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COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO Lucas Volume 1 MPO Oe eis B) ON ea William Hendriksen (18 de novembro de 1900 - 12 de janeito 1982) foi um estuclioso do Novo Testamento e esctitor de comentarios da Biblia. Ele nasceu em Tiel, Gelderland, mas sua familia mudou-se para Kalamazoo, Michigan, em 111. Hendriksen estucou no Calvin College ¢ Calvin ‘Theological Seminary antes de obter uma DST grau de Seminizio Biblico Pico Pike, como era comum para os pastores on- the-job que procuram doutorado em 1930) ¢ 1940. Flt que ele escreveu a tese mais do que vencedores. Este liveo nunca foi fora do mercado desde que foi depois impresso em particular e Herman Baker emitiu como a primeira publicacio da nova Baker Book House, em 1940. Ele recebeu um Th.D. do Seminario ‘Heoldgico de Princeton. [1] Hendriksen serviu como ministro da Ipreja Crist Reformada, cam um periodo como professor de Novo ‘lestamento no Calvin ‘Theological Seminary 1942-1952. Ele comecou Comentirio do Novo Testamento, completando comentarios sobre metade dos liveos do Novo ‘Testamento. Esta série foi publicada pela Baker e completado por Simon Kistemaker apés a morte de Hendriksen. Hendriksen foi premiado com uma Medatha de Ouro postumo Book Award por seu comentitio sobre Romanos, 2] Ele também traduziu o livro do Apocalipse para a Nova Versio Internacional. [3] Sua neta Amanhecer Wolthuis agora serve como presidente do Tnstituco de Estudos Cristios Hendriksen tem sido descrit como "um dos principais ¢ mais respeitados comentaristas do Nove ‘Testamento ". ‘Traduzido da: http:/ /en.wikipedia.org/wiki/William_Hendriksen. COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO \W- ea KERYX DIGITAL DIGITALIZANDO EM PROL BO REINO Lucas Volume 1 & WILLIAM HENDRIKSEN Comentirio do Novo Testamento, Exposicéo do Evangelho de Lucas Vol. 1 © 2003, Editora Cultura Crista. Originalmente publicado em inglés com o titulo The New Testament Commentary, The Exposition of the Gospel According to Luke por Baker Books, uma divisio da Baker Book House Company, P.O. Box 6287, Grand. Rapids, MI 49516-6287 Copyright © 1978 by William Hendriksen. Todos os direitos sao reservados. 1 edigéo em portugués - 2003 3.000 exemplares Tradugéo Valter Graciano Martins Revisiio Claudete Agua de Melo Edson Facco Editoragéo Eline Alves Martins Capa Expresso Exata Publicagao autorizada pelo Conselho Editorial: Cléudio Marra (Presidente), Alex Barbosa Vieira, André Luis Ramos, Mauro Fernando Meister, Otdvio Henrique de Souza, Ricardo Agreste, Sebastiio Bueno Olinto, Valdeci Santos Silva ISBN: 85-86886-86-6 CDITOAA CULTURA CRISTA Rua Miguel Teles Junior, 382/394 — Cambuci 01540-040 — Sao Paulo— SP — Brasil Fone (011) 3207-7099 — Fax (0**11) 3209-1255 www.cep.org.br — cep@cep.org.br 0800-141963 Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Cldudio Anténio Batista Marra KERYX DIGITAL DIGITALIZANDO EM PROL DO REINO DEDICO ESTE LIVRO A MINHA ESPOSA RETA que digitou todo o manuscrito final, e sem cuja ajuda, constante e de diversas formas, jamais poderia ter sido escrito. PREFACIO Este livro completa a série de comentarios sobre os quatro Evange- Ihos. Neste volume continuam as caracterfsticas com as quais estéo acostumados os leitores dos comentarios anteriores: tradug’o pessoal do texto grego, repetigdo do texto antes de cada unidade exegética, sinteses, teologia conservadora, bibliografia seleta e geral, referéncias a obras e artigos de diversos idiomas. Alguns tragos adicionais neste volume sao os seguintes: 1. A discussao de teorias criticas, iniciada no C.N.T. de Mateus, que é tratada na Introdugao aos quatro Evangelhos no tema Sua Confia- bilidade, tem continuagio aqui, com uma descrig&o e avaliagao da Te- oria da Redagao. Embora algo ja tenha sido dito sobre isso também no C.N.T. sobre Marcos, 0 presente volume contém uma discussao e criti- ca mais basicas e extensas. 2. Separagao do tratamento de palavras gregas e construgdes da explicacao geral do texto. Se nao fosse por isso, um comentario sobre o Evangelho escrito pelo tao versdtil Lucas, algumas paginas ficariam atravancadas de notas. As vantagens dessa mudanga sido estas: (a) 0 estudante de grego, com seu Novo Testamento grego diante dos olhos, poderd estudar uma seco consecutivamente; e (b) o leitor que nao esta familiarizado com o grego nao se sentird enfastiado por constantes in- trusdes de um idioma em que ele nao sabe ler. 3. Uma introdugao especial & segao central de Lucas (9.51~18.14), posto que essa parte do maravilhoso livro desse evangelista tem susci- tado diividas e dificuldades. 4. “Licdes praticas” no final das segGes jd indicadas foram adicio- nadas ao restante do material homilético que se encontra incorporado 8 COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO na explicagao do texto. Em cada caso, a segiio “Ligdes Praticas” 6 ime- diatamente seguida pela discussdo de “palavras, frases e construgdes gregas”. 5. Uma vez que o Evangelho de Lucas é famoso por suas muitas e belas pardbolas, mais que qualquer dos outros Evangelhos, foram adi- cionados dois estudos especiais: (a) a sugestao de um método simples para a localizagdo dessas parabolas (pp. 29-35, vol. 2); (b) um estudo dos prine{pios e métodos para a interpretagdo de pardbolas (pp. 36- 43, vol. 2). Minha oragao é que este presente volume tenha 0 mesmo tipo de recep¢do dada aos que o precederam. William Hendriksen SUMARIO LISTA DE MAPAS wsectssscsnies well LISTA DE ABREVIATURAS ...... cae 13 INTRODUGAO AO EVANGELHO SEGUNDO LUCAS 7 1. Quem Escreveu este Evangelho? .....ccc:esee 19 IL. Por que ele 0 Escreveu? ... IIL. Quais Foram suas Fontes? TV. Quando e onde este Evangelho Foi Escrito? V. Quais Sao suas Caracteristicas? ............ VI, Qual E 0 Tema e como Pode Ser Esbocado? . VII. Que Luz este Evangelho Langa sobre os Problemas ‘Atuais? Encontram-se sumérios no final dos capitulos Excecdo: para 9.51-18.14, ver Sumario ¢ a Introducio a Secao Central de Lucas (9.51-18.14). TEMA GERAL: A Obra que lhe Deste para Fazer veces isireeeeseeee TY I. Sew Inécio ou Inauguragéo 1 .1-4.13 Capitulo 1 .. Capitulo 2. Capitulo 3 Capitulo 4.1-13 .... IL. Seu Progresso ou ContinuagGo 4.14-19.27 wcrc A. O Grande Ministério da Galiléia 4.14-9.17 .. Capitulo 4.14-44 Capitulo 5 .... Capitulo 6 Capitulo 7 Capitulo 8 . Capitulo 9.1-17 B. O Ministério do Retiro 9.1 8+50 ......--ccccsccees cece eteeeeeeeseeserseeennsees O49) 10 COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO Capitulo 9.18-50 occ cee ieees cscs enmmeeneeeneesneimersann secre, O50 INDICE DE NOTAS SOBRE PALAVRAS, FRASES E CONSTRUCOES EM GREGO NO EVANGELHO DE LUCAS .... sce escseetesteecereeees 103 LISTA DE MAPAS Areas Politicas Mencionadas em Lucas 3.1 ...cccccscccsssssseeseeseesesessnenen O Ministério de Jesus em seu Retiro LISTA DE ABREVIATURAS As letras correspondentes as abreviaturas de livros sio seguidas por pontos. As que indicam abreviaturas de periédicos omitem os pon- tos e estao em itélico. Dessa maneira é possivel saber imediatamente se a abreviatura se refere a um livro ou a.um periédico. A. Abreviaturas de Livros ARY. AV. Gram. N.T. Gram. N.T. (BI.-Debr.) Grk. N.T. (A-B-M-W) LS.B.E. L.N.T. (Th.) L.N.T. (A. eG.) American Standart Revised Version Authorized Version (King James) A. T. Robertson, Grammar of the Greek New Testament in the Light of Historical Re- search F. Blass and A. DeBrunner, A Greek Gram- mar of the New Testament and Other Early Christian Literature The Greek New Testament, organizado por Kurt Aland, Matthew Black, Bruce M. Metzger e Allen Wikgren International Standard Bible Encyclopedia Thayer’s Greek-English Lexicon of the New Testament W. F. Arndte F. W. Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature The Vocabulary of the Greek New Testament Illustrated from the Papyri and Other Non-Literary Sources, de James Hope Moulton e George Milligan 14 N.AS. (N.T.) NBD. NEB. NALV. CN.T. RSV. S.BK. S.HLE.R.K. Th.D.N.T. W.D.B. W.H.A.B. COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO New American Standard Bible (New Testament) The New Bible Dictionary, organizado por J.D. Dou- glas e outros New English Bible New International Version of The New Testament Comentario do Novo Testamento, de William Hendriksen Revised Standard Version Strack and Billerbeck, Kommentar zum Neuen Tes- tament aus Talmud und Midrasch The New Schaff-Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge Theological Dictionary of the New Testament, orga- nizado por G. Kittel e G. Friedrich, e traduzido do alemao por G. W. Bromiley Westminster Dictionary of the Bible Westminster Historical Atlas to the Bible AJT BA BibZ BS BW CTM EO ET Eunt Exp GTT HJ Interp JBL JOR IR JTS MTZ NedTT NT NTS RHPR RIDA SBibT Th ThG ThE TSK TT ZNW LISTA DE ABREVIATURAS 15 B. Abreviaturas de Periddicos American Journal of Theology Biblical Archaeologist Biblische Zeitschrift Bibliotheca Sacra Biblical World Concordia Theological Monthely Evangelical Quarterly Expository Times Euntes Docete The Expositor Gereformeerd theologisch tijdschrift Hibbert Journal Interpretation, a Journal of Bible and Theology Journal of Biblical Literature Jewish Quarterly Review Journal of Religion Journal of Theological Studies Miinschener theologische Zeitschrift Nederlands theologisch tijdschrift Novum Testamentum; an International Quarterly for New Testament and Related Studies New Testament Studies Revue d'histoire et de philosophie religieuses Revue des Sciences Religieuses Studia Biblica et Theologica Theology, a Journal of Historic Christianity Theologie und Glaube Theologische Zeitschrift Theolagische Studien und Kritiken Theologisch tijdeschrift Zeitschrift fiir die neutestamenttliche Wissencschaft INTRODUCAO AO EVANGELHO SEGUNDO LUCAS I. Quem Escreveu este Evangelho? A. Foi Lucas Ainda que nao haja unanimidade sobre isso, a tradigao que atribui o terceiro Evangelho a Lucas, a quem Paulo chama “‘o médico amado” (Cl 4.14), tem o peso da evidéncia em seu favor. Em grego, seu nome era Loukas (latim, Lucas). Poderia ser a abre- viagdo de Loukanos (latim, Lucanus). Também se tem sugerido que pode ser abreviatura de Loukianos ou de Loukios (latim, Lucianus, Lucius, respectivamente). Nao obstante, nao ha razGes plausiveis para que alguns queiram identificar o Lucas que escreveu 0 terceiro Evan- gelho com o Liicio de Atos 13.1, ou com aquele mencionado em Ro- manos 16.21. A abreviatura de nomes — de modo que a abreviatura se converte em nome por direito préprio — era e continua sendo popular; por exemplo, Antipas em vez de Antipatros, Demas em vez de Demétrio; e, na atuali- dade, Bete em vez de Elisabete, Chico em vez de Francisco, Nando em vez de Fernando, Zé em vez de José, Tonico em vez de Anténio etc. Ora, é forgoso reconhecer de imediato que nao ha uma prova abso- luta em prol da posi¢ao tradicional, ou seja, que o Lucas mencionado em Colossenses 4.14 é 0 escritor do terceiro Evangelho. Alguns che- gam a sustentar que “nao ha nada na mera mengdo do nome de Lucas, ou de Lucas, 0 médico, nas epistolas de Paulo, que indique a menor oa conexao com Lucas 0 evangelista’’. Nao obstante, quando alguém compara os argumentos pré e con- tra, torna-se claro que a posigdo negativa é débil, e que o ponto de vista tradicional adquire um alto grau de probabilidade. Os argumentos em prol da crenga de que foi Lucas, 0 médico amado, quem escreveu 0 terceiro Evangelho podem ser sumariados assim: 1. O nome Lucas s6 ocorre trés vezes no Novo Testamento (Cl 1. Assim, por exemplo, P. C, Sense, A Critical and Historical Enquiry into the Origin of the Third Gospel, Oxtord, 1901, p. 3, No livro bem mais recente de F, W, Danker, Jesus and the New Age. St. Louis, 1972, pp. xii. xili, € defendido 0 anonimato de Lueas ¢ Aros. 20 COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO. 4.14; 2Tm 4.11; Fm 24). Em Colossenses 4.14 Paulo o distingue da- queles “da circuncisao” (ver v. 11). Isso esté em harmonia com o fato de que a linguagem de Lucas-Atos parece ser a de um grego culto. Mais adiante veremos mais sobre isso no ponto V,, A. 2. Uma comparagao de Lucas 1.1-4 com Atos 1.1, 2 (“O primeiro relato que compus, 6 Teéfilo” etc.) indica claramente que, seja quem for que tenha escrito Atos, também escreveu 0 Terceiro Evangelho. Portanto, uma vez tenhamos descoberto a identidade do autor de Atos, nosso problema esta solucionado. 3. A luz das trés passagens mencionadas sob 0 ponto | se faz evi- dente que Lucas foi companheiro leal de Paulo nas viagens. Ele estava em Roma durante a primeira prisdéo romana de Paulo (Cl 4.14; Fm 24) e também da segunda (2Tm 4.11). A cada vez Paulo 0 menciona pelo nome. A luz das segées na primeira pessoa do plural “nés” do fivro de Atos — ver mais a respeito no ponto I. B. 6 — chegamos a conclusao de que o escritor desse livro estava perto do apéstolo durante a primeira prisdo deste em Roma. Nao obstante, o escritor de Lucas-Atos nunca se auto-identifica..Em Atos ele menciona os demais colaboradores companheiros de viagem, porém nunca se menciona nominalmente. Tampouco faz mengdo nominal de si mesmo no Terceiro Evangelho. Este mesmo fato bem que poderia indicar Lucas como 0 escritor, porque em nenhuma outra parte dos demais Evangelhos o escritor é identifica do. O Quarto Evangelho faz referéncia ao “discipulo a quem Jesus ama- va” (13.23; 19.26; 20.2; 21.7, 20), sem menciond-lo nominalmente. Marcos (14.51, 52) poderia estar fazendo uma referéncia a si mesmo, porém “certo jovem” permanece no anonimato. O: mesmo ocorre no que tange ao Evangelho segundo Mateus, porque embora seja feita mengao nominal do publicano em Mateus 9.9; 10.3, nao é dito ser ele 0 escritor. Ora, é verdade que ha outro colaborador de Paulo, e as vezes seu companheiro de viagem, de quem nao se faz meng4o nominal no livro de Atos, embora esteja implicito em Atos 15.2; cf, Galatas 2.3. Referi- mo-nos a Tito. Ver C.N.T. sobre Galatas 2.1 e sobre | e 2 Timdteo e Tito na introducao, no tépico III. Ha quem, com base em 2 Corintios 8.18 e 12.18, chega a conclusao de que Tito era irmao carnal de Lucas, e que essa é a razdo por que o escritor de Lucas-Atos nunca 0 mencio- na nominalmente. Nao obstante, ver para esta questao a excelente ana- INTRODUCAO AO EVANGELHO 21 lise de P. E. Hughes em Paul's Second Epistle to the Corinthians (New International), Grand Rapids, 1962, pp. 312-316. Mesmo que essas passagens de Corintios possam referir-se a Lucas como “o irmao”, ca- rece de prova a teoria de que Paulo aqui se refere a um verdadeiro irmao de sangue de Tito. Em contrapartida, como sustentam muitos exegetas proeminentes do passado e do presente, se “‘o irmao” — em Cristo! — é Lucas, o ponto real em questo, a saber, que 0 escritor do Terceiro Evangelho e Atos nunca faz meng’o nominal de si mesmo, ainda permanece. Nunca foi dada uma resposta plenamente satisfatoria 4 pergunta: por que Tito, mencionado tao freqiientemente por Paulo — nao menos de treze vezes, a maioria em 2 Corintios — jamais foi mencio- nado nominalmente em Atos? Ha, contudo, outra razdo que aponta para Lucas, e nao para Tito, como 0 escritor de Lucas-Atos: 4. De acordo com Colossenses 4.14, Lucas ~ e nao Tito — era médi- co. Paulo o chama de “médico amado”. W. K. Hobart, em seu Jivro The Medical Languagem of St. Luke, Dublin, 1882 (reeditado, Grand Rapids, 1954) tentou provar que a linguagem usada pelo escritor de Lucas- Atos é a de um médico. H. J. Cadbury, autor, entre outras obras, de The Style and Literary Method of Luke, fez uma tentativa de frustrar a teo- tia de Hobart. Ele a denomina de “uma imensa falacia” e procura de- monstrar que o estilo de Lucas-Atos é simplesmente 0 de uma pessoa culta, nao necessariamente a de um médico. Nao obstante, é duvidoso que essa tentativa tenha logrado pleno éxito. O ponto de vista equilibra- do parece ser aquele sustentado por tantos estudiosos — entre eles Berkhof, Harnack, Plummer, Ramsay, Robertson, Zahn — e que G. T. Purves sumaria em seu artigo sobre Lucas (W.D.B., pp. 364-366). Sua posicio &a seguinte: ante o fato de que Lucas certamente era médico (Cl 4.14), certas passagens do Terceiro Evangelho e de Atos coincidem com essa descrig4o. Para ver claramente isso, as seguintes passagens devem ser comparadas com seus paralelos em Mateus e/ou Marcos. Por conseguinte, compare Lucas 4.38 com Mateus 8.14 e Marcos 1.30 (a natureza ou grau da febre da sogra de Pedro); Lucas 5.12 com Mateus 8.2 e Marcos 1.40 (a lepra); e Lucas 8.43 com Marcos 5.26 (a mulher e os médicos). Pode-se acrescentar facilmente outros pequenos toques. Por exemplo, somente Lucas declara que era a mao direita que 22 COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO. estava seca (6.6, cf. Mt 12.10; Mc 3.1); e entre os escritores sinoticos, somente Lucas menciona que foi a orelha direita do servo do sumo sa- cerdote a ser cortada (22.50; cf. Mt 26.51 ¢ Me 14.47), Compare tam- bém Lucas 5.18 com Mateus 9.2, 6 e Marcos 2.3, 5, 9; e cf. Lucas 18.25 com Mateus 19.24 e Marcos 10.25. Além do mais, embora seja verdade que os quatro Evangelhos apresentam Cristo coma 0 Médico compassi- vo da alma e do corpo, e ao fazé-lo revelam que seus escritores também eram homens de terna compaixao, em nenhuma parte é este trago mais abundantemente notério que no Terceiro Evangelho. Ver 0 ponto V. D. 5. Entre os Sinéticos € especialmente o terceiro 0 que expressa 0 espirito de Paulo. Note os seguintes pontos de semelhanga: a. A salvagdo é universal, ainda que particular. De conformidade com 0 ensino de Paulo, a salvagao, inclusive a justificagdo, é um dom de Deus comunicado por sua graga soberana aos homens indiscrimina- damente no que tange a nacionalidade, raga, sexo, idade ou posigao social. Nesse sentido, a salvagao é universal. Nao obstante, ela é tam- bém particular, porque ninguém, seniao os crentes, a herda. Ver Roma- nos 3.21-24; 10.1 4-13; 2 Corintios 5.18-21; Galatas 3.9, 14,29; Efésios 2.8, 13, 14, 18; Colossenses 3.11. Ora, o Terceiro Evangelho também enfatiza esse universalismo e particularismo. Ver 2.30-32;, 4.18, 19, 25-27; 6.17-19; 7.19, 22, 23, 