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conversas frequentes sobre os medos dele, mas podem nao passar tempo suficiente discutindo estratégias de compensagao. O pai realmente parece tentar encorajar a autonomia de Logan, mas, aparentemente, ele e a mae nao concordam em uma estra- tégia geral de corregio. A falta de apoio entre os pais pode ter contribuido para a manutengao dos problemas do menino. ‘Uma mudanga potencialmente impor- tante no DSM-5 foi a realocacao do transtor- no de ansiedade de separagao no capitulo sobre transtornos de ansiedade. No DSM- Ill eno DSM-IY, ele se situava no capitulo voltado para transtornos com inicio na in- fancia e adolescéncia. Entretanto, o trans- toro de ansiedade de separacao pode se estender até a idade adulta, de modo que a mae de Logan pode, ela mesma, estar so- frendo de transtorno de ansiedade de sepa- ragdo (bem como de seus outros transtor- nos de ansiedade). Os proprios temores de separagao da mae podem estar afetando 0 modo como ela cria seu filho e contribuindo para que a ansiedade dele se prolongue. Transtoros de Ansiedade 111 Leituras Recomendadas Bogels S, Phares V: Fathers’ role in the etiology, prevention and treatment of child anxiety: a review and new model. Clin Psychol Rev 28(4):539-558, 2008 Kessler RC, Berglund P, Demler O, et al: Lifeti- me prevalence and age-of-onset distributions ‘of DSM-IV disorders in the National Comor- bidity Survey Replication. Arch Gen Psychia- try 62(6):593-602, 20057 Majelandzic M, de Vente W, Feinberg ME, et ak: Bidirectional associations between coparen- ting relations and family member anxiety: a review and conceptual model. Clin Child Fam Psychol Rev 15(1):28-42, 2012 McLeod BD, Wood JJ, Weisz JR: Examining the association between parenting and childhood anxiety: a meta-analysis. Clin Psychol Rev 27(2):155-172, 2007 van der Bruggen CO, Stams GJM, Bégels SM: Research review: the relation between child and parent anxiety and parental control: a meta-analytic review. J Child Psychol Psychiatry 49(12):1257-1269, 2008 Caso 5.2 Panico Carlo Faravelli Maria Greco era uma mulher sol- teira de 23 anos que foi encaminhada para avaliaco psiquidtrica por seu car- diologista. Nos dois meses anteriores, ela esteve no pronto-socorro quatro vezes devido a queixas agudas de palpitagdes, 412 Casos Clinicos do DSM-5 falta de ar, sudorese, tremores e medo de que estava prestes a morrer. Cada um desses eventos teve inicio rapido. Os sin tomas chegaram ao Apice em minutos, deixando-a assustada, exausta e total- mente convencida de que havia recém tido um ataque cardiaco. As avaliagdes médicas realizadas logo apés esses epi- s6dios revelaram achados normais nos exames fisicos, sinais vitais, resultados laboratoriais, exames toxicoldgicos e ele- trocardiogramas. A paciente relatou um total de cinco ataques dessa natureza nos trés meses an- teriores, sendo que © panico ocorrera no trabalho, em casa e enquanto estava diri- gindo. Ela desenvolveu um medo persis- tente de ter outros ataques, 0 que a levou a tirar varios dias de folga, a evitar exerci- cios, dirigir e beber café. Sua qualidade de sono decaiu, assim como seu humor. Pas- sou a evitar relacionamentos sociais. Nao aceitava a tranquilizagao oferecida por amigos e médicos, acreditando que os exa- mes médicos resultavam negativos porque eram executados depois da resolugio dos sintomas. Continuou a suspeitar que hou- vesse algo errado com seu coragao e que, sem um diagnéstico preciso, morreria. Quando teve um ataque de panico durante © sono, finalmente concordou em consul- tar com um psiquiatra. Asra. Greco negou hist6ria de transtor- nos psiquidtricos anteriores, exceto uma ocorréncia de ansiedade durante a infancia que havia sido diagnosticada como “fobia da escola”. A mae da paciente havia cometido suicidio por meio de overdose quatro anos antes, com quadro de depressao maior re- corrente. Durante a avaliacao, a paciente estava morando com 0 pai e dois irmaos mais novos. Havia se formado no ensino médio, trabalhava como telefonista e nao estava namorando ninguém. Suas histé- rias familiar e social, fora o ocorrido, nao acrescentaram nada relevante. Durante 0 exame, a aparéncia da pa- ciente era a de uma jovem ansiosa, coo- perativa e