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MARIA FRANCISCA OLIVEIRA SANTOS EDUARDO PANTALEAO DE MOoRAIS RICARDO JORGE DE SOUSA CAVALCANTI (Orgs.) /Edufal cl a f UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS Reitor Eurico de Barros Labo Filho Vice-reitora Rachel Rocha de Almeida Barros Diretora da Edufal Maria Stela Torres Barros Lameiras Conselho Editorial Edufal ‘Maria Stela Torres Barros Lamei (Presidente) ‘Anderson de Alencar Menezes Bruno César Cavaleanti les de Oliveira Carvalho ido Pinto de Len Fernando Antinio Gomes de Andrade Janaina Xisto de José Barros Li milson Silva Barbalho Roseline Vanessa Oliveira Machado ‘Simoni Plentz Meneghetti Coordenagio Editorial: Revisdo ortogratica: Capa e diagramagio: Supervisio grafies Fernanda Lins Maria Francisca Oliveira Santos José Nildo Barbosa de Melo nilson Vasconcelos “Mircio Roberto Vieira de Melo Catalogagao na fonte Universidade Federal de Alagoas Biblioteca Central - Divisdo de Tratamento Técnico Bibliotecaria Responsivel: Maria 'SAUSSURE : outros ok Pantaledo de Morais, Ricard = Maceié : EDUFAL, 2014. 155 p. 8259 Bibliogratias: p. 150-155. 1, Saussure, Ferdinand de, 1857-1913. 2, Teoria lin . org. II. Morais, Maria Francisca Olive Cavalcanti, Ricardo Jorge de Sousa, org. ISBN 978-85-7177-833-7 Direitos desta edicdo reservados & Edufal - Editora da Universidade Federal de Alagoas Centro de Interesse Comunitario (C ‘Av Lourival Melo Mota, s/n - Campus A.C. Slides Chdade Universitaria, Macel6/AL Cep.: 57072-970 Contatos: wwwedufal.com br | contatowedufal.com. bbe | (82) 3214-1111/1113 ‘Auxiliadora G. da Cunha ares / Maria Francisca Oliveira Santos, Eduardo 1o Jorge de Sousa Cavalcanti (orgs.). ica. I. Santos, Eduardo Pantaledo de, org. HI. cpu: 81-1162 Editors afilinds: gee. Apresentagho «000. 1 o SUMARIO 9 Saussure, uma obra sem fim .... mestsereaeeil 3) Adilza Rita Gomes Gongalves e Maria Virginia Borges Amaral Da antiguidade classica a Saussure: 0 que se tem de estudos linguisticos? aaneee Almir Almeida de Oliveira e Aldir Santos de Paula Equivaléncias entre conceitos de Saussure, Benveniste e Jakobson e 0 processo comunicativo de reconhecimento e sintese de fala ..... Ayane Nazarela Santos de Almeida, René Alain Santana de Almeida e Miguel Oliveira Jr. O dialogo teérico entre Saussure e Benveniste: lingua, sistema e sujeito .... Diego Lacerda Costa Abordagem acerca da lingua como objeto de estudo e de cientificidade .... soe 71 Eduardo Pantaledo de Morais e Maria Francisca Oliveira Santos Saussure e o estruturalismo na teoria da argumentagio ... 81 Flavia Colen Meniconi e Maria Inez Matoso Silveira Selegiio combinacdo versus relagdes associativas e sintagmaticas: 0 estudo da metafora em manchetes .. Franciane da Silva Santos e Maria Francisca Oliveira Santos oy 8 Maia Fanciea Olvera Santos, Flurl Pantaleo de Moras, Ricardo Jog de Sous Cay cat (On 8. A lingua para Saussure, Benveniste, Jakobson ¢ Bakhti Josenice Claudia Moura de Lima 9. Saussure e sua relacio com 0 contexto universitério José Nildo Barbosa de Melo Junior e Maria Francisca Oliveira Santos 125 10. O estatuto da linguistica como ciéncia a partir da teoria saussuriana do século XX ... Ricardo Jorge de Sousa Cavalcanti e Maria Inez Matoso Silveira Saussure, uma obra sem fim Adilza Rita Gomes Gongalves Maria Virginia Borges Amaral Consideracées iniciais A discussao sobre a obra do renomado linguista genebrino, sua genialidade e percepgao ultrapassam os limites do que se tem visto em. tempos atuais quanto aos estudos da Linguistica, por sua inovadora e desafiadora maneira de considerar os fatos da linguagem. Rompeu com os estudos ja pacificados de sua época e representou um avango por sua proposta diferenciada, classificada, mais tarde, de “estrutural”. Por Saussure nao haver publicado seu proprio livro ou feito um trabalho sistematico e formal em que mostrasse seu pensamento acerca da lingua e da linguistica, uma série de ambiguidades foi suscitada. Por meio da leitura de seus outros trabalhos e textos, constatam-se clareza e precisdo, em contraponto aos de estudos das linguas em “Curso de Linguistica Geral”, que so anotagdes incompletas de alunos e manuscritos inacabados, onde se contrapdem conjecturas que, muitas vezes, se contradizem. Ao estudarmos scus textos, percebemos a dedicagao de uma Vida inteira voltada a reflexdes que, mesmo quando nao conclusivas, mostram a perspicacia do linguista acerca da natureza da lingua e da sua fundagao como ciéncia. Em decorréncia dessa caréncia de conclusao, sua obra ficou aberta a interpretagées por uma admiravel quantidade de literatura subsididaria. : O objetivo deste artigo nfo é tomar partido diane i confrontos que a obra de Saussure representa, mas apresen| al joinegivel esua incansivel determinagao em mo ap que, de acordo com agugly que fone de contribu sistematica nos estudos da rma e seu ponto de vista, parece mudar, tomandosse oes O presente se justifica, porque pretende trazer ; discuss a incontestvel importincia da obra de Saussure « qo debates intermindveis acerca de suas obras e da lingua, sem pong de vista a sua importancia ¢ o fato de gerar outras obras ue discutay e debaam o seu legado. 1, As mareas e Saussure Sabemos que Saussure é conhecido pela edigao feita a partir de seus manuseritos, redigidos por ele, com o objetivo de preparar 0 cursos de Linguistica Geral, ministrados de 1907 a 1910. Entre os a Suas anotagdes precisas em seus cademas a maneira como 0 curso era abordado, foram de val Oefe soe gl CLG causou em seus primeitos aos de edigio abordadas nessa obra, como a distingao entre lingua ¢ fala, foi impactante e Nesse caminho, a Linguistica teria s tarefas de fi a caminho, a Linguist alee 28 deserigdo e a histéria de todas as lingua, deduit Berais, delimitar-se e definir-se. Pa as citacing ae 4 Linguistica é colocada na posigio contriia linguagem nio sig fem dos dados dos sentidos, porque os fatos d# em Siva 209) tte 4 experéncia humana, Segundo ems fla © tinguagen SU*882S que 0 CLG coloca sobre a ling ¢ ‘arcam a linguistica que, a parti dat, nao est SAUSSURE: OUTROS OLHARES 15 diante do mesmo objeto. A nomeacao da lingua como esse ras consideragses sobre 0 seu furncionamento propiciaram objeto & ‘studo da lingua, a sincronia, que, Com as 1eoF%- de valor e “tlimensionou o saber acerca do signo Linguistico- fe © CLG produziu ao estudar a lingua .z, com que os leitores nao um do signo, ‘A importancia qu como objeto da lingastica, eertamente fe : se etivessem na questao de a edigAo ndo ser escnts pelo proprio Saussure; seus discursos, apesar de péstumos, fascinavam. 1.1 A Concepso da Lingua e da Linguistica Na introdugdo do CLG, Saussure difunde os fundamentos da ituindo-a como ciéncia e, nesse ponto, do suas tarefas e seu objeto e, assim, poe em evidéncia uma das a ingdo que faz entre lingua ¢ fala. Para Saussure, a linguistica geral deve suceder a linguistica érica, ea gramatica comparada e suas tarefas consistem em fazer ica de todas as linguas que puder abranger, deduzir Concretamente, a linguistica tem sua utilidade em fornecer ferramentas de observagio, tanto gerais quanto precisas, que serao \das porinteressadosna lingua, Dessa forma, Saussure ultrapassa a comparagio conjuntural das linguas particulares, como fazem os especialistas da gramatica comparada de sua época, para estudar a estrutura geral da lingua Para que fundamentos essa disciplina, € preciso antes definir seu objeto, conforme Paveau (2006). Segundo Normand (2009, p. 62), jé na introdugao ¢ nos primeiros capitulos, o que havia sido anunciado € retomado sob _-"-"- RQ | 16 ia Foss cn Set tao Mons Rea pou Cake a Ory a forma de afirmagdes abruptas. Face ao carter multiforme cchamamos de linguagem, que eum principio de classificagio’ particular; um sistema de signos; Pore mais importante dos sistemas” ‘Ao estudarmos Saussure, é visivel a determinagio dy linguista em destacar e conceder & cigncia da lingua o lugar que, para ele, € 0 verdadeiro no estudo da linguagem. O CLG afirma que o problema linguistico é, antes de tudo, semiol6gico (¢ todos os nossos desenvolvimentos tomam emprestada sua significagio fato importante). Ao querermos descobrir a verdadeira naturcza da lingua, & preciso concebé-la inicialmente no que tem em comt sistemas da mesma ordem. A lingua € um sistema qu propria ordem (a de uma gramética) comparada ‘Ao conceder ciéncia da lingua um lugar verda conjunto de estudo da linguagem, foi possivel situar a linguistica e todos os elementos da linguagem que constituem a fal. com outros, conhece sua jogo de xadrez, © objetivo apreciado por Saussure, a partir da visto de seus alunos, em seu curso de linguistica, estava em ultrapassar a comparagio conjuntural das linguas particulares e, assim, estudar a estrutura geral da lingua, Consultando o CLG de Saussure (2002), vemos que, nele, a linguistica encontra diante de si, como objeto primeiro e imediato, um objeto dado, um conjunto de coisas que se encontra sobre o sentido; ela é colocada no extremo oposto das ciéncias que partem dos dados dos sentidos. Assim, constata-se que a a guagem é uma atividade humana; lessa forma, seus fatos nao seriam exteriores a essa atividade, fazem parte dela, so produto dessa experiéncia, A : : © nomear a semiologia como a ciéncia mais geral da qual a linguistica faz parte, en é , enquanto ciéneia de 2 snii le signos, Saussure (2002) ope incia que estude a vida dos signos no seio social, lo a Linguistica como parte dessa ciéncia. SAUSSURE: OUTROS OLHARES 17 ‘Uma das oposigSes fundamentais do CLG esté na distingao entre nga fla. Ao proporcionardefnigbes mais clarasdangua, Saussure vin rece a rlagio entre Kinga elinguagem, o que fiea bem exposto 30 rms 0s cara ingua em Saussure (2002), ao dizer que dos fatos da linguagem; parte social gua distinta da fala, cabe estudi-la separadamente: uma hhomogénea ¢ a