36-50; 8.21; 9.48, 60; 10.1, 10-15, 30-37; 13.29; 14.23; 15.7, 10, 11- 32; 17.11-19; 19.10; 24.47. Além do mais, ele pGe forte énfase na ne- cessidade da fé, Estude 1.45; 7.9, 50; 8.25, 48; 12.28; 17.5, 6, 19; 18.8, 42; 20.5; 22.32. E chega até mesmo a falar da justificagao no sentido jurfdico; se nao em 10.29; 16.15, pelo menos em 18.14. b. Juntamente com a énfase de Paulo sobre a fé esté sua énfase sobre a oragdo. Note, por exemplo, sua maravilhosa oragdo em Efésios 3.14-19 e aquela passagem rica e freqiientemente citada de Filipenses 4.6, 7. Veja também Romanos 1.9; 12.12; 15.30; | Corfntios 7.5; Efé- sios 1.16; Filipenses 1.4, 9, 19; Colossenses 1.3, 9; 4.12; 1 Tessaloni- censes 1.2, 3; 5.17, 25; 2 Tessalonicenses 1.11; 3.1; 1 Tim6teo 2.8; 4.5; Filemom 4, 22. Lucas igualmente, mais que qualquer outro evangelista, enfatiza a oragao. Veja 1.10, 13; 2.37; 3.21; 5.16; 6.12, 28; 9.28, 29; 10.2; 11.1- 13; 18.1-8, 9-14; 19.46; 21.36; 22.32, 40-46. INTRODUCAO AO EVANGELHO 23 c. Ao longo de todas as suas epistolas, Paulo enfatiza a verdade de que Jesus Cristo é Senhor. Veja Romanos 1.4; 10.9; 13.14; 1 Corintios 1.2; 2.8; 12.3; Galatas 6.14 e, especialmente, Filipenses 2.11. Ora, ainda que, em relagao a Jesus, a designacio Senhor (kurios) se encontre em todos os Sindticos — sim, até mesmo em Marcos — e Jesus ainda a aplique a si mesmo (Mt 7.21, 22; 22.45; Mc 11.3), em nenhum deles aparece com tanta freqiiéncia como no Terceiro Evangelho. d. A doutrina do Espirito Santo recebe muita atencao nas epfstolas de Paulo (Rm 8.1-16, 23, 26, 27; 2Co 13.14; G15.16-18, 22; etc.). O mesmo vale para o Evangelho que a tradicfo tem atribufdo a Lucas (1.15, 35, 41, 67; 2.25-27; 3.22; 4.1, 14, 18; etc.) e. Eum fato bem conhecido que, embora sofresse muitas afligdes, inclusive prises (2Co 11.23-33), Paulo era um crente cheio de ale- gria, cheio de gratidiio a Deus e de louvores mesmo, quando estava preso. Alids, 0 tema da alegria, do louvor e da agdo de gragas abre espaco através de Filipenses, uma das epistolas da prisiio. Essa mesma caracterfstica marca o Terceiro Evangelho (1.14, 46- 55, 58, 68-79; 2.10, 14, 28; 4.18, 19; 6.23; 10.20, 21; 13.17; 24.52). f. Ha também uma notavel semelhanga entre o relato que Lucas faz da instituigdo da Ceia do Senhore a de Paulo. Cf. Lucas 22.19, 20 com 1 Corintios 1 1.23-25. Teria Lucas obtido esse relato de Paulo? Qu ambos teriam feito uso da mesma fonte? Essa séxtupla semelhanga (pontos a. af.) entre as epistolas de Pau- lo e o Evangelho de Lucas — 4 qual se pode facilmente acrescentar um sétimo ponto; ver ponto V D — confirma a posigdo de que’ certamente foi Lucas, 0 companheiro de viagem de Paulo, quem escreveu 0 Ter- ceiro Evangelho. Nao obstante, convém ser cauteloso. Ainda que a relagao entre Paulo e Lucas fosse muito estreita e hajam muitas palavras e frases que sio peculiares a eles, é preciso evitar extremos. A declaracao de Irineu, de que Lucas escreveu o que Paulo pregou, é por demais simplista. Tal- vez, muito mais distante da verdade é a declarago de Atandsio no sentido de que o Evangelho de Lucas foi ditado por Paulo. Ainda que em muitos aspectos os escritos de Lucas se assemelhem 24 COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO aos de Paulo, ha também diferengas notaveis. Em geral, alguém pode dizer que Lucas relata; Paulo, arrazoa, exorta, doxologiza. A persona- lidade de Paulo se destaca em seus escritos muito mais que a de Lucas nos seus, Além do mais, 0 cendrio histérico do Terceiro Evangelho é anterior ao das epistolas de Paulo. Além disso, 0 estilo de Paulo, pro- fundamente emocional e efervescente, se caracteriza por um nimero maior de interrupgées na estrutura gramatical (anacoluto de varios ti- pos) do que na maneira geralmente mais calma de Lucas escrever. So- bretudo o prefacio do Terceiro Evangelho (1.1-4) mostra claramente que seu escritor extraiu seu material de diversas fontes, nao apenas de Paulo. Portanto, devemos concluir que, para escrever seu respectivo Evangelho, Lucas nao foi tao dependente de Paulo como Marcos foi de Pedro. Quando se leva em conta tudo isso, nao ha riscos ao reafirmar que a relagdo entre Lucas e Paulo foi estreita. A evidéncia apresentada nos pontos I a 5 acrescenta maior peso & poderosa tradi¢do que abona a crenga de que foi o “médico amado”, 0 companheiro de Paulo, quem escreveu Lucas-Atos. Mas, a tradigao da igreja é deveras tao sélida e enfatica? Isso nos leva ao ponto seguinte. 6. Cerca do ano 400 d.C., Jerénimo escreveu: “Lucas, um médico de Antioquia, nao ignorava o grego. Era um seguidor de Paulo e com- panheiro em todas suas viagens, e escreveu 0 Evangelho” (De Viris Ilustribus VID. Um pouco antes, ou seja, no inicio do século 4°, Eusébio, historia- dor da igreja, escreveu: “Lucas, natural de Antioquia, médico de pro- fissdo, fora companheiro de Paulo por longo tempo e conhecia os de- mais apdstolos. Ele nos deixou em dois livros divinamente inspirados, a saber o Evangelho e Atos, exemplos da arte de curar almas, a qual aprendera com eles” (Ecclesiastical History IL.iv.6; veja também IIL.xxiv.15). Antes dele, Origenes (ativo entre 210-250) declarou “...e um Ter- ceiro Evangelho segundo Lucas (foi escrito). Ele o escreveu para aqueles dentre os gentios (que creram) no evangelho que era elogiado por Paulo” (citado por Eusébio, op. cit., [V.xxv.3-6). INTRODUCAO AO EVANGELHO 25 Recuando ainda mais, note a declaragao de Tertuliano (ativo entre 193-216): “Portanto, dos apdstolos Joao e Mateus, o primeiro a instilar fé em nés, enquanto os homens apostélicos, Lucas e Marcos, a reno- vam depois” (Contra Marcido YV.ii). Note “homens apostélicos”. Mais ou menos na mesma época, escreve Clemente de Alexandria (ativo entre 190-200): “... esta escrito no Evangelho segundo Lucas o seguinte: *... Jesus veio a seu batismo, tendo cerca de trinta anos de idade””. O peso de provas repousa sobre os que duvidam que esse Lu- cas fosse “o homem apostélico” a quem Tertuliano se refere. Note, ademais, 0 testemunho contido no The Muratorian Fragment. Trata-se de uma lista incompleta de livros do Novo Testamento, escrita em latim pobre. Deriva seu nome do Cardeal L. A. Muratori (1672-1750), o qual o descobriu na Biblioteca Ambrosiana de Milao. Pode ser atribufdo ao perfodo 180-200. Com respeito ao nosso tema, diz o seguinte: “O terceiro livro do evangelho [é aquele] segundo Lucas. Lucas, 0 bem conhecido médico, o escreveu em seu proprio nome; segundo a crenga [geral], depois da ascensdo de Cristo, quando Paulo o associou [consigo] como alguém que zela pela exatidao. Ainda que nao tenha visto o Senhor na carne, nao obstante, havendo investigado os fatos, pode comegar sua narrativa com o nascimento de Joao”. Isso nos leva a Jrineu (ativo mais ou menos entre 182-188), em cujos escritos hé numerosas citagdes do Terceiro Evangelho. Ele foi discipulo de Policarpo, o qual conhecera o apostolo Joao. Ele escreve: “Lucas também, o companheiro de Paulo, registrou num livro 0 evan- gelho pregado por ele” (Contra as Heresias W.i.1. Veja também na mesma obra JILxiv.1). Esse testemunho, oriundo do discfpulo de um discipulo de Joao, é importante. Além do mais, devido as suas muitas viagens e devido ao intimo conhecimento de quase toda a igreja de seu tempo, 0 que esse testemunho diz sobre 0 escritor do Terceiro Evange- Tho deve ser considerado de grande importancia. Em seguida, temos 0 testemunho de O Prélogo Antimarcionita (cer- ca de 160-180): “Lucas, natural de Antioquia da Sfria, médico de pro- fissdo, foi discipulo dos apéstolos. Em data posterior acompanhou Paulo até que este sofresse o martirio. Serviu ao Senhor de forma irrepreensi- 26 COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO vel. Tendo vivido sem esposae filhos, com a idade de 84 anos adorme- ceu em Beécia, cheio do Espirito Santo. Ainda que ja existisse alguns Evangelhos — segundo Mateus, escrito na Judéia, e Marcos, na Italia — Lucas, impelido pelo Espirito Santo, compés todo seu Evangelho en- quanto estava na regiao da Acaia. Em seu prélogo, ele deixa bem claro 0 fato de que antes do seu, j4 haviam sido escritos outros Evangelhos e que era necessdrio apresentar aos crentes convertidos dentre os gentios um relato preciso do plano (“economia”) da salvagao, de modo que esgas pessoas nao fossem extraviadas pelas fabulas judaicas nem enga- nadas pelas fantasias heréticas e fuiteis, e assim extraviar-se da verda- de. Assim, bem no inicio, ele relata o nascimento de Joao, assunto essencial, porque Joao € 0 principio do evangelho. Ele foi o precursor do Senhor e seu companheiro tanto na preparagao do evangetho quan- to na administragao do batismo e na comunhio do Espirito. Esse mi- nistério [de Joao] fora mencionado por um dos Doze Profetas [Mala- quias]. E depois, este mesmo Lucas escreveu os Atos dos Apéstolos”. Mas ainda podemos recuar mais, porque, provavelmente, j4 no ano 125 d.C., os quatro Evangelhos estavam reunidos numa colegdo para 0 uso das igrejas, e foi-lhes atribuido titulos. “Segundo Lucas” era 0 titulo — ou sobrescrito — do mais longo dos