coerente. Ele negou depressao, mas parecia receosa e estava preocupada em ter uma doenga cardiaca. Negou sinto- mas psicdticos, confusao e qualquer tipo de pensamento suicida. Sua cognigao es- tava preservada, o insight era limitado e 0 julgamento era bom. Diagnéstico + Transtomno de panico. Discussao A sra. Greco tem ataques de panico, os quais sao surtos abruptos de medo e/ou desconforto que atingem o auge em alguns minutos e so acompanhados por sinto- mas fisicos e/ou cognitivos. No DSM-5, 08 ataques de panico sao vistos como um tipo especifico de reag4o de medo e nao sdo encontrados apenas nos transtornos de ansiedade. Nesses termos, 0 panico é con- ceitualizado de duas maneiras no DSM-5. A primeira é como especificador de “ata- que de panico”, que pode acompanhar qualquer diagnéstico do DSM-5. A segun- da é como transtorno de panico, quando 0 individuo satisfaz os critérios mais restriti- vos para o transtorno. Asa. Greco parece satisfazer os varios critérios exigidos para transtorno de pani- co. Seus ataques de panico sao recorrentes e ela satisfaz a exigéncia de quatro dos 13 sintomas: palpitagdes, sudorese, tremores, sufocamento, dor no peito e medo persis- tente de morrer. O diagnéstico também requer que os ataques de panico afetem a pessoa entre os episédios. Ela ndo ape- nas se preocupa constantemente em ter um ataque do coragao (apesar dos exa- mes médicos e das garantias frequentes de que isso nao ocorrerd), mas também evita situagées e atividades que possam desencadear outro ataque de panico. Esses sintomas também precisam ter uma dura- 40 minima de um més (a sra. Greco vem apresentando os sintomas hé dois meses). O diagndstico de transtorno de panico também exige uma avaliagao engloban- do varias outras causas de panico. Entre elas estio medicamentos, doenga médica, substéncias de abuso e outros transtornos mentais. De acordo com sua hist6ria, essa mulher de 23 anos nao esté sob medicagio, nao tem doenca médica e nega o uso de substancias de abuso. Seus exames fisicos, eletrocardiogramas, resultados de exames laboratoriais de rotina e de exames toxi- coldgicos s40 normais ou negativos. Po- deria ser itil perguntar a sra. Greco sobre medicamentos complementares e fitoterd- picos, mas aparentemente seus sintomas tém origem psiquistrica. ‘Muitos transtornos psiquitricos estao associados com panico, de modo que a sra. Greco pode ter sido levada a ter ataques de panico por outra condigao. Ela relata uma histéria de ansiedade e “fobia social” na infincia, embora esses sintomas paregam estar em remissdo. Sua mae se matou qua- tro anos antes, quando apresentava quadro de depressio maior recorrente. Os deta- Ihes so desconhecidos. Um evento assim traumético sem diivida teria algum tipo de efeito sobre a sra. Greco. Na realidade, provavelmente hé dois traumas diferentes: 05 efeitos abruptos do suicidio e 0s efeitos mais antigos de ter uma mae cronica ou periodicamente deprimida. Uma investi- gaco mais aprofundada poderia se con- centrar sobre os eventos psicossociais que conduziram até esses ataques de panico. Por exemplo, a “fobia escolar” da sra. Greco pode ter sido a manifestagao de um transtorno de ansiedade de separagao que nao foi diagnosticado e seu panico recente pode ter se desenvolvido no contexto de namoro, exploracio sexual e/ou o distan- ciamento do pai e dos irmaos mais novos. Ela nao apresenta um padrao de panico em reagao a ansiedade social ou fobia es- pecifica, mas também nega que seus sinto- mas sejam psiquidtricos e, portanto, pode ndo reconhecer a ligacdo entre os sintomas de panico e outro conjunto de sintomas. Pode ser titil avaliar a sra. Greco quanto a Transtomos de Ansiedade 113 sensibilidade a ansiedade, que é a tendén- cia de encarar a ansiedade como danosa, e quanto a “afetividade negativa”, que éa inclinagao de vivenciar emocies negativas. Esses dois tragos da personalidade podem estar associados ao desenvolvimento de panico. Como certos agrupamentos de sin- tomas costumam nao ser reconhecidos espontaneamente pelos pacientes como sintomas ou agrupamentos de sintomas, seria til procurar mais especificamente por transtornos como transtorno do es- tresse pés-traumético e transtorno obses- sivo-compulsivo. Além disso, pode ajudar investigar