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DISCURSO DA NARRATIVA Colecgtio Vega Universidade Secgdio: Praticas de Leitura Orientagao: Maria Alzira Seixo Tradug8o: Fernando Cabral Martins Ofreitos reservados em lingua portuguesa por -Vega, Lda. "Rua Joao Saraiva, 36-32 1700 LISBOA (Tel. 809579) Sem autorizagao expressa do editor, no é permi- tida_@ reprodugdo parcial ou total desta obra desde que tal reproduco n&o decorra das finalida- des eapecificas da divulgagao © da critica. Editor: Assirio Bacelar Capa: José Cepa Execugiio gréfica: GRAFESTAL -Estarreja Gérard Genette DISCURSO DA NARRATIVA ‘SBD-FFLCH-USP Wey GERARD GENETTE nasceu em Paris em 1930, ‘Antigo sluno da Ecole Normale Supérieure, & actualmente «mattre de Gonfgrences» nessa instituigéo e ensina também literatura francesa na Sorbonne. Tem publicado ensaios em diversos periédicos: Les. Letires Nouvelle, La Nouvelle Revue Franpeise, Tel Quel, Critique, Les Cahiers de THeme, L'Arc, Le Mercure de France, Principals obras: Figures, 1966; Figures-Il, 1969; Figures-Il, 1972; Mimoloziques, voyare en Cratylie, 1976; Introduction a Varchitexte, 1979, © enstio que constitui este volume & ‘extraido de Figures IIT ‘Traduglo de Fernando Cabral Martins PREFACIO © objecio especifico deste estudo ¢ a narrativa em dla Recher- che du temps perdu. Esta precisio.#& imed tamente lugar a duas observagdes de importancia desigual. A primeira refere-se A definigio do corpus: sabe-se hoje que a obra assim denominada, € cujo texto canénico se encontra estabelecido desde 1954 pela edigdo Clarac-Ferré, mais nfo € que o iltimo estado de uma obra na qual Proust trabalhou a bem dizer toda a sua vida, ¢ cuias anteriores verses se dispersam, no essencial, entre Les Plaisirs et les Jours (1896), Pastiches et Mélanges (1919), as diver- 828 recolhas ou inéditos péstumos intitulados Chroniques (1927), Jean Santeuil (1952) © Contre Sainte-Beuve (1954)("), © 05 cerca (As datas recordadas sho das primeiras publicagdes, mas as nos suet recat rics pablew, es ee sha os Loser artinnn pm elton ede te Sane Bee pel Fe pt eI on, v | Recherche, menos que qualquer outra; no pode ser conside mas (mt bra fechada, © &, portant, sempre leglimo, ak Igoe apeks Recessério, para comparagéo do texto adefinitivon, s lo a esta ou aquela das suas variantes. © que tamben, deresandeito quanto & apresentacao da narrative, ¢ nie se pode sgitar de teconhecer, por exemplo, aquilo que a desesbotenss ignificarto seen gPessoe> de Santeuil traz de perspectiva e de Significagdo ao sistema narrativo adoptado na Recherche. On {tabalho basear-se essencialmente, ima, mas lo sem que por vezes se tenham em considerados nao por eles mesmos, ‘mas pela luz que podem projectar. A segunda observacdo diz respeito a0 mé Procedimento aqui adoptado. Jé se péde ver pottica a critica, e fazendo dos conceitos, classticagées © pro- Pessos Propostos Outros: tantos instrumentos ad hoc, destinados exolusivamente permitir uma descricio mais exacta ou mai precisa da narrativa proustiana na sua singularidade, tendo-se a gada passo imposto um desvio «tebrico» pelas necessidades de ima elucidacio metodolégica. ‘Confesso a minha repugnincia, ou a minha incepacidade, em escolher entre esses dois sistemas de defesa aparentemente incom- pattvels. Patece-me impossivel tratar a Recherche du temps perdu fomo um simples exemplo daquilo que seria a narrativa em geral, ou & narrativa romanesca, ou a natrativa de forma auto- biografica, ou