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O REVERSO DA MEDALHA: ADMINISTRACAO PARTICIPATIVA, SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E SEUS LIMITES* Dagmar M. L. Zibas Fundagao Carlos Chagas RESUMO (© estudo que dev origem ao artigo focalizou, no setor secun- dario, empresas que estariam suporando bem a crise gerada pelo aciramento da competi industrial. O objetivo mats geral {oi vorifcar quais as exigéncias, quanto a qualficagdo, tais oF- ganizagbes esto colocando para 0 seu quadro funcional @ como explicam a necessidade do tale exigéncias, Os trabalhadoros, também foram ouvides, como contraponto ao depoimento dos, drigentes. O trabalho agora apresentado enfoca a mais dinmi- ca das empresas pesquisadas, reconhecido exemplo de sucesso 0 novo modelo produto. Os resuitades obtides permite 0 uestionamento do discurso, atualmente dominante, quo ident: fica, de forma isométrica, as demandas da modema produgo om os princpios educacionais humanistas, radicionalmanto de: fendidos pelos setores progressistas da sociedad. TRABALHO/EDUCAGAO — NOVAS TECNOLOGIAS ORGAN! ZACIONAIS ABSTRACT THE OTHER SIDE OF THE COIN: THE LIMITS OF PARTICIPATORY INDUSTRIAL ADMINISTRATION (A CASE STUDY). The study which gave rise to the article focused on, the sacondary sector, companies which are overcoming well the crisis generated by heightened industrial competion. The more general objective was to verily the demands, in terms of {ualifcalons, such organizations aro making on thelr workers ‘and how they explain the need for such demands. The workers wore listened {0, as a counterpoint to the directors depositons. The work presented here focuses on the most dynamic of the companies researched recognizing the example of success of the new productive model. The results obtained permit the questioning of the presentely dominant ciscourse, that identifies inthe same dimensions, the damands of modern production with the principles of humanist education, traditons defended by the progressive sectors of society * Este antigo fol apresentado na 19" Reuniéio Anual da ANPEd, realizada em Caxambu, em setembro de 1996. Consttul um recorte de uma ampla pesquisa inttulada "Os desatios do ensino secundério: a interface tecnologialqualiicagsc", coordenada por Marla Laura P. 8. Franco @ da qual também pariciparam Calso J, Ferret @ Felicia Madotra. Cad, Pesq., S20 Paulo, n.99, p.21-29, nov. 1996 at Este artigo centra-se no estudo de alguns tipos de re- lagdes que se desenvolver em uma indiistria, consi- derada de ponta, de porte médio (subsidiria de gran- de multinacional), que adotou, com grande sucesso, novas técnicas organizacionais genericamente deno- minadas “administragao participativa’, Este foco de andlise foi escolhido em articulagéo aos objetivos de uma pesquisa muito mais ampla, composta de trés subtemas e que, no setor secunda- rio, procurou focalizar empresas que estariam supe- rando bem a ctise gerada pelo acirramento da com- PetigZo industrial. A primeira intengdo fol verificar quais as exigéncias, quanto a qualificacdo, tais orga- nizagoes estao colocando para seu quadro funcional @ como explicam a necessidade do tals exigéncias. Os trabalhadores também foram ouvides, como con- traponto ao discurso dos dirigentes, © problema da pesquisa foi definide a partir do questionamento do bloco teérico que identifica as de- mandas da modema produgéo com os principios edu- cacionais humanistas, tradicionalmente defendidos pe- los setores progressistas da sociedade. Ou soja, se- gundo 0 discurso atualmente dominante, 0 mercado € 0 novo paradigma produtivo estariam preserevendo para o trabalhador as mesmas caracteristicas e apti- dies que, desde sempre, estavam presentes no dis- curso dos educadores como sendo os mais nobres objetivos da escola (CEPALUNESCO, 1992). Ao exi- git que 0 trabalhador tenha iniciatva, seja criatvo & responsdvel, saiba resolver problemas, trabalhar em equine, lidar bem com constantes inovagées tecnol6- gicas e que soja portador de alta capacidade de abs- trago que 0 predisponha a constante aprendizagem, 0 interesses da produgdo coincidiriam, finalmente & de maneira completa, com as condigées necessérias 20 desenvolvimento humano. Nesse cenétio, os con- fitos ficam minimizados ¢ 0 ensino médio torna-se um ponto estratégico do sistema educacional, pois consi- dera-se que 0 mesmo constituiré, brevemente, 0 pa- tamar minimo de escolaridade requerido como’ condi- 40 de empregabilidade. Diversos estudiosos sao bastante crlticos com respeito a atual énfase na “positividade" das novas re- lagdes entre trabalho © educagdo a partir das trans- formagées na produgao. Silva (1993), por exemplo, ar- gumenta que existe uma tendéncia a se restringir 0 debate a uma definigao exclusivamente fisiolégica, conteudistica e técnica das modificagées nas hablida: des exigidas pelas novas tecnologias, minimizando-se 68 elementos sociais @ politicos ai envolvidos. Segun- do esse autor, 0 fato de que tenha havido um alar- ‘gamento da base das aptiddes compreendidas no pro- cesso de tomada de decisao nao significatia, de modo algum, que se tenha ultrapassado a barreira da se- parago