a sequéncia de sintomas. Por exemplo,o panico da paciente parece ter le- vado a suas preocupagdes com uma possi- vel doenga cardiaca. Se essas preocupacdes antecederam panico, ela também pode ter um transtorno de ansiedade de doenga ou transtorno de sintomas somaticos. Os transtornos depressivo e bipolar s40 frequentemente comérbidos com 0 panico. Asta. Greco apresenta sintomas depressi- vos, incluindo ins6nia e preocupagaio com a morte, mas, fora isso, seus sintomas ndo parecem satisfazer os critérios para um diagndstico de depressao. Eles, no entanto, precisariam ser observados longitudinal- mente. A historia de depressio da mae nao apenas aumenta seu risco para depressao, como pode ocorrer de ela nao ter um bom insight sobre seus préprios estados emo- cionais. Também seria titil procurar espe- cificamente sintomas de transtorno bipo- lar. Episédios de mania e hipomania sao muitas vezes esquecidos por pacientes ou nao sao percebidos como probleméticos e um diagnéstico falho pode levar a um tra- tamento inadequado e a exacerbacao dos sintomas bipolares. Ademais, o desenvol- vimento de panico parece aumentar 0 risco de suicidio. Embora a investigagao necessite ser aprofundada, a sra. Greco realmente pare- ce ter um transtorno de panico. O DSM-5 sugere avaliar se 0 panico é esperado ou inesperado. Aparentemente, os ataques de 114 Casos Clinicos do DSM-5 panico iniciais da sra. Greco ocorreram em situagdes que podem ser vistas como es- tressantes, como enquanto estava dirigin- do ou trabalhando e, portanto, podem ou nao ter sido esperados. Seu tiltimo episs- dio, no entanto, aconteceu enquanto dor- mia, desse modo, seus ataques de panico seriam classificados como inesperados. O DSM-5 retirou a conexao que havia entre agorafobia e transtorno de panico. Eles podem ser comérbidos, mas agora se reconhece que a agorafobia pode se desen- volver em uma série de situagdes. No caso da sra. Greco, sua recusa expressa a diigir, fazer exercicios e consumir cafeina é mais bem conceitualizada como uma complica sao comportamental do transtorno de pa- nico em vez de um sintoma de agorafobia. Diagnéstico e tratamento precisos sao im- portantes para impedir que seus sintomas se tornem mais graves e cronicos. Leituras Recomendadas Faravelli C, Gorini Amedei 5, Scarpato MA, Faravelli L: Bipolar disorder: an impossible diagnosis. Clin Pract Epidemiol Ment Health 5:13, 2009 Goodwin RD, Lieb R, Hoefler M, et al: Panic at tackas a risk factor for severe psychopatholo- gy. Am J Psychiatry 161(12): 2207-2214, 2004 MacKinnon DE, Zandi PP, Cooper J, et al: Co- morbid bipolar disorder and panic disorder in families with a high prevalence of bipolar disorder. Am J Psychiatry 159(1):30-35, 2002 Caso 5.3 Timidez Adolescente Barbara L. Milrod Nadine era uma menina de 15 anos cuja mae a levou para uma avaliacao psi- quidtrica a fim de ajud4-la com a timidez que demonstrava hd tempos. Embora Nadine inicialmente estivesse relutante em falar muito sobre si mesma, afirmou que se sentia constantemente ten- sa. Acrescentou que a ansiedade era “muito forte” ha varios anos e que era frequente- mente acompanhada por episddios de ton- tura e choro. De modo geral, nao conseguia falar em nenhuma situacao fora de casa ou durante as aulas. Recusava-sea sair de casa sozinha por medo de ser forcada a interagir com alguém. Ficava particularmente ansio- sa na companhia de outros adolescentes, ‘mas também havia se tornado “nervosa de- mais” para falar com vizinhos adultos que ela conhecia hi anos. Disse que achava im- possivel entrar em uma lanchonete e fazer um pedido a um “estranho do outro lado do balcdo” por medo de passar vexame. Também estava constantemente de pronti- dao, devido a necessidade de evitar a pos- sibilidade de ser atacada, uma estratégia que realmente funcionava apenas quando estava sozinha em casa. Nadine tentou esconder sua ansiedade incapacitante dos pais, geralmente falan- do para eles que “simplesmente nao tinha vontade” de sair. Sentindo-se aprisionada e incompetente, Nadine disse que contem- plava o suicidio “o tempo todo” Ela sempre havia sido “timida” e alvo de gozacées durante o recreio desde que havia iniciado 0 jardim de infancia. As go- zagGes viraram bullying manifesto quando ela chegou a 