sabe Deus que outra classe, espécie ou variedade: a especificidade da narracao proustiana tomada no seu conjunto € irredutlvel, e qualquer extrapolagéo seria aqui um erto de me todo; a Recherche s6 se ilustra a si mesma. Mas, de algum modo, essa especificidade ndo & indecomponivel e cada um dos tracos que a anilise nela distingue presta-se a uma certa aproximacio, ‘comparaco ou perspectivagio. Como toda .a obra, como todo © organismo, a Recherche & feita de elementos universtis, ou pelo menos transindividuais, que reine numa sintese especitica, numa totalidade singular. Analisé-la é ir, nao do geral para o particular, mas sim do particular para o geral: desse ser incompardvel que 6a Retherche a esses elementos bem comuns, figuras e processos lade piblica ¢ de’ circulagio corrente a que chamo ana- ctonias, itirativo, focalizagses, paralepses outros. O que aqui Proponho ¢ essencialmente um método de andlise: tenlio, pois, Que reconhecer que, de facto, procurando 0 especitico, encontro © universal, © que ao querer pér a teoria ao servico da critica Ponho sem querer a critica ao servigo da teoria. Este € 0 para- oxo de toda a poética, e também, sem divide, o de toda a acti- Yidade de conhecimento, eternamente dilacerada entre dois incon- fornéveis lugares comuns, que no hé objectos sendo singulares, dem ciéncia senio do geral; sempre reconfortada, todavia, ¢ como a magnetizada por essa outra verdade, um pouco menos difun- lida, de que o geral reside no coracio do particular, ¢, logo, acontratiamente ao preconceito comum — o conhecivel no cora $0 do mistério, 2 Mas caucionar em cientificidade uma vertigem, se n&o um estrabismo metodolégico, nfo estara talvez isento de impostura. Defenderei entio diferentemente a mesma cau: talvez a ver- dadeira relac&o entre a aridez «tedrican e a mimicia critica seja de alternancia recreativa e reciproca distraccfo, Possa o Ieitor, por seu turno, af encontrar uma espécie de diversio periédica, como 0 insone ao mudar de mau lado: amant alterna Camenae. 2 INTRODUGAO Empregamos correntemente a palavra narrativa [récit] som ‘os preocuparmos com a sua ambiguidade, por vezes sem a per- cebermos, e algumas das dificuldades da’ narratologia derivam talvez de tal confusto. Parece-me que, se se quiser comegar a ver mais claro neste dominjo, 1m que distinguirse claramente sob este termo trés nocées distintas . ‘Num primeiro sentido — que é hoje o mais evidente ¢ o mais central no uso comum—, narrativa designa o enunciado narra- tivo, -o discurso oral ou escrito que assume a relagéo de um acontecimento ou de uma série de acontecimentos: assim, cha- marse-4 narrativa de Ulisses a0 discurso do heréi perante os Fefcios nos cantos IX a XII da Odisseia, e, logo, a esses mesmos quatro cantos, ou seja, ao segmento do texto homérico que diz ser sua fiel transcrigao, Num segundo sentido, menos difundido, mas hoje corrente entre os analistas € te6ricos do contetido ‘narrativo, narrativa 23 designa a sugessio de acontecimentos, reais ou ficticios, que constituem 0 odjecto desse discurso, e as suas diversas relagdes de encadeamiphto, de oposicao, de repeticao, etc. «Anélise da narrativay significa, entdo, estudo de um conjunto de accdes & de Situagées consideradas nelas mesmas, com abstracgao do me. dium, lingufstico ou outro, que dele nos dé eonhecimento: neste caso, as aventuras vividas por Ulisses desde a queda de Tréia até & sua chegada junto de Calipso Num teresiro