outra heterogénea; a lingua social, essencal, registrada passivamente, psiquica, é a soma de marcas do cérebro e modelo wo, contrapondo-se a fala, que € individual, acessorio, mais ou {to de vontade e inteligéncia, psicofisica, soma daquilo nao coletiva. que as pessoas di Dessa form de linguistica p: Je anuncia que se poderia conservar © nome ada uma das disciplinas, sendo necessério no confundir com a linguistica propriamente dita, cujo objeto de estudo &a lingua. ‘Apesar de Saussure demonstrar sua preferéncia, ele no negow a existéncia da linguistica da fala e, apesar de no abordada pelo linguista genebrino, tornou-se ponto de medida de evolugoes futuras das ciéncias da linguagem, que mais tarde as abordariam nos estudos da pragmitica, estilistica ¢ andlise do discurso, entre outros, onde mais uma vez se aponta sua absoluta contribuigao a0 proporcionar uma base aos estudos de outras areas. Mais um ponto definido por Saussure é a distingfio entre fonologia ¢ fonética: esta & historica, enquanto aquela esté fora do .do os sons da lingua, liberando-se da palavra eserita. Na primeira parte do CLG, Saussure (2002) determina signo, niio como reflexo da realidade, como se as palavras, %% serem nomeadas, imprimissem as realidades ¢ os pensamentos. © pensamento teria uma forme anterior a ele (a0 signo), nfo send ——————— 1g. Minas Oli Sts Faro Prteo d Mons, Rito le Soas Conia Sa (Opa) uma simples nomenclatura, pois existem diversos term, correspondem a tantos outros. Para o linguista, essa conve engessada era criticvel esupunha que o nome se unia i coisa me intervengdo muito longe da verdade e o fato de mesmas reaidafe possuirem nomenclaturas diferentes em diversas linguas, provers nao existir 0 acaso entre lingua e mundo. es S que Essa precisfo levou-o a definiro signo nao um conceito e uma coisa, mas, ¢ sua representaglo a partir de nossos sentidos, sendo essa unidade psiguica abstrata. Signo e realidade pertencem a duas ordens diferentes, um nao representa o outro, mas esto associados, assim, a teoria de Saussure se separava da teoria da representagio, Buistico, que unia « 2. Criticando o mestre ‘Vemos com assombro um momento em que a representago de Saussure parece se romper sob nossos olhos, e, ainda assim, com um acanhamento, cor Saussure estruturalista, fundador de uma lingui de delimitar seu objeto, a lingua, que se opde signos a ser estudado em si mesmo e por si, abstragai s ragio fe historicidade ou subjetividade. " cian Para Saussure, a lin; 7 + a lingua no existe independen susios Segundo o préprio autor, (2002, p. 101) *f..] a uma entidade € nao existe sendo nos Sujeitos falantes” matéria de lin; ord mae eetage™, m0 fim de un m lay tica a si mesma”, eee Para Saussure, SAUSSURE: OUTROS OLHARES 19 radicalmenteincapaz de se defender contra 0 fore ane des ods 7 Fastante em instante a relagzo do significado ¢ do significante”. Assim, J © homem que pretendesse eriar uma lingua tavel[..J se pareceria com a galinha que chocou a lingua criada por ele seria arrastada um ovo de p quer cle quisesse ou nao pela corrente que leva toda lingua (SAUSSURE, 2002, p. 91). Para Saussure, de acordo com suas citagées, em Meli (1986) o que era fundamental € que nfo seria possivel escrever um livro que pudesse aleangar uma sintese iluminada do sistema da lingua, algo {que pudéssemos derivar de um principio inicial e, progressivamente, incorporéssemos todos 0s varios aspectos desse fen6meno. “Ascriticas enderegadas a cle tendiam ao “Curso de Linguistica Geral”, organizado por Charles Bally e Albert Sechehaye. Essa obra, segundo Francois Rastier (2003), nao ilustra “de modo algum” 0 1on Bouquet (2004, p. Saussure teria sido conhecido, reconhecido, interpretado, criticado, em uma palavra, assimilado pela historia das ideias, muito antes Segundo ele, esses textos foram “[...] apagados sob as linhas do livro de 1916", de modo gus € somente no século XXI que eles se tornam acessiveis a0 mesmo tempo legiveis em sua continuidade e auxiliados pela lologia necesséria” (BOUQUET, 2004, p. 89). Segundo Bouquet, é tempo de ler Saussure, reler e discutir ©, a partir dai, fazer a reconstituiggo do seu pensamento, dessa vez. a partir das fontes manuscritas do autor. A ideia pode ser interessante hoje, é que as ideias de Saussure sio consoantes com 0s desenvolvimentos atuais da linguistica: se 0 século XX foi 0 século das teorias linguisticas fundadas a partir de uma abordagem Cr 20 MetaFrame eon, ice ig So Cray sada, hoje a Linguistica parece rearticular exy em por meio de outra forma, mais ligada & retérica e 4 da linguagem, em que “[..] se interpreta 0 agenciamento dos dtomos de sentidos a partir de outras bases que sua composicionalidade” (BOUQUET, 2004, p. 103) ‘Na opinido desse autor, Saussure é 0 tedrico no somente da dimensio légico-gramatical, mas da dimensio retérico- hermenéutica também: do signo trata, de fato, tematiza 0 orma que ele deixa aberta a de modo que a essa abertura ossa corresponder o dominio da linguistica da fala (BOUQUET, 2004, p. 128), Para Bouquet, 0 CLG ¢ um texto contestavel por nfo ter sido realmente escrito por Saussure, pelo fato de existirem fontes manuscritas, efetivamente acessiveis neste inicio de século, Esse pensamento ndo est, contudo, livre de oposigdes. No que conceme 0 fato de ndo haver sido escrito por Saussure, é preciso observar que as citagdes do autor apresentadas e que mostram um Saussure néo estruturalista foram extraidas do proprio “Curso de Linguistica Ge Publicado em 1916, Nao pretendemos aqui, afirmar simplesmente que o Curso redigido por Bally e Sechehaye reflete o pensamento de Saussure, mas que as escolhas dos editores no foram tio infelizes como se costurma pensar em geral e que, se mesmno nfo sendo um texto ‘legitimo”, ico" » ele ndo é tampouco um texto inteiramente “‘inaut bo © saussurianismo possui muitas criticas e vozes dissonantes, e B tuquet nao é certamente a tnica voz a ecoar. E facil identificar elo menos outra orientagao de cardter histérico, SAUSSURE: OUTROS OLHARES 21 saussuriana teria ‘ada e, finalmente, unificada ou superada, num ; ciéncia linguistica em que existiu uma série de sbordagens que emergem ao longo de todo o século XX. . Se o saussurianismo privilegia as reflexes de Saussure sobre vies eral, tem-se ai seu aspecto mais importante para o ane it enc lingdistica, sendo esse o aspecto mais estimulante thas reflexdes saussurianas, por diversas razdes, em particular, por is na vida piblica de Saussure. ‘A seguir, reproduzimos um fragmento que ¢ proveniente wu, em 1894, a seu antigo aluno presente da seu de uma carta que Saussure escrevet Mas eu estou bem descontente com tudo isso ¢ com a dificuldade que hi sua categoria prevista: © 30 me puerilidade de tudo © que se pode fazer finalmente uta da meu prazer o que o de nio ter de me jocupar com a lingua 22 aia lee Sets Pat Nes ice oe Sa Cy mic Saussure confessa seu descontentamento com linguisticos. Ainda que seja apenas esse lado etnogiges pesquss, & perceptivel a impossbildade de continua a reflexes, tendo em vista 0 estado aiual dos estudos lings ea necessidade de uma reforma, Eis, assim, uma reflexdo sf um problema com 0 qual Saussure se depara de ordem ment linguistica do que epistemolégica, ©8 estudos Ocurso de linguistica até entao ministrado por outro professor que se aposentou na Universidade de Genebra, intitulado “ling s linguas indo-curopeias”, fo confiado a Saussure. Isso se passa em 1906. Serio ao todo tres cursos: 0 primeiro, ministrado de janeiro a julho de 1907; o segundo, de novembro de 1908 a junho de 1909; e, finalmente, o terceiro, de ‘outubro de 1910 a julho de 1911. Importante observarmos ainda que © conteiido previsto, como o priprio nome do curso indica, nao se restringe unicamente a linguistica geral, pois a linguistica histérica também era contemplada no referido curso. Imediatamente, apés a sua morte, em 22 de fevereiro de 1913, iniciou-se a tentativa de reconstituig4o do pensamento de Saussure sobre a linguistica geral. DeclaragSes de contempordneos mostraram © grande interesse nesse pensamento, a possibilidade de reconstitui- lo ¢ as dificuldades que tal projeto poderia apresentar. Meillet (apud ENGLER, 2004, p.49) observa que, da reflexo sobre a linguistica geral que ocupou uma grande parte dos uiltimos anos de Saussure, nada foi publicado. [1] Somente 0s alunos que assistiram aos cursos de Saussure em Genebra tiveram até agora o privilégio de seu pensamento; somente eles conhecem as formulagdes exatas ¢ imagens bem escolhidas que ele teria usado para iluminar um nove assunto. = a SAUSSURE: OUTROS OLHARES — 23 “convencionalismo” de Saussure surgem, sc a vablicagio desse artigo de Benveniste (1966). Charles Bally, apés @ Pu chayee Henry Frei entram no debate, defendendo Saussure, Alber Senco eed, a validade da tese do convencionalismo, Ou, aes. we Soussute era, de fato, um convencionalista, A posiglo afirmando QP vpqueles que criticavam Saussure © que, poranto, assume or nia de que o signo & motivado, seja de um ponto de ase cava paiva, estético, espirtual etc, bemcomoaquelaassumida vite onoma opm pono conver ambascomparihavam a Pov fencia de que Saussure teria sido um convencionalista. De Mauro Glas 403) Netfcn una tesa oso be, denen, procura, antes, suspender essa evidéncia © aprofundar o debate, Estabelecendo, antes de tudo, duas exigéncias, que ele assim resume: Criticas a0 suposto A primeira é a exigéncia de aprofundara interpretasa0 analitica do texto do C.L.G., a propdsito do qual se omega a notar os entaranhados, as suturas forgadas, as justaposigdes ambiguas; a segunda ¢ a exigéncia de aprofundar o valor intinseco da nogo mesma de arbitrario, especialmente em seu aspecto semantico, pois se a fonematica progressivamente aprofundou a nogdo saussuriana do aspecto relacional dos valores foneméticos, a semintica, por sua vez, na época