8° série. Durante dois anos dificeis, diariamente, os pares de Nadine se voltavam para ela "como uma alcateia de lobos rosnando”, chamando-a de “idio- ta”, “feia” e "louca”. Nao raro, um deles a olhava nos olhos e dizia que seria me- Ihor se ela se matasse. Uma menina (a li- der da turma, que também havia sido sua amiga no primério) bateu nela uma vez, deixando-a com um olho roxo. Nadine nao revidou. O evento foi testemunhado por um vizinho adulto que o relatou a mae de Nadine. Quando a mae a perguntou sobre o incidente, ela negou, afirmando que ha- via “cafdo” na rua. No entanto, mencionou para a mae “casualmente” que gostaria de trocar de colégio, mas 0 modo como fez 0 comentério foi tao inusitado que, no momento, sua mae simplesmente desa- conselhou a mudanga. Nadine continuou sofrendo, chorando até dormir na maioria das noites. Cheia de esperangas, Nadine foi trans- ferida para uma escola de ensino médio especializada em artes. Embora o bullying tivesse parado, seus sintomas de ansieda- de se agravaram. Ela se sentia ainda mais incapacitada de ir a locais ptiblicos e cada vez mais envergonhada de sua incapacida- de de desenvolver o tipo de independéncia tipica de uma menina de 15 anos. Ela afir- mou que havia comegado a passar fins de semana inteiros “aprisionada” em casa e que tinha medo até mesmo de ir praga lo- Transtomos de Ansiedade 115 cal para ler sozinha. Tinha pesadelos todas as noites com os perpetradores do bullying de sua antiga escola. Sua preocupagao com suicidio aumentou. Seus pais pensavam que ela natural- mente deixaria de ser timida com a idade, buscando auxilio psiquidtrico somente de- pois de um professor perceber que sua an- siedade e seu isolamento social a estavam impedindo de participar das atividades extracurriculares e obter as notas necessé- rias para que fosse aceita em uma boa uni- versidade. Nadine descreveu sua mae como uma pessoa que fala alto, excitével, agressiva e “um pouco assustadora”. Seu pai era um advogado tributarista bem-sucedido que passava muito tempo no trabalho. Descre- veu-o como timido em situacées sociais (“ele € assim como eu”). Afirmou, ainda, que ela e o pai, as vezes, diziam brincan- do que o objetivo da noite era evitar que sua mae ficasse furiosa, e acrescentou que “unca quis ser parecida com a mae”. Diagnésticos * Transtorno de ansiedade social (fobia social) grave. * Transtorno de estresse pés-traumatico moderado. * Agorafobia grave. Discussao Nadine parece ter um temperamento ti- mido subjacente. Infelizmente, na légica infantil, criangas timidas costumam ser es- colhidas como vitimas. Se elas nunca apren- derem estratégias de defesa, o bullying pode aumentar, especialmente a partir do final do ensino fundamental e durante o ensino médio. Esse padrao pode levar adolescen- tes propensos a ansiedade e jé em grupo de alto risco a ficarem traumatizados por seus pares. Conforme se observa no caso de Na- dine, a intensidade dos sintomas de ansie~ dade eo isolamento social podem se combi- 416 Casos Clinicos do DSM-5 nar para aumentar 0 risco de pensamentos e comportamentos suicidas. Quando Nadine se consultou com um psiquiatra, seu sofrimento ja persistia ha anos e, aparentemente, ela havia desenvol- vido um conjunto de trés diagnésticos do DSM-5 que frequentemente séo comérbi- dos. Assim, ela apresenta ansiedade acen- tuada e excessiva com relacao a diversas situagGes sociais, inclusive com seus pares. Essas situagdes sempre evocam medo de passar vergonha e quase sempre sao evi- tadas. Portanto, ela satisfaz os critérios sintomaticos para transtorno de ansiedade social (fobia social). Como costuma ocorrer com criangas € adolescentes, os medos de Nadine assu- miram vida propria depois da experiéncia de bullying. Ela inicialmente evitava situa- des sociais que provocavam ansiedade, © que um aspecto de seu transtorno de ansiedade social. Contudo, essa ansiedade aumentou gradativamente e explodiu, de modo que ela comesou a entrar em panico até mesmo quando tentava sair de casa so- zinha. Quando ficou constantemente inca- paz até mesmo de ir A praca local sozinha, pode-se afirmar que desenvolveu um se- gundo diagnéstico do DSM-5: agorafobia, Essa expansao é tao comum entre criangas e adolescentes que estudos contempora- neos