sociale politica entre concepeao © execucao, entre trabalho mentale manuel, O desaparecimento das tarefas mais fisiologicamente manuals néo impl- catia © desaparecimento do polo social e politicamen- te manual do trabalho. Por outro lado, Gitahy (1992) é uma critica acerba dos autores que atribuem a separacao entre a con- 22 cepgéo © a execugio do trabalho como constituinte de uma ldgica inerente ao capital. Essa autora prefere evitar 0 que chama de “camisa-de-forca’ dos enfo- ques que privilegiam apenas os efeitos positivos ou ‘05 negativos das atuais transformagées tecnolégicas € organizacionais. Detém-se no estudo dos diferentes contextos em que se dé a difusdo dos novos para- digmas e na andlise das caracteristicas gerenciais das, novas plantas produtivas. Acredita que, com tal enfo- que, sera possivel obter maior objetividade para en- frentar as incertezas do periodo de grandes transfor- mages sociais, denunciando que 0 debate do tema “esté profundamente marcado pela ética particular dos debatedores” (p.29). Outros analistas néo focalizam a maior ou menor “neutralidade” ou “objetividade” dos debatedores, mas, adotando uma andlise hist6rico-contextual, propdem- se a registrar as contradi¢Ses que, inerentes as rela 08 sociais desenvolvidas sob 0 capitalismo, tomam diversas formas em momentos histéricos diferentes. Machado (1990), por exemplo, nao acreditando na inevitabilidade do desenvolvimento e da “iibertagao” do trabalhador através da adog&o de novas tecnol gias, recoloca a hipdtese de que a extrema variacao do trabalho, antecipada por Marx, pode estar atingin- do seu ponto de maturagao histérica, principalmente passando a exigir maior versatilidade do trabalhador. ‘Segundo a autora, mesmo que os requisites de maior Versatilidade no 'sejam nem muito profundos nem universais, podem, ainda assim, servir de base para a reformulagdo da educagao basica dos trabalhado- res, em diregdo a uma integracéo teérico-pritica © Cientifico-tecnolégica mais abrangente. Esse enfoque supera “as camisas-de-forga” interpretativas denuncia- das por Gitahy (1992), sem recorrer a ingenuidade de ‘supor que qualquer debate ou andlise possa se de- senvolver sem que seja “a partir da otica” dos agentes envolvidos. Pretendendo captar 0 movimento das transformagées em curso e as contradigdes que ine- vitavelmente afloram em todo esse processo, essa vertente de andlise abre espaco para que os aspectos positivos e negatives sejam percebidos, registrados © analisados. A orientagao tedrico-metodolégica mais, ampla do presente trabalho pretendeu aproximar-se dessa linha interpretativa para a abordagem das transformagées produtivas e organizacionais em curso. ‘A esoolha da empresa, que enfocamos neste ar- tigo, mostrou-se muito adequada, uma vez que a mesma se ajusta perfeitamente ao modelo de “produ- 40 enxuta’. Tal tipo de produgdo envolve modifica Ses em todos os estdgios do processo de colocagéo de produtos nas maos dos consumidores, incluindo relagdes com fornecedores, projeto e engenhatia, or- ganizacao interna da fabrica @ distribuigdo (Humphrey, 1994). A organizagao da produgao enxuta pode ser sumarizada em termos de cinco_principios: ‘* 0 maior nimero possivel de tarefas © responsa- bilidades 6 transferido para aquelas pessoas que realmente agregam valor 20 produto na tinh O reverso da medalha... © a existéncia de um sistema efetivo para detectar imediatamente defeitos e problemas e rastred-los até sua origem, com o intuito de assegurar que (0s mesmos nao se repitam. A produgdo om pe- quenos lotes — 0 “Just in Time” e 0 objetivo de Zero Defeito — constitui uma disciplina essencial dentro da fabrica para descobrir problemas; * a existéncia de um sistema de informagao com- reensivo de modo que todos possam responder rapidamente a quaisquer problemas e entender a situagdo getal da fabtica — nada disso 6 possivel ‘a menos que a forga de trabalho esteja organizada fem grupos de trabalho, os quais necessitam ser tteinados para executar todos os servigos de sua rea —, incluindo reparos em maquinas, veriicagao da qualidade, solicitagio e arrumacdo de material e para resolver seus préprios problemas; * esse alto nivel de envolvimento com a solugao proativa dos problemas nao pode funcionar sem lum forte senso reciproco entre a firma e seus funcionarios (Jones apud Humphrey, 1994). A indistria aqui focalizada, instalada em 1990 em cidade do interior de Sao Paulo, ja obedeceu, desde Seu projeto inicial, aos novos principios organizacio- nais. Um executivo, oriundo da matriz nos EUA, foi designado para o planejamento de implantagao do modelo no Brasil. Da antiga fabrica, situada na Gran- de Sdo Paulo, somente foram aproveitados alguns oucos gerentes. Todo o restante do corpo funcional foi constituido de novos contratados. Agregando trés unidades fabris que produzem tts tipos distintos de pegas para as montadoras de automéveis, a produgao est baseada em grupos (ou. times) de seis a oito pessoas, responsavels pela exe- cugao de determinadas fases da manufatura. Ha um. coordenador para cada conjunto de trés a quatro ti- mes, 0 qual tem a fungao de ajudar na solugao dos problemas e de manter a