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Simon Bouquet Introdugdao a leitura de Saussure Tradupto Carle AL. Salam ‘Ana Lécia Franco a EDITORA CULTRIX ‘Sto Paulo UMARIO. PREFACIO. Aparato cristco 1. Estabeleciment, referéncias ¢ datagdo dos textos saussurianos ctados.. IL, Abreviaturas bibliogrdficas 7 Preambulo EPISTEMOLOGIA, METAFISICA E CIENCIAS HUMANAS 1. Saber positivo, saber ndo-positivo 2. A crise da metaftsica e o nascimento da epistemologia moderna 3. Teoria gerais ¢ teorias pariculares dos saberes.. 4. Dominios da flosofa das cigncias humanas 5. Projegdes disciplinarese rscos da filosofa das cincias humanas 6. Esquema scree ssceseueae Primeira parte DA CONTEMPLAGAO DE UMA ESFINGE AFILOSOFIA DE UMA CIENCIA Primeiro capitulo. A esfinge da linguagem 1, Gonese de uma busca. 2. Uma contemplagao solitria. 13 2 4 27 31 36 4 54 57 62 0 Inrodugao a leiwa de Saussure Capitulo TI. O objeto, a cigneia e a teoria da ciéncia 1. O obscura objeto... i 68 2. “Una filosofa da linguisica” ae 16 Segunda parte UMA EPISTEMOLOGIA DA GRAMATICA COMPARADA, Primeiro capitulo. A gramética comparada, ciéncia do espirito 1. O impasse da querela das es fortis... ae 8 2, Uma ciéncia com mania de epistemologia....e.sessesssssse 87 3..A gramética comparada,ciéncia prcol6gica 2 Cepitalo 1 Una epstemlogi alien 1. O evitério da teralizagio...... ce eee oT 2. O critério de formalizagao ? 100 3. O critério de refutablidade 0.00. aac 104 4. A epistemologiagalileana de wna ciencia do espiito Fee AD: Capitulo TIL “A lingua” 1. O comparatismo e 0s inguajares (parlers) esses AIZ 2. O axioma da iguabdade das inguas-.. ee ns 3. Génese do conceto de “a lingua” cra screen 19 4. A lingua como generalidade do espectfico a 12 ‘Capitulo IV. “Um sistema de signos” TO signo comparatista es 128 2. Os esmato da mudanga forolgica 130 3. A ciéncia do som € 0 sentid0 «...sseecee sisi 135 Mecanismos semanticos da analogia acts) 5. "A lingua € um sites de sgnos”,proposga eistemolia v.00. 142 Terceira parte UMA METAFISICA DO SIGNO LINGUISTICO Primeiro capitulo. Uma visio “geral”e “filos6fica” sobre a linguagem 1. “A lingua é wm sistema de signos”, proposigdo metaftsica 145, 2. "Una vs geal” sc. i 148 3. “Uma visdofilosfica” i 152 Sumésio Capitulo TL Lingitstica, semiologia, psicologia 1. A “base semioldgica”e sua oeutaga no Cours 2, Propriedades eomeuns da lingua e das outros sistemas semligcs 3. Allingua, “padrdo" da semiologa 4. A lingua, tipo semioldgco singular 5. Semiologialingustica epsicologa: dependéncia e mdependéncia, 6. A lingiéstica, “ABC” da psicologia. = Capftulo 111. Da heranca das Luzes a uma revolugdo metafisica 1. A semiética dos enciclopediseas q 2. Ara dos dicionérios 3. A renovagio da rerdrica 4. Convergéncia da gramética gral e da gramdtica comparada 5. Uma nova objetivagdio do signo 6, Renovago do tema do arbitrério e da nogdolxicolégica de “valor” 7. A metafisica de wma nova gramdtica geral Quarta parte © PROGRAMA DE UMA GRAMATICA DO SENTIDO Primeico capitulo. Uma epistemologia programatica 1. Os fundamentos de wma epistemologia programdtica.... 2. Desdobramento do abjeto do comparatismo 3. Os dominios da cigncia da linguagem . 4. Uma mathesislinguistica 5. Uma gramatica geral do sentido Capitulo II. O arbitrério como razio do signo 1. "Signo", um conceito escorregadi «..... 2 © Con us oes 0 bird so 3. Teoria do arbitrrio. Capitulo IIL. 0 objeto semantico 1. °O fato mais capital da lingua” 2. O sentido como fato concreto 3. As “entidades abseratas da lingua” ¢a sintaxe 4. O objeto transversal de wma gramética unificada Capitulo IV. O valor seméntico 1. Complexidade do valor 2. O valor in absentia: valor interna 158 161 163 166 167 174 179 - 184 186 189 193 - 195 198 205 209 21 220 23 28 21 Ba 239 242 246 250 254 257 2 Trrodugdo &letwra de Saussure 3. Ovvalor in absentia: valor sistimico 4. Ovalor in praesentia 5. Valor, lingua, fala Epdogo HORIZONTES EPISTEMOLOGICOS DA. SEMANTICA SAUSSURIANA 1A lingua como dlgebra..... 