do debate [...] permanece geralmente ligada a crenga aristotélica da universalidade dos significantes. Em 1968, 0 bernense Rudolf Engler publica sua edi¢ao do Curso, intitulada “Cours de linguistique générale” Tome 1. Trata- se de uma edigaio em que o texto do livro, de 1916, € posto os paralelo com as notas dos cademnos de estudantes (a So : desses cadernos era ignorada por Bally e Sechehaye) ¢ i = de Saussure, seguindo um modelo esbogado por Jean Rychns indicado a Engler por Georges Redard. a_>_" i — 24 Wes in Sts Er Pm Mens Riese 8 Cao ) © Curso consiste mais especificamente numa apresenagdo dy texto em colunas. Na primeira coluna, encontra-se 0 texto do pips Curso redigido por Bally e Sechehaye. Nas tés colunas seguites ay apresetadasasfontesconhecidas, sempre dispostas em fungodaprimei, cofuna, Nas duas colunas restates slo apresentadas fonts desconhecie pelos editoes do trabalho, de 1916, eos manuscritos do préprio Saussure Desse modo de apresentagdo, as fontes manuscritas aparecem dispostag de forma nfo linear, na medida em que slo apresentadas em fungdo da cordem de exposigio do Curso. Hé, contudo, um sistema de referéncia permitindo seguir um fragmento qualquer em sua continuidade, Se Bally ¢ Sechehaye optaram pela organicidade, Engler i que se trata agora de se interessar pelas variag&es e hesitagdes que, a seu ver, inspiram e fecundam o pensamento. O segundo tomo desta 1, publicado em 1974, é consagrado unicamente aos escritos de ica geral e retoma todos os textos genebrinos disponiveis na época, excetuando os consagrados a linguistica indo-europeia. Os dois projetos editoriais posteriores a esses citados so mais recentes. Seguem uma orientagao diferente, pri uma apresentagdo dos textos originais em sua continuidade; nio ‘mais em fungo do Curso, mas em si mesmos e por si mesmos. Uma edigio organizada por Simon Bouquet e Rudolf Englertraz a integralidade dos Beral, bem como as ligdes de linguistica geral, em sua continuidade. Apenas uma parte dessa edi¢o é constituida de textos inéditos, correspondentes a um fundo descoberto, em 1996, por ocasifio de uma Rete ta ae de Saussure; o restante & constituido por textos dos as eigdes (ENGLER, 1968/1974, }ouguet (2004, p, 129. identtica dois paradise a mite Bal com obra” e Saussure con ‘ando esse novo projeto, ‘paradigma do Curso de © “paradigma das ligdes orais ¢ dos mo obra”. Trata-se de uma SAUSSURE: OUTROS OLHARES 25 4 de um lado uma apresentagéo do pensamento et ats ‘uma légica que nao Ihe é propria; de outro, oe eavesentagao realizada de tal forma que uma continuidade do aa eto de Saussure possa ser recuperada, O projeto de Bally peSechehaye se inscreve, segundo Bouquet (2004), no primeiro paradigmaz"Se o Curso pode ser considerado comoa obra de Ferdinand wsure, trata-se em todo caso de uma obra bastante particular. jaridade esta ancorada na visdo ¢ na vontade de Bally € visio esta que Bouquet (2004) assim resume: La onde 0 critos e em seus cursos, elaborava uma meditagao gsito da gramética comparada, ou de filosof cempreendia uma reflexo metafisica incisiva ¢ hesitante, os alunos tinham como dever reduzir 0 pensamento saussuriano a0 puro programa de uma linguistica futura. Em relagdo aos projetos editoriais posteriores, Bouquet inscreve © projeto de Robert Godel no segundo paradigma, Contudo, segundo Bouquet(2004, p. 147),"ndose trata deuma edigaodetextospropriamente {entre outros objetives) de um trabalho preparatério para uma edigdio dos textos”. Quanto a edigo de Engler (apud BOUQUET, 2004, lo XXI os textos originais de Saussure se toram efetivamente is. Na verdade, a maior parte dos textos hoje disponiveis jé se encontrava também disponivel na edi¢do de Engler (1968). 3. Olugar e a posigao ‘Ao preservar a ordem de exposigao do Curso, na opiniao de Bouquet, preserva, ao mesmo tempo, uma l6gica que nao Ihe 6 Muir tein So, un Paleo de Mon, ae de su Cy race é propria, de modo que © verdadeiro Saussure sombras, 0 que justifica seu projeto de reconstituicdo de Saussure. Parece que 0 Curso sofre a mudanga de um texto cuja red como os préprios editores admitem, de forma bastante hy sae incorre numa critica, Saussure (2002) passa a ser retratado a texto que “ndo ilustra de modo algum o pensamento de Saussimt conforme Silveira (2008, p. 46). “u De acordo com 0 comentario de Normand (2004) sobre rmudanga de status, vemos que, relativamente a0 devoto trabalho de. critica textual, o CLG, da edi¢do de 1916, testemunha a sacralizagio da questo. Alguns chegam até a acusar os editores de terem deliberadamente deformado, transformado ou mesmo censurado 0 Pensamento saussuriano. O texto do Curso, em sua continuidade e sua coeréncia reconstruida, se encontra assim suspeito, e até oposto a0 pensamento auténtico, sustentado por um texto ideal e, como ta, inacessivel, do qual nfo conheceremos senfo fragmentos ou uma versio, que poderd ser necessariamente reconstruida. Em nota de rodapé, a autora observa o trabalho de Bouquet | (2004), que aponta como representante exemplar dessa posigdo ¢ defende possuir um trabalho de erudigio extremamente precioso. Mais adiante, afirma: “f...] é estragado por essaatitude estranhamente | agressiva, a0 passo que mesmo 0 editor escrupuloso das fontes ‘manuscritas, Rudolph Engler, jamais tomou essa atitude”. ed aoe que edita e estabelece juntamente com anaes os evs de Lingustique Générale, criosament te, Seaa ances queso, uma opnioradcslmente contri . Engler (2004, p.18) afirma: Permanece nay do pensamenty © CLG falsificaria a visto de Saussure? O que Jaberd (1916) escreveu de positiva sobre Saussure sas que ele coloca~¢ Que | © OCLG, as questdes ct ‘SAUSSURE: OUTROS OLHARES 27 revelam entre as linhas que ele havia podido ler a opinio verdadeira de Saussure ~ slo para mim a prova do contrério. A mesma coisa vale para De ‘Saussure’s system of linguistics de Rulon S. Wells, (WORD, 3, 1947). A repulsa de Schuchardt (que no podia saber que Saussure o admirava!) merece, contudo, até esse dia também a atengio. Rogger, ‘em Kritischer Versuch ber De Saussure’s system of linguistics [sic] (1941), permite por outro lado ‘medir a incompreenso que reina em outras mentes, ‘uma incompreensio que teria resistido aos “textos auténticos’ ~ tanto quanto ao CLG. ‘Assim sendo, Engler se mostra em profundo desacordo com as opinides de Bouquet, no compartilhando de modo algum as evidéncias que justificam a hipétese de um legado tardio. Mas sendo assim, é possivel interrogarmos sobre deslealdade ao pensamento de Saussure por culpa dos editores do Curso. Diversamente, de Bally e Sechehaye, a maioria dos linguistas contemporneos de Saussure critica 0 carter demasiado abstrato de suas ideias sobre a linguistica geral (HUGO SCHUCHARDT, apud NORMAND et al., 1978, p.174).. O episédio da primeira recep do Curso considerou essa obra uma perversio do Saussure verdadeiro, isto é, uma corrupgao do Saussure conhecido admirado, ou uma reflexdo demasiado abstrata que desconsiderava importantes aspectos de ordem empirica, de modo que sua novidade quase nao foi percebida de acordo com Bouquet (2004). 28 isc Olen Son, Ed Pato d Moi Ri ag ee Crag (py 4, Consideragées finais Terminaremos, enfim, nosso breve caminho dizendo que toda tentativa de reconstituigéio do Pensamento de Saussure est nesessariamente fadada a uma influgneia qualquer por pave st seus autores na exata medida em que se tata ai da reconsiigae de um texto irremediavelmente ii Teconstituir aquilo que nunca se constituiu efetivamente € certamente o resultado dessa tentativa, sem a qual nao como observou Engler, linguistica geral saussuriana, Ha, um limite na aventura que embarcaram Bally ¢ Secheh; aventura que pode set continuada, sem diivida, mas é os perguntemos sobre seu interesse efetivo atualmente, © Curso haveria, contudo, aye, uma Preciso que Individualmente, deduzimos que o trabalho representa uma importante ferramenta, mas ndo que ele venha mostrar um outro Saussure oposto ao Saussure do Curso, Ele se opée, antes, a uma determinada representagao de Saussure que o proprio Curso, todavia, Permite, muitas vezes, desconstruir. O que nos parece mais fecundo, Portanto, € uma critica permanente as evidéncias de que o século XX produziu e nao a produgdo de novas evidéncias, como mais ou ‘menos recente de um Saussure “auténtico”. igui Assica a Saussure: a antiguidade classica a Sauss que se tem de estudos linguisticos? Almir Almeida de Oliveira Aldir Santos de Paula 1, Consideragées iniciais Os estudos e as discussdes acerca da linguagem humana Ge sao recentes; pelo contriri, ha milénios, o homem tenta desven = ¢ compreender os mistérios da lingua, seu funcionamento ¢ fe Porém, apenas no inicio do século XX, com a publ cagio po uma do Curso de Linguistica Geral, de Ferdinand de Saussure, &q considera 0 nascimento da ciéncia linguistica. : Embora muito se discuta sobre as propostas dicotémicas da famosa obra de Saussure, pouco se fala sobre 0 que existia 7 linguistica antes da publicag3o do CLG. Havia algum tipo inguistica antes de Saussure? Que tipos de estudos lingu © antecederam? O que Saussure trouxe de novo para os estudos da lingua? Esses e outros questionamentos devem ser refletidos no decorrer deste texto, a fim de se entender por que, apesar de hd milGnios j4 se discutirem os fendmenos linguisticos, a ciéneia linguistica teve origem apenas no século XX. — Veremos que, desde a antiguidade até a Idade Média, jé oie uma preocupagdo légica/filoséfica acerca da natureza da og : como e por que o homem € 0 tnico animal que a possui. Tam! a devemos transcorter um pouco sobre os estudos Unga, que surgiram na Europa, apés o Iluminismo, ¢ que a 7 ee : por proporem uma protolingua, que dera origem a todas 30, Maas hein Se Peed Mons Rn oS Cy (Os) europeias, a partir dos estudos comparatistas. B, por fj refletir por que as propostas saussurianas representam ty