comunicagao entre os gru- os, Todavia, a qualidade do trabalho e 0 fiuxo da producao é de respansabilidade, principalmente, dos, réprios operadores’. Assim, nao existe setor de con- trole de qualidade, tampouco segao burocratica que supervisione 0 estoque de matérias-primas. Pelo sis tema Kanban, de circulagao de carées com controle do fluxo produtivo, cada time prevé o material de que precisa com a devida antecedéncia e, conforme o caso, 0 proprio operador comunica-se, por fax, com 1 fomecador externo para viabllizar a entrega. Nesse sistema, 0 canhecimento de Controle Estatistico do Processo — CEP — ¢ indispensavel a todos os ope- radores. A limpeza do local de trabalho também 6 de responsabilidade dos funcionarios da produgao. Os grupos relacionam-se entre si na posicao de “fornecedor” e/ou “cliente” © devern “servir o cliente” ‘ou “exigir do fornecedor” a qualidade esperada. Nesse contexto, o Departamento de Qualidade & apenas um, instrumento para auditorar a produgo e estudar, jun: tamente com os operadores, a solugao dos proble- mas. A auditoria de qualidade em cada time é mensal,, havendo reunides semanais de qualidade com a pre- Cad. Pesq., n.99, nov. 1996 senga de representante de cada grupo produtivo e do Departamento de Qualidade. Cada equipe também se faz representar em reunides periédicas sobre segu- ranga. ‘As exigéncias para admissdo nessa industria séo as seguintes: * para o cargo de operador: até a 8" série completa, cursos de treinamento no SENAl e, se possivel, cexperiéneia em fabrica; * para 0 pessoal de manutengdo e laboratérios de andlise: curso técnico (2? Grau), de preferéncia do SENAI, © experiéncia em fabrica; ‘© supervisores: curso superior concluido ou em fase de conclusao. Sobre a utllidade da escolarizagdo para o desem- penho no trabalho, 0 gerente-geral enfatizou a aqui- igo de atitudes, nos seguintes termos: "A escola também 6 importante porque 0 aluno aprende a pes- quisar, a ter curiosidade, além da cisciplina no traba- Iho". Entretanto, os contetidos basicos de Portugués @ Matematica também sao imprescindiveis: “Nao exi- glamas 1% grau completo, mas comegamos a ter difi- culdade para ensinar 0 CEP e outros procedimentos porque faltavam conhecimentos basicos. Vimos, en- Go, que com a exigéncia de 1? grau nosso treinamen- to ficava mais facil, relatou nosso interlocutor. sistema de admisséo e demissao prevé a par- ticipagdo ativa dos times de producao. Ou seja, de- pois de uma primeira prova seletiva de conteudo (para ‘08 operadores: matematica elementar @ pequena re- dacdo), 0s candidatos as vagas entrentam um teste ‘em que s&o simuladas condigées de trabalho. Todas as instrugdes so dadas por escrito a um grupo de sete a oito candidatos que deve formar um ficticio “time de produgao" e propor, em conjunto, a melhor forma de executar as tarefas prescritas. Dispostos em um cfrculo, esses postulantes ao emprego sao obser- vados pelo supervisor e pelo grupo de funcionatios no qual 0 aprovado deverd se inserir. O candidato s6 ‘sera admitido com a aprovagao do “time” de futuros olegas. Segundo a supervisora do setor de pessoal, © teste possui catacteristicas tais que os observado- res podem perfeitamente detectar quais as pessoas colaboradoras, que trabalham bem em grupo, quais ‘aquelas que s6 sabem competir, as mais passivas as mais agressivas etc. ‘A média de idade dos funcionérios 6 bem balxa. Em goral so contratados os mais jovens. Segundo © gerente-geral, os jovens sao mais adaptaveis 4s exi- géncias da administragao partcipativa, Da mesma forma como tem voz no proceso de contratagao de novos trabalhadores, cada time de produgéo deve decidir sobre a demisséo de colega que nao tenha bom desempenho. Conforme depoi- mento do gerente-geral, essa é uma situagao dificil para os times, pois “sempre 6 traumatico propor a dis 4. Segundo 0 gerante-geral, no so usa o tarmo “operérlo" por ter uma "conotacéo ma", prferindo-se “operador’. 23 pensa de um companheiro". A prética mais usual tem sido solictar a transferéncia do individuo no produ- tivo para outro grupo, o que, as vezes, resolve 0 pro- blema. No entanto, esti estabelecido que, em caso de persisténcia de comportamento inadequado, o ope- rador transferido deve voltar a0 grupo original, o qual deve providenciar a demissao. A rotatividade € minima na empresa (cerca de 2 2,5% ao ano) e, de acordo com diversos depoimen- tos, chega-se a receber mais de quinhentas inscrigBes para cada dez vagas. Segundo um operador, “6 mais dificil entrar aqui do que na USP”. © processo de adaptagdo do novo contratado compreende cursos palestras com quarenta horas de duragao. A supervisora do setor de pessoal resu- miu assim essa fase de iniciagao: “Vamos formar informar 0 funcionério para trabalhar com qualidade e viver melhor". Hé explicagao sobre 0 funcionamento @ 8 finalidade dos produtos e estagio em todos os se- tores para compreensdo do processo de produgao em seu conjunto. Ha énfase na qualidade, nos principios da manufatura sincronizada, na segurana ena hi- iene. Segundo nos informaram, o salério & superior & média da regido (R$ 3,07 por hora, 0 que dé, apro- ximadamente, seis salarios minimos, ou