sentido, que é aparentemente 0 mais antigo, narrariva desigha, ainda, um acontecimento: jé no, todavia, aguele que se Eonta, mas aquele que consiste em que alguém conte alguima éoisa: 0 acto de narrar tomado em si mesmo. Dir-se-é, assim, que os cantos IX a Xi da Odisseia so consa. arados @ narrativa de Ulisses, como se diz que o canto XXIT é consagrado a0 massacre dos pretendentes: contar as suas aven- turas € uma segio, tal como massacrar os pretendentes da mu. Ther, , se € escusado dizer que a existéncia dessas aventuras (supondo que se tomem, como Ulisses, por reais) em nada de- pende dessa Ao, € igualmente evidente que o discurso narra- tivo, por seu Mdo (narrativa de Ulisses no sentido 1), depende delas absolutamente, pois ¢ 0 seu produto, como todo o enunciado € 0 produto de um acto de enunciacdo. Se, pelo contrario, se tiver Ulisses por mentiroso, ¢ por ficticias as aventuras que ele conta, a importincia do acto narrativo mais se acentua, pois dele depen dem nfo somente a existéncia do discurso, como a fieglo de existéncia das acgées que «transmitey. Dir-se-4, evidentemente, outro tanto do acto narrative do préprio Homero onde quer que gle assunia directamente a relaglo das aventuras de Ulisses Sem acto narrativo, pois, ‘no ha enunciado, e as vezes nem sequer contetido narrativo. #, portanto, surpreendente que a teoria da narrativa se tenha até agora preocupado pouco com © problemas da enunciagéo narrativa, concentrando quase toda @ stia atengao.no enunciado ¢ seu contetido, como se fosse intei- Tamente secundario, por exemplo, que as aventuras de Ulisses fossem contadas ou por Homero ou pelo proprio Ulisses. Sabe-se, contudo, e af voltaremos mais adiante, que Plato, outrora, nao tinha considerado tal assunto indigno da sua atencao. 24 indica, ou quase, 0 nosso estudo baseia-se, Cre eercieaexiten seat min correts, nto & i tivo, que, em literatura, vem a ser, e partic hr aegtempie ¢ nos interessa, um fexfo narrative, Mas, como mente 10 Teenie do. discurso”narrativo, tal como 0 entendo, glen constantemente 6 estudo das Felagées, por um do, ete jis simentos que relata (narratis - “ee eo lado, entre esse mesmo discuso ¢ 9 acl0 que S eo, realmente (Homero) ou ficticiamente (Ulisses): nar- a eT ce J, para ctr toda & confuso ¢quaguer i que designar com termos 9s cad ae Se aie aerative. Proponho, sem insistir he ‘eases: als evidentes da escolha dos termos, denominar-st hisiGria 0 significado ou contetido narrativo (ainda sue ese om ido'se'revele, na ocorréncia, de fraca peaskints ae oo feo factual parrativa propriamente dita o significant, enun- cindo, dicurto ou texto narrativo em si, ¢ neragdo 0 acto nar rativo produtor e, por extenso, o conjunto da situacé Fe Gaon abjecta aga! & pos, a narrativa no sentido restrito aque pasnmos a atribuir a este term. & bastante evidente, pense cu, que, dos trés niveis agora distintos, o do discurso es : © tinico que se oferece directamente a anflise textual, que Pat sua vez 0 Gnico instrumento de estudo de que dispomos = campo-di anrratva lteraria, e, especialmente, da narrative de ficgdo. Se quiséssemos estudar em si mesmos, digamos, . acon- tecimientos contados por Michelet na sua Histoire de France, oderiamos recorrer a toda # espécie de documentos exteriores 8 essa obra, respeitantes & hist6ria de Franga; se quiséssemos Como 0 cialmente, narrogio ra hist © Necrativa © narroséo pasa bem som jusifleasio. Para isd. fc, & apesat de um incomveniente evideie, Jnvocaei ‘9 uso corren Giese, scolar uma histGrian), © um no tno, decerto mai ear, mas bem ado” depo ue "Teta "Todorey pron, di: mur 2 enarrativa come discurso> (sentido 1) ¢ a «aarrativa como a9 (ontkio 2). Empregarei ainda no mesmo sentido o termo dlegese, ‘dos teorizadores da narrativa cinematogréfica 25 d cael a , por out imu ge pes ees a Proust, caso ‘existsse (), poderia informal eae? ae Marcel ficticios, © poem em c cios, ena, nai her6i e nartedor do seu romance, Nex fooes" icadas em Ni i lovembro de. 19) Moun acta eae etme, et dl an mee io) serem escrite : {rulto depois da gure. &, portanto, a nutri Fei saraser ae rata" IMOM™A, Dot um Tad, sobre" os Acontecimentos ar 7 ir lo, sobre a activic ente a taza lume: dito de Gutro modo, 9 nose cane eee . cimento is ngs cars ney mesmo, mas ga ee, e MSM Por dante: processy corned te see Sng te a o gee SRE te dew we iltimo capitulo, * 26 e mesmo tempo 0 heréie 0 prenome controvers, Explicarsaeed “no ¢ daqueles nao pode sendo ser indirecto, inevitavelmente desratizado pelo discurso da narrativa, dado que aqueles sio megprio objecto desse: discurso e esta deixa ai tragos, marcas fngicios assinalavels ¢ interpretaveis, tais como a presenga de of pronome pessoal na primeira pessoa que denota.a identidade Ga personage e do narrador, ou a de um verbo no passado que qeiota anterioridade da accao contada em relagdo @ acco nar- Shiva, sem prejuizo de indicagdes mais directas e mais explicitas. ‘Historia ¢ narraclo s6 existem para nos, pois, por intermédio da narrative, Mas, reciprocamente, a narrativa, 0 discurso nar- rativo ndo pode sé-lo senfo enquanto conta uma histéria, sem © qué no seria narrativo (como, digamos, a Erica de Espinoss), ¢ porque € proferido por alguém, sem o que (como, por exem- plo, uma colecgdo de documentos arqueolégicos) nfo seria, em Si mesmo, um discurso. Enquanto narrativo, vive da sua relagéo ‘com a hist6ria que conta; enquanto discurso, vive da sua relagdo com a narracko que o profere. ‘A anilise do discurso narrativo seré, pois, para n6s, essen ialmente 0 esfudo das relagées entre narrativa ¢ histéria, entre narrativa e narrag&o, e (enquanto se inscrevem no discurso da narrativa) entre histéria e narracéo. Tal posigtio conduz-me & propor uma nova partilka ‘do campo de estado. Tomarei como ponto de partida a divisio adiantada em 1966 por Tzvetan Todorov (*), Tal divisio classificava os problemas da narrativa fem tr€s categorias: a do tempo, conde se exprime a relagSo entre © tempo. da histéria e o do discurson; a do aspecto, «ou a mia- neira pela qual a histéria € percebida pelo narrador»; a do modo, isto €, co tipo de discurso utilizado pelo narradors. Adopto sem qualquer emenda a primeira categoria na definicfo que acabo de citar, © que Todorov ilustrava com notas sobre as weforma- ges temporais», isto é as infidelidades @ ordem cronolégica coe acontecimentos, e sobre as relagdes de encadeamento, de alterndincia ou de «encaixe entre as diversas linhas de acgao constitutivas da historia; mas acrescentava-lhe umas considera- © Wes catlgories du récit littérai 2», Communications 8, tusee $6es sobre o «tempo da enunciaglo» © o da «percepeton narrati. Was (assimilados por ele aos tempos da escrita ¢ da leitura) qu. me Parecem exceder os limites da sua propria definigéo, e que, Wau 2 mim, reservarei para uma outra ordem de problemas, gvidentemente lgados as relagées entre narrativa e narragae A categoria do aspécto()) recobria