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OLIVA, Acseabs (oae:). E pidaaecin: a ciemlipivionne GES = Oa Gue WAYS Papeus, J990. Capitulo I~ A HEGEMONIA DA CONCEPCAO EMPIRISTA DE CIENCIA A PARTIR DO NOVUM ORGANON DE _F. BACON Alberto Oliva ((UFRI/CNPQ) The lame in the path outstrip the swift who wandar from it.. Since, however, tnuh emerges more readly from error than confusion Francis Bacon? A partir das reviravoltas ocorridas na metaciéncia posterior: aos anos 30, foi ficando cada vez mais claro que aquilo que se tendera, durante muito tempo, a caracterizar como a racionalidade funcional da cigneia nfo passava de uma questiondvel spropriagao empirisia metadiscursiva dos contetidos explicativos forjados pelas diversas cién- cias particulares. Os cinones de investigagio que vinham sendo pro- ‘postos pelas vertentes empiristes despontam, a partir de certos estudos historicos, em franca dissonancie com os procedimentos ustalmente empregados em processes especificos de pesquisa. Comeca-se a notar que 0 discurso metodolégico empirista tradicional encerra uma norme- tivizacio constantemente defasada, com suas prescrigdes revelando-se freqiientemente incapazes de apreender ¢ justificar » riqueze das mu tages histéricas verificadas no ambito dos sistemas de producto de conhecimento natural. Constate-se também a insustentabilidade dos ismos metacientificos — por exemplo, observacionalisno, indutivismo — por tenderem a absolutizar o valor funcional, por exempto, da observagio no processo de constituigao ¢ justificago de teorias. Almejamos, no contexto deste trabalho, identificar os tragos dis- tintivos da concepsao de ciéneia proposta por F. Bacon especificando de que modo pascaram a integrar uma visio amplamente aceita de 1, Francis Bacon, Novum Organon, Chicago/Londres, Encyclopedia Brittanics, 4955, aforismos 61 (Livro I) ¢ 20 (Livro 11), pp. 113 © 150. it cigncia geradora de uma longa hegemonia metacientifica *. Intentare- ‘mos, outrossim, arrolar as principais critices dirigidas aos pilares do modo empirista de edificacao da cientificidade para que fique eviden- ciada a natureza do empenho contempordneo de superar suas mais notérias deficiéncias A partir do século XVII os trabalhos dedicedos & questéo meto- dolégica manifestam propensao a creditar @ superioridade explicativa da ciéneia, por oposigao as pseudocitncias e & especulacio, ao fato de se devotar, a meticulosas ¢ rigoroses observacies* a partir das quai se formam, via indusio, teorias fatualmente enraizadas. O racionali mo, com sua tendéncia a caracicrizar as ciéncias como sistemas deduti- vos, nao exerceu tanta influéncia sobre o discurso metodolégico corren- te em virtude de jamais ter dado proeminéncia & problemética do estabelecimento de linhas divisGrias entre o metaffsico € o cientffico *. 2. Quando falamos em hegemonia do ideal empirista de ciéncia nos reportames, 0 fato de ter historicamente dominado 0 discurso metacienifico, ou seja. © gue se tem proclamado sobre a cigacia, © que se tom tendido a caracterizar ‘como seu método. Reportamo-nos também a0 fato de Bacon ter sido histo- icamente superestimado como epistemélogo. Voliaire, bem como. Rouseat, chega a afirmar que “ninguém antes de Lord Bacon mostrou-ce tio famili rizado com a filosofia experimental". Marx e Engels, em A Sagrada Familic, earacterizam Bacon como “o verdadeiro fundador do materialismo ingles ¢ de toda a citncia experimental moderna". As opinides desfavoriveis (Whewell. por exemplo, considerava indteis or preceitos baconianos) niio conseguiram comprometer soa forca hegeménica adquirida « partir do mo- ‘mento em aue se ims como uma expécie de inevitivel« natural comeepsso 3. KR. Popper (The Poverty of Historictom, Londres, Routledge and Kegan Paul, reeciggo de 1976, p. 131) assinala corretamente que"... 08 emph leses, de Bacon em diante, concebiam as cigncias como centradas nna atividade de coleiar observagies a partir das quais sS0 obtiday genera lizagsee via indusio.” 4. Na Carta do Autor em Les Prineipet de 1a Philosophie, Descartes afirma: “Desse modo, toda & filosofia é como wma frvore cujas raizes so a met sca, 0 twonco € a fisica e os ramos que saem desse tronco sio todas as Outras incias”. H. Butterfield (Le Origin! della Scienze Moderna, trad. de Alberto 1zzo, Bolonha, Il Mulino, 1962, pp. 116-117) faz a seguinte observacio his- totiogrifica: “na época de Newion, e em pleno século XVIII, eclodiw uma controvérsia entre a Escola Inglesa, que foi em geral identificada com 0 método empirico, € a Escola Francesa, que exaltava Descartes e tendia a adotar © método dedutivo. Todavia, na metade do século XVI, a Escola Francesa, com um charme que devemos caracterizar como mediterrineo, so s6 se submete & concepsio inglesa, come também na sua famosa Ency 12 na ao problema da demarcacdo pareceu por muito tempo dbvia € inguestiondvel: T Compreendi porque a equivocada teoria da ciéncia que tem do minado a cena desde Bacon — segundo a qual as ciéncias ne- \ turais sio ciéncias indutivas € a indugo € um processo de estabe- lecer ou justificar teorias através de observagBes ou experimentos repetidos — estava profundamente arraigade. A razio era a de que os cientistas tinham de demarcar suas atividades da pseudo- ciéncia, assim como da teologia e da metafisica, ¢ tinham tomado emprestado de Bacon 0 método indtivo como critério de demar- engao * ‘A viggnela de tal critério de demarcacdo fez com que 2 observa- Ho tendesse a ser encarada como a tnica forma de refrear nosso pendor ao especulativismo fatualmente vazio e de garantir a posse de tum conhecimento que, por se basear na “légica” intrinseca dos fend- menos, pode atuar sobre a natureza transformando-a semsre que pos- sivel ¢ desejével ® Em clara discordincia com as mundividéneias antes prevalecentes, a genuinidade epistemolégica passa a ser inextricavel mente associada & vocagio praxiolégica*. E interessante notar que clopédie a cla aderiu de modo decisive colocando Bacon num pedestal...” ‘A. Koyeé (Estudos de Hisvdria do Pensamento Cientifico, tnd. de Marcio Ramatho, Rio de Taneira, Forense Universitéria/Editora Universidade de Brasilia, 1982, p. 16) assiaula que. “Bacon era moderno quando a maneira e pensar era empirista. Mas nfo“€ 9 mais, numa época de ciéncia cada vez mais matemética, como a nossa. Hoje, é Descartes que é considerado © primeira fil6wofo moderno. Assim, em cada periodo blstérico + 2 cada momento da evolucto, a propria historia esti por ser reesctita © a pesquisa sobre nossos ancestrais esti por ser empreendida de maueira diferente”. 5. Karl Popper, “Autobiography”, in: The Philosophy of Karl Popper, Tinois, ‘The Open Court Publishing, 1974, p. 62. 6. E. A. Burtt (The Metephysical Foundations of Modern Physical Science, Londres, Routledge and Kegan Paul, reedi¢io de 1980, p. 168) assinala que 4 influéncia da énfase baconiana a dimensio praxioldgica se faz notar na importincia que cientistas como Boyle passam a conierir ao controle pratico da natureza. 7. Paolo Rossi (Los Fildsofor y las Méquinas. 