RS 600,00 brutos @ RS 450,00 apds os descontos de el). Os beneficios so varios: convénio médico exten- sivo familia, restaurante subsidiado, transporte, au- xilio-educagao @ — caso a fabrica, em seu conjunto, alcance as metas propostas? — um abono que pode representar mais do que um 14° saldrio, (Em 1995, © abono foi de RS 1.000, pagos em duas vezes.) tuniforme, usado tanto pelo gerente-geral e pelo pes- soal de escritério, quanto pelos operadores, também 6 fomecido pela empresa. Segundo informacGes que colhemos junto aos funcionétios, 0 abono @ 0 auxilio- educagao séo os beneticios mais valorizados. Aliés, 0 fato de a indiistria cobrir 70% dos gastos ‘com educagao foi mencionado, por todos os funcio- nérios que ouvimos, como a grande diferenca entre essa empresa © as demais. Provavelmente, a valor- zago da continuagao dos estudos 6 maximizada por- que a maioria dos funciondtios & constituida de jo- vens. Assim 6 que, para os que entram apenas com © 1? grau completo, o subsidio oferecido ¢ um est mulo para seguir os estudos no 2? grau @ até a fa- culdade. A possibilidade de freqiientar escolas parti culares noturnas, tanto no 2 grau como no 3%, tor- na-se uma oportunidade imperdivel. Aliés, apuramos ue aproximadamente 25% dos operdtios esto ma- triculados em cursos de 3° grau, sendo que alguns jd conclufram esse nivel de ensino. De acordo com 0 depoimento do gerente-geral, tal situagao est prenunciando problemas que a adminis- tracdo jé tenta contomar. A frustracdo dos université- rios ao continuarem na fungao de “operadores" — pois néo haverd chance de promoao para todos — est levando a diregao a aconselhar os conciuintes do 2° grau a que nao prossigam os estudos. “O que adianta se formar em engenharia, se ndo vai haver 24 ‘emprego? Melhor um bom técnico, para o qual sem- pre ha mais chances", disse-nos nosso entrevistado. Essa “flosofia® parece jé estar dando frutos; um dos operadores entrevistados {oi taxativo a0 afirmar que estava muito bem com o diploma de 2° grau e que, apesar de ser solteiro e dispor de tempo para a con- tinuacdo dos estudos, ndo via vantagem nessa pos- sibiidade: “Aprendi muito dentro da fébrica. Quando cheguel aqui nem sonhava o que era CEP (Controle Estatistico do Proceso). Hoje sou instrutor de CEP. Isso 6 que ¢ importante para progredir aqui’. A administracdo participativa prevé que um grupo, formado por representantes dos times de produgao, rena-se periodicamente para estudar as reivindica- ges dos funciondirios. O gerente-geral deu exemplos da atuagdo desse grupo: 0 convénio médico estava sendo questionado e foi dada permissdo para que 0 grupo levantasse outras possibilidades no mercado de Medicina de grupo. A pesquisa dos funcionarios con- cluiu que a escolha feita pela empresa ainda era a melhor possivel na regio. Outras reivindicagdes me- ores, como as opgdes do menu do restaurante © 0 modeio e a cor do Uniforme coletivo, também passam pelo debate desse grupo de representantes dos em- pregados. restaurante & campo privilegiado de exercicio da ‘administragao participativa’. Em primeiro lugar, 0 cardépio € avaliado diariamente por todos os traba- thadores. Ou seja, apés 0 almogo, cada funcionatio ccoloca em uma uma uma ficha correspondente & ava- liagdo que faz da refeigéo: excelente, boa, regular, ruim. Para cada conceito, hd uma ficha de cor dife- rente. A opiniao da maioria , entao, considerada pe- los responsdveis pelo restaurante (que 6 terceirizado). ‘Além disso, hé uma campanha contra 0 desperdicio de comida. Os restos deixados nas bandejas so jun- tados em sacos pldsticos @ pesados diariamente. O resultado é divulgado ao final do més para que todos saibam se as sobras esto aumentando ou diminuin- do. Segundo 0 gerante-geral, essa estratégia faz com que cada um sé se sirva daquilo que pretende comer. Espera-se, também, que haja pressao dos colegas contra aqueles que "tém os olhos maiores do que 0 ‘estémago’, pois “quanto maior a economia, maior po- derd ser 0 bénus ao final do ano". Vé-se, entdo, que 0 controle do grupo sobre o comportamento individual 6 incentivado. Tal controle atinge também situagdes fora da fabrica. Nesse sen- tido, 0 exemplo que o gerente-geral explicitou foi quanto ao uso de motocicletas, que & desestimulado pela empresa. Aqueles que insistem em utlizar esse tipo de transporte devem sempre usar 0 capacete. To- davia, se, quando a passeio em moto pelas ruas da cidade, em fins-de-semana ou feriados, um funciond- 2. As molas so estabelecidas por areas: produtivdade, qual dade, custos e seguranca. Ha uma pontuagao para cada item #2 0s times de produgao perdem ou ganham pontos de acordo ‘com sua atuagdo om cada uma dessas areas. 