2! Mathesis lingustica ertéis epistemaigias. Bibliografia {Indice de nomes.... 259 .. 261 m 281 287 303 313 PPREFACIO Em 1913, aos cingiienta e quatro anos, morria Ferdinand de Saussure Lingiirta renomado, embora se mantivesse afastado de seus contemporaneos, sua celebridade, nessa época, estava ligada a uma importante obra de lingifs- tica histSrica — Mémoire sur le systdme primitf des voyells dans les langues in- do-européennes — escrita ¢ publicada em 1878, antes de seus vinre em anos Trinta anos depois, s6 uns poucos estudantes tinham tido acesso a ensinamen- tos de naturesa completamente diferente: 0 curso dado entre 1907 e 1911 na universidade de Genebra, sob o titulo “lingustica geral”, que era, segundo 0 prdprio Saussure, uma “filosofia da lingistica” — curso que foi interrompido bruscamente pela doenca. Noentanto, sao essas alas quase confidenciais, mais do que Mémoire, que conferiram ao genebrino uma estatura monumental na historia da cigncia da linguagem. Essa segunda gléria, péstuma, Saussure deve a0 livro publicado em 1916 sob o titulo Cours de ingustique générale escrito, a partir de notas dos alunos, por dois de seus colegas, Charles Bally e Albert Sechehaye. Singular aventura a desse texto — singular aventura com a qual se confunde o destino de um pensamento. Que Bally e Sechehaye realizaram uma sintese magistral da reflexdo saus- suriana é um fato comprovado pelo sucesso alcangado por sua obra. Mas essa obra oferece, por outro lado, um reflexo deformado do pensamento que preten de divulgar, falseando, sob dois importantes aspectos, as notas do curso € os rmanuscritos de Saussure em que se apsia. Em primeito lugar, o Cours € organi- zado segundo a ligica de um sistema acabado — uma I6gica, imposta aos textos originais, que comanda 0 plano do livro assim como algumas de suas proposi- ‘g0es e articulagbes — enquanto que, nas notas dos alunos e nos manuscritos, esse sistema, a bem dizer, ndo existe: esses textos testemunham, 20 contrério, tum pensamento formado por pinceladas separadas, que chega, em seus desen- 4 Inevodugdo dleitura de Saussure volvimentos mais precisos, a assumir a forma de aforismos." Em segundo lugar, 2 ratio que ordena o sistema acabado do Cours &a de um discurso homogéneo: 0 discurso de wma pura epistemologa programética da ciéncia da linguagem. Aqui, 2 falsificagdo realizada pelos redatores, conseqiéncia da precedente, € mais pro- funda e mais insidiosa, pois os textos originais obedecem a uma coeréncia com pletamente diferente: elaboram uma reflexo que se inscreve em configuragSes bem distintas de pensamento. Essas configuragées de pensamento, que podem ser chamadas de configuracdesdiscursivas, aparecem claramente desde que for- ‘mulemos sua hipétese — como uma anamorfose se revela naturalmente, num quadro, aquele que a reconheceu uma primeira ver — : formam um planeja- mento I6gico que atravessa o conjunto do corpus saussuriano de lingutstica ge- ral. Sao elas: (1) uma epistemologia da gramética comparada (epistemologia entendida aqui no sentido estrito das condigdes de pertinéncia de uma ciéncia existente); (2) uma reflexio “filoséfica” sobre alinguagem (veremos que o ter- smo filssfico deve ser entendido em Saussure — por oposi¢do a0 que etiqueta atualmente ode epstemologia— no sentido de uma metafsca); (3) uma episte- ‘mologia programética da lingistica —em outras palavras, uma projeedo susten- tada pelas duas configuracSes precedentes, quanto a cientificidade de uma dis- ciplina futura (articulando-se esta terceira configuragao discursiva sob a forma de um desenvolvimento especifico interior & segunda). Dessas trés configura- «es