de tratamento tendem a concentrar as intervengdes em uma gama de transtornos de ansiedade definidos pelo DSM em vez de em um tinico transtorno. Deve-se considerar ainda um terceiro diagnéstico do DSM-5 para Nadine: trans- torno de estresse pos-traumatico (TEPT). Ela passou por uma experiéncia intensa e prolongada de bullying, a qual & bastante traumética, especialmente quando a crian- ¢a é socialmente isolada e passa por um pe- riodo vulnerével de desenvolvimento. Para satisfazer os critérios do DSM-5 para TEPT, Nadine deveria manifestar sintomas clini- camente significativos durante um periodo minimo de um més em quatro dreas dife- rentes: intrusio (0s pesadelos, que ela rela- ta ocorrerem todas as noites); esquiva (dos pares); alteracdes negativas na cognigao e no humor (opinides exageradas e negativas sobre si mesma); e alteragées de excitabili- dade e reatividade (sempre de prontidao). Como alguns desses sintomas também podem se referir & fobia social de Nadine, faz-se necessério 0 uso de discernimento clinico para evitar um diagnéstico de TEPT excessivo. Mesmo assim, as duas condigdes realmente parecem ser comérbidas no caso de Nadine. E importante explorar também a possibilidade de que esses sintomas de ansiedade possam ser atribuiveis a uma condigao médica nao psiquidtrica ou uso de medicamentos ou substancias, mas ne- nhuma dessas possibilidades parecem es- tar envolvidas no caso de Nadine. Vale relembrar que, quando se avalia © tipo de trauma adolescente que Nadine vivenciou, embora outras criancas costu- mem ser os agentes de bullying, os profes- sores e administradores contribuem para 0 problema ao deixarem de prestar atengio adequada a dindmica das interagdes esco- ares, 0 que parece ser verdade no caso de Nadine. Além disso, seus pais pareceram ignorar sua situagdo desesperadora até fi- carem preocupados com sua admissao na universidade. Vale também reconhecer que a mae de Nadine é uma mulher de temperamento explosivo e comportamento espalhafa~ toso, a quem Nadine tem evitado “inco- modar” desde o inicio da infancia. Esse relacionamento fragil entre mae e filha provavelmente desempenhou um papel importante na formagao da timidez de Nadine. O medo das explosdes da mae, por exemplo, pode ter contribuido para a sensacio persistente de que ela nao esta- va em seguranca e pode té-la impedido de desenvolver as estratégias que precisava para conseguir se impor. No decorrer da avaliagao psiquiatrica, talvez faga sentido falar com Nadine sobre a possibilidade de que o insucesso em se defender do bullying esteja relacionado a seu desejo intenso de ndo ser nem um pouco como sua mie, es- palhafatosa e amedrontadora Leituras Recomendadas Walkup JT, Albano AM, Piacentini J, et al: Cog- nitive behavioral therapy, sertraline, or a Transtomos de Ansiedade 117 combination in childhood anxiety. N Engl J Med 359(26):2753-2766, 2008 Caso 5.4 Medo de Voar Katharina Meyerbroker Olaf Hendricks, um empresé- rio de 51 anos, se apresentou ao consul- tério de um psiquiatra com a queixa de incapacidade de viajar de aviao. Sua tinica filha havia recém dado a luz e, embora ele quisesse desesperadamente conhecer a pri- meira neta, nao conseguia pegar um aviao e atravessar o Atlantico para visité-la. Aansiedade de voar do paciente havia comegado trés anos antes, quando estava em um aviéo que pousou durante uma tempestade de neve. Havia voado dois anos antes e relatou que chorou duran- te a decolagem e durante a aterrissagem. Outra incidéncia fora com a esposa no ae- roporto, um ano antes da avaliacao, para ir ao casamento da filha. Apesar de ter bebido uma quantidade significativa de Alcool, o sr. Hendricks entrou em panico e se recusou a entrar no avido. Depois dessa tentativa frustrada, comegou a sentir uma ansiedade intensa sé de pensar na possibi- lidade de voar, de modo que a ansiedade o levou a recusar uma promogio no trabalho e uma oferta de emprego de fora porque ambas exigiam viagens de negécios. O sr. Hendricks descreveu tristeza e arrependimento desde que percebeu sua limitagio, mas negou outros sintomas neurovegetativos de depressio. Havia au- mentado seu consumo de Alcool para trés copos de vinho todas as noites, a fim de “relaxar”. Negou hist6ria de complicagdes com Alcool