2 Prasume-se que 0 funciondrio podera volar a se servic quan tas vezes quiser. A énfase 6, apenas, na eliminagao do des- perdicio. © reverso da medalha... Tio for flagrado sem capacete por colegas, seu time de produgéo perderd pontos no que tange @ segu- ranga. Quanto as infragdes dentro da fébrica, confia-se que © controle grupal seja muito mais severo. JA vi- mos que ha difculdade de demissao do colega pelo grupo. No entanto, a geréncia-geral sabe que o time Nao ir se deixar prejudicar por muito tempo por um elemento desviante: Pode demorar, mas eles acabam apontando os colegas que nao cumprem as normas. Por exem- Plo, ndo ha carto de ponto. Esté combinado que todos estaréo em seus postos de trabalho a de- terminada hora. Se um individuo esté sempre atrasado ou se falta muito, 0 grupo deve trabalhar mais para cobrir aquela falha. O time acaba néo agiientando por muito tempo. Tivemos um exem- plo também de falsificagao de horas extras. AS horas extras ndo séo controladas. Cada um mar- ca as horas que faz @ recebe por elas. Um time de produgao resolveu fraudar o sistema, marcan- do mais horas do que as trabalhadas. Apenas um membro nao aderiu a falcatrua. Ele aguentou al- gum tempo, mas depois veio contar 0 que estava acontecendo. Isso sempre acontece... ‘A responsabilidade administrativa dos times de produgdo isonta a administragao-geral de lidar com Pequenos problemas individuais que afetam a produ- (40. Por exemplo, se um operador precisa faltar por- que esta doente ou para tratar de algum assunto par- ticular, 0 proprio grupo se organiza de forma a cobrir a auséncia do colega, que se compromete a repor oportunamente as horas nao trabalhadas. E muito grande a eficiéncia do sistema em iden- tificar 0 interesse da empresa como sendo interesse também do trabalhador. © empenho em reduzir gas- tos 6 geral. Nosso contato com os times de produgéo mostrou que os grupos funcionam realmente voltados Para a produtividade e para a qualidade, tendo orgu- tho em economizar tempo e dinheiro para a empresa, Sobre esse aspecto, colhemos o seguinte exemplo: tum operador mostrou o aumento da produtividade que seu time obteve ao propor & supervisao uma nova dis- posigaio do equipamento, Com a mudanca, 0 grupo, que era composto por cinco operadores, passou a funcionar apenas com quatro, diminuindo, ainda, em alguns segundos, 0 tempo de fabricagao da pega Esse operador mostrou da seguinte forma sua adesao 08 objetivos da empres Quanto mais a gente economizar em pessoal © tempo, mais a firma fatura e maior poder ser nossa bonificagao no final do ano (...) A vaga que encolheu no nosso grupo foi aberta em outro time, porque também a fébrica esta vendendo mais @ alguns setores estéo contratando mais gente (...) Assim, nosso colega nao foi despedido, mas apenas transterido (...) Cad. Pesa., n.99, nov. 1996 Essa entusiasmada expresso de identificagao com os objetivos da empresa é bem representativa das posigées assumidas pela quase totalidade dos quinze trabalhadores que entrevistamos e de cujos discursos extraimos 0 mosaico que expomos a seguir. ‘A VOZ DO TRABALHADOR Em nosso primeiro contato com a empresa, ja fomos informados que 0 acesso aos trabalhadores seria pos- sivel, mas ndo poderia ser demorado porque o ritmo da produgao e 0 tipo da organizagao nao permite au- séncias prolongadas do operador. Entrevistas fora do expedient ou na hora do almogo estavam vetadas, porque poderiam ser consideradas horas extras de trabalho @, assim, passiveis de reclamagao quanto a remuneragao. Mesmo com essas limitagées, conseguimos obter junto aos funcionérios importante gama de informa- gOes @ opinides que podem servir de indicador para a discuss4o do tema desta pesquisa. Tivemos liberdade para percorrer a fabrica (ape- ‘nas na companhia de um operador) e escolher quinze trabalhadores para entrevistas, que foram feitas indi- vidualmente e fora do alcance de qualquer ouvinte. Na explicagao sobre 0s objetivos da pesquisa, procu- ramos sempre deixar claro a Independéncia do traba- Iho e © sigilo das informagées ¢ opinides registradas. Todos os entrevistados pareceram muito descontral- dos para falar francamente sobre os temas enfocados. A preméncia do tempo fez com que nos concentrés- semos apenas nas seguintes questées: fa. qual a importdncia da aprendizagem escolar para o desempenho do trabalho; . condig6es do trabalho, opiniéo sobre a admi- nistrago participativa © comparagao entre a industria tradicional (laylorista-fordista) e a nova organizacéo do trabalho. Em seguida, transcrevemos alguns dos depoi- mentos que escothemos sobre cada tema. Sob alguns aspectos, a representatividade dessa escolha nao apresentou dificuldade porque um detalhado exame dos contetidos das entrevistas mostrou que a quase tolalidade dos nossos interlocutores expressou opi- rides altamente favordveis & nova organizagao produ- tiva. A maior dificuldade de interpretagéio dos depoi- mentos surgiu quanto a importancia da educagao es- colar para a realizagao do trabalho, havendo aqui al- gumas discordancias, que procuramos exempliticar no painel abaixo. a. Importancia da educagao escolar para a reali- zagao do trabalho. Depoimentos 5 que aprendi na escola 6 muito importante. Por ‘exemplo, inglés. Aqui o manual é em inglés, em- bora tenha também parte em portugués. Se eu nao tivesse algumas nogdes de inglés ia ficar di- fel. © curso técnico 6 essencial. Aprendi muita coisa basica que depois desenvolvi aqui. Olha, 0 importante a gente aprende aqui. Por exemplo, trabalhar com a maquina injetora. Fiz curso e 0 que aprendi vai me servir para trabalhar em qualquer lugar porque as bases das maquinas