1400-1700, trad. ée Yost Manuel G. de In Mora, Barcelona, Labor, 1966, p. 81) ressalta que “Toda a obra de Francis Bacon esté empenhada em substituir uma gyltura de tipo rebrico- 1a ouira de tipo (denico-cientifiea. Baton ten perfelia cons: ‘ reelizegio desse programa de reforma supde uma rupture com a tradigko ¢ est firmemente convencido de duas coisas: de que para cansumar tal rompimento & nevessirio submeter a um exam> histérico a ivilizagdo do pastado e de que tal rompimento tem que ver ndo s6 com © 43 ‘as duas quesiées fundamentais com as quais se envolve o discurso me- todoldgico moderno de extrac3o empirista — O que torna a cigncia conhecimento genuino conferindolthe eficécia praxiolbgica*? Como Gistingui-la de outros projetos cognitivos como a metafisica? — recebem praticamente uma mesma resposta. A adocao de seguros procedimen- tos observacionais assegura que estamos conhecendo algo sobre que podemos ter alguma forma de controle instrumentalizador do poder humano sobre as “coisas”; © essa démarche cognitiva situa-se nos antipodas do especulativismo prisioneiro da apraxia antecipadora que, em sua insciéncia, concebia o mundo sub specie aeternizatis ¢ se enre- dava em intermindveis querelas aporéticas ™. Convém, de safda, ter presente que a observaco ¢ a indugio, no interior desse discurso metodolégico que se torneré hegeménico, sa0 ambivalentemente apresentadas como 0 gue fazem © como o que devem fazer os sistemes explicativos que pretendam ser cientificos. Aliés, 0 discurso do método, que emerge com a filosofia moderna, tenta se legitimar tanto como humilde descriedo do que se passa no campo da pesquisa cientifica quanto como a incisiva regulamentagao de como modo de pensar, mas também como modo de viver dos homens, com sua atitude pars com o mundo da natursza ¢ para com a tradigio cultural. O tipo de discurso elaborado no mundo cléssico pressupde, no entender de Bacon, a superioridade da contemplagio em comparagio com a ago, & superioridade da resignacio diante da natureza sobre a conquista da natu: 8. Assumindo postura diferente da de Paolo Rossi, Koyré (op. cits p. 67) sustenta “no acreditar que 0 nascimento eo desenvolvimento da ciéncia, moderna possam explicar-se pelo fato de que 0 espitito se tenha desviado a teoria para a praxis. Sempre pensei que casa explicagso nfo cancordava com 0 verdadeiro desenvolvimento do. pensamento cientifieo, mesmo 0 sgeulo XVITT". Koyré vé a énfase i prisis mais como um lema de Bacon do que de Galileu e Descartes (p. 153). Chega a deciarar: “O ‘ativisma’ da cigacia moderna, tio bem observado — sclentia activa, operativa —€ 130 ‘mal interpretado por Bacon, no € senio 2 contrapartida de seu desenvol vvimento tebrico” (p. 272). 9. Bacon (aforismo 73, p. 117) afirma: “Ora, dos sistemas criados pelos ‘gregos, © de suas divises subordinadas em particulares dominios de inves- tigacto cientfica, no teve origem um dinico experimento com condigdes de contribuit pera guxiliar ou melhorar a situacfo humans..." 10. Em diversos sforismos (como, por exemplo, © 76) Bacon aevea os sistemas Fiosificos precedentes de se terem envolvido em impraficuas disputas in viabilizadoras da pesquisa cooperativa cuja finalidade nfo é esgrimir pala- vras da forma retorica mais sofisticada, e sim propiciar o efetive controle das “realidades” investigadas, 14 devemos agir se pretendemos obter auténtico conhecimento suscetivel de plena justificacdo. No ha diivida de que a cpistemologia sempre viveu entre o Cila do descritivismo ¢ 0 Caribde do prescritivismo ™. © discurso metodolégico ora tenta se justificar como mero registrador do que supostamente constata em processos especificos de pesquisa fora se define como um conjunto de prescrigbes capazes de incrementar independentemente de como # ciéncia vem Sendo praticada, © procesto de crescimento da ciéncia pela provisto de um aparato de justificagio rigorosamente confidvel. No entanto, esse confronto entre descritivismo e normativismo é, de um ponto de vista Wégico, mais aparente que real; mesmo porque o enfoque descritivista acaba, no fundo, se mostrando tacitamente vinculado a pressupostos normativi- zadores. © descritivismo ao se sentir autorizado a generalizar as con- dutas acompanhadas, pela observacio de alguns casos reputados exem- plares, como se representassem a racionalidade cientifica an sich resva- Ja para um tipo especial de normativismo. J4 0 prescritivismo, cons- ciente de que os cfnones de investigacdo propostos ndo tém como deixar de encerrar alguma forma de dever-ser, propde que seus alvi- tres epistémicos sejam encarados, por exemplo, como convencées cuja proficuidade deve ser avaliada em termos de sua capacidade de bem regular 0 jogo da ciéncia. Em sua versio pioncira, 0 empirismo metodoligico ambiciona Prover 0 novo instrumental de regras de investigacto em conilicdes de ser tanto uma ars inveniendi quanto uma ars probandi. Por atribuir tal concepcfio de método cientifico acalenta a am- io de estatuir um conjunto de regras cuja adequada manipulacio ndo tem como deixar de gerar conhecimento #9. Com isso, a inventi- vidade interpretativa e a imaginatividade criativa so concebidas como desempenhando um papel, quando muito, residual no processo de produgfo das teorias: 11, Ch, Alan Ryan, “Introduction”, fr: The Philosophy of Social Explanation, organizado por Ryan. Oxford University Press. 1973. pp. 1-14. 12. No sforismo 8 (p. 107) Bacon proclama: “Mesmo vs efeitos j& deseo bertos devem-se mais ao seat e £0 experiment que as ciencias” 13. No aforismo 122 (p. 133) tende a defender uma aplicasio mecinica do mitodo, mio reservando espaso alum 2 criacho imaginativa no proceso de pradusfio de tearias: “Pois nosso método de descoberta cientifica sic Plesmente iguala « capscidede de imaginacho criatva exibida pelos dife eotes individues, io havendo como estabelecer superioridades, uma vez que todo aleanga pelo emprego das resras mais indefectiveis e day mais eertas demonstragies". 15 Francis Bacon estava fortemente convencido de que suas contri- ‘duigdes ao estudo légico da inferéncia indutiva tornariam a des- coberis cientifica independente da “‘acuidade © forca da imagi- Se supusermos que 2 produsio cientifica envolve a necessériz par- ticipacao de alguns elementos — ciéncia anterior, observacio, hips tese, matematica e experimento planejado — seremos levados & con: cluso de que Bacon nfo levou na devida conta trés ingredientes deci- sivos: ©) A formagao de hipéteses orientadoras na definigao de um contexto problemético. 2) A veictlagao matemitica dos contetidos interpretatives. 