, as palavras que acabamos de sublinhar, com o Intuio de demonstrar que ele pretendia permanecer fiel i sefinigdo, dada em outra passagem, de uma atualidade supe Com o passar dos anos a insisténcia persiste e acaba por tomar-se obsessl0. Maio de 1933: No periodo aneustiante e catasiréfico em que vivems, sentimos a necessidade urgente de tum tealro que nao. seja superado pelos acontecientos, cuja ressonincia nos atinja profundamente e que domine a insta bitidade’dos tempos (IN, 101). Julho de 1934: Jamais, como tna época atucl, se fez entra necessidade de um espetdculo texaltante,generoso, pleno de vitudes profundas (MI, 186). Maio e 1935 (a propésito de Os Cenci): e me pareceu que numa época como essa onde a natureze fala mais allo que of omens, seria conveniente ressuscitar um velko Mito, que toque ao vivo mas inguietagses de hoje (V, 49), No texto que Artaud escreveu em’ 1932 para Edgard Varése (Nao hd mais Firmamento — Ml, 91-108) encontramos 1. Be represniane mato bem oer paps « repeenava ber soreness paps" FERNAND TOURRET, & Torre de Pag, de. 1969 pe. DA CONDENACAO DO TEATRO OCIDENTAL.... 61 1 prova decisiva de que essa obsessto por uma catéstrofe “mica nio era fingida por interesse publictéio. Esse libreto e pera é a nosso entender. apesar da falta de acabamento, luma’das obras mais notéreis de seu autor. Pols exprime ¢ coloca com grande forga sua obsessio pelo fim do mundo, Obsessio que correspondia a uma convicelo intima de Ar taud, vende tudo se eshoroar nelee em torno dee; mas obses- so que foi também a de numerosos artistas entre as duas fmuerras*!. A esta esplcie de terror difuso em relaglo a um fataclsmo planetirio — quando a fissio do atomo nao havia ainda ocorrido — Artaud oferecia um semblant, 0 se. ‘Toda su obra, e no somente Nao hd mais Firmamento, ¢ toda sua vida possuem uma cor de apocalipse. Nessa perspec: tiva, valor que ele atribui A palavra atualidade nto se distancia do que ele confere a0 term crueldade. Falta mencionar que Artaud pode justapor ocasional- mente of dois valores de um termo que ele tinha cuidadoss mente contraposto (donde o agrupamento de atualidade com teatro, erueldade 08. vida). Escrevendo 0 argumento de A Conguista do México® ,acentua, como de habito, o que o fato fencerra de alval, mas agui a atualidade deve ser entendida no eu dupla sentido, aquele que ee jf condenou ¢ aquele que ele continua a preconizar. Em sentido restrio (atualidade fatual) A Conquista do México. ‘pord em cena acontecimentos ¢ ndo homens (..). Esse ‘assunto foi escolhido (...) devido @ sua atualidade e por todas 4s alusies que ele comporta, relatvas a problemas de um Interesse vital para a Europa e para 0 mundo. Do ponto de ita histirco, A Conquista do México coloca a questdo da colonizacio® (IV, 151). ‘Em sentido mais amplo (atvalidade transcendendo 05. aconteciments): esta obra ‘acentua de maneira patética, candente, 0 esplendor € a poesia sempre atual da vetha base metafisica sobre a qual fexsasreligies se edificaram (IV, 152). ‘Mesmo obsessivos, os temas preferidos de Artaud nio Aeixam, como vemos, de evolu, futuar e As vezes se contre dizer. A vnidade, nessa obra, € sempre portadora de diver sidade. EVOLUGOES E VARIAGOES Nem O Teatro seu Duplo, nem o conjunto dos esritos sobre o teatro conatituem um verdadero corpus © no seria possivel imaginar como conseguir o estabelecer a posterior. FRriaud rito €, sob nenhum prisma, um doutrinério do teatro [As treqentes varies de seu pensamento sio a melhor prova dessa afirmagto, Nao que seu pensamento taiele ou resvale na a ARTAUD E 0 TEATRO incoeréncia. Mas jamais se poderd surpreendé-lo preso a uma estruturaerstalizada. Até 05 iltimos das ele se nos apresenta fem continuo movimento: Artaud questiona sem cessar 0. que ppoderia passar por estratficado. Sua conduta em relacto As dias, mesmo que sejam suas, relete a que ele pratica com os individuos, Nele nada & estabelecido de uma vez por todas, A atitude social 44 sublinhamos a dramatizacdo de suas relagdes com os ‘outros’. Com ele raramente mantinham-serelagdes uniformes; feram, a0 contro, ervzadas, ziguezagueantes, em continua mutagdo, 'Nio é portanio de admirar que tenha variado em tudo € por tudo nas suas apreciagtes sobre alguns de seus contem- PPorfneos, notadamente sobre os componentes do Cartel ‘Artaud comegara por admirar Dullin (Estow entusias- ‘maito com sua obra —~ Ill, 117), antes de indispor-se vio feniamente com ele. Depois do rompimento e da breve per- ‘manéncia com Pileff. numa carta de 1927 dirigida a Paul- hhan, ele se admira de que a N.RLF. se