discursivas distintas, a homogeneizagdo imposta pelos redatores do Cours sedé decisivamente através de supressbes: supressdo da pregndincia (metafsica) da “base semiol6gica”, que no entanto é longamente discutida na introdugso do segundo curso, supressio sistemtica da temética “filoséfica” das aulas e dos cescritos, como também supressio ou ocultagao de enunciados que colocam cla- ramente os crtérios epistemol6gicas da ciéncia comparatista assim como os da cigncia lingistica esbogada. Além disso, a apresentacao feita por Bally € ‘Sechehaye dos conceitos cardeais da linglisticasaussuriana — como a teoria do arbitrétio ou a teoria do valor —,sujeita a ambigiiidades ¢ até mesmo a con- tra-sensos, participa dessa homogeneizacao artifical: (E preciso admitir, sejam ‘quai forem as criticas que se the possam fazer, que o ponto de vista organizan- 1. Iso io significa, connudo, que ndo haja um sistema elaborado ao longo da reflexto saussurana:o ponto é que se hi um stem, ndo€ unicamente ode uma epistemologia progra- sméccada linguistic. 2, O career ambiguo da posgio de Bally eSechehaye cansparece em seu preficio: depois de apresentarem com muita cies wis obra como uma “econstituig” ou uma reciagso efe- tuadas “com base no tercezo curso, eles afirmam que procuraram apresentar “coda as partes ‘numa ordem conforme inteneo de aute” (CLG. Cf. nf, aparato critica). Quem pode, neste caso, ser ltralmentechamado de aor (no se fala de autor de um curso), eno um personae gem imagindrio, um Saussure crado por Bally e Sechehaye precisamente como autor da horno- seneizagdo discusiva do texto de 1916? Precio 15 te do Cours delinguisique générale se revela muito eficaz. Seja como for, diante de um pensamento sutil mas incompletamente desenvolvido, como 0 do mes- tre genebrino, ¢ em relagao @ histéria das idéias na qual se inscreve o aconteci- mento editorial de 1916, a redugao de Bally e Sechehaye era, provavelmente, © melhor caminho a ser seguido naquele momento.) Se os trabalhos de exegese que apareceram na segunda metade do século? permitiram analisar a congruéncia ou divergéncia do Cours e dos textos origi- nis em relagZo a pontos especificos, eles no produziram, no entanto, uma andlise dessa congruéncia ou dessa divergéncia consideradas na perspectiva ge- ral das diversas configuracdesdiscursivas que organiza a reflexto do genebrino so- bre a linguagem e a ciéncia — esses trabalhos continuam a depender da éptica unificadora do texto de 1916.* Assim sendo, 0 privilégio de que goza o ponto de vista unificador do Cours de inguistique générale obedece a uma razto mais imperiosa do que as das aventuras desse texto e de sua exegese. Essa ratio, que otextoe a exegese apenas alimentaram, liga-se& historia das idéias. Com efei- to, sea particularidade do Cours & enunciar um projeto puramente “cient 0” ele se inscreve, nesse sentido, no movimento geral de positivagio dos obje- tos de estudo humanos —no movimento das “ciéncias humanas” — da época qual pertence, englobando o século XIX e século XX. Aqui, disténcia en- tre Saussure e seus intérpretes nao reside no fato da concepeao de positivida- de expressa nos textos originais ser, em si, oposta ou mesmo distinta da do Cours: a diferenga € que no Cours a positividade, relevante a uma ideologia implicita ¢ destituda das bases explicitamente “filos6ficas” sobre as quais ela se edifica nos textos originais. Em outras palavras:o texto de Bally e Sechehaye reflete uma teoria da cigncia que ndo é a de Saussure. Enquanto Bally ¢ Sechehaye empunham de maneira unilateral a bandeira comum de sua época quanto ao estatuto de uma ciéncia humana no campo dos saberes — em outras 3. Os dos acontecimencas mais importantes dahisria da exegee do Cours so as publi- cagbes do esuado de Robert Godel, Les Sources manuscris du Cours de