quatro. Que este “Lucas” era alguém distinto do companheiro de Paulo teria que ser provado por aqueles que defendem tais idéias. Isso ainda deixa mais de meio século — desde 0 momento em que 0 Terceiro Evangelho foi completado até 125 d.C. — para o qual nao ha evidéncia escrita que designe Lucas como 0 escritor. Nao obstante, isso ndo causa estranheza. Por que n&o? Primeiro, as viagens e as co- munica¢des eram muito mais lentas do que © s4o atualmente. Segundo, 0 Terceiro Evangelho e Atos eram, além do mais, documentos priva- dos em primeira instancia, enviados por uma pessoa, 0 escritor, a outra pessoa, Tedfilo (Le 1.3; At 1.1). E, terceiro, mesmo que esses livros comegassem a ser copiados, a circular e a ser citados — por exemplo, nos escritos dos pais apostdlicos —, essas mesmas testemunhas primiti- vas nao tinham o costume de mencionar os nomes dos escritores cujas obras citavam, provavelmente porque nao consideravam que isso fos- se necessdrio, jd que seus autores ainda eram bem conhecidos. Por essas diversas razdes, esse mesmo siléncio inicial nado é uma base sdli- INTRODUGAO AO EVANGELHO 27 da para sustentar que nao foi Lucas, “‘o médico amado” e companheiro de viagem de Paulo, quem escreveu o Terceiro Evangelho e 0 livro de Atos. Como ja se demonstrou, a evidéncia cumulativa em favor da autoria de Lucas € tao forte quanto se poderia racionalmente esperar.” B. Quem, pois, Foi Lucas? Ele foi: 1, Um homem de Antioquia da Stria, com estreitos lagos ~ talvez firmando residéncia ali mais tarde? ~ em Filipos. 2. Alé o tempo em que o racionalismo comegou seu ataque contra os livros da Biblia, geralmente se aceitava 0 panto de vista de que fora Lucas, “o médico amado” e companhei- ro de Paulo, quem escreveu o Tetceiro Evangetho, F.C. Baur ea escola de Tubingen susten- tavain que 6 Evangelho de Marcio, a quem Policarpo (se é que podemos confiar no teste- munho de Irineu) se dirigiu chamando-o “primogénito de Satands” e que comegou a ensinar em Roma em torno do ano 140 d.C., era o original de nosso Terceiro Evangelho. Quando comegou 0 declinio da escola de Tubingen, comegou a prevalecer a opiniao de que o Evan- gelho de Marciao, 0 unico que ele reconhecia, é uma mutilagao do de Lucas. Assim houve um regresso ao ponto de vista tradicional com respeito a autoria do Terceiro Evangelho. Nao obstante, em anos recentes, surgiu um rénovado ataque a esse ponto de vista. Os lideres nesse ataque sio homens que pertencem a escola de Bultmann e em particular tam- bém de P. Viclhauer. O ponto de vista deles € que o escritor de Lucas e Atos nao poderia ter sido “Lucas, 0 médico amado", amigo intimo de Paulo e companheiro deste, porque entre as epfstolas de Paulo, de um lado, ¢ Lucas e Atos, do outro, hé uma diferenga radical em teologia; por exemplo: 1. Segundo Atos. os gentios em sua ignorincia ainda estio adorando a Deus (17.23). Vivem nele (17.25). Nao obstante, segundo Paulo, “conhecendo a Deus, nao Ihe deram gloria” (Rm 1,21), Resposta: Lucas e Atos nao péem os gentios naio-convertidos mais perto de Deus do que Paulo, porque também, segundo Lucas e Atos, a ignorancia deles 6 algo pelo qual cles mesmos so responsdveis, ¢ para isso necessitam do perdao (Le 23.34). Veja também Dani- e15.23b. Tal ignorancia equivale a uma falta de disposigao de crer em Deus ¢ de reconhecer a Deus como Deus. 2. Paulo ensinow a libertagio da lei, ¢ consegitentemente se opunha & circuncisio (GI 5.1, 2). Lucas e Atos no revelam tal atitude: antes, se Ihe op6em; veja Atos 16.3; 21.17-26. Resposta: Durante o perfodo de transicio, Paulo nao se opds A circuncisio se a mesma se aplicasse aos judeus. Nao obstante, insistia que a circuncisao jamais devia ser considerada como uma condigdo para a salvacaio e que nio podia exigir a circuncisio dos gentios que se convertiam ao Senhor — posigo que também foi respaldada pelo Concilio de Jerusalém (At 15.19, 24-29), 3. A énfase de Paulo na doutrina da cruz (GI 6.14) esta ausente em Lucas e Atos. Resposta: Nao é bem assim; veja Lucas 22.19, 20; Atos 20.28. Na conclusdo de sua valiosa discussdo sobre © ataque moderno ao ponto de vista tradicional relativo 4 autoria de Lucas-Atos, E. E. Ellis afirma que, com a excegao das principais cartas paulinas, a autoria de nenhuma secdo do Novo Testamento estd t40 bem cndossada como ade Lucas-Atos por Lucas, 0 médico amado e companheiro de Paulo como escritor. Veja o Livro de Ellis, The Gaspel of Luke (The Century Bible), Londres ¢ Edimburgo. 1966, pp. 40-52. 28 COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO Seu interesse em Antioquia é evidente a Juz das muitas referéncias aessa cidade (At 11.19-27; 13.1-3; 14.26; 15.22, 35; 18.22). Quanto a Filipos, é facil deduzir, pelo modo como ele fala dela em Atos 16.12, que essa foi sua cidade adotiva. Além do mais, como se mostrar, Fili- pos foi o lugar onde Lucas ficou quando Paulo seguiu viagem e o lugar onde Paulo o recolheu novamente. 2. Um convertido do mundo gentilico, provavelmente grego. Embora haja quem negue isso, a interpretagdo mais razodvel de Colossenses 4.14 — cf. 4.10, 11, sobre ambos veja C.N.T. sobre Colos- senses 4.10-15 — & que Lucas nao era judeu. Nao temos como saber quando ocorreu sua conversao a religio cristé (veja, porém, At 11.19- 24), nem tampouco sabemos se antes de se converter fora ou nao pro- sélito da fé judaica. Segundo a voz da tradi¢do, Lucas era grego. A exatidao, a amplitu- de e a beleza de seu estilo grego — veja ponto V A - concordam com essa convicgao. A. T. Robertson, em seu livro Luke the Historian in the Light of Research, Nova York, 1923, p. 18, usa, como outro argumento para provar que Lucas era grego, o fato de que o escritor de Atos chama de “barbaros” os habitantes de Malta (At 28.2, 4). Mas, mesmo que o termo barbaros possa significar “nado gregos” — seja por descendéncia ou cultura, ou ambas (cf. Rm 1.14) — isso significa necessariamente que aquele que os descreve assim, deva ser grego? Note a conotacao ampla dada ao termo bdrbaro em | Corintios 14.11. Na pagina 21 do mesmo livro, Robertson usa ainda outro argumen- to para mostrar que Lucas deve ter sido grego. Seu raciocinio implica o silogismo: a. Tito era grego (GI 2.3). b. Lucas era irmdo de Tito (1Co 8.18; 12.18). c. Portanto, Lucas também deve ter sido grego. Ja se indicou, porém, que essa interpretagio do termo ivmdo, nas passagens de Corintios, no é a tinica possivel e tal vez nao sejaa melhor. Tém-se tecido muitas histérias fantasticas em torno de Lucas, pes- soa acerca da qual sabemos realmente muito pouco. Por exemplo, tem- INTRODUGAO AO EVANGELHO 29 se sugerido que Lucas fora escravo de Tedfilo. Este, reconhecendo a notavel inteligéncia e bondade de coracao do escravo, Ihe deu a liber- dade. Além disso, matriculou Lucas na famosa faculdade de medicina que fazia parte da universidade de Tarso. Nessa universidade, Lucas conheceu “Saulo de Tarso”. Os dois se tornaram amigos e a amizade deles continuou. A conversao de Saulo — isto é, Paulo - conduziu Lucas a sua conversao. Lucas, por sua vez, estimulou o interesse de Tedfilo pela reli giao crista. Ete., etc. R. Lloyd escreveu um livro muito interes- sante que traz 0 titulo The Private Letters of Luke, Nova York, 1958. A parte de tudo isso, porém, a melhor evidéncia cumulativa em prol da idéia de que Lucas provavelmente era grego poderia ser ainda: Colos- senses 4.10, 11, 14; 0 grego do prefacio (Le 1.1-4); e a voz da tradigao. 3, Um doutor médico. Este ponto ja foi esclarecido. Nao estamos levando nossa imagina- cdo a extremo quando propomos a teoria de que Lucas teria sido uma verdadeira ajuda para Paulo em todas suas afligdes, algumas das quais eram de carater fisico. Teria Lucas praticado a arte de curar na ilha de Malta? H4 quem defenda esta teoria com base no seguinte: (a) Definitivamente, era ele assistente de Paulo quando os passageiros que naufragaram e os de- mais chegaram 4 praia dessa ilha (note “nés” em At 28.2, 7, 10, 11); (b) era doutor em medicina (Cl 4.14); e (c) teve participagdo nas honras outorgadas pelos que haviam sido curados de suas enfermidades (note “nos honraram’”). Embora a existéncia dessa probabilidade deva ser reconhecida, nao € preciso passar por alto o fato de que foi Paulo, e nao Lucas, quem p6s as maos sobre o pai de Ptiblio e foi o instrumento na cura desse homem. Néo obstante, pode-se afirmar sem receio que sempre que Lucas podia fazer uso de sua habilidade médica, ele 0 fazia de bom grado e sem demonstrar nenhuma parcialidade. Mas tampouco devemos ignorar que Lucas era médico nado sé no tocante ao corpo, mas também no tocante 4 alma. Como Paulo, ele também era “pregador”, “anunciador do caminho da salvag4o”, “cola- borador” de Paulo. Veja Atos 16.10, 13, 17; Filemom 24. Conseqiien- temente, Lucas era “evangelista” num sentido nobre: (a) escreveu um Evangelho; e (b) pregou o evangelho. “Ele 0 pregou”, porém ainda 30 COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO mais: mostrou seu poder em sua propria vida. Nao surpreende que Paulo o chamasse “‘o médico amado”. Por conseguinte, Lucas realmente foi Um missionario médico. Como tal foi precursor de todos os médicos missiondrios, por meio dos quais, desde entao, a igreja e a humanidade tém sido sobejamente enriquecidas. 