prenda ainda @ estas podridies oscilantes, a esses fantasmas antivepresentativos ‘que sdo Jouvet, Pitcef, Dullin, ¢ mesmo Gimier, et. Quando cessardo de revolver a imundicie? (IIL, 130) Ora, essa condenagdo sem apelo nto impedirs que Ar- taud, apés 0 fracasso do Teatro Jarry. solicite a Jouvet, em 1931, aceiti-o em seu grupo (Eu tenho necessidade de comer = Hi, 203) depois tente em vio obier com que Dullin The permita montar em 1932 © Woyzeck de Buchner As tergas-fei- Fas no Atelier (V. 75-81)°, pega que ele pedira autorizagio a ouvet para ler-the™ Em seguida is violéncias proferidas contra os homens do Cartel, tas esforgosreiterados para trabalhar com eles podem parecer desconcertantes. Essas variagbes de conduta sto seve- amenie julgadas no homem comum; enlte polficor s80 ta as de libiezae causam escindalo, por revelarem cinismo © {otal auséncia de integridade, O procedimento de Artaud para ‘com Jouvet ou Paulhan chocow, aliés, muitos leitores, que isso viram “bajulagdo"®. Contudo nao se tra 4 Chspr, p20. : Scbeeneninenos de Arad pot Dull «ee tear deco a Cara Gta srpeenene ler pesal, fe mip, ete ‘gue, ete aco (op. 36 49,1 ‘Arua op de Dulin, aer, en "0 Tear de Ape Gua em Pars", Cahiers Renaud Berra = he 9, Sooo de montar oye wn I 29 23, raisin DA CONDENACAO DO TEATRO OCIDENTAL.... 63 essas reviravolias desconcertantes nllo so jamais ditadas por uma concepeio estreita e limitada do interesse pessoal Nao € nem mesmo o interes material que leva Artaud a cesses arrependimentos, a despeito do que se poderia acreditar. Sem diivida a caria a Jouyet acima citeda revela uma pt ‘vaeto exitema e deixaria acreditar que, desprovido de t balho e de recursos, ele se ditigia a0 Cartel da mesma forma ‘como iria a Canossa. Nada, porém, & menos certo: se Artaud fescreveu a Jouvet que tinha necessidade de comer era apenas ‘um modo de falar, ou melhor, um esforgo para convencer. De {ao, nessa época (193), no estava reduzido a passar fome; ‘conseguia papéis no cinema ¢ poder consegu-los no teatro, Acontece que visava muito mais; queria realizar seu teatro © conjurar a mé sorte que provocara o fracasso do Teatro Jarry. © que propis a Dillin e a Jouvet nio foi ser ator em suas companhias — 0 que eles, sem divids, teriam aceitad —e sim montar espetaculos em seus teatros. Para aleangar seu objetivo eafsstar a ma sorte que acreditava ter se abatido sobre cle, dedicou-se entio a representar 0 jogo trivial da comédia social, Adotou 0 papel do criador em apuros, do artsia.na miséria, porque esse esquema tradicional € ‘mais pio do que qualquer outro a desarmar as restrigdes e 4 ‘conseguir a adesio; Jouvet ou Dullin no poderiam recusar ‘apoio a um companheiro em dificuldades. Assim ele venceu 0 destino. Quase toda sua conduta em meio a esses sconteci- menos pode ser nterpretada como um simulacro, mas que visa alcangar um fim invariével e claramente enunciado: a trans. formagio da vida pelo teatro. Essa conduta “representada”™ pelo teatro obedece seguramente a uma exigéncia espirtual e ‘mio apenas material, 1 que prova que estas broscas mudangas nio sio mera issimulagio 0 fato de intervirem em todos os nivels do ‘comportamento, Como acabamos de ver, Artaud no agit ‘dessa maneira somente nas suas relagSes profisionais. Como vimos, ele fez 0 mesmo com seus amigos e seus familiares; suas relagdes particulares apresentam as mesmas variagbes esconcertantes. Existem ainda®, enderegadas aos seus mé dlicos ou a diversos membros de sua familia, cartas de Artaud ‘que sto amigiveis, plenas de confianga, francas. Cartas de ‘que os destinatiios se prevaleceram a fim de afirmar que ele ‘io havia absoiutamente execrado sua familia ou os médicos 1A rotate de owe otamos de pasagm gut neque ds repit 1 irtuous Artaud evolu lopment, ene 192 ¢ 198, dx amg {ne ao depen plo“ soitade eentiade” rnsformads ts “dumaturgo estado slstzado™ ("0 Teato Ge Apé'Guera et Par Cahors Rena Barts. 