corte epistemoldgico, nos estudos linguisticos, da lingua Im, devemos mM Verdadei, ro fondando uma Ciencia 2. Osestudos linguisticos na Antiguidade e Idade Média Desde os gregos antigos, jé se discutiam a natureza ¢ 9 funcionamento da lingua. No didlogo de Plato, Critilo, para se exemplificar, travou belas discussdes sobre a natureza original da lingua. Seria ela fruto da natureza ofertada ao homem, e como tal Ihe era indisponivel? Ou seria resultado de uma grande convengio social e, dessa forma, manipuldvel? Os defensores de uma visio naturalista da lingua alegavam que todas as palavras tinham uma relagdo direta e natural com as coisas, que representavam e eram mimeses da realidade. E, portanto, teriam 9 cternos € imutaveis, ndo passiveis de alteragdo humana. Os adeptos da corrente convencional pensavam diferentemente; defendiam que a lingua era o resultado de um costume da tradigdo, um contrato social ¢, como tal, poderia softer alteragdes humanas a cada instante istas’c0s ‘convencio Adisputaentreos ‘natur: devia protongar-se por séculos, dominando toda & especulagao acerca da origem da lingua ¢ da relago entre as palavras e 0 seu nportincia para a evolugio da teoria i la deu origem a investigagdes ‘etimoléyicas’ que estimularam e mantiveram o interesse dos estudios0s na classificagio das relagdes entre as palavras (LYONS, 1979, p.06), SAUSSURE: OUTROS OLHARES 31 lista que sustentava a nogdo de regularidade ‘asua era constituido pelos analogistas e chamavam & aten¢o da lingut genominavam de familias de palavras. Essas familias pare a am carter grafico ou sonoro regular entre si, o que era ie eaean ‘defender a ideia de realizagio natural da lingua de injas as palavras teriam uma origem onomatopaica, Os que se se pensamento, como 0s est6icos, chamavam a atengdo para os vocdbulos imegulares ¢ foram denominados anomalistas, No perfodo Alexandrino, os gregos desenvolveram uma preferéncia pela lingua eserita sobre a falnda, Acreditavam que pyingua literaria classica deveria ser tida como mais préxima da perfeigdo, como também, deveria ser almejada por seus falantes. © grupo natural u que t opunhamn a Aadmiragio pelas grandes obras literérias do pasado fencorajou a crenga de que a propria lingua na qual clas tinham sido escritas era em si mais pura ¢ mais correta do que a fala coloquial, corrente de Alexandria, de outros centros helénicos (LYONS, 1979, p.09) Assim, as pessoas deviam tentar se aproximar dessa lingua escrita cldssica ¢ tudo que se distanciasse dela seria erro. Os fildsofos gregos, seguidos pelos estdicos, foram os grandes responsaveis por estudar ¢ estabelecer as primeiras classes gramaticais que até hoje conhecemos, bem como uma andlise ica. moderna, Plato, por exemplo, foi quem primeiro fez uma definigao do que seriam os substantivos ¢ verbos, ao perceber que ha determinados elementos na lingua que dio nome as coisas, enquanto outras marcam agdes. Aristételes notou que um numero grande de palavras nao exercia quaisquer fungSes determinadas por Platdo, e acrescentou uma terceira classe gramatical que seria o das conjungdes. Protégoras, em seguida, notou que alguns elementos linguisticos eram gramaticalmente masculinos ou femininos ou >» aea_-— teehee” 132.‘ Muin nce Ovi Samo, is Panes de Mois, Ria re eS Cy Om neutros. Foi, nesse periodo, quando também se observou an tempo passado, presente e futuro, com as flexdes verbais, de 3. Estudos linguisticos apés a Renascenca Essa gramitica, que se apresenta desde os. gre a nasce sob uma ética descritiva, em que os seus Pree a, observam como os elementos linguistices se comportam, Ect estudos linguisticos atravessaram todo 0 periodo medieval até g Renascenea. Nesse periodo, na Franca, surgiram os mestres de Port Royal que defendiam uma gramatica especulativa, cujo principal objetivo era demonstrar que a lingua & um produto da razdo e que as diferentes linguas so apenas variedades de um sistema légico e racional. Os seguidores de Descartes defendiam uma capacidade inata de adquirir a lingua, bem como questionavam a gramatica do bom uso. Até esse momento, as investigagdes e discussdes acerca da lingua mostravam-se mais sob um aspecto légico-filosético que cientifico. Esses estudos partiam da observagio empitica dos estudiosos para chegar aos seus resultados, dispensando um rigor metodoldgico-cientifico para a obtengio de resultados. J4 no século XVIII, com a descoberta do sinscrito, os estudos linguisticos ganharam novas perspectivas, pois havia uma estreita semelhanga entre o grego, o latim e a lingua hindu, podendo ampliar os estudos comparativos entre essas linguas. Até entdo, as semelhangas greco-romanas eram atribuidas mais 4s questées sociais ¢ politicas que linguisticas. Com a adigdo do sanscrito a essa comparacdo, péde-se imaginar a possibilidade de uma tinica Esse pensamento, embora bastante criticado pelos estudiosos da época, motivari as ‘dein inatistas de Chomsky, na segunda metade do século XX. SAUSSURE: OUTROS OLHARES 33 it anto, originar essas trés linguas comparadas, que seria, port lingua o indo-europeu. [No fim do séc. XVIII descobriu-se que 0 sinscrito, a antiga lingua sagrada da india, relacionava-se com 0 nee eno gegen com ous Hing da Europa. Essa descoberta foi fita, independentemente, mais importante foi 1 varios linguistas. Desses, 0 porta 2 a Jones, qe dsr (1786), em palvas que se tornaram famosas, que 0 sanscrit fem relagdo 20 grego ¢ ao latim ‘tanto nas raizes dos ‘verbos como nas formas gramaticais’. uma afinidade tdo grande que nio seria possivel consideri-la casual: tio forte, em verdade, que nenhum linguista poderia ‘exatniné-la sem crer que se tinham originado de uma fonte comum que talvez no mais exista (LYONS, 1979, p. 24) mostrava Os comparatistas, porém, nfo se limitaram a essa comparagao entre grego, latim e sénscrito, e expandindo-a.a varias outras linguas, principalmente as europeias, o que aumentou as especulagdes acerca de uma protolingua que teria dado origem a todas as linguas ali conhecidas. Talvez, esse seja o primeiro momento na histéria em que se tem uma abordagem Linguistica mais preocupada com fatos, do que com especulagies filoséficas. No fim do século XVIM, nascew uma nova dsciplina linguistica que logo recebeu, gracas & sutoridade de Friedrich Schlegel e depois de Bopp, 0 nome de -gramitica comparada. Essa disciplina, que 9 pattir dos anos de 1810 se transformou num verdadero programa de pesquisa, tomou forma na relagio sistematica de suas perspectivas, acrescentadas &s das ‘gramiticas clissicas: de um lado a comparagdo das .guas entre si, de outro a historia fonol6gica 54 Mera Francia fei Sonos, EuardaPrsleo de Mois, Riso red Soa Corea orp € gramatical de linguas em partic 1997, p. 83). @ouguey, Camara Jr (2001) define esse periodo de investigag pré-linguistica, em oposicao aos estudos filoséticos da Ii ocorrem desde a Idade Classica e a linguistica propriament surgiria com 0 advento de uma proposta cientifica para dos fenémenos linguistics: 40 comp gua que © dita que xplicagay Podemos chamar aqueles trés estudc lin [0 esudo do Cero e Eraie 0 este ne Esirageiae oestudo Filolgico da Lingugent a Pré-linguistica, isto &, algo que ainda nto é linguistic, Por outro lado, 0 estudo bialégica © o estudoligico (ou em sentido lato, filoséfico) da linguagem ndo entrar no. domino da dit, Permanecer nos Seas yguagem. propriamente ites como um tipo de paralinguistica (CAMARA JR, 2001, p. 20). Os neogramaticos que surgem em seguida e também sio pré- linguisticos, dentre eles Karl Verner, afirmavam que as alteragdes percebidos na histéria linguistica, pelos documentos escritos, devem-se a leis fonéticas fixas que no variam, salvo por forga de outras leis. A evolucdo Linguistica se constitui pela substituiglo de um sistema de analogias ¢ anomalias por outro. Os neograméticas notaram também que os dialetos sio tA completos ¢ regulates quanto qualquer outra lingua, e suas diferengas seriam mais politicas € culturais que linguistics. Os dialetos nfo podem ser explicados por uma visio geogrifica. Perceberam que nao hii como definir © espaco de um dialeto, nem sua origem geogtifica, ¢ que Sut Testrigdo geogrifica se origina mais por questdes politicas do que por limitagdes linguisticas. ‘Alinguistica saussuriana E nesse contexto histérico que surge Ferdinand de Saussure, inguistica Geral, que originou o livro com o mesmo Iblicado postumamente por Charles Bally e Albert langa a proposta, ousada na época, de estudar Tingua por si mesma, transformando-a em objeto formal de ciéncia, Saussure concebe a lingua como uma instituigao social; uma convengao da realidade humana, enquanto a fala seriaa manifestagéo snaividual ¢ momenténea dentro desse contrato linguistico, comum, que se firma em seu valor atribuido. conjunto maior, lingua e fala, denomina a linguagem, que é, a0 mesmo tempo, fisica, fisiolégica e psiquica e nao se classifica em nenhum dos fatos humanos, pois nao hé como inferir em sua unidade sem abordé-la sob uma visio social, ampla (lingua) ou individual (ala). A linguagem se realiza através de signos linguisticos que obedecem mais a uma divisao interna. como Curso de Lit titulo, 0 qual foi pul Sechehaye, no qual I © estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes: uma essencial, tem por objeto a li é social em sua esséncia e independente do individuo; icamente psiquico; outra, secu tem objetivo a parte individual da linguagem, vale dizer, a fala, inclusive a fonaydo ¢ € psicofisica (SAUSSURE, 2006, p. 27). A linguagem, em sua totalidade, imbrica lingua ¢ fala, ¢ se realiza através de uma jungdo de um conceito com a imagem aciistica, ou seja, do significado com o significante, Saussure nao acrescenta a ideia de imagem acistica a imagem grafica Que a representa na escrita, por acreditar, concordando com os Neogramiticos, que a escrita ¢ apenas um acessdrio