4. Uma pessoa amdvel e compassiva. Nao é sem razdo que Paulo e Lucas fossem amigos ardorosos. O coragao de ambos era atraido pelo espirito de benevoléncia ativa e com- passiva. Nao surpreende, pois, que o Evangelho de Lucas seja rico de historias que revelam a benignidade de Cristo para com os menos afor- tunados. Veja sob o ponto V D. 5. Um pintor? Uma lenda muito antiga o descreve assim. Para mais sobre essa lenda, veja A. Plummer, The Gospel According to St. Luke (The Inter- national Critical Gommentary), Nova York, 1910, pp. xxi, xxii. Ja nado se pode determinar se ela esté ou nado baseada em fatos. E preciso evi- tar qualquer dedugao extravagante. Roger Van der Weyden (1400-1464) retratou “Sao Lucas pintando a Virgem’, segurando esta o menino Jesus! E verdade que em seus livros (o Evangelho e Atos) Lucas pinta cenas com tanta vivacidade que artistas tém usado muitos de seus te- mas. O grdfico abaixo, ainda que incompleto, cataloga varias artistas que pintaram passagens extraidas de Lucas. 6. Companheiro de viagem de Paulo. Nao € verdade que Lucas haja acompanhado Paulo em “todas as viagens”. As vezes ele esta com 0 apéstolo; outras vezes, nao. Ao des- crever as viagens de Paulo, Lucas amitide usa 0 pronome ele em refe- réncia ao apéstolo. Nao obstante, as vezes, sem mudar 0 estilo do rela- to,’ hd uma transicao de “ele” para “nds”, e de “seu” para “nosso”. 3. Este mesmo fato — a continuagao, de forma abundante, da linguagem caracteristica de Lucas nas segbes “nds” — foi um dos principais fatores para a mudanga de Harnack de oponente a defensor da posigfo tradicional quanto & autoria do Terceiro Evangelho. Veja seus livros: Luke the Physician (wad. inglesa, 1907), The Acts of the Apostles. 1908 (trad. INTRODUGAO AO EVANGELHO, 31 A Arte e o Evangelho de Lucas Artistas Tema Passagens em Lucas Hacker, Van Eycke Van A Anunciagaio 1.26-38 der Weyden Rossetti “Ecce AncillaDomini® 1.38 Merson A Chegada em Belém 21-7 Plockhorst Boas-novas de Grande —2.8-14 Alegria Lerolle AChegadados Pastores 2.15-17 Van der Goes A Adoragao dos Pasto- — 2.15-17 res Memling, Van der Wey- A Apresentagiio no 2.22-38 den, Meire, Rubens. Templo Rembrandt Clementz O Menino Jesus no 241-51 Templo Von Gebhardt Jesus e os Doutores 241-51 Seegar “Maria Escolheua Me- — 10.42 thor Parte” Plockhorst O Bom Pastor 15.1-7 (cf. Mt 18.12-14; Jo 10.11, 14) Soord A Ovelha Perdida como acima: 15.1-7 ete. Burnand Der Verlorene Sohn 15.11-32 Rembrandt A Regresso do Filho = 15.17-24 Prddigo Girardet Os Caminhantes de 24.43-29 Ematis Eichstaedte Rembrandt A Ceia em Ematis 24.30, 31 Biermann Mastgroianni (escultor) A Ascensiio O Cristo Assunto 24,50-53 (cf. At}.5-11) também 24,50-53 etc. inglesa, 1909); € especialmente The Date of the Acts and of the Synoptics, 1911. Veja também N. B, Stonehouse, The Witness of Luke to Christ, Grand Rapids, 195}, p. 15. 32 COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO De acordo com o que, provavelmente, é o melhor texto grego, a primeira segao “nés” descreve os fatos que ocorrem na segunda via- gem missiondria de Paulo (At 15.36-18.22). A data de toda a viagem é provavelmente 50/5 1-53/54 d.C. A primeira segao “nds” esta em Atos 16.10-17, que relata certos acontecimentos que ocorrem na viagem de ida. Lemos que Lucas se juntou a Paulo em Tréade. Aqui é onde o apostolo, em vis&o, recebe 0 chamado de um macedénio: “Passa para cde ajude-nos”. Paulo atende a esse chamado, estando convicto de que Deus Ihe ordena a agir assim. Portanto, depois de cruzar 0 mar para a Europa, os missionarios — Paulo, Silas, Timéteo e Lucas — realizam suas atividades espirituais em Filipos. Aqui se forma o nticleo de uma igreja muito — talvez a mais — leal e generosa (de seu tempo). Muito depressa ela se torna a “alegria e coroa’” de Paulo, como ele mesmo a descreve anos mais tarde. Veja Filipenses 4.1, 15, 16. Aqui Lidia se converte e igualmente o carcereiro . Qualquer igreja que possa contar com tais pessoas entre seus membros, inclusive Lucas, e esta disposta a seguir seu exemplo, é certamente bem-aventurada! Tudo indica que, quando os demais missiondrios partem de Filipos (At 16.40), Lucas fica ali. Em Filipos, muito depois, volta a juntar-se a Paulo (20,6), Isso foi durante a terceira viagem missiondria deste (At 18.23-21.16), A data para toda essa viagem provavelmente seja 53/54 - 57/58 d.C. Nela se inclui uma segao “nds”: 20.5-15 (ou 20.6-16) eo comeco de outra (21.1-16). E durante a etapa de regresso que Lucas novamente se vé na compa- nhia de Paulo. De caminho para Jerusalém, Paulo e seus companheiros visitam a igreja de Tréade. Ali Lucas participa de um culto de adoragao, o qual foi bastante longo. Quando “Paulo prolongou seu discurso até a meia-noite”, um jovem chamado Eutico, dormindo a sono solto, cai da janeira do terceiro andar e o recolhem morto. Ele é por Paulo miraculo- samente restaurado a vida, Em vista dessa “ressurreigdo”, é possivel que mesmo o crente mais apegado e sincero & doutrina da providéncia divi- na — e todos nés devemos ser crentes desse género — com sua implica- ¢ao de que, estritamente falando, nada ocorre “casualmente”, poderia esquecer 0 nome desse jovem, Eutico (ou seja, afortunado, de sorte)? A préxima parada € Mileto, localizada na margem ocidental da Asia Menor, sul de Efeso. E aqui onde ocorre a emocionante reuniao INTRODUGAO AO EVANGELHO- 33 com os presbiteros da igreja de Bfeso. Ainda que a seo “nds” (20.5- 15, ou 20.6-16, se alguém o preferir) nao inclua o relato dessa reuniao de ‘“‘adeus”, a forma vivida em que é descrito 0 que acontece ali (veja vs. 17-38) provavelmente indique que o préprio Lucas estava presente; isto 6, que ele também estava entre aqueles que, no encerramento da reuniao, se ajoelharam e oraram. Em todo caso, quando comega 0 capitulo 21 —e com isso a segunda secao “nds” correspondente a terceira viagem missionaria (a terceira se¢do “nds” no todo) — Lucas esta novamente, ou “ainda”, com Paulo. O grupo passa sete dias em Tiro. Depois de outro emocionante “adeus” (21.5), 0 grupo entra no navio e, depois de uma breve escala em Ptole- maida, passa algum tempo em Cesaréia. Lucas estd presente quando Agabo, de forma simbdlica, prediz a iminente perda da liberdade que Paulo sofrer4. O médico amado esta entre aqueles que acompanham o ap6stolo a Jerusalém. Com a chegada a essa cidade, termina a terceita viagem missiondria e também a seco “nds”, no que corresponde a essa viagem. A préxima etapa no relato trata das experiéncias de Paulo em Jeru- salém e Cesaréia (At 21.17-26.32). O melhor modo de expressar isso seria dizer que 0 que aqui se oferece representa outra ctapa da obra que Cristo, de seu excelso trono no céu, estd realizando por meio dos traba- Thos de Paulo e daqueles que estao junto a ele. Veja a fraseologia utili- zada cm Atos 1,1, Eo préprio Jesus quem, pela agéncia de seres huma- nos, est4 “fazendo” e “ensinando”. . A segio “nés” que comecou em 2] ,1-16 passa para esta nova sc- ¢4o, o que é evidente a luz do uso de “chegamos”, “*nés”, em 21.17, 18. Além disso, a seqiiéncia de pensamento entre essas passagens “nés” e 0 que se segue imediatamente nos versiculos 19 e scguintes é t&o es- treita que, apesar da auséncia desses pronomes até atingir 0 capitulo 27, muitas autoridades incluem a maior parte ou todo o capitulo 21 huma se¢4o “nés”’. Se esta conclusao é correta, como é bem provavel, Lucas é testemunha dos fatos que ocorrem em Jerusalém: a conferén- cia com Tiago, os incitantes incidentes experimentados por Paulo, quan- do a multiddo langou mio dele no templo e seu resgate ¢ encarcera- mento formal pelo tribuno militar. Atos 22 relata o discurso de Paulo a0 povo posicionado nas esca- 34 COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO darias da fortaleza Anténia; 0 capitulo 23 relata a defesa do apdstolo ante o Sinédrio. O sobrinho de Paulo frustra uma conspiracgao para matar Paulo. Fortemente custodiado, Paulo é enviado a Cesaréia onde Félix, o procurador, tem sua residéncia. Nada se consegue com as au- diéncias perante Félix, e Paulo fica na prisao até que Festo suceda a Félix (At 24). Ent&o, a fim de nao ser levado a Jerusalém para ser julgado, Paulo, fazendo uso de seu direito de cidadania romana, apela para César (At 25.11). Conseqiientemente, depois de uma audiéncia perante Herodes Agripa II, estando Festo também presente (At 26), Paulo parte para Roma (At 27). Onde estaria Lucas durante a priséo de Paulo em Cesaréia? Nada ouvimos a seu respeito. Seria o caso de, durante esses dois anos, ele estivesse fazendo uma obra de pesquisa? Estaria ele reunindo materi- ais para seu Evangelho? O que sabemos de forma definida € que quando 0 apédstolo, como prisioneiro, partiu para Roma, Lucas esté ao seu lado, Sabemos isso porque em 27.1 comega outra segéio “nds”, até o final. Ao longo de’ toda a viagem a Roma, nos trés navios (27.2; 27.6; 28.11), Lucas esté com Paulo. Os pronomes nos € nossos se interpdem liberalmente através de toda a passagem, desde 27.1 até 28.16. Segun- do alguns escritores, 28.16 assinala o fim desta segao “nés” que é a final. Em certo sentido eles tém razdo. Considerando-se, porém, o fato de que (a) o resto do capitulo 28 esta estreitamente relacionado em seu contetido material com o que precede imediatamente, e (b) Paulo mes- mo nos informa que Lucas est4 com ele com um colaborador e amigo altamente apreciado (Cl 4.14; Fm 24), outros intérpretes incluem todo o capitulo 28 nesta ultima seco “nds”. Em Roma “o médico amado” teria visitado 0 preso com muita re- gularidade e o teria ajudado de diversas formas. 