15 ‘s Ver os amet cpeilsconsagrads a Artaud por A Toe do Fogo: 3.6, Ser 18398 9, abr. 198 o ARTAUD E O TEATRO que dae cuidaram, Eins tstemunhor to podem deforma ‘Tyuma ser posto em divda. O ero conte em. pretender me posta’ defi pesoaldade Je Artaud” Pols € Malmente posse renee trechos das Cartas de Rodes © Aftgmentos de Mgt Jz os quan os médicos familia sto trades com uma violencia que nade. perdoa. Mas ento stem dois Artaud distnte? HA slug de cominuidade Shire ts ebyas de uma. quase normalidade © os liios da lemagto? Ea explcago fl 2 qual se tom reorido om SuperiiaidadeE também oimago do problema Tas varogeswlentar no texemunham de {ato uma gut he ens nd i de Ad, ons eae Srascaspassagens de um polo 20 otro, de uma atu tude contin, Os sues sunaGrios ao nterfeito em fdas Artaud, inernado, continua a oslar da adoragho tnecr‘te, 0 que se fee hua fafa, aos medics, as mulheres ¢ a eligi. Seria molto comodo atrbuir& xqu- Totena todo ao gue posi modifica 0 cone que sobre eve formulou Ov eno seria presto admit que sempre fi Iooc, com ou sem sanatro, a menos que se rcomheca Ue femal ToL Sow muito menos fouco do que se pense = servis aouret 1991 —e doo sere de forma algume no diam gue vena aver algunas resposablidadesiportates Git 30 Pode der ue na san vida ssa uma nica constante, a da perpétua variacdo. 0 julgamento desi Isso nfo significa que ndo haja ocorrido nenhuma evolu sto no pensamento de Artaud e que seja necessiro esraifics Jo nos seus movimentos oscilatrios. Permanece certo que no curso dos anos 0 peso dos sucessvos fracassos tornow mais intensas as obsesstes, notadamente depois da ingeliz tentat {de Os Cenc, © que os internamentos hes acrescentararn 9 sua propria carga traumatizante, Situadss nos dois extremos de lma curva produtiva. A Correspondéncia com Jacques Riviére 20 texto Para Livrarse do Julgamento de Deus n3o sto obras {que se"possa simplesmente superpor: de uma a outra, hé o fosso que separa o homem em luta contra certas tendéncias do seu eve o homem que aceitou assumir totalmente sua perso nalidade. Isto posto, a escilagio ciclotimica durou até 0 fim, ‘com a mesma sinceridade absoluta e profunda, e a melhor prova dessa sinceridade encontra‘se na relagao de Artaud fonsigo mesmo e com sua obra IMuitas vezes, com efit, contesta seus proprio escitos. ‘Quando intercede’ por seus poemas junto a Kividre, io € porque thes atribua grandes qualidades intrinsecas. Reconhece Be'bom grado que seus verso no Slo bem realizados: pede Somente que, acitando publicé-los na N.R-E., Jacques Rise re recontega 0 interesse do processo interiar que’ levou a DA CONDENAGAO DO TEATRO OCIDENTAL... 65 escrevé-ls. Muito tempo depos, recuse abrir suas obras ompletas com sua prncire coletines por ee publiads Tricstae do Clu, 1922 — porque, diz Arta, esse ivrinho de verso.) ndo me representa de manera alguma. Eexplics esses primeirs poems tm um arzinh obsoleto was afetagbes Inguietanes de um esto que comecava a despontar no fm da outrapuera (I, 78 — Re, 9:10) ECfaro que seria Hci encontrar outros exemplos de escritoresrenegando como fracassadas suas obras da jvent de. Em Artaud fendmeno€ mais arraigado; no contents Fepudiar & distincia « obra de outrora, freqdentemente ext Cala obra que acaba de terminar. Concorda com Pauilan que Seu anifesto do Teatro da Crucidadeesté MEIO gorado WV, 179). Desata a Roland de Renéville pensar, como el, que sua conferéncia na Sorbonne, sobre "O Teatro « Pest" Acta perperuamente entre 0 fracasso ea mais completa ‘hocarice © uma espécie de grandeza._(V, 205. Um frag tmento manuscito de Heliogdbalo — obra com a qual, ais, tstarasalisfito~ admite que olivroapresena partes terivel Imonte empoladas ¢ redundantes (Vil, 498). Sua itima obra importante, Para Lirarae do Julgamento'de Deus, 00 es capa também a essa impicdosaseveridad contra si mesmo, © dle pediu' que fessem Teas cores no Lexa reciocnador ‘lec equerelante do inicio Uug. 101, carta de 17/2/1948) ‘Quando esta autocriie &veiculada em sua correspon éncia podese supor qu ela deve algo A esratéga soil, tmesmo no plano da amizade.Além do mais ela se manifesta {atdiamente. Ora, Artaud fol ainda mais loge no julgamento desi mesmo, alé a absolualiberdade. Acontece he contestar ‘6 mesmo a pigina que est em via do excrete, eis x prova test reflaao sibitay no meio do prelicio as suas. Obras Completas: Esta iltima frase foi eserita com coed de mos ‘quit (0, Re 1 1D. ‘Nios wata de uh exemplo iolado. Um dos manusrtos deo estdo "Sabre o Teatro Balinés” contém a seguinte apre ‘ayo marginal, relatva ates pardgretos “raivesamentes- dos": Taita'epretensioso, tle, surpreendentemente em polado, verborrigico flosfico como um eretin (IV, 423). Bas ee condecendenie furor entra xi mesmo alo ainda © slemento mais singular da questto. Pois,apesar da violéncla 2 Obra, cmd tntat Jt parcmente rene 20 ses temp segundo depen Rv. 1A prope nao do manest (Crelade 2 ct também 1V, wrev it 6 Sore ret fracas dese confer amb V 210. Ad 6 ARTAUD E 0 TEATRO da condenaglo, Artaud manteré 0 essencial da passagem incriminada, quando da publicacdo em revista e depois em volume. Sequnda contradiels, que & pelo menos to signi- Ficatia quanto a primeira. Esse duplo movimento se encontra também