essencialmente a8 questoey do sponto de vista narrativo, ¢ a do modo) recothia os pret blemas do «distancia», que a critica americana de tradigio jeme: giana seralmente trata’em termos de oposigo entre’ showing (arepresentacio» no vocabuldrio de Todorov) ¢ telling (anarne shor), ressurgéncias das categorias platénicas de mimesis (imita, slo perfeita) e de diegesis (narrativa pura), os diversos tipos de Fepresentado do discurso de personagem, os modos de presenca ‘implicita ou explicita do narrador e do leitor na narrative, Cone pata o citado caso do «tempo de enunciagéo», creio necessario. dissociar esta Gltima série de problemas, na medida em que poe em causa 0 acto de tiarragio © seus protagonisias; em ‘conten, partida, deve reunir-se numa dnica grande categoria, que 6 diga. mos provisoriamente, a das modalidades de representagdo, ou graus de mimese, tudo 0 resto daquilo que Todorov repartia entre aspecto ¢ modo, Esta redistribuiggo conduz, pois, a uma divisio seasivelmente diferente daquela de que se inspira, ¢ que pay. sarei a formular por si mesma, recorrendo na escolha dos-ren, mos a uma espécie de metéfora Linguistica que serd preferivel ‘nniio tomar demasiado a letra. Dado que toda a narrativa—mesmo com a extensio ¢ a Gomplexidade da Recherche du temps perduC)— uma pro- Gusto Linguistica que assume a relagdo de um ou varios acento, cimento(s), talvez legitimo traté-la como o desenvolviments, ou speceeainde eron cm Litature ot Senication 1967 © om wesice que’ le structurlisme? (968) Q Reventizada exepston em 1967 © 1968, ‘obra como uma, narre- ‘8 exe aspecto? veues demais negligenciado pela critica, mas que Proust por seu Indo Rua perdeu de vista, de maneirs que faln da wvocesto infivel de oe TH, . 397, sublinhede meu), yuanto se queira, dado a ima forma verbal, sho mento gramatical do termot a expansdo de wm verbo, ‘Eu fo Sho, Pedro velo sfo para mim formas minimas de narrativa, cme modo inverso, a Odisea ou a Recherche mais nto fecem, Ge algum modo, que amplificar (no sentido retérico) enunciados {iis como Ulisse volia para Ttaca ou Marcel tornavse esertor Ito autoriza-nos talvez a organizar ou, pelo menos, a formular problemas de anélise do discurso narrativo segundo categorias fomadas da gramética do verbo, e que se reduzitio aqui a tres disses fundamentais de dterminasbes: fs que esto gas as temporais entre narrativa e diegese, e que arrumar foo’ catngura do tempoyiea gus ease ligadas as modalidades (formas e grqus) da erepresentacio» narrativa, iogo aos modos ©) da narrativay aquels, finelmentc, que estéo ligadas & forma pela sual se encdatra implicada na narrative a propria narragio no sentido em que a definimos, ou seja, a situagéo ou insténcia (") narrative, c, com ela, os seus dois protagonistas: 0 narrader € seu destinatitio, real ou virtual; poderiamos ser tentados a colo- car esta terceira determinasio sob o titulo da «pessoa», ma: Por razdes que adiante se torardo claras, parece-me preterivel adoptar um termo de conotapses psicoldgicas um pouco (ail, bem ouco) menos marcadas, € 80 qual daremos uma extensio con- eptual sensivelmente mats larga. em que a «pessoa» (Tefereate & opesigio tradicional entre narrativa «na primeira» © narrative 28 tereeira pesson») mais nfo seré que um aspecto entre outros: Se termo € 0 de woz, que Vendryes, por exemplo (%), definia fssim no seu sentido gramatical: «Aspecto da accdo verbal nas fuss relagbes com o sujeito...» Bem entendido que o sui