28.30 mostra clara- mente que tais visitas eram possiveis. Inteligéncia, sabedoria, habilidade, coragdo e mente fervorosos, lealdade a Cristo, a sua causa e a seus seguidores, inclusive especial- mente a Paulo, tais eram as qualidades que fizeram Lucas uma perso- nalidade inesquecivel. Como foi indicado anteriormente, Lucas — somente ele — estava INTRODUCAO AO EVANGELHO. 35 com Paulo também durante sua segunda prisdo romana, 0 que 0 condu- ziu a morte. “Sem ter esposa ou filhos, com a idade de 84 anos, Lucas adorme- ceu na Bedécia.” Assim, como jd vimos, se lé no Prélogo Antimarcionita. 7. O Autor do Terceiro Evangetho. Isso ja ficou estabelecido. Il. Por que ele o Escreveu? O propésito de Lucas esta claramente expresso em 1.4, e recebe ampliagao adicional do préprio contetido de seu livro. Esse propésito pode ser considerado como sendo triplice: A. Propdésito imediato: Pér nas maos de uma pessoa altamente es- timada pelo escritor, isto é, Te6filo — que significa “amado por Deus” ~ um relato exato dos assuntos relacionados com Jesus, assuntos nos quais o destinatario j4 havia recebido alguma instrucdo, e fazé-lo com interesse no bem-estar dessa pessoa. E evidente que o evangelista é amigo da pessoa A qual se dirige e que a tem em alta estima. Tedéfilo j4 era ento crente no Senhor Jesus Cristo? Se a resposta é sim, entdo Lucas escreve para fortalecer sua fé. Em contrapartida, o destinatério é uma pessoa que nao foi além de um inquiridor profundamente interessado? Se esse é 0 caso, entao Lucas escreve a fim de leva-lo a uma decisdo, para que, com 0 coragio e mente e vontade, possa render-se a Cristo como seu Senhor e Salvador. Uma coisa parece certa: Teofilo, assediado de todas os lados por histé- rias, rumores e contra-rumores acerca de Jesus (veja At 28.22b), care- ce de um relato completamente fidedigno e organizado de forma siste- MéAtica relativo aos fatos que se centram em Jesus. Para mais sobre Teéfilo, veja a explanagdo de Lucas 1.1-4. Tem-se sugerido a idéia de que o Evangelho de Lucas é um tratado defensivo ou apologia, e que 0 evangelista escreve como se a mesma fosse “dedicada” a Teéfilo com o fim de provar-Ihe que em sentido algum ha conflito entre a religiao crista e os interesses de Roma. E possivel haver um elemento de’verdade nisso. Nao dedicou Jose- fo alguns de seus escritos a um certo Epafrodito? 36 COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO Alguns se aventuram mais, e sugerem que o Terceiro Evangelho e Atos foram escritos com o propésito de obter a absolvigao e libertagao de Paulo’ Ora, podemos facilmente reconhecer que a defesa da religiao cris- ta contra o ataque e as deturpagoes, quer por parte dos judeus ou dos gentios, estava incluida no propésito de Lucas. Isso poderia também estar implicito na nota cronoldégica (3.1, 2), na genealogia de Jesus (3.23-38), na narrativa da reiterada afirmagao da inocéncia de Jesus por parte de Pilatos (23.4, 14, 15, 22), no relato do testemunho do centurido (23.47) etc. Também é verdade que qualquer que tenha sido © propésito de Lucas ao escrever Atos, a segunda parte desse livro (capitulos 13-28; especialmente |5.36-28.31) proclama de forma al- tissonante. a grandeza de Deus, como se acha revelado na obra de Pau- lo, homem que se orgulhava de stia~céadania romana (At 22.28) e profundamente agradecido por sua cidadania no reino des.céus (Fp 3.20). Nao obstante, quando o préprio evangelista declara seu propési- to de escrever o Evangelho (Lc 1.4), ndo menciona nenhuma dessas coisas. Na medida em que estao presentes, permanecem em segundo plano. Além disso, a énfase indevida sobre a idéia de que Lucas-Atos tinham o propésito de ser uma apologia em favor de Paulo nao contes- ta a pergunta por que, se fosse assim, se inclui tanto material supérfluo para a consecug¢ao dessa meta em particular. Baseando nossa resposta, principalmente em Lucas 1.1-4, fica em evidéncia o fato de que a preocupagao primaria ou imediata de Lucas era o bem-estar espiritual de Teéfilo, no sentido ja indicado, B. Propésito intermédio: Instruir o investigador sério e fortalecer a fé dos crentes, especialmente daqueles que tinham sido ou estavam sendo congregados do mundo romano de fala grega, os conversos do paganismo. Orfgenes afirmava que o Evangelho de Lucas foi escrito “por amor aos conversos gentilicos”. Lucas teria considerado Teéfilo como representante desse grande grupo de contemporaneos que jd havia sido entregue a Cristo ou que estava pensando seriamente em fazé-lo. Investigadores honestos e cris- {4os novos estavam incluidos em sua esfera de acado. 4, Yeja, por exemplo, H. Sablin, Der Messias und das Goutesvolk, Uppsala, 1945, pp. 345s. INTRODUGAO AO EVANGELHO 37 Teriam sido muitas as pessoas que recentemente haviam ingressa- do na igreja, como também muitas que estavam se preparando para dar esse passo. Tais pessoas, como Teofilo, necessitavam de mais instru- ¢ao na hist6ria da redencao e na doutrina e ética cristas. Mesmo quando Jesus estava ainda na terra havia pessoas que, quan- do se encontravam face a face com ele, ao verem suas obras € ouviam suas palavras, ficavam “aténitas”. Sim, aténitas, porém nao completa- mente convencidas; surpresas, porém nao totalmente rendidas. Havia aqueles — inclusive as vezes os seguidores imediatos de Cristo — que faziam perguntas (Le 5.33-39; 7.19-23} e faziam sugestGes, as vezes insensatas e pecaminosas (9.12, 13, 51-56). Revelavam sua ignorancia (9.45, 49, 50) e eram culpados de avaliagdes distorcidas (10.17-20). Naturalmente, até certa medida, essas condigdes continuaram mesmo depois da ressurreigao de Cristo. Veja Atos 1.6; 13.15; 18.24-26; 19.1- 5. O Terceiro Evangelho foi escrito com o fim de corrigir os conceitos equivocados dos que revelavam interesse e para fortalecer a fé dos crentes, talvez especialmente a daqueles que recentemente haviam sido levados a Cristo. C. Propésito tiltima: Alcangar todas as nagdes ~ inclusive até mes- mo Os samaritanos — para o Deus Tritino revelado em Cristo. Veja Lu- cas 2,32; 3.6; 4.25-27; 9.51-56; 10.25-37; 17.11-19; 24.47. II. Quais Foram suas Fontes?5 A. Contetido Material do Evangelho de Lucas em Relagdo com os outros Evangelhos 1. Material Novo ou “L” Havendo estudado os Evangelhos de Marcos e Mateus, e ao pros- 5. Entre as muitos artigos e obras consultadas sobre o tema estavam os seguintes: Barrett, C. K., Luke the Historian in Recent Study, Londres, 1961 Bavinck, H., Gereformeerde Dogmatiek, quatro volumes, 3* edi¢do, Kampen, 1918, espe- cialmente Vol. I, pp. 406-476. Ellis, E. E., op. cit., pp. 21-30. Geldenhuys, N., Commentary on the Gospel of Luke, Grand Rapids, 1951, pp. 23-29. Greijdanus, S., Hes Heilig Evangelie naar de Beschrijving van Lucas (Kommentaar op het Nieuwe Testament), dois volumes, Amsterda, 1940, 1941; especialmente Vol. II, pp. 1223- 1230. 38 COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO seguir com o estudo do Evangelho segundo Lucas, nos vemos imedia- tamente surpresos com o carater tinico deste. Marcos, como se recor- dard, comega com um pardgrafo introdutério: O Ministério de Jodo Batista (1.1-8). Este é seguido por um sobre O Batismo de Jesus (1.9- 11). Eeste, por sua vez, por um sobre:A Tentag4o de Jesus no Deserto (1.12, 13). Com variag6es, todo esse material também se encontra em Mateus e Lucas (e até certa medida em Joao); todavia, nao se encontra no inicio desses livros. Nido obstante, Mateus, depois de apenas 48 versiculos (capitulos | e 2) de material que em grande medida é exclu- sivo desse Evangelho, concorda com Marcos e desereve o ministério de Joao Batista. Lucas, porém, nos introduz num novo universo. Por certo que nao ha nada que se choque com Marcos e Mateus. Nao obstante, comegan- do em 1.1 e prosseguindo até 2.52, 0 novo (ou pelo menos principal- mente novo) material cobre 132 versiculos, ou seja, todo o primeiro capitulo — um dos mais longos da Escritura, 80 versiculos! — mais todo o segundo capitulo, 52 versiculos. De fato, é preciso adicionar o capi- tulo 3 —com a excegao dos versiculos 3, 4, 7-9, 16, 17, 21, 22 — perfa- zendo um total de 161 versiculos de material novo, ou largamente novo (de 1.1 até 3.38, com as excegdes jé indicadas). Isso equivale a quase um sétimo do contetide total do Evangelho de Lucas.