no julgamento proferido em 1946, sobre O Umbigo dos Limbos € 0 Pese-Nervos: ‘Na hora, eles me pareceram cheios de insufiiéneias, de ‘falas, de lugares-comuns (..) Mas decorridos 20 anos, me ‘pareceram surpreendentes, nd como um sucesso em relagao ¢ ‘mim mesmo, mas em relagdo ao inexprimivel.E assim que at ‘bras adquirem autonomia e que, mentindo em relate. ao ‘escrito constituem por si mesmas wma verdade bizarra que ida, se fosse de fato auténtica, ndo deveria jamais ter aceito' Poderiamos ser tentados a enxergar uma prova de ima: turidade nese incansivel vaivém de um julgamento que 10 chega a fiar-se. Artaud encoraja mesmo essa interpretacio? ‘Sou inguieto por natureza e incerto do valor do que escrevo (W, 73). Mas a angistia crénica ou a dilaceragio de um ‘spirito dividido contra si mesmo ndo fornecem mais do que uma explicacto geralejé conhecida. Nas eontesingdes as vezes raivosas de seus prépris escrito, hd outra cosa. Ha 0 desejo furioso de forjar um instrumento, ‘um met de expressto sem ‘medida comum com o famoso esilo dos escritores — o estilo ‘me causa horror’ ¢ hi ainda o despeito de constatar que ‘ele ainda ndo domina esse instrumento. Dai as ebleras provid rias, na medida exata desse despeto. Por meio delas, escapa ‘ez por outra um sentimento de impoinels. Como entto seria ‘Possivel que Artaud, que no podia permanecer muito tempo ‘de acordo consigo mesmo, nio tivesse variado sem cessar nas ‘suas relagdes com os outros ou nas suas idéias sobre o teatro? O emprego das méquinas ‘Uma das variagdes mais evidentes de Artaud no dominio ‘fnico, concerne ao emprego de miquinas no teatro. Ele se hes ops muitas vezes, com vigor. Desde 1927 denunciava 0 ‘maquinismo como um dos males essenciais da civlizagio (Il, 25) e vinte anos mais tarde atribui A miquina a responsa bilidade pelo fracasso e pela interdigho de seu programa radiofSnico: Li onde esté a méquina std sempre o abismo e o nada: ‘hd uma inerposicaotéenica que deforma e aniquilao que {fizemos (Jug. 107. Carta de 25/2/1948). Cart 4 Peer Wason (27/7/1949), Coe, oa, 1948, wp. 88- 7, 1 Tete reponse Sips: echo pbliado so oto “Frag DA CONDENACAO DO TEATRO OCIDENTAL... 67 ‘A miquina aqui denunciada ¢ evidentemente a trans missfo radiofénica. Para renunciar a maquina, seria preciso renunciar a0 proprio principio da irradiagto. Pode-se admitir que Artaud tenha aceitado correr 0 rsco, na esperanca de alcangar de um 36 golpe um piblico imenso. Mas nto sucede 0 ‘mesmo no teatro, onde a miquna pode em principio ser recusada. O que aconteceu com Os Cenci? Eis o que Artaud escreveu para impor a idéia de que Os Cenci néo constitwem ainda o Teatro da Crueldade: Haveri entre 0 Teatro da Crueldade e Os Cenci a Aiferenca que existe entre 0 barulho de wma queda de gua ou 0 desabamento de wma tempestade natural, e 0 que pode ermanecer de sua violéncia em sua imagem, uma ver fixada v, 46) ‘A intencto & clara: trats-se de advertc, antes das re- presentagdes®, de que que todos os meios materials desejados ‘lo foram obiidose que a encenagdo ndo seri portanto aquela com que se sonhou. Mais precisamente, Artaud sente como lama grave infraedo aos prineipios do Teatro da Crueldade 0 fato de ter sido forgado a renunciar a0 som direto para recorrer ao som retransmitide.Pois a condiglo essencial Je uma aslo fisica sobre © organismo do espectador reside, segundo ele, na presenca direta do ator (0 que condena o cinema, onde 0 ator no € mais do que um reflexo) ou oo objeto sonoro (0 que condena o disco ou © radio, onde o som original € apenas retransmitida), ‘A trase citada a respeito de Os Cenci soa como uma conlissio de derrota... Mas io é 0 Gnico envolvimento de Artaud com as miquinas, como o provam os dais projetos de ‘encenacdo que submeteu a Jouvet em 1931, Em um deles — A Sonata'dos Espectros, de Strindberg — sugere um truque, aliés tradicional (substituiglo do cendrio por uma maquete colocada diante de um espelho e profusemente iluminada), process ilusionista ainda bastante artesanal para ser aceito Por um detrator da maquinaria (I, 122). Em um outro — Golpe de Trafalgar. de Vitrac — ele vai muito mais longe (Il, 133): eondenando a insuficiéncia caracerstca da sonoplastia ‘no teatro, nko hesitaem preconizar o emprego do disco, isto e ruidos gravados erepetidos sem rsco de alteragoes em cada represeniagio. Ora, éjustamente o que ele se censurara por ter tolerado, antes do fracasso de 1935 e depois da interdigio de sua irradiag2o em 1948: « maquina (filme, disco. rAdio) ‘como intermediria que impede o contacto fisico direto entre 0 ‘speticulo ¢ 0 pablic e institu uma relagdo pervertida, ‘Uma tal disparidade entre 0s principios firmados ¢ as 4 Toto pubcno em 1.5.19 em La Blt mire As representa 01 Cone omega em 3.1938. 