3.) A imaginatividade inventora de Teorias unificadoras de um camp0 experiencial. Ao aliiar esses trés componentes basicos, Bacon acabou fazendo com que a filosofia empirista deformasse o perfil de racionalidade que a cigncia emergente comecava a exibis (Bacon supunha'que #-acumulagio de dados empiricos deve levar | automaticamente a descoberta dessas uniformidades naturais bus- \cadas pela ciéncia. A funeao da ciéncia consistiria em juntar expe- rimento com experimento € registrar os resultados (...) © uso | adequado do Método Cientifico sempre demanda o toque de génio Ve Shere! plata reat es atpoe: aie podesdaraee Uetvo cae tas [nas mics de qualquer competente experimentador ™, Nao podemos perder de vista que @ metodologia bacontana’além de pretender ser uma ilimitada arte de invencao se apresenta também como um aparato de justificagao rigorosamente legitimador das alega- Ges empiricas de conhecimento. Concebida simultaneamente como ars inveniendi e como ars probandi, a metodologia desponta como uma espécie de panacéia da invengio € da justificaso dos resultados cien- tificos. Deixa de haver eriaedo para passar a existir apenas constata- io: 0s resultados cbtides sao conseqiiéncias inevitéveis da aplicagko 14. G. H. Von Wright, 4 Treatise on Induction and Probability, Londzes, Routledge and Kegan Paul, 1951, p. 19. 15. L. W. Ho Hull, Hisory and Philosophy of Selenoe, 48 ed Longmans, 1965, pp. 192-193. Londres, \ \ / adequada das regras estipuladas ™*. E como nao hé, para 0 empirismo, sujeito epistémico, uma vez que © produtor ideal de conhecimenty é simples registrador /catalogador da racionalidade incrusta¢a nos fend- menos investigados, é evidente que 0 decisive passa a ser a existéncie de regras proficuas cuja adequada maniptlacdo nao tem como deixar de conduzir a conhecimentos novos. Essa exagerada confi gras faz com que 0 ritual de produgao de conhecimentes jos procedimentos absolutizados em sua forca inventiva & em sua capacidade justificadora. Essa {6 nas regras metodclégicas, que viria a se mostrar crédula, é exacerbada pelo implVicito normat tmodema, Afinal, nesse perfodo, o que & normativo tem “Wescritivo em razio de, estando a ciéncia em seus primeiros passos de desenvolvimento, néo poder ser_a histéria da ciéncia inyocada como Tonte de evidéncias a favor dessa ou daquela perspectiva epistemold-_ por acaso, as criticas contemporiness mais contundentes 20 ‘Bion. Nio por aan “deal empirista de ciéncia se inspiram em episddios histéricos reputa- dos embleméticos Em seus desdobramentos evolutivos, 0 empirismo metodolégico tenderd a se apresentar como estritamente descritive por pelo menos duas razGes. A primeira € a de que o descritivismo dé 2 impressio inicial de que ¢ mais facil de legitimacao; a segunda concerne a0 fato de que o descritivismo dava ao empirismo condicées de defender, no nivel metacientifico, os mesmos procedimentos que supunba em io na pesquisa cientifice. A observacio ¢ a induso, prctensamente definidoras da racionelidade cientifica, sAo também considevadas consti- tuidoras da racionalidade metacientifica. Isto significa que o que vale 16. W. 1. B. Beveridge (Sementes da Descoherta Cientfica trad. de S. R Barreto, Sio Paulo, T. A. Queiroz/EDUSP, 1981, p. 36) observa que “Ao descrever a pesquita como um procedimento mais os menos de zotina fle (Bacon) negligenciou os papéis do insigitt imaginoso da serendipiti- dade’ 17. Com & Nova Filosofia de Ciénela (Kuhn. Feyerabend, Lakaios, Hanson © outros) a histéria da cigncia é cada vez mais invocads como provedora de evidéncias eapares de detmsecarar inadequadas concepiass de ciéa tia. A constatacio de que 2 histé mncia mostra que os progressos do conhecimento iende a contrariey (e uié a conttadizer) a: regras meio Golégicas até hoje propostas leva alguns autores a yecorrer a episddios histéricos em determinadas eiénecine com » Finslidade de critiear imapene formadas sobre a racionatidade cientifica, Conferis a respeie 0 livre de G. Radniteky, Contemporary Schools of Metassience (Chicaoo, Henry Regnery Co. 1973 7 para o discurso de primeira ordem vale também para o de segunda ordem. Observamos meticulosmente e generalizamos criteriosamente quando fazemos ciéncia; observamos o que se passa em processos exemplares de fazer pesquisa ¢ universalizamos essas “‘condutas” como cénones méximos de investigagao. Desse modo, estamos condenados estritamente observar e generalizar tanto no nivel cientifico quanto no nivel metacientifico. £ por essa razdo que 0 crescente questionamento contemporaneo 20 observacionalismo de primeira ordem, segundo 0 qual nossas teorias 12m de se formar a partir de observactes ¢ por seu intermédio se legitimar, vai-se fazer acompanhar da eritica ao observacionalismo de segunda ordem para o qual a identificagio dos procedimentos empregados em certas situagées modelares de pesquiss empirica permite determinar 2 universal racionalidade funcional da cigncia. No entanto, por mais que a pesquisa exitosa venha seguindo certas regras de investigasio ndo estamos autorizados a decretar que essas regras precisam ser adotadas para que o trabalho cientifico se torne possivel. Apesar de 0 discurso metodoldgico, desde suas origens modernas, ser tacitamente marcado por essa tensio entre descritivismo € norma. tivismo, por que 96 mais contemporaneamente vio ficando claras as dificuldedes envolvidas no processo de legitimagio das regulamenta- Ges episiémices? O fato é que enquanto vivemos sob a monocérdica hegemonia do ideal empiriste de ciéncia no nos demos conta dos ques- ndveis pressupostos filoséficos que o animavam. Como pareciam se confundir com a racionalidade an sick da ciéncia nfo vinha a tona 4 questo de se eram apenas descricées de condutas de pesquisa jé exibidas ou se normas erigidas em condicdes de possibilidade de gerar conhecimento e garantir sua autenticidade epistémica. Afora isso, vin- ava 0 paralclismo de que o que exa observacio dos “fatos” investiga dos vela ciéncia se transmutaya em observacao metacientifica dos pro- cedimentos ¢ préticas das ciéncias. A ciéncia tinha seus “fatos” — os estados de coisas constituidores de um campo de inves metaciéneia 0s seus — a cifneia, sux estrutura, seu processo. Como conseqiiincia desse duplo cbservacionalismo registra-se a tendéacia @ nanwlizar o discurso epistemolégico, suprimindo-se 2 inextirpavel am- bivaléncia entre descrever ou prescrever, tornando-o uma espécie de I. G. Radaiieky (“Methodologic Poppericnne et Recherche Scientifique”, in Archives de Philosophie, janeiro-marge de 1979, p. 6) firma que essa nracterizacto do diseurso metodolésice incorre na falicia naturalista por corresponder a “apolarmo-nes no que cremos serem os fatos, nos enn 1s Como jé assinalamos, nosso século marca a gradual ¢ irreversfvel erosio do ideal de ciéncia inaugurado por F. Bacon **, Em que consiste esse ideal? No Novum Organon encontramos, jé de saida, o empenho no sentido de confeccionar um sisteme de regras de investigago capaz de proporcionar uma modalidade de conhecimento provedora do con- trole instrumental sobre as realidades investigadas. A diferenca das concepeées anteriores de conhecimento, que nao se preocupavam dire- tamente em traduzir seus aparatos interpretativos em dispositivos pra- xiol6gicos de submissao das forcas da natureza, o empirismo baconiano entende que a efetiva compreensao da realidade desemboca necessa- riamente na descoberta de mecenismos de transformacao pritica da- quilo que se investiga, Contra a bids theoretikds ¢ a vita contemplativa, caracterizadoras das mundividéncias antes predominantes*”, apregos Bacon que o homem pode tanto quanto sabe, que “‘conhecimento € poder humanos sfo sin6nimos”*. Por essa Gtica, a ago intelectual de identificar a racionalidade intrinseca aos fendmencs investizados propicia o virtual poder de controlar suas formes de manifestagao ocorréncia. Daf afirmar Bacon que “‘a natureza s6 a dominamos quan- do a ela nos submetemos” ®*. Ora, esse rigida contraposicic entre especulativismo insciente e impotente € 2 ciéncia vista como saber detentor de grande poder, ao menos virtual, de transformacao das Glados descritives que indicam como certos empreendimenios de pesquisa ‘coroudos de éxito’ realmente procederam, 2 fim de arrolarmos boas razdes que justifiquem 0 acatamento de certa zecomendasio metodolégica ot escola de certo ideal de ciénci 19, A. C. Crombie (Robert Grosseteste and the Origins of Experiment Science. 