® Isso € apenas 0 inicio de tudo quanto é novo em Lucas. Harnack, A., Luke the Physician, 1906 (traduco inglesa, 1907). ——., Sayings of Jesus, Londres, 1908. Harrington, W. J., The Gospel According to St. Luke, Londres, 1968, pp. 8-14 Hawkins, J. C.. Horae Synopticae, Oxford, 1911, pp. 107-113. Manson, W., The Gospel of Luke, Londres, 1948, pp. xiii-xx; 19-21 Morgenthaler, R., Die Lukanische Geschichtsschreibung als Zeugnis, dois volumes, Zuri- que, 1949. Plummer, A., op. cit., pp. XXiii-xxviii Robertson, A. T., “Luke, the Gospel of”, 1.8.B.E., Vol. II, pp. 1938-1940. ———-, Word Pictures in the New Testament, Vol. Il, Nashville, 1930. ——, Luke the Historian in the Light of Research, pp. 61-75. Stonehouse, N. B., The Wimess of Luke to Christ, pp. 22, 23. Taylor, V., Behind the Third Gospel, Oxford, 1926. —__-, The First Draft of St. Luke's Gospel, Londres, 1927. Weiss. C. P.B., Die Quellen des Lukas-Evangeliums, Stuttgart, 1907. 6. A genealogia de Jesus, segundo Lucas a apresenta, deve ser incluida no material “novo”, porque embora Mateus 1.1-17 também contenha uma genealogia de nosso Senhor, as duas, embora nao estejam em conilito, nao so verdadeiramente paralelas. INTRODUGAO AO EVANGELHO. 39 A lista que se segue revela onde se encontra este material novo ou “L” (de Lucas). Nao obstante, as referéncias indicadas nao implicam que dentro da passagem inclufda na lista é tudo novo. Poderia ser, mas nao necessariamente. A letra m que segue a referéncia indica que, embora a passagem seja peculiar a Lucas num grau que justifica sua inclusao na lista, ela € de cardter misto. Parte de seu contetido nao é exclusiva de Lucas, Essa parte poderia ser de Mateus-Lucas, e nao de Marcos (por exemplo, Le 3.1-20 em parte), ou poderia estar refletida nos outros dois Sindticos, como ocorre amittde. Nao foi incluido os paralelos de Marcos 16,.9-20, posto que, como jd se demonstrou no C.N.T. sobre Marcos, nao ha uma evidéncia sélida que mostre que o “término longo” seja parte da Escritura. Além disso, neste Comenta- rio, nenhum paralelo é alinhado em conex4o com Lucas 3.23-38. Ra- 2407 Veja nota de rodapé 6. Aqui nao sugerimos nenhum paralelo em conexao com Lucas 14.15-24, porque a parabola de Lucas do convite rejeitado nao deve ser confundida com a das bodas régias (Mt 22.1- 14). De forma semelhante, Lucas 19.11-27 (parabola das minas) néo tem um verdadeiro paralelo, porque a parabola de Mateus 25.14-30 é dos talentos, ¢ é realmente “uma historia diferente”. HA varias passagens que nao estao na lista aqui e que contém pala- vras, frases e as vezes oragées inteiras que sao exclusividade de Lucas. Veja, por exemplo, C.N.T. sobre Mateus, vol. 1, pp. 30 e segs. As refe- réncias dadas na lista seguinte, “L”, tém apenas o propésito de servir como auxilio na compreensao da situagao geral do contetido de Lucas em comparacao com os outros Sinéticos. Material Novo em Lucas Referéncia Tema 11-4 Prefacio ou Prélogo 15-25 Promessa do Nascimento de Joao Batista 1.26-38 A Anunciagdo (promessa a Maria relativa ao nascimento do Salvador) 1.39-45 Visita de Maria a Isabel 1.46-56 O Magnificat (cantico de louvor de Maria) 1.57-66 O nascimento de Joao Batista 1.67-80 O Benedictus (profecia de Zacarias) 2.1-7 O Nascimento de Jesus 40 2.8-21 2,22-38 2.39, 40 2.41-82 3.1-20" 3.23-38 4.14, 15” 4.16-30" S.-L" TAL-17 7.36-50 8.1-3 9.51-56 10.1-12 10.17-20 10.25-37 10.38-42 11-4" 115-13 11.27, 28 11.37-54" 12.13-21 12.32-34" 12.35-40" 12.49, 50” 13.1-5 13.6-9 13.10-17 13.22-30 13.31-33 COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO O aniincio aos pastores do nascimento do Salvador “Gl6ria a Deus nas maiores alturas” A visita dos pastores Jesus recebe um Nome A Apresentagao de Jesus no templo Nunc Dimittis de Simeaio Agao de gragas de Ana O regresso a Nazaré O Menino Jesus no templo O ministério de Joao Batista A genealogia de Jesus O inicio do Grande Ministério Galileu A rejeigao de Jesus em Nazaré Uma pesca miraculosa A ressurreigao do filho da vitiva de Naim Jesus ungido por uma mulher pecadora Cancelamento: a parabola dos dois devedores O ministério das mulheres Uma vila samaritana recusa dar boas-vindas. a Jesus -A comissao dada aos setenta (ou 72) O regresso dos setenta (ou 72) A parabola do samaritano que prestou assisténcia Maria de Betania faz a escolha certa “Ensina-nos a orar” A Oragio do Senhor A parabola do amigo (ou embaixador) importuno A verdadeira bem-aventuranca Jesus € convidado a comer em casa de um fariseu Dentncia contra os fariseus e os intérpretes da lei A parabola do rico insensato “Nao temas” “Vendei vossas posses e dai esmolas” A parabola dos servos vigilantes Fogo e batismo Convertei-vos ou perecereis A parabola da figueira estéril e 0 magnanimo guarda da vinha Acura de uma mulher invalida no sébado A porta estreita A partida da Galiléia 14.1-6 14.7-14 14.15-24 14.25-33 15.1-7" 15.8-10 15.11-32 16.1-13 16.14, 15 16.19-31 17.5,6" 17.7-10 1711-19 17.20-37" 18.1-8 18.9-14 19.1-10 19.11-27 19.39, 40 19.41-44 21.20-24" 21.25-28" 21.34-36 22.54.62" 22.63-65 INTRODUCAO AO EVANGELHO 41 A cura do hidrépico Uma liao para os convidados: a parabola dos assentos re- servados, e uma li¢do para o anfitriio A parabola do convite rejeitado O prego do discipulado A parabola do que edificou sem calcular 0 custo A parabola do rei razodvel A parabola da ovelha perdida A parabola da moeda perdida A parabola do filho perdido A parabola do mordomo astuto Repreendida a autojustica dos fariseus A parabola do homem ostensivo (0 rico) e o mendigo (Lazaro) “Aumenta-nos a fé* A parabola do servo inutil Acura de dez leprosos, dos quais somente um voltou para dar gragas A vinda do reino A parabola da vitiva perseverante A parabola do fariseu e 0 publicano Jesus e Zaqueu A par4bola das minas “Se estes se calarem, as pedras clamarao” “Quando viu a cidade, chorou sobre ela” Predigao da destruigdo de Jerusalém A vinda do Filho do Homem Vigiai e orai, tendo em mente a vinda do Filho do Homem Sumario do ensino final de Jesus no templo Satands entra no coragaio de Judas A instituigao da Ceia do Senhor A disputa sobre a grandeza A oragao de Cristo por Pedro “Faltou-vos algo?” Jesus no Monte das Oliveiras Traigio e prisaio A orelha cortada e restaurada. “Esta € a vossa hora” Pedro nega a Jesus Jesus zombado e chicoteado 42 COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO 22.66-71" Jesus condenado pelo Sinédrio 23.1-5" Jesus perante Pilatos 23.6-12 Jesus perante Herodes 23.13-25" Jesus sentenciado a morte 23.26.43" Simao de Cirene As filhas de Jerusalém pranteiam Jesus crucificado entre dois criminosos As duas primeitas palavras da cruz 23.44-49” A morte de Jesus 23.50-56" O sepultamento de Jesus 24.1.12" A ressurreigao de Jesus 24.13-35 A aparigao de Cristo aos homens de Ematis 24.36-49" A aparigao de*Cristo aos discipulos 24.50-53 A ascensiio de Cristo 2. Material que também se Encontra em Marcos Nao obstante, muito em Lucas nao é “novo” nem ainda “principal- mente novo”. Uma porcao consideravel do Evangelho de Lucas nos lembra Marcos. Isso nos introduz ao problema sindtico. Uma vez que este tema ja foi fratado com certo detalhe,” agora s6 sera necessdrio uma referéncia a ele. Com 0 propésito do estudo das fontes, Lucas pode ser dividido em trés Secdes.* Divisdes do Evangelho de Lucas Seco I Lucas 1.1-9.50 cerca de 85/6 capftulos, 58 segdes Segio II Lucas 9.51-18.14 cerca de 83/6 capitulos, 46 segdes Segao II Lucas 18.15-24.53 cerca de 64/6 capitulos, 42 segdes Todo o 24 capitulos, 146 segdes Terceiro Evangelho Na Secio I, 34 das 58 segdes sao paralelas, em maior ou menor medida, com Marcos, como é demonstrado nesse Comentario em co- nex4o com os titulos sobre cada uma dessas se¢des pequenas. 7. Veja C.N.T. sobre Mateus, na Introdugiio aos Quatro Evangelhos. 8. Note o “S” (maitisculo) para distinguir esta das segdes (‘‘s” mintisculo) menores, tais como I.1-4; 1.5-25 ete. INTRODUGAO AO EVANGELHO 43 Na Secaio II — a parte central muito interessante do Evangelho de Lucas; veja mais a respeito nos capitulos 9-12 deste volume — somente 6 (ou no maximo 8) das 46 segdes tém um paralelo semelhante em Marcos. Na Segao III, 33 das 42 se¢des tém paralelo em Marcos; as vezes generosamente, com freqiiéncia parcimoniosamente. No relato da Pai- xo, Lucas retém somente 27% das palavras de Marcos, e as vezes (como em outros lugares) se afasta da seqiiéncia de Marcos no relato dos acontecimentos.’ No total, a metade das segGes pequenas tem em certa medida um paralelo em Marcos. Mas, visto que em muitos casos 0 paralelo é ape- nas parcial, permanece verdadeiro que dois tergos do Evangelho de Lucas nao contém material que aparece em Marcos. Em quase cada caso em que o Evangelho de Lucas é refletido em Marcos, também tem um paralelo em Mateus. Excegdes: Lucas 4.31- 37; 4.42-44; 9.49, 50; 21.1-4. 