6s ARTAUD E 0 TEATRO proposigdes ou atividades concretas encerra algo de descon- fertante. Tanto mais desconcertante quanto lemos numa carta fo mesmo Jouvet que Artaud recusava arrogantemente a pol fica de meias-medidas: "Nao se deve deixar que as rsiséncias de uns, a incredu- lidade de outros ¢ sobretudo 0 medo das reagées' do piiblico rns fagam renunciar&idéia que tivemos, nem nos impecam de ‘extra 0 maximo dela (II, 97) ‘Ora, as voltas com as dificuldades materiais de um espeticulo que tinha de montar sozinho, Artaud se vé ‘onstrangido, ele também, a renunciar a uma de suas exigén- ‘as primordiais. Sua hostildade feror em relagio & maquina pode muito bem ser questionada, no momento oportuno. NNotaremos no entanto que os entorses nessa determinagdo per manecem circunstancias, e que ele nlo arreda pé da neces- $ldade de ocorrer no teatro uma comunicagio atuante, A encenagio tem outros set res, tudo se passa como se sua atitude tivesseevluido ao correr dos anos. 0 que sucede na encena- ‘glo e no espetaculo. F preciso ignorar a encenacdo, esereveu ‘Artaud em’ 1924 (I, 213) e mais adiante: seria sguaimente necessério que 0 aspecto estritamente espetacular do espeté culo fosse suprimido (I, 216). Atitude confirmada dois anos ‘ais tarde por um primeiro manifesto do Teatro Jarry, pro fessando o desprezo pot lodos os meios de teatro propriamente ditos, tudo 0 que constitui aquilo que se comvencionow de- hnominar encenardo, tal como iluminacdo. cendrios, guarda- ‘oupa, ete. (II, 16), 0 piblico, em suma, deveria vir a0 teatro nao tanto para ver, mas para partcipar (I, 216). No entanto, fo cabo de alguns anos, 0 segundo manifesto do Teatro da Crueldade (1933) afirma: Nés pretendemos basear 0 teatro, ‘antes de mais nada, sobre o espeticulo (IV, 148) Contradigio? Nao, apenas manipulasio de_palavras. Sabemos que Artaud emprega correntemente o mesmo termo ‘em sentidos opostos, para exprimir ao mesmo tempo o que ele pretende destruir e 0 que ele quer instaurar. Com esperéculo ‘8 encenaedo, age mais ou menos gomo com feairo ou cruel: dade, no por auséncia de rigor no discurso, mas por desejo instintivo de “conferir um sentido mais puro s palavras da ribo", segundo o famoso verso de Mallarmé Além do mais, trata-se pare Artaud "de contribuir para a rulna do teatro ‘eistente através de meios expecificamente teatrais"®. O im: portantenlo ¢atingir por todos 0s modes 0 piblico do teatro? oe gard Po BEAK Evade SobreoTestr Dada e Surin, p26 DA CONDENAGAO DO TEATRO OCIDENTAL.... 69 s eapectadores “dover sentir diretamente a angtsta meta: sion que as cenas representadas tenderdo provocar”™ ‘lo soi pode ea 5 ron un ceria cvolugio entre os primeios marifesos e a8 relizagtes que ve Sequim, O que Artaud condena nas pessoas de teatro de sua asi? © Nemo e brea o lunoninmo. 0 eran erdado de Antoine, pos tetro no tem porgue aremedar ‘ida (IT, 28) e porque vamos 40 testro para noe reencontrar: ‘nos no que temos ndo somente de methor, mas de mats rar © de mais relinado (1, 214) 0 lsionismo_professado pelos bhomens do Cartel, em que teatro rrapacia vida (I, 28) € reteuralizegay do ealto — segundo seu novo frit mons tru — impede de relmroducro teatro a vie (1, 219 is al ma dualidade excldente, completamente cate sirica, mas que se masraré mull depress sjlta a remane Jjamenion. A condenagto do rerio nto impede Artaud. de reclamar aulllzgo dos objefos do ret (I. 79) ede sugei por exemple, para oeenirio do princi alo de A Sonata dos Expeciros, o arfci de uma fonte om rele, contendo talvez gua verdadeira que excore, ou ainda plantas verdadeires ou tras, mas no pintadas (U1, 117 © 123) para o terciro ‘Mas nao pintadas pois que Artaud abomina aca de tudo &jastament a falsifeagao enganosa: Nada menos capaz ¢k nos dir do que aiuto do acssrio elo, do papel, ¢ dr tees pntados, que‘o teatro maderno nos apresenta (I, 48). No entanto, dante de problemas concretos de uma ence nag (A Sonata dos Espectos), Artaud recor ao alco e 4 pinta sions 1s cleus de wm Ladera parecer no fund, igual: ‘mente em reevo, como nurna cena de cinema, até serem Cortades por ama orate Brusca. Pode-e ver egumas fchadas de casas no alto. da ladeira (My 117), ‘Cabe a bjegao de que se tata no caso de projetos que foram proposos Towel, que nto pretendiam sera expresso do Teatro da Crveldade'e que de reso os manifesios deste to nie tiham ainda sido formuladr. De qualquer forma, Artaud if se vé compelido a abalar um tanto of prinipios ‘stabelesios dea «epoca do Teato Jar) 4. ROBERT ARON. Conferacla de 25.11.1500 (clade por GUY (ROUTE, La Grande Rout, Se 1920. 