1100-1700, Oxford, Clarendon Press, 1983, p. 2) retira muito do ioneirismo baconiano quando afirma: “A concepgso da estrutura Logica Ga ciéncia experimentel defencida por sibios eminentes como Galiles, Francis Bacon, Descartes e Newion era precisamente que nha sido forjada nos séculos XLT ¢ XIV". 20. L. Geymonat (Filosofia y Filosofia de la Ciencia, trad. de Manuel Sactis- thn, Barcelona, Labor, p, 114) assinala que“ sabido que o despertar da civilizacio ocidental nos Ultimos séculos da Idade Media e no Renascimento se ‘aracterizou precisamente pelo surgimento de um imeresse geral pela tenia, e esse interesse — que se impos gradualmente, chocando-ss com muitos obstaculos, & atengio dos cisntiscas — acabou por revolucionar completamente oF esquemas vadicionais do pensamento dos cientistas, O nomes de Roger e Francis Bacon simbolizam. de certo modo, 0 comeso € 0 epilozo desa transformagio grandiosa cuja importincia é reconhscida hoje unanimemente pelos mais autorizades historiadores da cultura” 21. Prancis Bacon, aforismo 3, p. 107. 22. dem, sforismo 129, p. 133. ié realidades estudadas demanda uma legitimagao cpistemolégica. Preci- samos poder especificar os mecanismos epistémicos propiciadores desse tipo de conhecimento a fim de que tenhatios condicées de demonstrar que © instrumental interpretativo, quando auténtico, € capaz de se transmutar nas ferramentas de manipulacao controladora da natureza. Destatte, a capacidade de aprender a racionalidade presente na reali- dade investigada precisa ser traduzida em potencial praxiologico com vondigdes de alterar a ordem funcional af registrada. Nao bastava evi- dentemente apenas proclamar que 86 se pode reputar efetivo conheci- mento aquele sistema interpretativo que tem como.se transfigurar em controlabilidade instrumental da natureza; cabia, antes de mais nada, indicar que requisitos cpistémicos deviam ser preenchidos pela inter: pretatio naturae para que pudesse se opor as fantasiosas € preconce- didas laboragies da antecipatio mentis ™. Neise sentido, por mais que Bacon fosse 0 arauto da Revolugo Industriel “* © 0 epistemélogo pioneiro da cosmoviséo burguesa, nio podia deixar de se colocar a questo relativa a como estabelecer linhas divisérias entre as pretensamente improficuas antecipagies metafisicas e as explicacdes cientificas. Como a vocasio praxiolégica da cigncia era, no essencial, creditada a0 fato de produzir efetive conhecimento sobre as realidades estudadas, era necessdrio demonstrar como se Po- deria obté-lo © como se poderia diferencié-lo das vazias especulasbes antecipadoras. As respostas que Bacon deu a esssas questGes se torna- tam paradigméticas geraram a longa hegemonia** do ideal empirista de citncia. Popper assinala corretamente que: A epistemologia tradicional e a historiografia tradicional da eién- cia so profundamente influenciadas pelo mito baconiano segundo 23. Idem, aforismo 28, p. 108: “Antecipagées serio endossadas muito mais rontamente que as interpretagdes, ja que senda deduzidas de im mimeo reduxido de iostincias, de matureza predominantemente familiar, se impS=m imediatamente ao intelecto « satisfazem & imaginagho” 24. Cf. B, Farrington, Francis Bacon, Philosopher of Industrial Science, Nova Torque, H. Schuman, 1952 ¢ P. Rossi, Francesco Bacone, dalla Magia alla Scienza, Bari, Laterza, 1957 25. BA. Burtt (op. cit. pp. 128-126) sublinka corretamente que “é impos sivel identificar qualquer influlncia direta de Bacon sobre a metafisice de Boyle ou de Newion, mas sua concepsie pioneira de ciéncia como um empreendimento cooperative, sua énfate empiriea na necessidade © na eo éncin dos experimentos sensiveis, seu descaso por Dipdteses © sun anilise feral do procedimento indutive, tudo isso penetrou fundo nes principals menter cientifieas da metade do sfeulo, em especial na de Robert Boyle, através dat quais mado isso exerceu notével influéncia sobre Newton.” 20 0 qual a ciéncia parte da observago ¢, 6 em seguida, procedendo cautelosamente, chega as teorias * Bacon atribui tanto a superioridade explicativa da ciacia quanto sua eficdcia praxiolégica ao fato de se devotar a cutidadosas © rigo- yosas observacdes dos fenémenos: Reste-nos uum Gnico e simples método de emitirmos nossas opi- nies: levar os homens aos particulares © as suas séries e ordens regulares a fim de que os homens se sintam obrigados a renun- ciar As suas nogSes © comecem a adquirir famniliaridade com as coisas”. ‘A observagio desponta, assim, como a garantia de que nao se projeta uma racionalidade que nio pertence & ordem de inteligibilidade prépria aos fenSmenos sob investigacao. A induco, 0 outro trago da cas gerais cientificidade, vai possibilitar g determinagao das caracter dos fatos constituidores dos objetos estudados. A observacdo — vista como dnico antidoto ac especulativismo fatualmente yazio — surge em Bacon como respaldador da avtenticidade do conhecimento e como condiso de possibilidade da vocacéo praxiolgica da ciéncia. Mesmo porque, Bacon supde que nao seria posstvel transformar a racionalidade funcional de alguma coisa sem que dispuséssemos de um coahecimento calcado na observacdo de suas “condutes”. Observar € em conse giéncia, tanto um procedimento garantidor da genuidade epistémica quanto uma atividade rastreadora que vai dar embasamento a0 pro- jeto praxiolégico de controle instrumentalizador da natureza. Mas, por mais que incumba & observacio enraizar nossos sistemas interpretati vos no reino da empeiria, Bacon sabia que muitos so os obstéculos que se podem formar ao longo da via que nos deve levar & rigorosa observacio rastreadora do que desejamos investigar. Mesmo que supo- nhamos que existe uma atividade observacional pura nio podemos deixar de reconhecer que nossas caracterizacbes dos “fatos” costumam ser prejudicadas por falhas no nivel da percepeso — o argument from illusion *® — e por preconceitos profundamente em nés artaigados que nos levam 2 ter visGes deformades até daquilo que mais corriqueira- mente registramos. Por essa rezio, Bacon se dedica & identificacéo de 26. Karl Popper. Consrttire hs. 1) Mulino, 1 7 17. Francis Bacon, aforiemo 26, p. 108. 