da lingua, ¢ ee 36 ei Sm ab in Kat que suas imagens graf Saussure deixa clara_a_ impossil representar o signo, Para ele, o si palavra, sendo conceituado apenas como a imagem ac de um som que nao é propriamente o som, E pensando nesta abstragdo existente entre significante, significado e @ que se refere, que ele chega a nogio de rariedade a, defendendo nao haver nenhuma relago natural entre © som pronunciado, ou mesmo com as letias que 0 Tepresentam, com aquilo a que esta associ sio entidades estritamente concei haver signos relativamente motivados, derivadas que tm motivagio em palavras pri As divisdes estabelecidas na cadeia act corresponder também a uma divisao ara cada conceito ou significado, te Junta para mantero signo, Para ele, éindisso entre 0 significado e o significante teferindo-se as. pi na cadeia de conceitos, isto é, Saussure caracteriza essa associagio através de trés Propriedades essenciais: primeiro, essa associagio >) SAUSSURE: OUTROS OLHARES 37 imagem asics (composto 7. ado Ou ificagao) cconvengio s0c' forma da destacadas por Bouissac (2012), . a sua arbitrariedade referencial ¢ 0 cago, ¢ 0 que concede ao do signo seja sintagmatica ou paradigmética? com -gridade do sistema gua. Fa repetigo de uma sonoridade com ito que Ihe outorga sua unidade lingui ddos signos linguisticos que revela a estrutura 38 Mains Ol St, tar Pons Mis Rea i aa cy, ala Todos os valores convencionsis are cariter de nio se confundir com ¢ ete que thes serve de suporte. Assim nao” moeda que the fixa 0 valor; um cscusg tt & nominalmente cinco francos deve tera ney importancia em prata (SAUSSURE, 2006; | mn I eae ‘angi lo é 9 bi Da mesma forma, o signo nao tem valor e Por convencio social ele se realiza. Acreditarq linguistics independentes de uma matétia fonics, divides clementos significativos, é0 que confere ao signo uma realidad Isso levaacrer que, em sua existéncia real, o signo adquire identidade, ao se consolidar socialmente com um mesmo valor linguistico. O valor linguistico de um signo é sempre paradoxal, tal qual uma moeda, em que ha uma dessemelhanga, que a permite posi uum valor diferente de outras moedas, e que tem como fungao a Possibilidade de ser trocada por um pao, pois ambos tém valores que se opdem:; por outro lado, ha um valor semelhante dessa moeda, "m si mesmo, apenas UE No existem fatog que Permite a sua comparagio com a moeda de outro pais, ou seja,o signo linguistico pode ser comparado intemamente com outros signos da mesma lingua, ou externamente com signos de linguas diferentes, Assim, fica evidente que 0 valor do signo se estabelece como tal, por fornecer ao termo um aspecto de oposigdo. “Sua caracteristica mais exata.é ser 0 que os outros ndo sio” (SAUSSURE, 2006, p. 136). Na significagdo da lingua, s6 existe uma relagdo extema de oposi¢ao dos signos, o que Ihes confere uma identidade. Para Saussure, cada signo contém seu valor atribuido. O autor argumenta que sinénimos nunca s&o exatos, por mais que sejam sindnimos. Isso é possivel, devido a oposigio do signo estabelecido Por seus valores que Ihes conferem uma identidade dessemelhante. Todavia, 0 valor linguistico nao se limita as oposicdes da Palavra, ele se expande aos critérios gramaticais, como género € SAUSSURE: OUTROS OLHARES 39 rmite haver as definigdes opositivas em todas as mero: i ; ngmero; © que P sulino e feminino, singular e plural, sujeito e Tings, quanto 0 mas ; fe outras. FeLi ove eiferenteslinguastém diferentes modos de sar cans oposigdes, pois a lingua tem o carter de convengao mat arte conccitual do valor do signo € constituida ae = vor rolagdes de semelhancas e diferengas com outros a fee 1a, podemos dizer que o mesmo acontece em sua parte fm jects na palavra nao o som em si, mas as diferengas fram ps a oe is ‘Acerca da arbitrariedade do signo linguistico, Saussure utilizou 0 exemplo do jogo de xadrez, pois se uma pega qualquer, como 0 cavalo, for substituida por um objeto qualquer, 0 jogo no ser comprometido, pois o valor que era atribuido ao cavalo, agora pertence & nova pega, Isso serd possivel sempre que a pega nio for igual as outras e, desde que nao interfira no sistema de regras do jogo. Da mesma forma, acontece coma lingua, quando uma palavra se perde, outra the surge no lugar, mantendo o mesmo valor, porém sem ameagar o sistema linguistico. O sistema como um todo pode ser descrito como um conjunto de relagdes entre relagdes. Esse sistema, considerando-se uma simplificagdo diante da imensa complexidade da lingua, permite-nos experimentar especificamente como Saussure delineou sua cconcepio geral da Jangue oudo sistema ling as particule, posiitndo-o. gents perccber como cle visionow 9 representagio de um sistema yeral que puese ss wile pa todas inguas € que constituisse uma teoria fing bascadananogde de valores dfee ias (BOUISSAC, 2012, p. 165). _—_— 40 Nara ln Sa, Fd Pantaleo de Moris, Rca on So Ca (Om) ‘Ainda comparando com esse jogo, cada alteragao na corre isoladamente, cada lance acontece por sus Ven, lingua revemos os resultados de uma evolugdo no signo; sio im ve Nonca as consequéncias provenientes de cada lance. Nao adam a sucessdo de lances para o jogador; para o falante amie adianta saber a evolugao histérica da lingua, apenas eon seu estado de funcionamento, mPreender o Apenas o que impossibilita uma cor ¢ mparaco mais entre a lingua ¢ 0 jogo de xadrez, éa intengtio, Neste, hia inter at do jogador, a0 mover as pegas, enquanto que, na lingua, te evolucdo ¢ involuntaria. ced Dessa forma, toda e qualquer evolugao linguistca ¢ permitida desde que preserve esse traco distintvo entre os signos. Assim, impora ‘menos 0 que hi de matéria fonica em um signo, do que aquilo que hi 40 redor do signo, permitindo essa diferenciag3o. O que distingue um Signo, portanto, é tudo 0 que o constitui. A diferenca & que essa relagio Ihe possibilita a caracterizagtio de valor e de unidade, Nas relagdes sintagmaticas, que sao baseadas no cariter inear da lingua, também se faz presente a oposigio do valor do ico, excluindo a possibilidade de pronunciar dois termo pronunciado anteriormente e os posteriores ocorre devido a0 valor que é responsive pela integridade do sistema ¢ assim mantém a significagao. Em nivel mental, como jé foi adiantado, as ideias se realizam por meio de oposigdes, de modo que as relagdes associativas, em que os conceitos se organizam, existem como uma constelagao, em que para cada termo dado, outros termos coordenados surgem em uma soma indefinida. Essas relagdes so associadas por oposigdes de valores estabelecidos ¢ que se transformam em signos, 20 Proporcionar para essa ideia conceitual uma imagem aciistica. SAUSSURE: OUTROS OLHARES 41 aussure defende que 0 signo fem um caréter estritamente no cabe ao falante alterar 0 valor do signo, no cabe ao jogador de xadrez, isoladamente, Si social, uma vez qu! a que dda mesma forma q| E00 Serescentar ou retirar uma pega do jogo. Para Saussure, um signo existe somente em virtude de sus significago; uma significagdo existe somente em virtude das diferengas entre signos. Uma composigao sonora se transforma em um signo somente quando & reconhiecida como pertencente a uma lingua na qual desempenha seu papel no sistema de altemancias e oposigaio (BOUISSAC, 2012, p. 169). Defendendo a lingua como uma convengio so. o valor linguistico é 0 responsdvel por atribuir ao signo esse cardter de oposigao. A lingua resulta de duas comparagées: a associativa e a paradigmatica. Foram essas as ideias estruturais sobre a lingua que transformaram Ferdinand de Saussure no pai da ica modema, ¢ possibilitaram uma verdadeira ruptura epistemolégica nos estudos linguisticos, pois é, a partir desse momento, que temos um objeto real de investigagao, a Lingua. Por outro lado, abandonam-se as especulagées infundadas que tinham como base as observagdes empiricas, sem amparo ifico, sendo ricas em preconceitos e dogmas pré-estabelecidos. Pela primeira vez, a lingua é vista como objeto concreto da ciéncia. A partir do Curso de Linguistica Geral, hd uma verdadeira Tepaginagao nos estudos da lingua. Assim, concordando com Benveniste (1989), todo que veio apés Saussure pode 42 Mencia iin Se Posen Re eS Cag, H lingu; que no ha como ignoré-lo. 5. Conclusio Desse modo, encerramos 0 texto, embora nao tenh: © mesmo com a reflexio acerca das origens teéricas de Sa publicago do Curso de Linguistica Geral, o que mudou estudos linguisticos em todo o mundo, AMOS feito nussure eda ‘© rummo dos Pudemos aqui considerar alguns pontos da teoria saussuriana que transformaram Ferdinand de Saussure no pai da lingui moderna, principalmente no que se refere aos conceitos de lingua, fala, signo ¢ valor distintivo desse signo e ao conhecimento de um ouco da histéria dos estudos linguisticos que antecederam Saussure © que, muitas vezes, é esquecida. j Essa discussiio nos permite entender a importéncia que tém 08 estudos de Saussure para a Linguistica produzida no século XXI, | Possibilitando uma gama de reflexdes sobre 0 funcionamento, uso ¢ as aplicagdes da lingua que caminham por correntes mais formalistas ou funcionalistas, mais estruturalistas ou mais discursivas, mais Praticas ou mais tedricas e, assim por diante. Equivaléncias entre conceitos de Saussure, : Benveniste ¢ J jakobson e€ 0 processo comunicativo de reconhecimento e sintese de fala ‘Ayane Nazarela Santos de Almeida René Alain Santana de Almeida Miguel Oliveira, Jr. Consideragées ini ‘Ao tomar a linguagem como seu objeto de estudo, Saussure a considera um fendmeno que compreende a langue ¢ a parole, no qual a lingua se constitui enquanto a parte da linguagem que esta submetida ao fato social presente, ¢ a ago do tempo condicionada a0 hibito © ao uso, cumprindo a ut Portanto, ria fungao de comunicar. gua ¢ linguagem sao distintas, uma sendo a estrutura formal que serve de veiculo de comunicacio no ambito de