1s Sulishads por an Ot Soares sigfcae, a props de Manos de Amor, ecenaon om 192. Pea primar ver Pe er bapa ‘Sj verdad (un eo, um armiria mle. ae) Smet ‘do uma ordom sures gue t descr por reise com ‘Spends let pounds So sone. nainundn de eras omc ‘ome nO Tein te hpaGnr ew Pas, Cher Rn 7 ARTAUD E 0 TEATRO Da mesma forma a utlizagto dos manequins, e, de um modo mais gral, dos objetos gigantes” — mesmo que mio se fie a esiétca ilusionista — mo poderd parecer bastante provima aos métodos denunciados nos animadores de Cartel? Entre 0 gigantesco bolo de aniversério prevsto por Artaud para o primeiro ato de Vietor (1928) e-0 enorme aparelho felefénico exibido por Gaston Baty em Terreno Baldio, de Jean Victor Pellerin (1931), 0 espectador profano no devia quase sentir a diferenca, relacionando todos esses processos a um mesmo esprito de vanguarda™”. Em Artaud, com eleito, a3 Seformagdes e a5 ampliagbes procedem, como vimos, de uma pesquisa sobre 0 desequillbrio e as dissonincias. que visava privat 0 espectador de seus refigios habituais. Mas fica pa Tenteado que o inspirador do Teatro da Crueldade se resignou por fim a ullizar certs arificios que ele condenara nos hhomens de teatro de seu tempo, ¢ que ao nivel da encenacio, ccumpre constalar uma sensivel atenuagio dos principios i: [porosos, inesperados, de aspecto rebarbativo e terrivel (IV, TI") que ele haviaestabelecido de inicio 0 tugar cénico Essa diferenca prevsivel entre o rigor das primeiras cexigéncias e os compromisss, 6 possivel reencontrar indmeras vezes nas ligagdes de Artaud com o teatro, por exemplo, na sua concep¢a0 do lugar cfnico. Ele sempre desejou para seu teatro um lugar novo e fundamentalmente diferente das salas tradicionais. Prova isso “o teatro espontineo” com 0 qual sonhava, hi vinte anor © que seria realizado no meio dat Horicas® Jamais deixou de sonhar com isso. Em 1924, escreveu. ‘que seria preciso mudar a conformacio da sala e que a cena se deslocasse segundo as necessidades da acio (1, 126). No fentanfo, as representagdes do Teatro Jarry foram dadas em locais convencionais: Teatro de Grenelle, Comédie des Champs- Elysées, Teatro de FAvenve. Mas nem por isso Artaud renun- cow & sua primeira id Pérsveranga atestada em 1932 por um texto bastante conhecido (Crueldade I Foi por isso que abandonando as salas de teatro existen {es atwalmente usaremos um galpio ou wma granja qualquer € (os reconstruiremos segundo os processos que resufiaram ma farguterura de certas igrejas e lugares sacros ede cerios templos do Alto Tibete (WW. 115 2 Ct wore, wp. 5357 DA CONDENAGAO DO TEATRO OCIDENTAL.... 74 Nessereint, o espectadorserbeolocado no centro ¢ 0 espeticuo se desenelvers ao seu redor. Nas precomisamos um, ‘peticulo giana (IV, 103). Bs 0 eal almejado. Agora & interesante saber como vai colir essa primeira exten, em fae day difcldades materials encontradas para fale Is, Acoletanea de cataspublcndas no tomo V das O1C. € Dericlrmete dc hee apc, ssa) eras consiivem em primer gar um eco muito fet dos principosformulados pelo manifestr : Eu mio sei nde nos aljurems, mas cry que me lec por um glpi que mandare!arrumar © reconstrat Sequindo ox principos obvervdes na arquietura de eras ‘areas (V. 100, ‘Num primeiro tempo, Artaud espera pass os fats se austom Stn Gue lana stow portant neste momento &procura de meu gap cou de minha igreja, como tive 0 tabi de um teaito em omprimento um amigo de Daumal cow. boguiaherto Saher que esa ida me ocorrera, porque. disse me rl, 08 ‘empls do. Egito ou da Grecia ou mimo at eatedras 0 Tons porque esto inserts no Pentel de Suomi, Esto seguro. alts, de que nem precsarelprocurar meu galpdn, due eparecendo 0 artigo da N.RLE. tle surged com todo © ‘eto, milagresamente* (V.171, Fevcega no milagre, que & carcterinicn de todo esse periods da vida de Artaud © de gue poderiamosfacimente Siar numeroso ores explo. Cede, porém, parece lomarconscignca de que € preciso ajudar 0 milagre a maser, eas comingenits matenais se ‘anifestam imediatamente A grande difculdade eté em aghar 0 galp, a fbrica ou a capela dessacraizada em Paris num bairo de fact acess ao pablo (W. I73). Eine ese br de cl aces — ia ranspaecer a necesidade de contemporear uim pouco com © ideal"maior pare que 0 tearo posta vinga Estamon no amino dis primeiasconcesses Desde enldo 9 proceso nciado se acsera © Artaud esereve« Palani ms mas tarde: Eu Ihe pedira