ou sintomas de abstinéncia. Também negou histéria familiar de proble- mas psiquidtricos. Negou ansiedade em outras situagdes, indicando que seus colegas 0 viam como um empresirio arrojado e de sucesso que conseguia “facilmente” fazer discursos na frente de centenas de pessoas. Ao ser ques- tionado especificamente, relatou que, na infancia, ficava “petrificado” com medo da possibilidade de ser atacado por algum animal selvagem. Esse medo 0 levou a se recusar a viajar com a familia para acam- par ou mesmo a fazer caminhadas no cam- po. Jé adulto, afirmou que nao tinha medo 418 — Casos Clinicos do DSM-5 de ser atacado por animais selvagens por que morava em uma cidade grande e, nas férias, viajava de trem para outras grandes dreas urbanas. Diagnésticos * Fobia especifica situacional (andar de avido). + Fobia especifica, animais. Discussao O sr. Hendricks apresenta uma ansieda- de de voar tao intensa que nao entra em avides mesmo quando fortemente motiva- do. $6 a ideia de avides e aeroportos Ihe causa sofrimento significativo. Esse medo é persistente e causou comprometimento funcional significativo. Portanto, ele sa- tisfaz os critérios diagnésticos para fobia especifica. © DSM-5 também inclui espe cificadores para descrever a fobia. No caso do sr. Hendricks, 0 estimulo fébico é voar de aviao, o que pode ser codificado como especificador “situacional” (outros estimu- los situacionais comuns sao elevadores e locais fechados). ‘A maioria das pessoas com fobia espe- cifica teme mais de um objeto ou situagao Embora o sr. Hendricks inicialmente tenha negado outros tipos de ansiedade, ele des- creveu um medo extremamente angustian- te de ser atacado por animais selvagens quando era mais jovem. Esse medo o levou a evitar acampamentos e caminhadas no campo. Atualmente vive em um ambiente urbano onde dificilmente encontraré um animal selvagem, mas 0 DSM-5 permite um diagnéstico de fobia especifica mesmo com pouca possibilidade de se deparar com 0 estimulo fébico. Do ponto de vista clinico, revelar essas fobias é importante, porque a esquiva pode nao apenas causar um sofri- mento e disfungao dbvios (como a incapa- cidade de voar que impossibilita visitar a familia ou desempenhar fungdes no traba- Iho) como também levar a decisdes de vida que podem nao ser totalmente conscientes (medo de animais selvagens levando a es- quiva sistematica de areas nao urbanas). Além de animais e situagGes, ha uma série de outras categorias de estimulos fébicos. Entre eles estao o ambiente natu- ral (p. ex,, altura, tempestades), sangue- -injegao-ferimentos (p. ex., agulhas, pro- cedimentos médicos invasivos) e outros estimulos (p. ex., sons altos, pessoas fan- tasiadas). A fobia especifica é frequentemente co- mérbida com outros transtornos de ansie- dade, bem como com transtornos depres- sivos por uso de substdncia, de sintomas somaticos e da personalidade. O sr. Hen- dricks nega que seu uso de alcool cause sofrimento ou disfungio, de forma que ele nao parece satisfazer os critérios para um transtorno do DSM-5 dessa natureza, mas uma investigagao mais aprofundada pode- ria indicar que seu habito de beber todas as noites pode estar causando problemas em algum aspecto de sua vida. Se vier & tona que a fobia de voar é sintoma de ou- tro transtorno (p. ex., uma manifestagio de agorafobia), entao 0 outro transtorno (a agorafobia) seria o diagnéstico do DSM-5 mais acertado. Essa apresentagao, contu- do, sugere que o st. Hendricks tem fobia especifica razoavelmente classica. Leituras Recomendadas Emmelkamp PMG: Specific and social phobias in ICD-11, World Psychiatry 11 (suppl 1):93- 98, 2012 LeBeau RT, Glenn D, Liao B, et al: Specific pho- bia: a review of DSM-IV specific phobia and preliminary recommendations for DSM-V. Depress Anxiety 27(2):148-167, 2010 Zimmerman M, Dalrymple K, Chelminski I, et al: Recognition of irrationality of fear and the diagnosis of social anxiety disorder and specific phobia in adults: implications for criteria revision in DSM-5. Depress Anxiety 27(11):1044-1049, 2010 Transtoros de Ansiedade 119 Caso 5.5 Sempre Nervosa Ryan E. Lawrence Deborah L. Cabaniss Peggy Isaac era uma auxiliar ad- ministrativa de 41 anos encaminhada para avaliag&o ambulatorial por seu clinico ge- ral com