uma cultura especifica, enquanto a linguagem abarca toda a faculdade universal de comunicagdo através da associagaio de um contetido de Pensamento a uma manifestag’o sonora. Logo, a linguagem & qual Saussure se refere ¢ indiscutivelmente humana e falada, O outro conceito que compde a linguagem, a fala (parole) ‘em oposig&o ao carter social da lingua, e ias de fatores extrali icos. Assim, o enunciado benvenistiano, trata-se de um constituinte irrepetivel, uma vez que tendo sido evocado, jamais serd o mesmo. Saussure parte da andlise de que uma unidade linguistica, © Signo linguistico € produzido a partir da articulagio entre dois elementos psiquicos: o conceito ea imagem aciistica. Dessa forma, eee Sno Ears Pato Mis, Rage Sn era vt, ) @ mensagem linguistica se manifesta atravé contetido, © © mecanismo da linguagem se inter-relagao do signo linguistico, 8 Alt expressig « 4, realiza a parts det __ Oposto a Saussure, que estava preocupado linguistica, esta Jakobson cujo principal fato linguistico Para ele, a Linguistica gira em tomo desse elemens em entidade opositiva, relativa e negativa na lingua, Ta temenea em criaracigngiy m eler 4 adquire conteido na cadcia da fala, Por conseguinte pode is que sauséneia de sgnieado desempena tm papel propane na sistematica fonémica, ja que o fato de o fone ma N&O poss, contetido fixo, leva-o a adquirir um carster abstrato, ment __ Segundo a Escola de Praga, embasada nos conceitos do signo Iinguistico de Saussure, Fonética e Fonologia sio ciéneias distintas, A primeira é considerada fora da linguistica por estudar apenas on Sons de uma lingua, enquanto a outra é parte integrante por estudat as fungdes dos sons na lingua. Tal separagio foi reforcada por Troubetzkoy e Jakobson, mas posteriormente questionada, Jakobson critica 0 fato de Saussure s6 admitir a estrutura linguistica no eixo das simultaneidades, e situar cada signo linguistico num tinico eixo, o das sucessividades. Distintamente, ele introduzanogio de trago distintivo ao defender que o fonema é a unidade fonoldgica simultinea e sucessiva. Em algumas partes da obra saussuriana, 0 fonema se faz presente em sua andlise, embora no contemple a nogdo de trago distintivo, conforme apresentada por Jakobson. Para Saussure, um fonema ¢ identificado quando se determina seu ato fonatério. Assim, ao defini-lo, Saussure argumenta que alguns fatores so necessarios para a produgdo sonora, tais como: expiracao, articulagao bucal, vibragdo da laringe ¢ ressonincia nasal. Desse modo, os sons so classificados, conforme seus graus de abertura. Paraele, enumerar fatores de produgdiodo som ndo édeterminar 0s elementos diferenciais dessas unidades. Em relago aos detalhes SAUSSURE: OUTROS OLHARES 45 muitas vezes demonstram a continuidade existente sv eporias, esses nao englobaram a fala nos estudos de ava preocupado em definir uma disciplina cientifica. tar postulados e categorias que dessem conta nio seria possivel se levasse em consideragao fonéticos, ° oe que esta Logo, a Saas vidade, erm individual como a produgao oral. ‘Ao tratar de sons continuos, da mesma forma que Saussure, Jakobson também ndo aborda a questio da fala e detalhes Cx icos linguisticamente pertinentes, talvez por estar Preocupado em _ rar sua tese de que o fonema ¢ a principal unidade de analise guitica, ‘Nessa andlise, ndio ha em embasamento em duas linguisticas: uma da lingua e uma da fala; afinal,, segundo Benveniste, ° locutor estabelece certo tipo de relagdo com o seu proprio enunciado e 0 mundo. A ligagao entre os locutores ¢ 0 discurso coloca este ultimo no lugar onde se realiza o relacionamento entre a realidade situacional ¢ 0 indicadores contidos no interior do enunciado. 1. Reconhecimento e sintese de fala Desde a antiguidade, 0 homem demonstra interesse em desvendar os mecanisinos de produgdo da fala, construindo méquinas dotadas dessa capacidade. E longe de constituir uma ameaga, trata- se de um trajeto que muito contribuiu para o entendimento, através de reflexdes tecnologicas e cientificas, do que mais humanamente caracteristico: a capacidade de falar. Barbosa (2001, p.52) aponta que a historia da sintese da fala inicia-se com os sacerdotes gregos, os quais, para impressionar Seus figis, utilizavam estituas falantes de deuses herdis miticos. No século XVII, a comunidade cientifica continuou acalorando Ee 46 Maisie Se Etc Poti i, Rem og St Cra, Oma) discussdesfilos6icas sobre arealizagdo dosmecanismos de prodigy dos sons, com 0 intuito de eriar um dispositive que fosse capay te! simular a voz humans. Mas em 1791, com o hingaro Kempeig quando as tentativas de compreender e reproduzir sons da linguager articulada, comegam realmente a ganhar forma. Barbosa (2001, p. 54) refere-se a tal feito com “ ed fan ti 0 UM mare incontornavel na historia da fonética experimental e da sintese de ina cientifica sciplinar ¢ encerrando suas relages com o mitico eo lend 0. Outras maquinas foram desenvolvidas no século XIX emitindo os sons da fala a partir de uma representagao textual de mensagem. Mas a grande virada ocorreu mesmo com o surgimento do computador, da tecnologia digital e com o advento da intemet, na segunda metade de sée. XX, e com o avango da teoria at produgdo de fala. O desenvolvimento do processamento de fala ganhou impulso a partir da crescente procura por meios altemnativos de acessar a informagao. A continua importincia dada ao computador, no mundo €m que vivemos, estimulou laboratérios ¢ empresas a investirem cada vez mais no desenvolvimento de tecnologias de sintese de fala ente, esta estabelecido o processo de homem ¢ maquina nos mais diversos ambientes. com ode ser extremamente vantajoso durante a realizagaio si tarefas, como na diregdo de um veiculo em que maos ¢ olhos estio comprometidos, e a indicagao fornecida pelo GPS é de grande vali em uma linha de produgdo, onde 0 operirio, ao mesmo tempo em que executa suas atribuigdes, recebe instrugdes de um computador. E assim, a fal expandido suas po: erago entre enquanto meio de comunicagio, sé tem idades, tomando a cada dia, mais constante © processo de interagdo entre homens ¢ maquinas. Nesse contexto, tanto a sintese quanto o reconhecimento de fala precisam de SAUSSURE: OUTROS OLHARES 47 timentos e pesquisas que tomem, por meio do dilogo, homens invetroinas cada vez mais naturais, Ageis © humanos, emiq eragdo homem-méquina tomou-se algo tdo rival na vida que esté presente em um grande nimero de atividades, desde as mais Kidicas, como, por exemplo, videogames interativos, sam 0 corpo € A VOZ. COMO ContrOles, até a prestagao de servigos, ae Wernos.setores de telecomunicagdes, em escritéios, indistia, com ge banca, educativos e em tecnologias assitivas, Trata-se de tama tecnologia bastante complexa e fortemente interdisciplinar, sendo, portanto, fundamental a busca pelo aperfeigoamento dessa relagéo. 0 uso de sistemas automatizados de sintese e reconhecimento de fala, por exemplo, tem se tomado cada vez mais frequente nos mais diversos dominios de aplicagéo. Uma quantidade significativa de servicos faz uso de informagdes derivadas de conjuntos numéricos conectados para os mais variados fins, como ativagao de cartdes de mages bancérias, consultas a lstas telefSnicas e marcagdes de reservas, sio alguns dos exemplos mais comuns de tal aplicagao. Aimportincia dos estudos da fala como modalidade de interagdo com © computador é cada vez mais crescente devido a inimeras reclamagdes relativas ao desempenho desses sistemas, ora por nio processarem corretamente a fala espontinea (no caso de sistemas de reconhecimento de fala), ora por nao oferecerem uma produgio préxima 8 fala natural (no caso dos sistemas de sintese de fala). Emuito comum, porexemplo, que ustdtios delinhas telefSnicas Se queixem dos sistemas automatizados com os quais tém de interagir 40 telefone, uma vez que simplesmente ndo reconhecem aquilo que fal ym, em geral um indefectivele frustrante Feedback, do tipo: “nado entendi”. As queixas também se referem 80 modo como certos agrupamentos numéricos so enunciados por sistemas de sintese de fala. A maneira como esses sistemas agrupam indimeros ¢ a prosédia que utilizam para enuncid-los nesses casos em > ae 48) Mafra ein Se Fr Pt Moris Rs og dS CaO . nada se ascemelham a sua enunciago natural. Isso tem um impact significativo em termos de compreensio desses constituintes, o gue ¢ evidentemente algo indesejavel no que conceme a0 que se espera de sistemas automatizados de sintese de fala, Eeses problemas originam-se porque a maioria dos sistemas aseia-se em dados controlados e/ou result de anilises impressionistas ¢ nfo em dados resultantes de anilises de dados de fala natural e espontines. Deriva dai a necessidade premente de informagdes que visem a0 aperfeigoamento dos. sistemas computacionais autométicos em uso. A fala espontinea tem caracteristicas préprias como a entoagdo, 0 timbre, ou as diferentes forcas ilocutérias. Do ponto de vista actistico, a distribuigdo das pausas ¢ a demarcacdo das fronteiras prosédicas parecem sop elementos fundamentais para a distingao destes dois estilos de fala estilo de fala espontinea e estilo de fala lido. Contribuir para o aperfeigoamento de sistemas computacionais, que realizam 0 processamento automatico da fala, consiste inclusive no auxilio da melhoria da qualidade de vida de Pessoas com necessidades especiais, como as com deficiéncia auditiva ou visual, uma vez que tanto 0 reconhecimento quanto a sintese de voz so importantes tecnologias assis as, Varios trabalhos evidenciam a importincia de se levar em consideragio os elementos prosédicos durante a andlise de eventos de linguagem (CRYSTAL, 1969, p. 253 e CAGLIARI, 1983, p. 42). Contudo, ainda néo dispde de uma descrigdo clara e completa do funcionamento do fenémeno suprassegmental nas linguas, apesar de ‘sua importancia, Embora estejam cada vez mais frequentes em servicos automatizados, na maior parte dos casos, esses sistemas deixam a desejar, sobretudo, porque sdo desenvolvidos a partir de informagdes Puramente segmentais e altamente artificiais, SAUSSURE: OUTROS OLHARES 49 portant, de vasta tilidade as pesquisas em sintese eo Sto, Pro automatico de voz para o portugues falado no Brasil pias dependem de grandes bases de dados, devidamente ra o adequado desenvolvimento de sistemas, Além do roluladas, Pav nico, 0 processamento de voz é um dos melhores aspecte ee um relevante desafio enfrentado pela linguistica cexemplos onal e Areas afins, qual seja a construgdo de maquinas i interagir de forma natural com seres humanos. capazes d 2, Equivaléncias O termo equivaléncia, para Jakobson, refere-se a similaridade laridade, semelhanga e dessemelhanga e, dessa forma, seri tratado nesse artigo. Nesta segdo, pretende-se identificar as, equivaléncias, ou seja, pontos de aproximagao e/ou de discordancia entre o processo comunicativo de reconhecimento e sintese de fala, que corte na interagio homem-maquina, explicitado na segdo anterior, € alguns conceitos explorados por Saussure, Benveniste e Jakobson. 