que exrevese wma carta & adminisracdo to Néo Parma, 19, rue de la Bode. na uel vot prporia de parte da NRF. © da minha, alugar'v teats por om Derk de dls meses de esol, solitando que fcssem wt reco ala inclindo a tuminagd.. CV. 182 mente que 2 ARTAUD E 0 TEATRO Est claro que doravante a idéia do galpHo foi abando- nada. No ano sequinte Artaud projeta montar 0 Woyzeck de Bacher, no Raspail 216, no fim das feias. Seu propretsrio Ime cede 0 teairo‘em estado de funcionamento, com adminis- {ragio,ituminagao e maguinaria (V, 125). ‘Mesmo rerio alguns meses mais tarde; trata-se desta vvez de uma adaptagio de Sade (por Pierre Kiossowski) que [Ariaud pretendia montar num local j& encontrado (mais uma vezo Raspal, 2162). Dao-me um teatro, com todas as despe- sas pagas (V, 232) i ‘Vai ser preciso ainda mais um ano para que tudo isso resultefinalmente nas dezessete representagdes de Os Cenci no ‘Teatro Folies- Wagram. Teatro que merece de André Prank a seguinte deserigdo: "0 longo cortedor de acesso, a imensa plaidia precedida por uma galeria, o comprido foyer, mesmo a fecoragto das paredes, tudo indicava um lugar mais adequado ‘80 masic-half do. que & uma ousada renovasio da arte céni- fas, O fracasso foi em parte devido a esse fator, mesmo que © piblico dos Cenc’ fosse, alfm do mais, o menos indicado para compreender a tentatva de Artaud®. Alits, € provével ‘Que, mesmo entre os mais entendidos, 0 contrast violento entre 0 aspecto revolucionérie dos maniesios e as concessies| ‘sivelmente accitas para a representagdo de Os Cenci deve ter ‘eausado uma decepeao bastante viva. “Alguns anos, até mesmo alguns meses foram pois suf cientes para que a ida original de um lugar cfnico profunda- ‘mente Fenovado se ‘Contato com dificuldades materiais. No entanto, os escritos de ‘Artaud nio se modificaram em relaglo ao assunto; foram os fatos que impuseram sua idéia uma distoredo pejada, de cconseqUéncias negativas 0 caso corres também que Artaud tivesse osilado em relago 1 pontos essencias de sua visto teatral, e que seus escritos trouxessem a marca desta hesitac30. O fenémeno & evidente, prineipalmente no que se refere 4 nogto de acaso. Ela exerce tum papel decisivo a época do Teatro Jarry: No teatro que (queremos fazer, o acaso seré nosso Deus (Il, 17). Supremacia {Que O Teatro e seu Duplo contradir: Basta de magia oeasional IV, 163). Como se produziu semethante reviravolta? (© culto do ataso, no inicio, decorre logicamente da 1A FRANK, Pico Bt Caras de AA. 0 J. Baro, Bors, “P Pibce tuctamente descito por Phere Jean Jouvet. Ver nose DA CONDENAGAO DO TEATRO OCIDENTAL.... 73, simirngto maniestada em 1921 pelos métodor de Chares lin No final das conte, 0 deco reflxo do elie achado aparece como a recompens do esforg. Asin fica pence tio congo de srpreah gue, segundo Edgord Poe, etna base arte (i 154) ind subir, além dino, at que pono esa esi- ca da surpreaa liga extlamente Artaud 0 grupo surreal ‘Abuse do acso objeto" pula Breton cos seus em dred is "perifianes einen”, em Nat, sbretudo™- ‘Artaud nose fear mio tempo ese dtcagio do seas No Teatro da Crueldade tudo dove sr minciosameate Calclad e repulado; amprovisagotende a dspace, Nl ue sea rejeltado ocatr tno expontlnca da expres te ral Arta insite amide (Pare aabar IV, 91 94,98) sobre lai de gst esr tudo vale ms o qc uma ters © Cnfatiza também a ncessdade de ua erage espontdnce mo Dato IV. 38). Paco at mina ves tmpreva he iv, 590 que mudou ena desde o Tea fray? Simplcsmente, unade © expos cao nto sto tna entreues um aso odo poder. A pride sora hd tina recuse em api do sobre ee een, Ae mete tempo as fungbet do onbo edo icontclente we véem mod dis Or, 0 itconslent «0 sono eram as dus fons ‘eat lary. O inconscene sbretuder Watase enilo de conscgue com que Tudo o que existe de obscure, de fugit, de irevelado 1 expr e manfese numa eapésie de projet mara veal 2). igs ance is trde, Aria conden otto de seu tex, que sometteintroyeao coset para the ex 0 gue oe pe entsourar (ou exconder) st experiencia cen! ¢ defen os das (7, 9, Em racdo a snho, a muagto€ ands mas (0 Teatro ary propunbase maniesar no palco iid © ue pertnce & degiiidade ed fscnagdo mag dca das somos Ut, 2) 10 Teatro de Crocdade pretend fazer da epesentago sig tho clzado eto prec quanto a cea do sang ar artis ono desenvinei, aparetemente to dat imagens do sono no ctebr (IY, 109, ‘Assim sono cesta de sr anargia ou rtuidade para se tormar stoma organizado. Como tl ele pode ter paripay {oem uma nova conepeo de exo, no tas fundamen ah sobre o acu, mas sobre alsa’ "Nel como subeita do caso. Que cldncia? 