28. Idem, sforisme 50, p. 11, CE A. T. Ayer, As Questdes Centrais da Fito- sofia, trad. de Alberto Oliva © L. A. Cergueira, Rio de Janeiro, Zahar Editores, pp. 95-105. Confuraziont, trad. de Giuliano Panealdi, Bolo- quatro fontes tipolégicas de ilusdo cognitiva capazes de impedir 0 fidedigno exercicio das atividades observacionais. So os idola tribus, specus, fori e theatri, Os idola tribus tém que ver com as prenopdes e os desvios inter- pretativos tipicos da espécie humana. O tipo de concepco que ten- ‘demos a construit das coisas por sermos prisionciros da condicao hum na tende a gerar distorgdes antropomorfizadoras. Nossas aprecnsdes da realidade incorrem comumente numa modalidade de pré-juizo pro- jetador através do qual conferimos aos fenémenos “‘racionalidades” ‘que nao lhes pertencem. Hé, por exemplo, a forte tendéncia a acredi tarmos no que desejamos que as “coisas” sejam. Esse wishful thinking nos faz atribuir regularidades ndo devidamente constatadas, « supor, por exemplo, que se um sonho se tornou realidade todos os sonhos so proféticos, fechando os olhos a eventuais casos contrérios etc. Jé 0s idola specus ® concernem & natureza singular de cada um, as indiossincracias, aos acidentes vivenciais tipicos de cada historia de vida, aos defeitos peculiares a cada individuo, ao impacto sobre cada um dos padroes de educasio socialmente transmitidos, gerando modos singulares de sentir e aprender 2 realidsde. O pequeno mundo no qual cada um de nbs est enclausurado aparece-nos como 0 Mundo, © que faz com que manifestemcs propensio a dar destaque a0 que nos proporciona satisfagio. Os idola fori sao gerados pelos diferentes processos de intera- 40°". Como os homens se associam primacialmente através das pa- avras, muitos dos equivocos comunicatives repousam no mau uso das Iinguas. Os homens se acreditam senhores das tramas expres- ives a que recorrem, quando as linguas tm uma Idgica propria que, fem intimeros casos, foge a0 controle de seus usuérios. As solenes disputas filosoficas ndo passam, o mais das vezes, de controvérsias decorrentes do uso logicamente problemético das palavras ou da sim- ples falta de substrato empirico para o que se afirma. Daf a necessida- de de buscarmos definicdes claramente veiculadas por mais que te- nhamos, a partir de determinado ponto, de recorrer sos “fatos” par- jculares com vistas a controlarmos o valor expressivo de nossas defi- es. Com Bacon comeca-se 2 conceder & definicdo ostensiva o papel ecisivo que o empirismo historicamente the conferirg. Os idola fori 29. Idem, aforismos 41, 45, 46 © 52. 30. tdem, aforismos 42, 49, 53 © 58. BL. Idem, aforismas 43, 59 © 60, 56 sero efetivamente rechacados se deixarmos de discorrer sobre no- mes de coisas incxistentes, ¢ se nfio apelarmos a nomes de coisas existentes mas confusamente expressas, mal definidos ¢ irregularmente abstraidos das coisas. Em Bacon estdo algumas das raizes criticas do Tinguistic turn em filosofja Os idola theatri® so dogmas gerados por sistemas filoséficos que se insinuam no intelecto humano como verdades indisputiveis sem que se mostrem efetivamente capazes de proporcionar uma des- criggo do real tal qual €.’Bacon enumera trés tipos de falsas filoso- fins **: a sofistica, a empirica e a supersticiosa. Os fildsofos metafi- sicos tradicionais** stio vistos como aranhas: forjam teias de grande engenhosidade ¢ perfeicdo formal a partir de scus préprios corpos, deixando de manter contato com o real. J4 os alquimistas e “empt- ricos riisticos”, que se dedicam a coleta de grande quantidade de fe- tos casuais sem jamais aleancarem uma estrutura interpretativa coe- rente e apreendedora da efetiva racionalidade dos fendmenos, s4o como formigas que retinem materiais empiricos sem selecao emon- toando-os sem unidade. Para Bacon, 0 verdadeiro fil6sofo cienttfico deve espelhar-se na abelha: desenvolver o trabalho cooperativo **, pois © conhecimento € empreendimento que demanda a confluéncia de esforcos. Coleta de dados, judiciosa classificacso, generalizagio atenta sobretudo & possibilidade de se manifestarem casos contrérios a0 que tem se configurado como regularidade constatada. Uma vez identificadas e neutralizadas as matrizes geradoras das prenosdes, feita a catarse dos erros modelares, pade o cientista dedi- carse A mais pura atividade de observacio © de inferéneia indutiva imbuido da certeza de que faré o registro estritamente decaleador 32. Idem, aforismos 44. 61, 62, 95 e 100. 33. Bacon, além de nfo indicar as fontes de suas iddies, foi por demais duro ‘com seus predecessores. Checou a ser manifestamente injusto com estu- icsor como Galeno que pode ser visto coma um dos pensadores antigos ‘que mais se aproximos €a concepsio de método experimental. 34. P. Rossi (op. cit, p, 83) nfirma: “O protesta contra s ‘esterilidade” da cultura tradicional spareee em Bacon esiribado precisamente na contrape- sisfo entre as artes mecinicas e a filosofia, entre a progressividade, carac- do saber téenico-cientifico, e a imobitidade, tipica dos exercicios éticos das Exeolss € dos exersicios retéricos propries do humanisme’ 35. No aforismo 113 (p. 130) Bacon discorre sobre a base cooperativa do trabalho cientifico. Alié, a pioncira proposta baceniane d= earscterizacio do empreendimenta de pesquisa como obra coletivs [oi a grange inspira dora da primeira auténtica Associagao Cientifica — a Royal Society. 23 da “‘racionalidede” embutida nos fendmenos formadores de seu do-| ménio de investigaclo. Se debelamos a eventual acio perniciosa dos idola, passamos a estar em condigées de capturar a inteligibilidade propria aos fenémenos sem a interferéncia de fatores antropomorfi- zadores, idiossincrésicos, geradores de equivocos expressivos © de dis- torgSes filos6fieas. Mas, se assim procedermos, isto €, se retirarmos os ingredientes sociais, pessoais, “lingtisticos” ¢ filoséficos que permeiam nossas epreensdes circunstanciais da realidade, que subsistira a eles? Restard apenas a atividade registradora supostamente asséptica. Feita | cssa “psicoterapia”, essa “‘socioterapia”, essa “‘linguoterapia” ¢ essa “purgacio filoséfica’, desaparece o sujeito da cultura, sobrando ape- nas a atividade puramente registradora, a tabula rasa, the buckei theo- ry of the mind, onde se inscrevem as informagies relevantes dos dominios observacionais delimitados. Consoante essa perspectiva, 0 do homem. E como se, no fundo, a educacdo, em sentido lato, s6 ser sse para inocular contetidos especiosos e consolidar atitudes impedi- doras do livre © puro observar. As superstigSes sio visdes deformadas | sobre 0 curso natural das “coisas” que nfo permitem que os “fatos’ sejam vistos como sao. | Tendo em vista es ciladas cognitivas representadas pelos idola, Bacon no se limita a uma defesa genérica da experiencia no processo de producto de conhecimento. A atividade observacional s6 é fide- digna se precedida do combate as fontes de ilusdo cognitiva criadas pelos idola © 0 procedimento inferencial indutivo %6 € confidvel se garantir transigdes segures dos particulares para o geral: 86 ha ¢ s6 pode haver duas vias para a investigagio € desco- berta da verdade. Uma consiste no saltar apressedamente dos sentidos e dos particulares para os axiomas mais gerais e, 2 partir deles, entendidos como principios com sua suposta ver dade indisputével, deriva © descobre os axiomas intermedié- trios... A outra constréi seus axiomas a partir dos sentidos e dos particulares, ascendendo continue © gradualmente até finalmente alcengar os axiomas de méxima generalidade. Este € 0 verda- dcico caminho que, porém, ainda néo foi empreendido*. ‘Tanto uma como outra vie partem dos sentidos e dos particule res ¢ terminam cm formulagées da mais clevada gencralidade. 