ue $e fala aqui € o clo enunciado, ao passo que, para nos, a vor Galati est6 aqui tomado muito a0 pé do seu sentido lingulstico, S Gpstteimes "por Geemplo n cia eligi de Liste sNowe dads 2 coast, formas do verbo empropadas para” afrmar: mais ott menos trv que oo We se trata, © pare exprimir.. oe diferentes pontos de vista 1 due 80 considera a existéncia ou a acto ides, centido em que ‘Benveniste fala’ de sinstancie de discursoe Profiemes. de linguisigue’ générale, V pare) 9 Citsdo no Petit Robert. sv. Vous 29 - rr a designaré uma relaglo com o sujeito (¢, mais geralmente, a ins. ancia) da enunciagéo: mais uma vez, trata-se to somente de empréstimos de termos, que no pretendem fundar-se em rigo. 10sas homologias (3), Como se vé, as trés classes propostas, que designam campos de estudo © determinam a disposic&o dos capitulos que se se. guem("), recobrem menos que recortam de forma ‘complex as trés categorias mais atras definidas, que designavam niveis de definigio da narrativa: 0 tempo-e o modo funcionam ambos 20 nivel das relagSes entre histéria e narrativa, enquanto que a voz designa ao mesmo tempo as Telagdes entre narragdo e nar. rativa ¢ entre narracao e histéria, Evitar-se-4, porém, hipostasiar tais termos, © converter em substancia o que nio é mais, em cada momento, que uma ordem de relagdes. 2) Outra justificacio, puramente proustolégica, do emprego de te! fermo, existéncin do precioso livo de Marcel Mullet intitulado tis Pot? Narrativas em 4A la Recherche du temps perdi» (Dror, 1965), ©) Os tr&s, primeiros (Ordem, Durapao,, Frequéncie) tratem tempo, 0 quarto do modo, 0 quinto e wltimo da vor. 30 1 ORDEM Tempo da narrativa? GA narrativa € uma sequéncia duas vezes temporal...: ha 0 empO da coisa-contada e o tempo da narrativa (tempo do signi quad ¢ tempo do significantc). Nao 36 ¢ esta. Gualllade aco das its Possiveis todas as distorgoes temporais de que € banal conta nas narrativas (trés anos da vida do heréi Tesumidos om duas eases de um romance, ou em alguns planos de uma enta ae tzequentativay de cinema, etc.); mais fundamental- © cambiar um pos 2 Constatar que uma das fungdes da nartativa mbiar um tempo num outro tempo ().» ° bristian Metz, 4 ‘cai fleok, Pass, 196g, ME Etaie sur to signification au cinéma, KLincke ar a ‘A dualidade temporal aqui tio vivamente acentuada, © que 0s tebricos alemies designam pela oposicéo entre erzdhite Ze (tempo da historia) e Erzdhlzeit (tempo da narrativa) (), 6 w, trago caracterfstico nfo somente da narrativa cinematogrétic, como também da aarrativa oral, a todos os afveis de elaboraciy estética, incluindo esse nfvel plenamente «literérion que 0 dx recitagdo épica ou da narragéo dramatica (narrativa de Thén, mine... [em Racine: Phddre]). # talvez menos pertinente noutr forma de expresso narrativa, tais como a afotonovelay ov banda desenhada (ou pictérica, como a predela de Urbino, o bordada, como a.«tapecaria» da rainha Matilde), que, a0 mesn tempo que constituem sequéncias de imagens, logo, exigint uma leitura sucessiva e diacrOnica, igualmente se prestam, ; mesmo, convidam a uma espécie de olhar global e sincrénic ‘ou, pelo menos, um olhar cujo percurso nio & j4 comands’ pela sucesso das imagens. A narrativa literdria escrita tem quanto a este ponto, um estatuto ainda mais dificil de precisu. Como a narrativa oral ou filmica, no pode ser )> >)N6] 04 a 2 ; | { Abandonaremos agora o nivel micto-narrativo para considerar a estrutura temporal da