a seguinte queixa principal: "Estou sempre nervosa”. Ela vivia sozinha e nunca havia casado nem tido filhos. Era a primeira vez que se consultava com um psiquiatra. A sra. Isaac estava vivendo com seu namorado, com o qual estava ha muitos anos, até oito meses antes, quando ele in- terrompeu o relacionamento repentina- mente para ficar com uma mulher mais jovem. Em seguida, a sra. Isaac comegou a ficar angustiada com as tarefas cotidia- nas e com a possibilidade de cometer erros no trabalho. Sentia-se atipicamente tensa e cansada. Tinha dificuldades em se con- centrar. Também comecou a se preocupar excessivamente com dinheiro e, para eco- nomizar, mudou-se para um apartamento mais barato em um bairro menos agradé- vel. Buscava apoio repetidamente dos co- legas de escritério e da mae. Parecia que ninguém conseguia ajudé-la, de modo que ela temia ser “um fardo”. Durante os trés meses anteriores 4 ava- liacdo, a sra. Isaac comegou a evitar sair 4 noite, temendo que algo ruim acontecesse e no conseguisse ajuda. Mais recentemente, passara a evitar sair durante o dia também. Além disso, sentia-se “exposta e vulnerdvel” ao caminhar até a mercearia a trés quadras de distancia, entéo parou de fazer compras. Depois de descrever que havia descoberto como usar uma tele-entrega de alimentos, acrescentou: “E ridiculo. Sinceramente, acho que alguma coisa horrivel vai acontecer nos corredores do mercado e ninguém vai me ajudar, entao nem entro”. Quando esté em seu apartamento, frequentemente relaxa e aprecia um bom livro ou um filme. Assra. Isaac afirmou que “sempre fui um pouco nervosa”. Durante grande parte de sua permanéncia no jardim de infancia, chorava descontroladamente quando sua mae tentava deixé-la na escola. Relatou ter se consultado com um orientador psicolé- gico aos 10 anos de idade, durante o divér- cio dos pais, porque “minha mae achava que eu estava carente demais”. Acrescen- tou que nunca gostou de ficar sozinha e ti- nha namorados constantemente (as vezes mais de um ao mesmo tempo) desde os 16 anos. Explicou: “Eu odiava estar solteira e sempre fui bonita, entao nunca ficava sem. namorado durante muito tempo”. Mesmo assim, até 0 rompimento recente, afirmou que sempre achava que estava “bem”. Era bem-sucedida no emprego, cortia todos os dias, mantinha uma s6lida rede de amiza- des e nao tinha “queixas de verdade”. Durante a entrevista inicial, a sra. Isaac disse que havia ficado triste durante algu- mas semanas depois que 0 namorado a havia deixado, mas negou que tivesse se sentido sem valor, culpada, desesperanga- da, com anedonia ou suicida. Afirmou que seu peso continuava constante e seu sono 120 Casos Clinicos do DSM-5 estava bom. Negou mudangas psicomoto- ras. Descreveu ansiedade significativa, no entanto, com 28 pontos no Inventario de Ansiedade de Beck, o que indica ansieda- de grave Diagnéstico * Transtorno de ansiedade generalizada. Discuss&o Asra. Isaac se tornou nervosa, cansando-se com facilidade e ficando excessivamente preocupada durante os oito meses seguin- tes ao rompimento de seu relacionamento amoroso. Ela tem dificuldades de concen- tragdo. Suas preocupagdes causam sofri- mento e disfungio ea levam a buscar apoio constantemente. Embora alguns desses sintomas também possam ser atribuiveis a um transtorno depressivo, ela ndo apresen- ta a maioria dos outros sintomas de uma depressio maior. Em vez disso, a sra. Isaac satisfaz os critérios do DSM-5 para trans- torno de ansiedade generalizada (TAG). Mais agudamente, a sra. Isaac desen- volveu uma ansiedade intensa de sair do apartamento e entrar no supermercado lo- cal. Esses sintomas sugerem que ela pode satisfazer os critérios do DSM-5 de agora- fobia, 0 qual exige temores e esquiva de, pelo menos, duas situacdes diferentes. Contudo, os sintomas de agorafobia per- sistiram por apenas alguns meses, o que é menos do que os seis meses exigidos pelo DSM-5. Se o médico julgar que 0s sintomas de agorafobia justificam atengao clinica, a sra. Isaac também pode receber um diag- néstico adicional de “transtorno de ansie- dade nao especificado (agorafobia com du- racao inadequada de sintomas)”. Além de estabelecer um diagnéstico do DSM-5, também é importante levar em consideracao 0 que pode ter precipita- do 0 TAG