36. CE Karl Popper, Objective Knowledge. An Evolutionary Approach, edi- so revista, Oxford, Clarendon Press, 1986, pp. 341-361, Francis Bucon, aforismo 19, p. 108. 24 Mas so extremamente diferentes. Enquanto tia passa acodada- mente pela experiéncia e pelos particulares, a outra af se detém de forma ordenada. A primeira, desde 0 inicio, estabelece certas generalidades abstratas c indteis; a segunda se cleva gradual- mente até chegar aos princfpios, que sao realmente os mais co- muns na natureza®, De acordo com a concepefo baconiana de ciéncia, 0 método ade- quado de investigagao consiste na coleta de um nximero significativo Ge casos a fim de deles derivar teorias e destas derivar teorias mais gerais (as axiomata media) e no aumento da generelidad: de nossas teorias até que tenhamos chegado @ teoria mais geral — 2 esséncia das coisas. Pelo principio da subsungéo, a teoria mais geral explica as menos gerais em encadeamento sucessivo até explicar 9 “fato ori ginal” a partir do qual foi primitivamente derivada, Dizendo-se opo sitor da falaciosa epagogé aristotélica, Bacon proclama que inductio quae procedit per enumerationem simplicem res puerilis est. B evi- dente que & bastante problemética inferir-se de alguns AA ume con- dlusfo sobre todos os AA. Envolveria o que em Légica denominamos distribuigdo ilicita de A. Bacon sublimou corretamente que 0 fato de todos os AA observados serem B nio nos autoriza a inferir que todos os AA sao B. Nenhuma coleta de casos confirmadores enseja ume verificasio cabal do universal categ6rico, além de estar exposta a0 perigo constante de confronterse com uma insténcia contraditéria Tal constatacao leva Bacon a acreditar que @ grande inovacio™ in troduzida por seu métode reside no caréter elimtinativo que a indugio passa a ter: major est vis instantiae negativae (maior é a forca da ins- tancia negativa)"®, A inducio correta € a que provede per rejectiones et exclusiones, através da climinacfo de possibilidades concorrentes. B interessante notar que © niicleo do que se tornou o ideal em- pirista eldssico de ciéncia jamais incorporou essa anélise tecnicamente importante que Bacon fez sobre a funcionalidade inferencial indutiva. (© que se tornou hegeménico na metaciéncia foi uma modslidade gené- rica de observacionismo e indutivisma. O gue permaneces por muito tempo como uma espécie de intocada concepeao natural de ciéncia foi 0 prinefpio metodolégico de que as teorias impiricas confidveis sé podem 38. Idem, aforiemo 22, p. 108, 39) Von Wright (op. cit, p. 152) chega a falar de mérito imortal de Bacon, enguanto Crombie nega que haja qualquer originalidade na proposta bar coniana de uma indusio eliminativa, 40. Francis Bacon, aforismo 46, p. 110. 25 set formadas a partir da observaglo e s6 podem ser justificadas por re curso @ observagtes comprovadoras, Esse-atitude-de fazer do-processo a observacdes.comprovadoras. Essa atitude de fazer do processo de de conhecer uma espécie de clausura observacional — a génese ¢ a justificagao de teorias esto circunscritas 20 dominio observacional — € que foi por séoulos apresentada, na maioria dos discursos metodo- Togicos, como indispensivel a producGo do saber cicntifico. E tal postura se comprometeu com uma série de postulados geradores da se- guinte concepsio de cigncia afiiada & filsofie empirista baconians: (1. JA racionalidade cientifica € vista como auto-subsistente ¢ le crada ém si mesma, de tal modo que nenhuma outra érea de inves- tigacdo, como por exemplo a filostfica, tem condigdes de oferecer alguma forma de contribuicao. Contetidos ideacionais extracientificos sequer podem estar na origem dos sistemas explicativos elaborados pelas ciéncias. Disso se segue que ou hé uma s6 racionalidade — 2 cientifica — ou hé mais de uma sem que haja entre elas qualquer possibilidade de interaglo, Tal pressuposto desemboce muma Teoria Segregacionista da Racionalidade. Contra (1) pode-se dizer que importantes epissdios da histéria de ciéncia evidenciaram que muitas teorias cientifices se inspiraram manifestamente em formulagées metafisicas anteriores. O neoplato- nismo pode, por exemplo, ser visto como o background idcolbgico ins- pirador da revolucdo copernicena, Conseqiiéncia disso é que a cién- cia deixa de ser vista, a0 menos no que tange & génese de suas teori- zaces, como uma racionalidade auto-suficiente © fechada as trocas simbélicas com outras éreas de investigacio , Além disso, alguns metacientistas tm demonstrado que a wtilizacgo de alternativas ted- ricas a0 ponto de vista aceito pode ser de grande valia em virtude de certos fatos refutadores de uma teoria s6 poderem, em certas circunstincias, ser identificados & luz de uma alteridade. Feyerabend chega @ proclamar que @ cigncia tem de recorrer a alternativas, mes- mo que metafisices, a fim de evitar gue uma tcoria scja artificial- menie crigida em verdede por sua testagem ser circunscrita aos “fatos” que ela mesma especifica no escopo de seu diapasio explicativo# 41, CE. Kast Popoer, The Logic of Scientific Discovery, wdigho revista. Londres, Hutchinson, 1968, pp. 29 © 314; “The Demarention henveen Science and Metaphysics", in: The Philosophy of Rudolf Carnap, Illinois, The Open Court Publishing, 1978, pp. 187-188; Objective Knowledge (pp. 346-347) 42. Cf. Paul Feyerabend, “How to be Good Empirisit™ in P. HH. Nidditch (oig.), The Philosophy of Science, reedisie, Oxford University Press, 1977, pp. 12-39. Com isso, a ciéncia no tem como desprezar outros dominios de in- vestigacio também quando est preocupada em justificar suas teorias. Contra'a tradicao empirista criam-se condigées minimas para a cla- boracdo de uma Teoria Relacional da Racionalidade (no nivel da génese e da justificacdo) atenta aos possiveis intercmbios cognitivos entre ciéncia e filosofia. 