2.1 A linguagem para Saussure Saussure define a linguagem como uma capacidade humana cuja manifestagao individual a fala, e 0 produto soc sendo, portanto, impossivel conceber uma sem a outra. Para Martelotta et al (2012, p. 116), Saussure considera: “a lingua é, 40 mesmo tempo, o instrumento eo produto da fala”. Quando se fala, subs como a lingua sé s¢ estabelece a 50 semi in Patan on Rt og SC, . Como entio poder conceber uma comunicagao estab entre humanos e méquinas? Talvez, conforme ensina § (2002, p. 21): “se se pudéssemos abarcar a toi verbais armazenadas em todos os indi social que con: clecida lade das imagen, luos, atingiriamos 0 liame a lingua” Dessa forma, uma maquina, com wa grande capacidade de armazenamento, poderia estabelecer ur comunicagao, assim como os humanos. No entanto, Saussure alerta para o fato de processo fisiol6gi rio, e que é preciso comando psiquico paraarticular. O ci iguagem, estabelecido entre humanos, se processa de um cérebro a outro; portanto, para que uma comunicagao se efetive sem problemas entre humanos e méquinas, é necessiria ums replica fiel do cérebro humano, de érgios fonoarticulatérios e até de atitudes ¢ emocdes implantados na maquina, para que seja possivel uma aproximagao da fala humana e de uma interagao entre humanos. que a linguagem é um Além disso, o som nao existe por si mesmo, trata-se de um instrumento do pensamento, “o som, unidade complexa aciistico- Vocal, forma por sua vez, com a ideia, uma unidade complexa, ica ¢ mental” (SAUSSURE, 2002, p. 16). A imagem acii entio, no é entendida por Saussure apenas como 0 som materi mas sim como a impresstio psiquica desse som. Assim, Saussure aborda a dualidade entre significante (imagem actstica) e significado (Conceito), duas faces indivisiveis do signo linguistico. Outro aspecto importante, com relago ao proceso de reconhecimento e sintese de fala para se estabelecer uma fomunicagao entre humanos e maquinas, refere-se ao fato de ndo haver uma relagdo direta entre os constituintes do signo linguistico, ou seja, para Saussure a relagdo entre significante e significado & ‘Stitcbis. Tustemente por ver ume soxveughn, pwodlersteta iter soca eulumto dessas convencdes armazenadas em uma méquina Possibilitaria um proceso comunicativo satisfatério. il SAUSSURE: OUTROS OLHARES 51 o,para Saussure, os elementos inguisticosestabelecem Eaureiniio- be entre si no sistema da lingua, Essas relagdes se ‘uma teia de oe s formas por meio da nossa atividade mental. No processam de dot es (sintagmatico), os signos obedecem a uma cixo das stet™tijem no contexto de uso, refere-se a linearidade do inada Crjuanto no eixo associative, ofalante seleciona, dente ae te prearan velng, 4 2uaia wceqpana yet a xm, bp mento: + 2.2 Benveniste e a enunciagao ‘ Influenciado por Saussure, Benveniste cria a Teoria da Enuneiagio, indo além de Saussure nos estudos sobre a fala, a produgio do enunciado. A esse respeito, esclarece Normand (2012, p. 149 fem termos metodolégicos i engine Seas 4 prioczao exudo da te andtise, Be como foi preconizado por Saussure, atribuindo um lao sentdnecheg o disco. lugar es Dessa forma, Benveniste articula sujeito ¢ estrtrs, ume ibuem sentido as palavras a partir 52, Maia Fnac Sao ms Pato de Moni Rea gS Cay py Ao afirmar que 0 enunciado & indi ou seja, que uma subjetividade mo interfere na outta, Be Poderia estar fornecendo pistas de que é possivel uma comun, entre humanos e maquinas, una vez que, na sua concepyaas atitude responsiva. No entanto, a caracteristca da intersubjer Aa Ht composta pelas subjetividades dos “eus”, inerente A ae no processo de comunicagio, deixa claro que esse procene possivel, em toda a sua amplitude, se ocorrer entre humans, se uma maquina seria capaz de atribuir sentido? mo dual © nBo diatigio, eniste Micagag Outra caracteristica da enunciagdo benvenistiana refere-se ap enunciado como sendo a lingua posta em uso, além de considerar g enunciagdo como a utilizagao da lingua através de um ato individual ¢ inrepetivel, uma vez que as categorias fundamentais da enunciagao de tempo, espago e pessoa jamais sao as mesmas no uso da lingua, Nesse sentido, ao tentar contribuir para 0 aperfeigoamento de sistemas de reconhecimento e sintese de fala, os humanos tentam atualizar tais sistemas, de modo que se aproximem o maximo possivel da fala natural. Apesar disso, a velocidade de atualiza¢o ndo é compativel com a velocidade em que tempo, espago e pessoa mudam. 2.3 A comunicagio jakobsoniana A nnogao de trago de Jakobson trata de uma unidade menor que 0 fonema e traz impresso 0 conceito de que o som é um sistema bindrio. Jakobson afirma, entdo, que 0 elemento fonémico € distintivo e pode ser destrinchado em uma matriz de tragos. Esse conceit de som pode remeter aos sistemas computacionais, os quals também sao bindrios, 0 que comprova que a maquina pode emitr sons; no entanto, isso nao significa que seja possivel uma interagd0 SAUSSURE: OUTROS OLHARES 53, sacional, em toda sua amplitude, entre humanos e méquinas, jue ela nfo se restTinge apenas a trocas de sons. com vez ; a ee pabson, ao langar sun teria das fungdes da tinguagem, « aprime sua influéncia fenomenol6gica, ao gerarreflexGes em tomo do inpcapaz de falar e de ter atitudes diferenciadas em relagdo aos varios saeyeeiga mensagem. Contudo, ndo se sabe como delimitar fungSes da linguagem, se estas so associadas a comportamentos arraigados na ‘ida social, que extrapolam a simples transmissao de informagdes. ‘Ancorado na teoria da comunicagio, Jakobson propde algumas condigdes para que a mensagem enviada de um remetente a ‘um destinatirio seja compreendida. Em outras palavras, 0 contexto deve ser apreensivel pelo destinat le deve conhecer um conjunto de elementos relacionados ao momento da produgdo da mensagem, inclusive dados referentes ao assunto em pauta. E preciso um cédigo, um conjunto de signos convencionais que seja conhecido psicolégica que po: a troca de informagoes. Baseado nesses elementos, Jakobson (2003, p. 122-9) estipulow guagem: a referencial, que diz respeito ao contexto; © comportamento do d manutengdo ou rect volta a linguagem em si mesma, centrando-se no ¢ que foca na forma da mensagem, projetando o eixo da selecdo em telagio ao da combinagio dos elementos linguisticos. Isso, de certa Paradigmatico, postulados por Saussure, j que Jakobson cita selegao © combinagio como dois arranjos utilizados no processo verbal A selegao dos elementos ling pela equivaléneia, semelhanga ou dessemelhanga, ¢ ndo pelo ain * informacional dos elementos. No entanto, na interagio abordada, S54 Miso OheaS Fanbo Pre Moni Rida oe de Sy a miquina no disp dessa eapacidade psguica e fisiclgig a necessidade de ultrapassar 0 funcionamento mecinion © S by de munca ecient, informayées do sinal de fala de moet’ um ouvinle human lo consiga perceber a diferenga neo dois. Maquinas, com maior capacidade de compre a en compreendidas, podem favorecer a interac3o por seus Afinal, consoante Barbosa (2001, p.68), quando a Pesqui em Sintese de Fala conseguir obter a fala sintética com a naturalidan indistinta da humana, tet-se-4 entendido melhor 0 qué ¢ quem eS Além disso, trata-se de um lugar interdisciplinar, de recen entre as disciplinas, entre as Ciéncias Hum preenchendo lacunas criadas através de teorias, de produgio de fala como formas de explicaga Wer © Seren Usuarios, expandindo modelos (0 do falar, 3. Conclusio Assim, a elaboragao significativamente para a amy subs deste trabalho contribuiu ipliagdo dos conhecimentos linguisticos, ndo um melhor entendimento sobre os pressupostos tedricos ue promovem questionamentos e, ao mesmo tempo, siio essenciais Para se compreender a condigdo humana, Conforme afirma Saussure, 4 fala, ao contrario da lingua, & algo puramente individual; sio as combinagdes pelas quais o falante realiza o cédigo da lingua, no Propésito de exprimir seu pensamento pessoal. © universo da fala € caracteristico do ser humano ¢ fundamental para compreender © mundo e as coisas ao redor. £ através da linguagem que se destréi e que se constrdi a si mesmo ¢o mundo que é exterior, abandona-se ou domina-se 0 que estd dentro ¢ fora da realidade. SAUSSURE: OUTROS OLHARES 55 go ponto de vista saussuriano, benvenistiano € ” . a vate de uma méquina ter condigdes de armazenar ° * ‘ =. Je quatiade de informagbese até de produ ons, no uma grands 9 lidade de se estabelecer uma comunicagio, em toda implica a pos unic es implica ate interacional, entre humanos ¢ méquinas, uma v su ap que 0 processo comunicativo se estabelega, é nevessério a me me : ue, Pi gna representagao psiquica do som atrelada ao conceito, gue a yom Saussure; uma intersubjetividade na enunciagao, de acordo + . ee