da sra. Isaac. Embora nao seja possivel ter certeza do porqué de alguém desenvolver um transtorno do humor ou de ansiedade, considerar os estressores psicossociais que sejam coincidentes com © inicio dos sintomas pode ajudar na for- mulacao, estabelecimento de objetivos e tratamento. Neste caso, a sra. Isaac desenvolveu sintomas agudos de ansiedade depois do rompimento com 0 namorado e da mu- danga para outro apartamento. Esses dois eventos foram agudamente perturbado- res. A proxima parte da resposta a “por que agora?” envolve refletir sobre a forma como 0s estressores se relacionam com as questdes presentes hé mais tempo na vida da sra, Isaac. Ela indicou que “nunca ficou solteira por muito tempo” e forneceu uma histéria de dificuldade em lidar com sepa- rages que se iniciou durante a infancia. Aansiedade desencadeada por separacao pode sugerir problemas de apego e acre- dita-se que estilos adultos de apego este- jam ligados aos primeiros relacionamentos do individuo. Aqueles com seguranca de apego conseguem formar relacionamentos intimos com outros, mas também conse- guem tranquilizar e regular a si mesmos quando estdo sozinhos. Individuos com inseguranga de ape- go, em contrapartida, podem se ligar for- temente a entes queridos, ficar incapazes de se autorregular quando esto sozinhos e ter sentimentos ambivalentes com rela- cao as pessoas das quais sao dependentes. Por essa linha de raciocinio, pode-se esta- belecer a hipdtese de que a sra. Isaac tor- nou-se sintomética devido a um estilo de apego inseguro ligado ao relacionamento inicial que tinha com a mie. Pistas de que este seja 0 caso incluem 0 sentimento da mae de que a sra. Isaac es- tava “carente demais” durante o divércio € os sentimentos ambivalentes sobre as tentativas de sua mae de Ihe proporcionar apoio. Ajudaria entender melhor os pri- meiros relacionamentos da sra. Isaac e 0s tipos de padroes problematicos de apego que se desenvolveram durante os relacio- namentos amorosos. Tais padrdes prova- velmente sejam recapitulados durante 0 relacionamento terapéutico, onde eles po- dem se tornar 0 foco do tratamento. Leituras Recomendadas Blanco C, Rubio JM, Wall M, et al: The latent structure and comorbidity patterns of ge- Transtornos de Ansiedade 121 neralized anxiety disorder and major de- pressive disorder: a national study. Depress Anxiety June 14, 2013 [publicagio eletronica anterior ao prelo) Stein DJ, Hollander E, Rothbaum BO (eds): ‘Textbook of Anxiety Disorders, 2nd Edition. Washington, DC, American Psychiatric Pu- blishing, 2009 Caso 5.6 Ansiedade e Cirrose Andrea DiMartini Catherine Crone UM servico de ligacao psiquidtrica para transplantes foi acionado para avaliar Ro- bert Jennings, um homem branco casado de 50 anos, em relagaoa um transplante ortot6- pico de figado no contexto de dependéncia de Alcool, cirrose avangada, sem historia psiquidtrica anterior. Varias semanas antes, ele havia sido internado com hepatite al- coblica aguda e diagnosticado com doenga hepatica terminal. Receitou-se prednisolo- na, 40 mg por dia, para o tratamento da he- patite alcodlica. Antes dessa internacao ele no estava ciente de que seu consumo de Alcool estava causando danos graves & sua satide e ficou chocado ao descobrir que pre~ cisaria de um transplante de figado. Depois da alta, deu inicio a um programa de trata- mento de adigao obrigat6rio para que pu- desse entrar na lista de espera para 0 pos sivel transplante. A equipe de transplante solicitou uma consultoria psiquidtrica de- pois que a familia do paciente manifestou preocupacio de que ele recentemente havia se tornado irritavel e ansioso e parecia estar tendo dificuldade de lidar com as exigén- cias para o transplante. O clinico geral do sr. Jennings recentemente havia receitado alprazolam, 05 mg, conforme necessério, para ansiedade. A medicagao ajudou no ini- cio, mas depois de varios dias, sua familia percebeu que ele parecia mais irritavel, le- targico e esquecido. Durante a entrevista, 0 paciente afir- mou que sentia-se cansado ha meses an- tes do diagnéstico e que a fadiga havia prejudicado sua capacidade de trabalhar fazendo entregas para uma companhia de remessa de cargas. Embora 0 diagndstico

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