2. A vingar a estrite tica empirista, no ha propriamente teoria; nem sequer uma autonomia relativa # é reservada ao pélo teérico, uma vex que s6 seimos do plano observacional para cuidadosamente gene- ralizarmos 0 que de relevante foi ai registrado num mimero significa- tivo de casos. Assim caracterizado 0 proceso de conhecer, gera-se apenas uma hiererquizaciio do menos para o mais geral, sem que se possa representar a inteligibilidade de um sistema explicativo como totalidade tedrico-fatual. Contra (2) € preciso assinalar que se se tenta reduzir o processo de conhecer a graus crescentes de generalidede no se tem como ele cider a passagem das esparsas e frapmentérias percepeses para uma teoria explicativa de uma certa realidade. Ademais, pode-se também mostrar que a teoria é indispensével jé no desencadcamento do prom cesso de investigasio, uma vez que cbservacdes s6 podem ser feitas 2B luz de uma teoria. Toda a observacio envolve inferéncia. Esquemas te6ricos despontam como dispositivos de selegio que nos permite transformar “‘observéveis” num contexto problematico, que propor- cionam 0 fio condutor que di unidade sos registres observacionais feitos e que conferem express de totalidade 20 que foi atomistic inente cataloged. Teorias sio imaginativas criagbes confeccionadas para fazer frente a problemas, e no conseqliénciss Obvias de obser- 43. Na liberalizagio do observacionalismo estrito, reslizada por Rudolf Carnap (cf. The Philosopiy of Rudolf Carnap. nota 41) reconhece-se que a lin- gungem ciemtfica se divide cm linguagcm teérica © linguagem observacio- tcl. concedendo-se uo polo te6rico ums ia expressiva, de tal modo que suas vinculapdes com a “experiéncia so indiretas, snedia~ das pelas regrar de correspondéncis com a dimonsio observaciorsl, 44. M. Bunge (La Investigacion Clersifiee. tiad, de Manel Sacristén, Barc Jona. Edicorial Ariel, 1969, p. 425) afitma que “A idéia de que a teoria fica nfo € mais que uma racionalizacio a posteriori dos dades emi Fieoe foi popularizada por F. Bacon em seu Novum Organon de 1620, ou seja, antes de a ciéncia moderna produzir teorias propsiemente ditas A gue attibuir 0 fata de que essa filosofia da ciéncia prototeérica vena sendo, no essencisl, fregliculemente cousiderada corres? 45. T. Kubu (The Structure of Scientific Revolutions, ins Foundations of the Unity of Seience, vol. 2, The Uai of Chicago Press, 1970, p. 65) 27 vag6es“‘. A verdade € que as teorias so apenas subdeterminadas pelos fatos “, 3. Descaso pelas hipéteses. Perde-se de vista o importante papel desemperthado pelas antecipagdes no processo que vai nos levar a observar isto © no aquilo. Deixs-se de atentar para 0 fato de que nos- sas hipéteses “ € que transformam um campo observacional num contexto problemético, de que sem pressuposicdes ndo temos como formular questies desencadeadoras de um sistema interpretativo. Essa aversdo a hipdteses tem que ver com 0 temor empirista de que susciter problemas pode ser desorientador por poder envolver um afustamento da atividade observacional. Contra (3) se poderiam invocar os exemplos clissicos da psico- logia da percepcio *, liberta dos pressupostos associacionistas, nos quais_ambigiiidades perceptuais se resolvem em funcio de nossas experiéncies pessadas, de nossas expectativas, de nosso conhecimento prévio, de nossas predisposicées etc, com os quais realizamos nossas observagdes. No hé, como supunha o empirismo, uma correspondén- cia biunivoca, estével ¢ invariante entre percepgoes € seus estimulos geradores, 4. A tese indutivista segundo a qual © modelo indutivo de ex: plicacao € 0 tinico capaz de lidar com questSes empiricas; 0 tinico em condicses de propiciar transigoes de premissas para a conclusio com aumento de contetido informativo. Por mais forca que tenha dado a0 papel desempenhado pela instincia negativa, Bacon estribou sua proposta de um novum organon no pretenso. valor explicativo absoluto da inducdo. O indutivismo baconiano esté também associe- do a crenga de que leis gerais se desprendem diretamente do levan- chama atengfo para 0 fato de que “A observago ©» experiéncia podem ¢ devem restringir drasticamente o dominio dar crengas cienlificas admis- siveis porque, de outro modo, niovhaveria ciéncia. Mas nfo podem sozi- thas determinar um coniusto especifice de tals exensas". 46. Newton, nos Principia (Livro WII), declarou: Non fingo Hypotheses. Mas no teré © trabalho substantivo de Newton recorrido frequentemente a hipoteres? Mus, se a elas recorreu, como nio se deu conta? Parece ine- ivel a influéncia de Bacon sobre essa ingenaidade metodolésica cometida por Newton, 47. Os trabalhos sobre percepsio devenvolvidos pelo Gestaltismo foram deci sives para que se atandonassem as velhas crencas numa mente puramente registradora. As contribuigBes de Bruner e Postman, entre outros, também serviram para demoastrar quanto © que percebemes condicionado por nnossas expectativas © predisposigbes. 28 tamento rigoroso dos casos pertinentes a0 dominio generalizvel dé ocorréncias **. Contra (4) podem-se invocar as candentes criticas humeanas & inferéncia indutiva, em especial a tentativa de Hume de mostrar que existe em nés uma tendéncia epistemologicamente injustificada de transformar sucesso cronolégica em conexéo necesséria, post hoc em propier hoc (depois disso em por causa disso). O hébito/costume nos levaria a ver regularidades ou uniformidades empiricss onde 6 hé seqiiencialidade de eventos no tempo“. A tradicio humeana foi con- temporaneamente continuada por K. R. Popper que, propondo um modelo hipotético-dedutivo de explicacao caleado em procedimentos falsificacionistas, se diz solucionador do problema Iégico da indugao™. 5. A tese do atomismo metodolégico. As unidades de conheci- mento (os enunciados) tém valor epistemico préprio e o sistema ex- plicativo tem sua “‘validade” determinada pela verdade de cada um de seus membros constituintes. A avaliagio da “validade” do todo explicativo 6, desse modo, vista como fungdo do escrutinio das par- tes componentes. Contra (5) algumas vertentes contemporéneas de metaciéncia tam ressaltado que © significado cpistémico dos componentes indi- viduais de um sistema interpretative € determinado pelas relagdes que contraem entre sie pela unidede formadora do sistema, de tal modo que a nogio de “validade explicativa” tem de ser holisti mente especificada, Uma das conseqiiéncias desse holismo é a de que 0 componente observacional tem bor parte de sua force dimi- niufda: observagdes sfo contetides teoricamente veiculados pelos Ato- mos do sistema que diluem sua expressividade epistémica individual no Ambito das totalidades explicatives. Pierre Duhem, um dos pre- cursores da vertente holista, salientou que néo temos como realizar a testagem de uma hipétese fisics individual, deixando de levar em conta a5 relagdes que mantém com as outras hipSteses da totalidade 48. A. N. Whitehead (Sefence and the Modern World, 9.° e4., Nova Toraie, Mentor, p. 45) escreve: “A indugio veia n se mostrar um processo bem mais complexo do que Bacon antecipara. Ele espotava a crenga de que con suficiemte euidado na coleta de instdncias a lei geral brotaria sozinka’. 49. Cf. David Home, dn Enquiry Concerning Human Understanding © 4 Treative of Human Neture (Middlesex, Penguia, 1969) 50. Cf. KR. Popper, Objective Knowledge, pp. 1-31. 