linguitiue générale era 1957 e da edict cxttice de Rudolf Engler em 1968 e 1974 (ef. ina, agarato crtco). Nesas cobras baseiamsetrabalhos de interpetagio como os de De Mauro, Engler, Amacker,Jiger ou ‘Wander. Mais receneemente, surgia ua apresencapo dos textos manuscrits de lingutica geal, assim como uma andlise da inscrio desses textos na refledo sausurana sobre a lings: gem, consderada como transversal aos trabalhos do lingisa sob os anagraa as lendas get ‘minicas, em Ferdinand de Saussure, Lingus und Semiolge, Notze sus dem Nac, ed. Johannes Feht, Frankfurt, Subkamp, 1997 Cf. também, sobre a questo dos manuscritoe, J. Febr, “Saussure cous, publications, manucrts, ltrs et documents", Hisate, auatenologi, lengoge, 18-1, 1996. 4. Asi, Robert Godel, os refriepela expresso Yontes manuscits" a conjunto dos ‘eritos de Sausaue sobre a linguistica ger ele as remete apes de serem de 1891, 20 Cours ‘Da mesma forma, a0 chama indiferentemence ese ecrits de “nota, ele coloca implicit mente todoe or manuscrtossuesunane no mesmo nivel das anotagdes dos curse, 6 Introd &leitura de Saussure palavras, uma ideologia da positividade —, os enunciados originais de Saussure desenvolvem um pensamento infinitamente mais sutil e mats orginal: eles ela- bboram, ao mesmo tempo, 0 projeto de uma positividade (projeto mais radical que 0 do Cours, porque procura satisfazer uma epistemologia geral e no uma epistemologia ad hoc aplicdvel as ciéncias humanas) e uma especulagao, que se apresenta, por contraste, como filosdfica”, censurada enquanto tal por Bally «e Sechehaye — especulago a que atribuiremos a etiqueta metafsica, depois de definir cuidadosamente o sentido dessa etiqueta.* De fato, a profunda origina- lidade do trabalho saussuriano é justamente mostrar como, numa reflexo s0- bre 0 objeto e sobre o método de uma ciéncia humana, uma tal organizagto de ‘pensamento pode tomar forma. A leitura dos textos riginais livre da influén- cia do Cours de Lingustique générale e recolocada no quadro de uma teoria dos saberes, permite descobrir os modos pelos quais se tece essa relagao de comple- ‘mentaridade, que liga uma epistemologia da gramética comparada a uma meta- fisica da linguagem renovada por essa epistemologia —e que produz uma “epis- temologia programética”, ou seja, a projegl0 metafisica da epistemologia de uma cigncia futura, da qual uma gramética do sentido constitui o quadrante principal. ‘Sobre o fundo da aventura singular do pensamento saussuriano — aven- tura de um texto, aventura de uma exegese, aventura de uma interago com a histéria das idéias — inscrevem-se os mal-entendidos que esse pensamento motivou. A luz dos textos originais, alguns desses mal-entendidos se dissipam. O primeito mal-entendido é aquele que se enuncia sob a forma desta pro- posiglo: o estruturalismo em lngisticaé 0 estito desenvolvimento da epistemolo- sia programdtica saussuriana. Na verdade, nfo € nada disso. Porque a lingiisi- ca estrutural, como demonstrou Jean-Claude Milner, é fortemente tributéria, ro plano mais geral de sua epistemologia, de um antigo modelo da ciencia — tum modelo que podemos qualificar como aristotdico.* Ora, se esse modelo se inspira efetivamente nos conceitos saussurianos, e se € possivel ler a manifes- taco de um tal modelo no Cours (embora essa seja apenas uma das leituras possiveis da obra de Bally e Sechehaye), os textos originais revelam claramen- te outra coisa: a epistemologia programstica saussuriana ressalta, 0 contrétio, modelo que seré qualificado, num estenograma, de galileano.” 5.Cf. na, pretmbulo. 