injetoras so sempre as mesmas. O que a gente aprende na escola nem sempre é itil para arran: jar emprego. Se a gente aprende a ler, escrever @ matematica até a 8 série jd é bastante para vir aqui e fazer 0 teste. O resto a gente aprende aqui. Eu, por exemplo, aprendi 0 CEP (Controle Estatistico do Processo) aqui e isso 6 0 mais importante. Hoje, quem nao sabe trabalhar com 0 CEP fica muito mais dificil para arranjar emprego. A escola 6 sempre importante. Quem nao tem di ploma — pelo menos até a 8 série — néo con- segue nada, Estou na faculdade fazendo 0 curso de Adminis- tragdo. Mas acho que é perda de tempo. O que estou aprendendo néo vai servir muito aqui. Con- tinuo como operador.. Nao 6 preciso fazer faculdade para progredir. Aqui se aprende a trabalhar com qualidade @ isso 6 mais importante para fazer carreira ou arranjar ‘emprego fora. Sob nossa avaliagao, a ténica dos depoimentos sobre a relagao trabalholescola foi um movimento pendular, em que, em geral, hé reconhecimento da importaincia da base escolar, mas enfatizando-se mui- to 0 aprendizado no trabalho. Todavia, a valorizagao do cardter apenas instrumental da escolarizagSo fica muito evidente. Neste ponto, a voz dos trabalhadores une-se & da geréncia, a qual também dé mais des- taque ao aspecto instrumental da educagao escolar. Os dois titimos depoimentos transcritos sao ilus- trativos do ceticismo de alguns universitérios sobre a uitiidade de seu curso para a sua carreira na empresa, b. Condigées de trabalho, opinides sobre a “ad- ministrago participativa” e comparagao entre a indus- ‘tia tradicional ‘taylorista/fordista’ e a nova organiza- 40 do trabalho. Essa gama de quest6es provocou_quase unanimi- dade de respostas. Alguns exemplos séo os seguintes: Aqui 6 muito bom. A gente participa das decisdes. Veja, tinham comprado uma luva muito dura, di- ficil de usar. Reclamamos e nés mesmos chama- mos 0s fomecedores @ um deles desenvolveu 26 uma luva especial para nés, que facilita o traba- Iho. Essa participagao dé muita satistagao. Nés mesmos damos idéias para melhorar as mé~ quinas. O sistema de exaustéo, por exemplo, foi modificado por nossa sugestdo. Isso 6 bom para todos (...) Eu gosto daqui. Aqui 6 diferente. Vocé entra e ndo bate cartéo @ sai e ndo 6 revistado. Estéo acreditando em mim. Em outra fabrica, se chego atrasado, perco sdbado e domingo. Aqui, falo “tive problema e cheguei cinco minutos atrasado". supervisor diz “repée na saida’. Eles contiam em mim e eu confio neles, Eu mesmo marco minhas horas extras. ‘Aqui todo mundo veste © mesmo uniforme. Desde © gerente-geral até 0 operador. Nao tem essa de pessoal engravatado @ pessoal de macacao... E @ gente chama 0 gerente-geral de "voce". Nada de ‘coutor" ou "senhor’. Nao se vé isso em outro lugar. Aqui s6 tem vantagem. Jé trabalhei em fébrica pequena e esta aqui € muito melhor. O salério compensa (..) A Ginica voz discordante, que registramos, foi a seguinte: Um dos agravantes que vejo aqui é que a gente fem o encargo, mas nao a funcao. Veja... esto diminuindo o pessoal administrativo © quase 36 fi- cam os operadores, que fazem todo o trabalho administrative também, mas néo ganham para isso... Ndo somos nds que ganhamos bem, sao fas outras empresas que pagam muito mal. A absoluta maioria dos depoimentos colhidos pa- rece confirmar algumas das mais divulgadas conse- qUéncias posttivas do novo paradigma produtivo, ou seja: fa. ganhos na area de realizagao pessoal, tendo ‘em vista a ndo-exclusividade do trabalho manual, a atuagiio em alguns niveis de decisao, 0 exercicio da ctiatividade e a valorizago da participacdo na solugao dos problemas; b. ganhos quanto & auto-estima, ganhos esses associados no somente a possibilidade de realizagao pessoal, mas também a eliminagao de simbolos de hierarquia (como a adogdo de uniforme coletivo, a al- teragdo no nome da classificacao funcional — ou seja, ‘nao mais “operdrios”, mas “operadores” — e tratamen- to informal dos gerentes); c. ganhos na drea de responsabilidade pessoal confianga mitua, tendo por base a eliminagao de con- troles ostensivos, como cartées de ponto, controle de horas extras, revistas na hora da saida etc, Essa 6 a face mais visivel das transformagées produtivas em curso. Nossa preocupagao em levantar reverso da medalha. as contradig6es subjacentes aos fatos registrados Possibilta aprofundar a andlise no sentido de mapear lum conjunto de fatores que estamos chamando de “o reverso da medalha’, © REVERSO DA MEDALHA: A PRESSAO DESMOBILIZADORA, A INTENSIFICACAO DO TRABALHO, AS HORAS EXTRAS NAO REMUNERADAS, O RIGIDO CONTROLE INDIRETO E OS LIMITES DA “SOCIEDADE DO CONHECIMENTO” Nesse contexto de quase completa adeso aos obje- tivos empresatiais, tentamos veriticar junto A geréncia como se davam as relagdes entre a indistria e 0 sin- dicato de trabalhadores. Anotamos, entéo, 0 seguinto depoimento: \Nosso relacionamento tom sido trangtilo, mas jé howe dificuldades. Eles néo presiavam muita atengao om nds porque éramos pequenos, om: pregavamos pouca gente. Agora ja temos um ta- ‘manho considerdvel e eles se voltam para nés porque gostam de grandes mobilzagées, para fa- zer mais barulho... Mas aqui