3. O Material “Q” Até aqui temos considerado (a) material exclusivo de Lucas, e (b) material de Lucas que se encontra também em Marcos, pelo menos em certa medida. As palavras encontra-se também nao significam “de for- ma exata”. Cada evangelista tem seu préprio estilo. Ha um terceiro grupo de passagens individuais e as vezes segdes (como um todo ou em parte): as quais se encontram em Lucas e em Mateus, porém nao em Marcos. Esse material é indicado com 0 simbolo Q, a respeito do qual, veja C.N.T. sobre Mateus, vol. 1, pp. 35, 55, 56, 72-75 (inclusive nota 50). Em geral, este “Q” indica uma fonte de ditos. As vezes a semelhanga entre a passagem de Mateus e sua réplica em Lucas é tao grande que nos leva a pensar em gémeos idénticos. Uns poucos exemplos dentre muitos sao aqui catalogados. Visto que este é um comentario de Lucas, a coluna da direita (Lucas) é basica. Segue- se a seqiiéncia deste Evangelho. A coluna de Mateus é colocada a es- querda porque, com toda probabilidade, esse Evangelho foi composto antes de Lucas. 9. Veja G. B. Caird, St. Luke (Pelican Gospel Commentaries), 1963, p. 25. 44 COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO Exemplos das Estreitas Semelhancas entre Mateus e Lucas Mateus A Passagem Brevemente Introduzida Lucas 3.7-10 Gerago de viboras 3.7-9 1243-45. Varrida e adornada 11.24-26 24.45-51 Quem € 0 mordomo fiel? 12.42-46 23.37, 38 Jerusalém, Jerusalém! 13.34, 35 6.24 Ninguém pode servir a dois senhores 16.13 Note a diferenga na seqiiéncia entre Mateus e Lucas. Nao parece mais provavel que Lucas esteja aqui usando notas de Mateus e nao o Evangelho propriamente dito? O que esta escrito em notas pode ser inserido onde se fizer necessdrio. Ha também muitas passagens que tém menos semelhanga. De fato, as vezes a semelhanca é tao remota que autores terao diferentes opi- nides sobre distribuir o material de tais passagens a “Q”. E por isso que, segundo alguns, ha 200, e segundo outros 250 passagens que nao estao em Marcos € que sao comuns a Mateus e Lucas. Diferentes graus de semelhanga podem notar-se nas segées da lista que ha no diagrama abaixo. A lista nao é completa. Aqui também a coluna da direita é a basica: Exemplos de Semelhanga entre Mateus e Lucas Mateus Breve Indicagéo de Contettdo Lucas 4.23-25 Pregag&o, ensino e curas de Cristo 6.17-19 5.1-12 Bem-aventurangas (Mt e Lc) e ais (Le) 6.20-26 5.38-48 Amai a vossos inimigos 6.27-36 71-5 Nao julgueis 6.37-42 7.17-20 Nenhuma drvore boa dé fruto ruim 6.43-45 7.24-27 Os dois construtores 6.46-49 8.5-13 A cura do servo do centuriao 71-10 11.2-19 Es tu 0 que havia de vir? 7.18-35 8.19-22 Seguir-te-ci aonde quer que fores 9.57-62 1120-24 Ai de ti, Corazim! 10.13-16 11.25-27; Eu te louvo, 6 Pai — Benditos sao os olhos 10.21-24 13.16, 17 etc. 6.9-15; A Oragao do Senhor — Pedi, buscai, batei! 14.1-13 77-11 INTRODUGAO AO EVANGELHO. 45 10,28-31 Pardais 12.4-7 dois por um centavo (Mt); cinco por dois centavos (Lc) 10.32, 33; Confessar versus negar a Cristo, etc. 12.8-12 12.32; 10.19, 20 6.21, 25-34 Onde esta vosso (teu, Mt) tesouro, ali estard 12.22-34 também vosso (teu, Mt) coracao. 10,34-36 Nao paz, mas divisao (espada, Mt) 12.49-53 5.25, 26 Faz as pazes com teu adversario 1257-59 7.13, 14, A porta estreita 13.22-30 21-23 24,17, 18, 23- Como nos dias de Noé 17.20-37 28, 37-41 Todo o material “Q” se encontra nas segGes I e II do Evangelho de Lucas. “Q” no tem o relato da Paixao nem da ressurrei¢gao. Nao € um evangelho ou uma mensagem de boas-novas. Como j4 se mostrou em C.N.T. sobre Mateus, nao ha razdes plausiveis para crer-se que tenha existido realmente um documento “Q”. 4. Paralelos Verbais entre Lucas e Jodo F._L. Cribbs, “St. Luke and the Johannine Tradition”, JBL, 90 (de- zembro de 1971), pp. 422-450, e anteriormente G. W. Broomfield, J. V. Bartlet, J. A. Findlay e outros, detectaram paralelos verbais entre Lucas e Joao. Veja também E. E. Ellis, op. cit., p. 28. Assim Anas, 0 sumo sacerdote, é mencionado apenas por Lucas (3.2; cf. At 4.6) e por Joao (18.13, 24). O mesmo vale com respeito a Marta e Maria (Le 10.38-41; Jo 11.1, 5, 19-21, 24, 30). Ainda que seja um fato que a histéria da ungao de Jesus por Maria de Betania, irma de Marta, se encontra nfo s6 em Joao 12.1ss, mas também em Mateus 26.6-13 Marcos 14.3-9,' seu nome, em relagao com esse fato, s6 é mencionado por Jo&o (12.3). Outro vinculo possivel entre Lucas e Jodo € 0 fato de que em ne- nhum outro Evangelho aparecem de forma tao proeminente Samaria e Os samaritanos como em Lucas (9.51-55; 10.25-37; 17.11-19; cf. At 1.8; 8.1, 14, 25; 9.31; 15.3) e em Joao (4.1-42). Além disso, somente 10. Definitivamente ndo em Lucas 7.37-39! 46 COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO nesses dois Evangelhos mencionam-se o fato de que Satands entrou em (0 coracg&o de) Judas (Le 22.3; Jo 13.27); que foi a orelha direita do servo do sumo sacerdote a que sofreu 0 golpe (Lc 22.50; Jo 18.10); que Pilatos declarou inocente a Jesus nado menos de trés vezes (Le 23.4, 14, 22; Jo 18.38; 19.4, 6); que o timulo de José era “novo”, ou seja, nunca havia sido usado (Le 23.53; Jo 19.41); que dois anjos foram vistos no timulo do Cristo redivivo (Le 24.4; Jo 20.12); e que, depois de sua ressurreigdo, Jesus apareceu a seus discfpulos em Jerusalém (Le 24.33, 36ss; Jo 20.19-31). A visita de Pedro ao ttimulo é relatada em Lucas 24.12, 24, e de forma mais completa em Joao 20.1-10, nao em Mateus e Marcos. Tanto Lucas (5.1-11) quanto Joao (21.1-14) relatam uma pesca miraculosa, mas a desse tiltimo ocorreu muito depois da descrita pelo primeiro. Na verdade, o milagre relatado de forma t&o interessan- te por “o discfpulo a quem Jesus amava” é atribuido ao Cristo que ressuscitou dentre os mortos. B. As Fontes do Evangelho de Lucas . 1. O Material “L” E muito duvidoso que realmente tenha existido “LL” como um do- cumento escrito real e distinto. JA vimas que 0 mesmo se pode dizer com respeito a “Q”. Portanto, o mesmo cardter destitufdo de substan- cia deve ser atribuido ao “Proto-Lucas”, uma combinagdo imagindria de “Q” e “L” (menos 0 relato da natividade). Tire-se “Q” e “L”, consi- derados como documentos realmente existentes, ou tire-se “Q” ou “L” e 0 Proto-Lucas, considerado como 0 anteprojeto do Evangelho de Lucas ao qual ele supostamente adicionou posteriormente 0 relato do nasci- mento e partes de Marcos, também se evapora. Isso nao anula o fato de que, se forem tomados “L” e “Q” simplesmente com designagées sim- b6licas, de modo que o primeiro identifica todo o material do Evange- Iho de Lucas que € novo — isto é, material que ndo se encontra em Mateus nem em Marcos ~ e a segunda se refere a todo 0 material co- mum a Mateus e Lucas que nao aparece em Marcos, esses simbolos, se usados criteriosamente, sao isentos de objegdes e até mesmo titeis. Parece provavel que pelo menos parte do material “L” derivou-se de fontes semiticas, provavelmente tanto escritas quanto orais. A razdo dessa infer€ncia é que a linguagem e estilo nao s6 dos relatos da infan- INTRODUGAO AO EVANGELHO 47 cia, mas também varias outras passagens, “L” tém esta caracteristica lingiifstica, Lucas declara especificamente que consultara “testemu- nhas oculares”. Provavelmente a linguagem cotidiana deles era predo- minantemente 0 aramaico, uma lingua semitica. Pelos menos alguns deles teriam conhecido outra lingua semita estreitamente relacionada, o hebraico. Veja mais a respeito sob o item 6, Fontes Orais. Quanto a linguagem de Lucas e seu estilo, veja abaixo, tdépico V. O fato de que grande parte do material “L” — nao menos de 34 segdes como um todo ou em parte — se encontra em 9.51-18.14, e que estimula o espirito cosmopolita e condena todo e qualquer exclusivis- mo tacanho (veja 10.25-37; 14.5-24; cap. 15; 17.11-19; 18.9-14) tem levado alguns a atribuirem “L” a influéncia de Paulo sobre Lucas. Sobre a énfase de Paulo sobre 0 “evangelho para o mundo”, veja passagens tais como Romanos 3,.21-24; 1 Corintios 7.19; Galatas 3.9, 29; Efésios 2.14, 18; Colossenses 3.11. Outros, com igual justificativa, chamam esse material de “joanino”. Veja Joao 1.29; 3.16; 4.42; 10.16; etc. Nao obstante, nao devemos esquecer que basicamente 0 assim cha- mado espirito cosmopolita é evidente por todo o Terceiro Evangelho (veja supra, Ponto I A 5 a), e era o espirito de Jesus. Por meio de seu ensino oral, o mesmo foi a “Fonte” primdria de “L”, assim como de todo o Terceiro Evangelho; sim, das boas-novas em todo lugar: a men- sagem de salvagio, plena e gratuita, concedida pela graga soberana de Deus a todos os crentes, judeus ou gentios. Quanto as fontes secundarias, nao temos 0 direito de limitar seu mimero de forma demasiadamente rigida. Lucas 1.1 deixa a impressio que o evangelho tinha uma boa quantidade de fontes orais e escritas. Hoje seria totalmente impossivel determind-las todas. 2. O Material de Marcos Ja ficou demonstrado ~ veja C.N.T. sobre Mateus, vol. 1, pp. 56-72 ~ que com toda probabilidade foi Lucas quem usou Marcos, e nao vice- versa. De fato, é provdvel que tanto Mateus quanto Lucas tiveram Marcos como uma de suas fontes. Diferem, porém, na forma em que usaram Marcos. Parece que Mateus nao conseguia nunca ignorar Mar- cos, E como se ele estivesse ampliando 0 esbogo de Marcos. Em con- trapartida, o Evangelho de Lucas esté formado pela alternagao de blo-

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