6.Cf. Inraducto due science du langage, Paris, Le Sui, 1989, principalmente pp. 642. (652-656. "Retour Sausure, Lares se wuss sues, m2, Pats Le Peroquer, abril de 1994 7. Apesar de adotar smn reserva a andlie de Milner sobre alingtica etutual ume fast totalmente dele quando se ata da aplicaco da efevida anise & Sausur:aposibilida- e de uma tal andlice ser aplicada 20 pensament> sauturiano deve se precisamente, como se vera a longo do presente lv, 8 uso de dria criada pelos edatores do Cou Preféco Ww (O segundo mal-entendido corresponde & marca deixada pelo precedente. E aguele que assumiu a forma da seguinte tese: 0 desenvoluimento da ciéncia da linguagem, tendo sucedido ao estruturalism, implica wma ruptura com a epistemo- log saussuriana — ou, pelo menos, com certos aspectos dessa epistemologia. Encontramos vestigios esse mal-entendido tanto na escolagenerativista quan- tonas escolas pragmaticistas de lingitstica (sendo que no caso'aruptura se refe- re seja. a0 lugar atribuido por essas escolasa sintaxe, a l6gica ouadiversos aspec- tos pretensamente remetidos por Saussure 2 uma “fala” (parole) exterior a0 objetodaciéncia da linguagem, sejaa uma teoriaepistemologica explicita dessa cignciat). Novamente, essa tese ndo corresponde a reflexo saussuriana: a ale- ‘gadasrupcurasse revelam —eventualmente —pertinentes em relago 0 “ars. totelismo estruturalista” (ou a0 “arstotelismo estruturalista” do Cours), e nfo em relag3o ao pensamento que se expressa nos textos originas. Na realidade, «em seus aspectos mais pertinentes, essa rupturas Ho perfeitamente resolvidas ppor Saussure — em outras palavras o linglista genebrino antecipa os desen- volvimentos da lingistica que surgiriam como reagio a lingtfstica que a ele se deve Um terceiro mal-entendido, avatar do segundo, € 0 que consiste em su- por que os desenvolvimentos da ciéncia da Kinguagem posteriores ao esmusraismo (os da gramética generativa em particular), ao romper com a epstemologia saussu- rina, econciliam-se com a tradi das concepgiesclassicas da linguagem dos écu- dos XVII e XVIII.* Trata-se, af também, de um Saussure diminufdo pelo Corrs pelo estruturalismo em questio, endo do Saussure dos textos originais. Nestes, a tradigao da era cléssica € pregnante, de maneira infinitamente mais clara que ‘no Cours (onde ela pode no-entanto ser descoberta, sustentando a propria logi- cca dos temas que sto expostos) — é explicita a ligago com a gramética geral, assim como a teferéncia aos “filésofos do século XVII" e © conhecimento de ‘Humboldt; a nogio de valor, por outro lado, deriva diretamente da lexicogra fia classica, Se h4 um pensador que abre, depois da gramética comparada, um novo capitulo da hist6ria da linguagem, reconciliando-se com a “lingtistica cartesiana”, ese pensador é Saussure, Enfim, um quarto mal-entendido, avatar do primeiro — historicamente ‘menos durdvel" que os outros 16s, mas de maior extenstio — pode ser citado a titulo de esclarecimento. E 0 que assumiu a forma da seguinte proposigio: a 8. A primeira categocia pertencem, por exemplo, posigies como at de Chomsky ou ‘Benveniste, segunda ponies como ade Chany ou Mile. 9 tse de Noun Choma, Jsenvlvida em Cousin ingus, Nova York, Harper, an Row, 1966; tra frances: La Lingsique caréinne, Pati, Le Sell, 1969. 10, Ainda ques legimo imagiar qu sempre esa através da pis eager os drs dae wopias eat 18 Irodugao & leitara de Seussure epistemologia saussuriana da lingistica€ urna epistemologia que pode sevir de mode- lo a uma epistemologia geral das ciéncias humanas. Mais uma vez, 0s textos origi- nais defendem o contrétio. Essa tese, utopia dos anos 60 e dos anos 70 — par- ticularmente na Franga e na Itélia — s6 pode ser sustentada ao prego de uma inverséo da relagdo de dependéncia l6gica entre Linguistica e semiologia." Allém disso, 05 cursos e 0s escritos mostram precisamente que, se a lingistica pode ser concebida como ciéncia, & como uma ciéncia galileana, ou seja, ape- nas sobre a base de uma epistemologia comum € no de qualquer epistemolo- gia especifica as ciéncias