no podem ter quei- xas. Estamos acima da média do mercado quanto a salérios @ beneficios... Mesmo assim, houve pa- ralisagao (..) Houve adesao aqui, mas depois me disseram que 86 no entraram para trabalhar por causa dos piquetes. A grande maioria néo ‘ria aderir se ndo fossem os piquetes... Houve con- seqdéncias (..) porque nfo 6 justo prejudicar a produgéo em empresa que ouve consiantemente as reivindicagées (..) Chamamos e conversamos om os mais ativos (..) eles compreenderam (..) Um deles estava indicado para concorrer a uma promoeao (..) Explicamos que ele havia traido a confianga e que, naquele ano, nao poderia con- corer a vaga. Ele se disse arrependido e, de fato, ‘no ano seguinta foi muito colaborador e agora até 4 fol promovido (..) Tal depoimento tao elogiiente em evidenciar o Proceso de presséo desmobilizadora da organizacao dos trabalhadores que qualquer comentario podera ser julgado supérfiuo. Em um sistema que se preten- de baseado na confianga mitua © no qual os canais de comunicagao parecem estar sempre abertos, a po- cha de “treigao" a qualquer movimento reivindicatério surge como muito natural e é aceita pelos operarios. 0 fato de que a fabrica paga acima da média da regio © concede varios beneficios é inquestionavel, mas, evidentemente, nao elimina a necessidade de organizagao ampla dos trabalhadores para 0 exame mais a fundo das relagdes de trabalho’, Aliés, a affr- magao “nao somos nés que ganhamos muito bet mas sao as outras empresas que pagam muito mal”, feita por um funcionério, parece perfeita para retratar a situagao. Cad, Pesq., n.99, nov. 1996 De todo modo, julgamos que a postura da admi- nistragao retratada acima confirma a concluséo do Humphrey (1994), que, estudando a implementacao dos novos paradigmas, atirma: As companhias que usam JIT/TQC (Just in time, Total Quality Control) iréo, certamente, tentar fi- mitar as possibildades de agao coletiva, limitando 0 poder dos sindicatos e, simultaneamenie, tentar aumentar a disciplina exercida sobre trabalhado- res individuals @ grupos de trabalho no local de trabalho, Protestos coletivos individuais sao in imigos do JIT/TOC. (p.142) Outros aspectos das relagdes de trabalho na em- presa configuraram-se para nés como material fértil para analise no ambito das organizacdes dos traba- lhadores. Séo condigdes sempre tratadas por esses organismos © confirmadas no presente estudo. A enorme intensificagdo do ritmo da produgao, 0 aumen- to do stress funcional, a polivaléncia dos funcionérios que assumem fungdes administrativas, de controle de qualidade, de manutengao e de limpeza, sem obter ganhos proporcionais, € 0 consequente aumento do desemprego so algumas das faces perversas da nova organizacao. Nesse sentido, 0 depoimento do gerente-geral trouxe valiosos esclarecimentos: E verdade que, na atual organizagao, hé mais stress. O operador, quando fecha a maquina, nao encerra seu trabalho. Ele leva o problema para casa °, muitas vezes, no dia seguinte ele vem com alguma idéia, alguma soluga0. Desenha um dispositive @ propée mudanca no equipamento. Tudo isso ele faz em casa (...) 6 verdade, isso é mesmo trabalho néo remunerado... mas ele tem responsabilidade, tem que ajudar a resolver 0 pro- blema do time de produpéo... Como ja mencionamos, um funcionério resumiu, com a seguinte afirmagao, a situagao de polivaléncia e de trabalho nao remunerado: “a gente tem 0 encar- 90, mas nao a funeao. Por outro lado, a diluigao da hierarquia e a des- centralizagao de alguns tipos de decisao podem ser arroladas entre os aspectos mais engenhosos da or- sganizago. Além de grande economia alcangada em vista da eliminagao dos diversos setores (controle de pessoal, de manutengao preventiva, de qualidade da produgdo, de estoque de materiais), 0 envolvimento pessoal ¢ emocional do operério — nas atividades ad- Iministrativas, de concepgao @ de controle — empali dece a desproporcionalidade entre a amplitude das novas responsabilidades © 0 nivel salarial, mesmo acrescido de abonos. 4 Uma discusséo dif, mas esclarecedora, seria a compara- ‘980 entre (a) a altissima produtvidade da filial brasileira, os impostos, 08 pregos dos produtos aqui fabricados © 0s’ sa- lérios dos operarios locais e (b) a produtvidade da matiz, (0 imposios, os pregos @ os salarios pagos no exterior, 7 s limites da democracia também ficam mais cla- ros quando 0 gerente explica que, embora seja infor- mado 0 total de faturamento da empresa, ninguém sabe como é calculado 0 abono concedido. Nas pro- mogdes, mesmo que o time de produgéo possa of nar, a Ultima palavra 6 dada pela geréncia. Essa prer- rogativa inaliendvel foi a que prevaleceu ao ser vetada 1 promogao, recomendada pelo grupo, de funciondrio, que havia participado de movimento do sindicato. A auséncia de controles ostensivos do trabalho © da disciplina nao 6 de molde a iludir um exame mais atento das relagdes estabelecidas na fébrica. Na ver- dade, 0 controle grupal 6 muito mais eficiente do que © controle hierarquizado. A falha de qualquer um dos membros prejudica toda a equipe. Estando profunda- mente comprometides com um padrao elevado de ualiade @ com um ritmo intenso de produgao, 0 