29 ‘émica™, Nessa mesma linha, Quine afirma que “o todo da cigncia € a unidade de significtineia empfrica”™. Por oposigao & concepgio que encara a teoria cientifica como uma estrutura estratificada na qual as asserp6es de nivel superior incorporam e explicam, por sub- sung&o, as de nivel inferior defende-se « tese de que o todo inter- pretativo mantém apenas relagdes periféricas com 0 dominio observa- cional ao qual se vincula, 6. Modelo cumulativo de Progresso. Adoglo de uma concepeio de histéria em que as etapas evolutivas de uma ciéncia sio cncara das como erescente desvelamento do mesmo ou como gradual retifi- capo. de equivocos: Esta mancira de conceber a ciéncia — cuja primeira expresso num plano “filoséfico” se encontra na obra de Francis Bacon — tem um papel decisivo e determinante na formagio da idgia de progresso. jd que supe: a) a convicgio de que o saber cien- tifice € algo que aumente e cresce, isto é que se desenrola me- diante um processo para o qual contribuem sucessives geragdes de estudiosos; b) a convicgso de que esse processo jamais pode- se dizer, em qualquer de suas ctapas, “completo”, sem necessi- tar acréscimos, revises ou integracSes; c) por fim, a convicgao de que existe ume tiniea tradicao cientifica, isto €, que a ciéncia nao vai apresentarse como um amontoado de teorias contra- postas....% Contra (6) metacientistas t8m recorrido a episédios revolucioné- rics em ciéncias como a fisica, que sugerem que todo o progresso efe- tivo € marcado por uma forte descontinuidede semantico-epistémico- ontolégica entre a tradi¢go antes venerada como indefectivel e a su cessora presumivelmente em tudo superior. Kuhn e Feyerabend 1m sublinhado o quanto € dificil 0 estabelecimento de parametros de comparabilidade cpistémica entre diferentes tradig6es de pesquisa quando entre clas hé 0 divisor de éguas de uma revolucio cientifica Chegam esses autores a falar em incomensurabilidade teportando-se ais dificuldades suscitadas pelo intento de comparar a estrutura con- ceitual da fisiea newtoniana com a da einsteiniana; os conceites, por Cf. Pierre Duhem, Le Théorie Physique: son Objet et sa Structure, 2. e6., M. Rivibre, Paris. 1954, 52. W. V. Quine, From @ Logical Point of View, Nova Torque, Harper and Row, 1963, p. 42. 53. Paolo Rossi, op. city p- 68. exemplo, de massa © forga seriam empregados na mecAnica clissica fom uma acepelo e uma funcSo to distintas na teoria da relatividade gue nao terfamos como estabelecer efetivos cotejos semantico-episte micos. Por fim, pode-se defender contra essa visio empirista linearista de historia (da cigncia) 0 ponto de vista de Butterfield, segundo 0 qual as grandes transformacdes por que passam as ciéncias resultam nao da ampliagdo dos campos observacionais antes delimitados ou da retificacdo dos equivocos detectados em nossas teorizagées, ¢ sim de tuma reorganizagao dos mesmos dados, jé antes dispontveis, partir da instauragio de uma nova dtica tedrica reconstrutiva. 7. A tese do poder embasado no saber. O poder visto como conseqiiéncia do saber torna o exercicio da autoridade intelectual sempre legitimo. Os limites do poder so dados pelo saber: “‘o ho- mem pode tanto quanto sabe”. A vocacdo praxiol6gica da ciéncia nao se acrescenta de fora de sua racionatidade, mas emerge como conse quéncia imanente desse Novo Modelo de Conhecimento. Contra (7) se constata que o critério pragmético, universslizado na fase da ciéncia consolidada, inverteu essa equacko ao dar prima- Zia ao sucesso preditivo *, O eritério de comhecimento passa a ser confundido com a eapacidade, via predigtes exitosas, de um sistema explicativo ensejar algum tipo de controle sobre 0 dominio de “‘rea- lidades” investigadas. Isto faz com que, em boa medida, o poder passe a ser 0 indicative de saber. Consequéncia disso é que o otimis mo epistemoldgico que caracterize a pregagio baconiana — quanto mais soubermos mais livres seremos e maior dominio teremos sobre fas forcas cegas da natureza — sofre duro golpe uma vez que ter © poder, sem mecessariamente derivé-lo do saber, pode configura mero controle manipulador # servico de determinados interesses. Sé se evita essa conseqiiéncia se se acredita, como Bacon, que ter poder sobre algo prestupte necessariamente conhecé-lo. Nés, distantes de ‘nossas ofimistas origens modernas, podemos ainda confiar cegamente nesse tipo de pressuposto *? Ba, CE Mary Hesse, “Theory and Value ie the Social Sciences”. nr © Hookway & P. Pettit (orgs.), Action end Interpretation. Studies in the Philosophy of the Social Sciences, Cambridge, Cambridge University Press, 1978, pp. 1-16. $5. No aforismo 129, Bacon declara: “O império dos homens sobr bbaseiace nas artes e nas ciéncias apenas, pois a natureza 56 dominar quando a obedecemos” Conclustio Ao elencar esses sete principios definidores de uma concepeio empirista clissica de ciéncia, com seus respectivos contrapontos criti- cos, pretendemos mostrar como se organizou a histéria de uma hege- monia metacientifica, Nao foi nossa intengo, ao longo de nossa ex- posigo, passar a idéia de que 0 empirismo tem sido a filosofia da cincia adotada pela maioria dos cientistas em suas atividades roti- aeiras de pesquisa, O empirismo inaugurado por Bacon se apresen- tou, por muito tempo, como uma espécie de epistemologia natural para os que sc devotavam & reflexio sobre os processos e procedi- mentos organizadores da chamada “‘prética teérica” das ciéncias. O discurso metacientifico € um discurso de segunda ordem, produz teo- rias sobre a racionalidade presente nos modos cientificos de produzit teorias. Isto faz com que em metaciéneia corramos o permanente ris- co de absolutizar o que € conjuntural, de propor regtas inapliciveis e de adapta: # racionalidade cientifica aos nossos rigidos esquemas filos6ficos. O empirismo padece de todos esses defeitos por tet sido pionciro © por ter resvalado para a dogmatizacio de certos pressupostes filos6ficos, A metaciéncia contemporanea se empenha, exibindo claro distanciamento da modernidade filoséfica, no sentido de superar o empirismo cuja principal forca reside na simplicidade de seus modelos epistemol6gicos meta-interpretativos. Conseguird al cangar tal meta sem descambar para a absolutizagio do histérico, sem dogmatizar determinados pressupostos filosGficos? Isso sé poderé vir a ser avaliado pelo intercdmbio critico. Uma coisa, porém, € certa: id nao somos empiristas ingénuos. E isso jé ¢ um avango, uma vez que, na pior das hipéteses, seremos empiristas heterodoxos, dis- tanciados do que # modernidade nos ofereceu como uma revolucio antropocéntrica que nos daria o dominio da Terra e de tudo quanto nla existe BIBLIOGRAFIA CLAGETT, M. (org.). Critical problems in the history of science, University ‘of Wisconsin Press, 1959. FINOCCHTARO, M. A. History of science as explanation, Detoit, Wayne Suate University Press, 1973 HALL, A. R. The scientific revolution, Londres, Longmans, 1954 32 KEARNEY; HLF. Oris of the miele revlon, Londiey, Lonaman, Bat 1968 KOCKELMANS, 3.1. Philosophy 6f sence, The Ruorical backround, Note isrgues Tur Fiee ren, 1008 LOSEE, Join. A Norcal Inroduction tothe pitsophy of scence, Oxford Waivers Prey 1980. MACKINNON, EA. The problem of soni elim, Nove Tore Apple: Genmy-cats i972 RANDALL. 1. H. The ewer of pilsophy, Oxlord University Pres, 1962 TUEWER RH. (or6): Historical and phiowophical p ‘i vol. 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