fonforme Benveniste; e uma relago de equivalénci Falavras selecionadas, consoante Jakobson. Entio, jakobsoniano, O didlogo tedrico entre Saussure e Benveniste: lingua, sistema e Sujeito Diego Lacerda Costa Consideragées iniciais E indiscutivel a importancia de Saussure e sua obra péstuma para a configuracdo do que se entende hoje por Linguistica, Principalmente no que concerne a estudo da linguagem, mais especificar sobremaneira delimitado, a lingua. configurag’io cientifica do mente voltado para um objeto Para compreender as Concepgdes do mestre genebrino, € preciso ir além do Curso de Linguistica Geral (1916). Faz-se necessario buscar os elementos hist: ricos e cientificos de uma €época € resgatar a logica que permeava o “fazer cientifico”, no periodo em que Saussure ministrou seus famosos cursos, na Universidade de Genebra. Mais do que isso, compreender Saussure é buscar sua determinagao social. Disso decorre o objetivo do presente artigo: percorrer um caminho histérico e social que possa levar a compreensio de que os cientistas da lingua ou da linguagem também Sao determinagdes histéricas © acabam por postular suas teorias com base em condigdes de produgio diversas. Além disso, nesse caminho 4 Ser resgatado por meio de pesquisa bibliografica, sera importante scar a compreensdo de como conceitos ¢ categorias assumem Nogdes diferentes, conforme o tempo em que sio cunhados. Partindo de Saussure, pretende-se chegar a Benveniste, aquele que foi responsavel por uma importante releitura da teoria Pr 58 Vs eis Ons Fai ens Raa og Sot Cay “lon py saussuriana, incluindo a nogdo de sujeito. Mas que sujeito ¢ considerado por Benveniste? E um sujeito da estrutura ca°® sujeito que interage num conjunto de relagaes sociais ¢ acaba yor” determinado por esas relagBes? Essas so questdes que levamn gn? fértil discussio no terreno da Linguistica, a Tanto Saussure quanto Benveniste sto frutos de respectivos tempos, ¢ a ampliagdo de Saussure, ou de sua pode dar pistas para uma transformagao ainda maior, ciéncia, da epistemologia. Por fim, apés percorrer 0 caminho da historicidade desses doig grandes nomes da Linguistica, sera estabelecido um dislogo entre ambos, com o intuito de encontrar pontos de convergéncia e divergéncia ¢ indagar sobre as consequéncias desse movimento comum aos estudos linguisticos, sempre utilizando como referencial a teoria saussuriana, seus leitura, nna base da 1, Ferdinand de Saussure: lingua, ciéncia e sistema Neste primeiro momento, & importante refletir sobre as condigdes de produgio do Curso de Linguistica Geral (CLG), considerando principalmente © cardter cientifico da obra e sua especial publicagdo, por ser uma obra péstuma de publicago “nto autorizada”. Nesse sentido, diversas criticas sao feitas com base no aspecto do autor do CLG. Entretanto, n&io cabe fazer qualquer questionamento em elagdo ao autor, que ndo seja pertinente para a compreensao da obra fundadora de uma ciéncia da linguagem. Embora seja interessante langar um olhar cuidadoso sobre algumas consideragées feitas pot Bouquet (1997, p.14) a respeito dos redatores do CLG, Charles Bally € Alberth Sechehaye, que, segundo aquele autor, rr rr e————————CC‘“‘ i SAUSSURE: OUTROS OLHARES 59 [.-] realizaram uma sintese magistral da reflexio saussuriana € um fato comprovado pelo sucesso aleangado por sua obra. (..] Em primeito lugar, © Cours ¢ organizado segundo a légica de um sistema acabado ~ uma légica, imposta aos textos original {que comanda o plano do livro assim como algumas a de um discurso homogéneo: o discurso de uma pura epistemologia programatica da da linguagem. Aqui, a falsificagio realizada pelos. redatores, consequéncia da precedente, é mais profunda e mais insidiosa, pois os textos originais obedecem a uma coeréacia completamente diferente: elaboram uma reflexo que se inscreve em configuragdes bem distintas de pensamento, [As teflexdes trazidas por Bouquet (1997), no prefiicio de sua citada obra, levam a indagagdes importantes em tomo da proposta feita por Saussure na configuracdo de uma Linguistica de viés cientifico. Além disso, ressalta as condigdes “anémalas” de publicagdo da obra, haja vista que, embora o CLG tenha sido escrito com base em aulas do linguista genebrino, ndo se pode atestar a fidelidade ¢ a coeréncia dessa obra com suas reais fontes. Isso quer dizer que 0 CLG originou-se de uma leitura particular feita por seus editores, o que leva Normand (2009, p.113) a definir essa obra como ‘um texto tomado na histéria de suas interpretagdes”. Nascido pelas mios de terceiros ¢ mantido na literatura Linguistica por meio das diversas interpretagdes e (re)leituras, 0 CLG reflete um momento histérico, cujas necessidades cientificas eram Necessariamente voltadas para uma visio objetiva ¢ sistematica da ciéncia. Disso decorre, que na teoria saussuriana, embora Bouquet (1997) conteste tal interpretagio, a visio sistémica e homogénea da lingua adquire uma posigao predominante. yr {60 Mar Fencica One Sars Eda Pato e Mois Rico Jog de Sous Cay Nio se pode esquecer que Saussure, enquanto estudiosy gy linguagem, para o desenvolvimento de seus cursos, encontrou yp, contexto eminentemente positivsta. O positivismo, no séeulo xyx. se imps a0 meio cientifico €, por meio desse contexto © dese, corrente, sua obra foi redigida editada. Vale ressaltar que Saussure, enquanto estudioso gy sistema linguistico, aproximou-se dos neogramaticos como form de contestagio aos comparatistas predominantes nos estudog linguisticos de entio. Dessa forma, o mestre genebrino aprenden © ideal cientifico da época e buscou ordenar 0 espaco de atuagio da Linguistica, langando um olhar sobre a matéria a ser estudada e, a partir do ponto de vista adotado, delimitou um objeto, no caso da teoria saussuriana, a lingua. Pelas condig6es particulares de sua publicagao ¢ pelo cariter fundador do CLG, esta obra deu margem a alguns “mal-entendidos” que merecem a devida atenglo. deles é que, embora seja considerado o fundador smo, Saussure nao utiliza o termo estrutura e sistema. Além disso, conforme demonstra Bouque estrutural [..] é fortemente tributéria, no plano mais geral de sua epistemologia, de um antigo modelo da ciéncia — um modelo que podemos qualificar como aristot Entretanto, Paveau e Sarfati de 1928”, com os trabalhos do desenvolvimento de uma Linguistica Estrutural. Uma questo que decorre do primeiro mal-entendido acerca de Saussure ¢ do CLG advém da diferenga substancial entre estruturs € sistema. Entre esses conceitos, ha uma relagdo ténue, geralmente, ‘hd um uso indiscriminado dos dois termos. Considerando ainds que, no CLG, hé 0 uso do termo sistema que se constata que el¢ recede a estrutura, ¢ preciso que fique clara a distingao, pois ° SAUSSURE: OUTROS OLHARES 61 ate seria denominado de estruturalismo, a partir do He yo de Praga, vem carregado de um sentido deslocado do que Circulo Wescreveu como sistema linguistico. Sobre essa questio, sesame Sarfati (2006, p. 89) langam a seguinte reflexio: que posteriorme jira caracterizagio da |i iderando rigorosamente essa definigdo ela nio diz nada sobre a maneira pela signos’ bastante gerd A importincia de tal distingao, como foi termo est mo atribuido a algumas correntes linguisticas, cuja fundagdo & imputada ao mestre genebrino, representa sentidos dados ao termo estrutura, no decorrer dos estudos linguisticos, ¢ isso € histérico, porque as diferentes elaboragdes do conceito de cestrutura € 0 que vai determinar as diferengas tedricas entre as correntes linguisticas, e cada uma delas representa seu tempo. Esclarecidas essas questdes fundamentais advindas do primeiro mal-entendido acerca das leituras feitas do CLG, cabe agora discorrer sobre a inclustio de Saussure e sua teoria, nos quadros de uma ciéncia posit objeto ¢ escolher uma metodologia adequada aos estudos linguisticos Tepresentou um proceso de cientificizagao daquilo que ha muito ha sendo realizado, mas de forma desordenada, ou seja, os estudos iguisticos eram realizados mesmo sem 0 cardter cient Por Saussure. Uma das criticas que se faz.a esse linguista diz respeito 40 seu trabalho metodolégico de limitar os estudos ——— i ae (62. Maia Frncic On Sars, ao Pte de Mots, Ria oe aa orca (Op Imente na operagio que sua teoria processou guistica, a partir de um olhar exteri matéria da cigneia da Mm defnieg Entretanto, criticas parte, Saussure tem o mé especialmente pelos estruturalistas de criar para a Ling ig condigdo de ciéncia. A escolha de uma abordagem sincrorn at ica estudo linguistico, aliado a um trabalho minucioso da lingua, ~ em detrimento dos fenémenos relacionados a fala, rendeu ao genebrino a acusagao de ser positivista, Sobre essa relagao ents teoria saussuriana e o positivismo, Normand (2009, p. 124) agg uma interessante provocagiio: Entio, Saussure seria um posi nenhuma divida quar linguistas © que eles fazen ‘misturar épocas ou de Constata-se do excerto, que Normand (2009, p. 124), a0 tempo que afirma a natureza positivista da teoria saussurian se de “brechas” nela encontradas para questionar 0 carater uno da Seasgure 4 propria ideia de positivismo atribuido a Ferdinand de - Essa ideia é acrescentada mais adiante, “[dJigamos seja um a um positivismo ultrapassado, que irrita com suas exigénciss ll Teme repo, Nomad (2012, SAUSSURE: OUTROS OLHARES 63 « interroga com suas questdes sempre em aberto; @ va de debates &testerunha disso”, posts as considerasbespertnentes a objetivo do presente me destacar que é de fundamen importancia reconhecer aig Ue AS de Ferdinand de Saussure, por maiores que sejam as oe eel ‘om um ponto fundamental e fundador, que é tomado oe referencia para a Linguistica, através do qual 08 estudos da Fnguagem posteriores io realizar um movimento de aproximagao ¢ afast 10, em maior ou menor grau. Dito isso, passa-se a0

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