gru- po toma a iniciativa de colocar em cheque qualquer elemento desviante. A dirego pode tranguilamente delegar 0s controles porque detém 0 supracontrole nao somente material (salérios, beneficios, promo- g6es) mas, também, principalmente, aquele que diz Tespeito & cooptagao psicoldgica. O prazer de decidir (até um certo nivel), ser ouvido e a impressao de que participa de uma estrutura democratica, em que a hi rarquia esta diluida e os simbolos de poder sao es- camoteados, provavelmente cria um sentimento de Pertencimento e de realizagao que dificimente deixa brechas, no conjunto de funcionérios, para comporta- mentos de contestacao. Em décadas passadas, as teorias de relagdes hu- manas jé haviam preconizado a quebra de controles, ostensivos no trabalho e 0 desenvolvimento de rela- (ges que contassem com 0 autocontrole do operério com sua adesao aos objetivos da empresa. A nova organizago, no entanto, vai muito mais longe e con- segue que cada equipe de produgdo assuma respon- sabilidades @ tarefas que antes demandavam grandes investimentos financeiros e desgastes quanto as rela- ges de trabalho. Além disso, a presse do grupo pode acompanhar o trabalhador para além do posto de trabalho e mesmo além dos muros da fabrica, ox- tensdo essa que o controle centralizado na geréncia ‘empresarial nao consegue realizar. No entanto, para o trabalhador, o desgaste fisico emocional pode ser intenso. Ao ritmo acslerado da produgiio e as redobradas responsabilidades quanto ao fluxo e & qualidade, junta-se ainda a sobrecarga, de se tomar 0 controlador do comportamento do com- panheiro, sendo obrigado, as vezes, até a recomendar sua demissao. Fica, assim, minimizado 0 histérico confito que sempre se desenvolveu no local de tra- balho entre empresériosigerentes ou chefes e os tra- balhadores. A empresa estd em uma situagao confor- tével, resguardando-se de tais conflitos e colocando uma cunha na natural solidariedade entre pares. A ova solidariedade que se forma entre os operérios, 28 esta voltada para os interesses da producdo, ficando debilitada a identidade dos seus interesses espe- cfficos. Para os objetivos deste trabalho, toma-se impor- tante, ainda, destacar a questéo do desestimulo ao prosseguimento dos estudos em nivel universitario. Parece-nos ser esse um sintoma do fenémeno que estamos chamando de “limites da sociedade do co- Ahecimento”, Ou seja, a mudanca do paradigma pro- dutivo vern acompanhada de um discurso que preco- niza uma nova era para humanidade e para as rela- Bes de produgao, quando a educagao e 0 conheci- mento seriam “o eixo da transformago produtiva com eqiidade"®. De fato, os dados que aqui analisamos mostram que um conhecimento basico @ genérico 6 indispensavel para a incluso no modelo. Todavia, ha um limite claro para essa associagéo quando, confor- me registramos, 0 ingresso no 3? grau é destimulado pela empresa. Para a maioria, além das habilidades cognitivas e comportamentais fomecidas pela escola basica, o conhecimento transmitido na fabrica deve ser suficiente. Caracteriza-se, assim, a valorizagdo de um conhecimento meramente instrumental. Maior nivel de estudo pode perturbar a harmonia do modelo, por despertar ambigdes que dificilmente seréo concre- tizadas. Nesse contexto, julgamos oportuno recuperar al- gumas questdes colocadas por José Luis Coraggio (mimeo, s.d.), que tocam fundo a estrutura do discur- 80 otimista sobre as novas relagbes entre educagao @ produgdo. Pergunta Coraggio: Por que, sendo este um momento em que se des- troem os direitos humanos em nome de uma ra- 240 sistémica, sendo também um momento de demanda de informagao empirica precisa e, em todo caso, de conhecimento instrumental — tanto téenico como interpretativo dos processos cujos efeitos se experimentam —, coloca-se agora a defesa da educapao como um direito, sobre ba- ‘ses morais, @ como formagao universalista que transcends muito a necessidade imediata? bo) Em que medida isto responde a requisitos sisté- micos da economia (do mundo da produgao) ou as necessidades de legitimagao politica de um projeto econdmico excludente? Evidentemente, essas so questées para as quais ‘os dados de que dispomos nao podem dar resposta acabada, No entanto, nossos objetivos estardo alcan- ados se a andlise aqui desenvolvida contribuir para ampliar 0 debate. 5 Conforme documento da CEPALIUNESCO Educacién y co- ‘ocimionto:oj@ de fa transformacién productiva con equidad (1992) © reverso da medalha. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS CEPAL; UNESCO. Educacion y conacimiento: ee de ta vans- formacién productiva con equidad. Santiago: CEPALIUNES- CO, 1992, mimeo CORAGGIO, J. L. Economia y educacién en América Latina Equador: FLACSO, sd. mimeo FERRETTI, C. J. t al. Novas tecnologias, trabalho @ educagso: ‘um debate multcscipinar. Petrépols: Vozos, 1994. GITAHY, L. Na dlrepao de um novo paredigma de organizacao industrial? Minas Gerais, 1992. (Trabalho apresentado no XVI Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, out.1992), mimeo HUMPRHEY, J. A Questo da mao-de-obra @ os sistomas de produgae no Trcoito Mundo. 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