humans." Dissipar todos esses mal-entendidos e, feito isso, permitir a releitura de ‘Saussure em sua letra original nfo é, certamente, algo sem importancia nos dias de hoje. Além do interesse pedagégico notavel que representa o acesso & letra auténtica do programa saussuriano para uma iniciagio a ciéncia da lin- ‘guagem — o Cowrs de Linguistique générale é ainda neste fim de século, apesar das contestagSes (justas ou nao) das quais € objeto, o texto universalmente mais proposto aos estudantes! —, a descoberta dos textos ocultos sob o palimp- sesto de Bally e Sechehaye reserva, sem clivida, algumas surpresas aos linguis- tas interessados na histéria de sua disciplina. Mais ainda, o pensamento de ‘Saussure aparece como uma terra em grande parte virgem a ser explorada pe- los filbsofos — fildsofos da linguagem, fildsofos das ciéncias filésofos do conhe- cimento, filésofos apenas —: € provavelmente gragas a eles que esse pensa- mento possui atualmente o mais vivo valor heutistico. A andlise das configuragdes discursivas, transversais &reflexio saussuria~ na sobre a linguagem e sua ciéncia, que foram mencionadas — a saber, uma epistemologia da gramética comparada, uma metafisica linglistica e a episte- ‘mologia programética de uma ciéncia da linguagem—, comanda, naturalmen- te, asdivisdes do presente livro. (A essastrés configuragdes discursivas corres- pondem respectivamente a segunda, terceira ¢ quarta parte, sendo que a iltima se prolongs no eptlogo.) Uma evocagio do que poderiamos chamar de carster ico da pesquisa do genebrino, em suas dimensBes biogréfica e tedrica, precede essa andlise. Por outro lado, na medida em que uma representago dos saberes c das teorias dos saberes — que condiciona principalmente o sentido dado a0 vocdbulo metafsica — € implicita de maneira crucial 3 leitura que éfeita aqui, mostrou-se necessério precisar o quadro dessa representagao. Esse € o objeto LU Essa inversio foi cematizada principalmente poc Roland Barthes, 12. Sobre anogo de “galileanismo",cujoemprego consti no que medi respeito, antes de ead uma comodidade, até mesmo uma heuristic, fifa, preimbulo, 13. Além dortmo constante mantido pelasreedigdes ances, aparecem regularmente ‘uadugdes em linguae novasesegundas trades Pelco 9 do predmbulo, que delineia, em tragos gerais, a justifcativa de uma filosofia ds cigncias humanas fundada sobre uma relago de complementaridade en- tre a epistemologia e a metafisica. Se esse predmbulo esboga apenas um qua- dro conceitual, esperamos que o resto do livro traga também, & sua maneira, sua justificativa a posteriori." 1. Fago queso de agradecer a todos aqueles que me audaram a levar a cabo este traba- Tho com seus conselhos, suas sugestes, sus eis ou, em geal com seu apoio. Bu gstara de ‘mencionarparticularmente Olivier Amiel, Michel Arrivé, Syvain Auroun, Brigitte Bouuet- Danes, Marie-Claude Capt-Artaud, Jacques Cour, Brigitte Decroix, Simone Delesalle- Renaudat, Rudolf Engler, Johannes Fehr, Frangole Gadet, Pete Hauger, Lue Maillebua, ‘Thiesy Marchaise, Ande€ Martner, Hélene Marriner, Chudia Mejia, Claudine Normand, Clristian Puech, Michel Simonet, asim como meus fhos, Adrien, Carlin, Luiee Nicolas Sou grato pelo apoio intelectual ¢ material do laboratrio de histria das tetas lingatias (URA 381 DO CNRS), do GRHIL (Grupo de pesquisas em histia da lingosica), do Centre ‘national du ive e da Bibliothaque publique et unversiaie de Genebra. Eu me sntoprofun- damente devedor, por seus ensinamentos, a meus mestres de filcuofia lingsiea, pariculat- ‘mente a Sylvain Auroux, Jacques Bouverese, Berard Cerguigin, Antoine Culili «Jean: (Claude Milner: de maneira decsva,nateflexo epstemléica de Jean-Claude Milnes que se baceia a perpectva gral que onganizou minha rellexio. '

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