4 Sobre urs da epetio ef. tbe 18 €27 Tea Jam. 4 ARTAUD E 0 TEATRO Araud nos diri, Uma cigneia io exata quanto possivel € felativa aos recursos do corpo, aos efeitos da luz € do som Sobre os corpos,E 880 que pretendem Um Auletismo Afetivo © 0 Teatro de Serafim, Torna-se necessirio, a partir de agora, fandamentar a expressio teatral em um’ método rigoroso € restrito; dai a formula citada e que completamos ‘Basta de magia acarional, de wma poesia que ndo dispde da cigncia para escordla (IV. 163 € 181) Evolugdo de agora em diante irreversive: um dos mos textos de Artaud terd por titulo O Teatro e a Ciéncia’ Todos os texlos postriores 20s sanatiros estardo de acordo Sobre a importaneia decisiva do corpo, que € preciso recons- truir para que nasea enfim o teatro. Tessa evolugao Ado encerra uma contradigao? Pode-se. com efeit. perguntar de que maneira, no teatro. poesia & fiéncia deve dagui por diante se idemifcar (IV. 163, 182). ‘Artaud exige, de um lado, uma codificacdo exiremamente ‘laborada da expresso, enquanio que, por outro. continu a ttitcar 0 cardte estitico do teatro ocidental, Em 1991 ele o estigmatiza: ‘como uma espécie de mundo gelado (...),eom mifscas reduzidas « uma expécie de enumeragdo cifrada ® ews signos ‘comecam a apagar-se (IV. S455) "No entanto, alguns meses depois. emprega os mesmos termos para defini a linguagem cénica do fuluro Teatro da Crueldade falando de fencontrar novos meios de transcrever essa linguager. seja_ porque esses meios se aparentam aos da transcrici ‘musica. seja porque se fava 0 uso de ume espécie de lingua seem cifrada ®(1V. 112) ‘Artaud no relorna, por um outro caminho, ao que ele hhavia denunciado? ara além das questdes de vocabulirio e combate per rmanenie contra a linguayem, tense de fato aqui o testemu: hho. de uma surpreendente variaglo que leva um eriador do Culto-da espontaneidade ao cullo de uma inspiragao contrla da, De onde provém essa mudanca? Aventousse a hipétese de {Que ela podria provir da influéncia preponderante exercida, pelo espeticulo dos dangarinos balineses® certo que esas ‘epresentagoes provocaram em Ariaud uma impressio muito forte, tesiemunhada pelo longo esiudo que les dedicou. © a SOM NOVAIINA.“A:4 Test Tet DA CONDENAGAO DO TEATRO OCIDENTAL.... 75 abundancia dos manuscritose das varlanes (ef. V, 335 e &.), Gas carias nas quals desereve seu entusiasmo a diversos corres ppondentes e,enfim, a inserqao em O Teatro e seu Duplo (IV, 6481). Ora, o que 0 impressionou foi a precisto cienifica da encenaeio, ‘comm efeitos metodicamente calculadas ¢ que impedem todo recurso & improvisagdo espontinea (IV, 66). Nesse teatro fudo, com feito, € cateulado com adordvel © matemética Imimicia. Ai nada & relegado ao acaso ow @ iniciatva pessoal av, ). Se 0 acaso deixa de ser um deus no ‘eatro da Crueldade © cede lugar 8 ciénela, a culpa sera pois dos balineses. Na realiade, Artaud 38 se mostrou to impressonado pelo teatro alin porgue este concretizava. uma evolu j6 Encetada no propria Artaud. A prova€forncida pelo texto do Drojelo de encenagdo. que ele preparou para O Golpe de Traaigar, de Vitas. Convém lembrar que esse prot {gh Submetido a Louis Jouvet. Em que data? Abril de 1931", ‘Tratase portanto de um trabalho efetuado antes de Artaud ter Assstido to espetdulobalings. Com eel, a Exposigio Clo- fal aba as porlas a? de maio de 1931° efi o exemplar da NIRF. datado de 11101931 que publicoe o entuséstico texto intitlado O Teatro Balines na Exposicao Colonial”. Gra, o proto enviado a Jouvet prenuncia, com algumas semanas" de antcpaglo, mudanga de inspiraedo que se Doderia rer ives sido suctada gragas a inflaéneia dos Dalineses. Este projet insite, por exemplo, muita ves na neces- sidade de reconsttir os barulhos com wm cuidado minucio {UL 152), dato iela de gravis em discos. Artaud chege até tmesmo a exigr que tudo aqulo que nlo posa ser anteipads Imente gravado tela ESCRITO e colocado em pauta, como time mesiea (1, 136), Mesmo método para a movimentagho ‘or atores Av-evlupées das personagens, suas entradas ¢ sada, seus encontros, 9 modo como se crazam, sero regulados uma ter por todas ¢ com uma precisio metculosa gue preveré se Dosslvch até um simples acaso. Esse trabalho de precisto deve fer atacado no inleio,jé na fase dos ensaos, em lugar de ser rallado no fim. tudo (I, 138). 4. Ver ert a Iowet, de 284.1901 (I, 207 vin data et a Ingenta dada om 0,27, aia 4 Cap. 3. Date fern ple fics relia "No vem a Exposgho Cota” MAURICE NADEAU, Documentos Surat, Sei 198%, Ch spr,

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