Recherche tomada nas suas grandes arti lagSes, E claro. que uma andlise a este nivel ndo pode dar conta ‘de pormenores que relevam de uma outra escala, ¢ que procede, pois, de uma simplificacto das mais grosseiras: passamos aqui da micro-estrutura para a macro-estrutura, © primeiro segento temporal da Recherche, a que so con- sagradas as primeiras seis pAginas do livro, evoca um momento impossivel de datar com preciso, mas situado muito tarde na vida do herdi(™), na dpoca em que, por se deitar cedo ¢ sofrer de insOnias, passava a maior parte das suas noites a rememorar 0 passado. Este primeiro tempo na ordem narrativa esta, pois, longe de ser o priméiro na ordem de diegética, Antecipando 0 segui- mento da andlise, afectemos-lhe desde jd a posigio 5 na historia, Logo: AS. ‘© segundo segmento (pp. 9 a 43), € a narrativa que o narrador fax, manifestamente inspirado embora pelas recordagées do herdi insone (que preenche aqui a funcio daquilo que Marcel Muller chama (*) 0 sujeito intermedidrio), de um episddio muito circuns- crito mas muito importante da sua infancia em Combray: a famosa cena do que denomina «o drama do deitar(-se)», no decurso do qual a mée, impedida pela visita de Swann de Ihe conceder 0 ritual beijo da noite, acabaré—aprimeira abdicagaom decisiva — por ceder as suas inslancins e passar a noite junto dele: B2. terceiro segmento (pp. 43-44) reconduz-nos muito breve: mente & posigdio 5, a das insénias: C5. O seguinte é provavel situar-se algures no interior desse periodo, pois que determina uma modificagéo no contetido das insdnias (): & 0 episédio da mada: Jena (pp. 44 a 48), no decurso do qual o herdi vé restituir-se-lhe @) Com efeito, um dos quartos evocadas ¢ 0 de Tansonville, onde Marcel dormiu. apenas ne decusso da permanéncia contada no fim da Fugitive © no comego do Temps retrouvé. O periodo das inséniac, neces: aarlamente posterior a essa permanéncia, poderia coincidir com uma ¢/0u 4 oulra dessas curas em casa de sade que se soguem, € enquadram © episédio Paris em guerra (1916). @) Les Voie narratives, primeira parte, cap. Il, © passim. Sobre a Gistingdo entre heréi e narrador, voliarei a ela no citimo capitulo G®)Apés a madalens, o Combray «total» ficard integrado nas recor apbes do insone. 42 ee toda uma vertente da sua inféncia (ade Combray, tudo 0 que nao fa 0 teatro ¢ 0 drama do meu deitara) que.até ai tinha perma- ‘heoido enterrado (e conservado) num aparente esquceimento: DS" Sucodelhe entfo um quinto segmento, segundo regresso a Com: bay, mas muito mais vasto que o primsiro na sua amplitude J, pois, desta vez, cobre (nvio sem elipses) a totalidade da {nfancia combraysiense. Con:bray I (pp. 48 2 186) seed, pois, ‘nos E2', contemporineo de B2, mas dele transbordando argamenie, como C5 transborda do e incluii DS’. ‘© sexto segmento (pp. 186-187) faz retorno & posicio 5 (insé- nias): FS, portanto, que serve mais uma vez de trampolim para nova analepse memorial, cujx posicio & a mais antiga de todas, pois anterior ao nascimento do hersi: Un amour de Swann (pp. 188 a 382), s6timo segmento: GI. Oitavo segmento, muito breve regresso (p. 383) 2B posigdo das insdnias,. logo HS, que de n0vo abre uma aanalepse, desta vez. abortada, mas caja fungio de antincio é manifesta para o leitor atento: a evecagio em mein pagina (ainda P. 383) do quarto de Marcel em Balbec: nono segmento, 14, a que imediatamente se coordens, desta vez sem regresso percep- livel a estagio (relais) das insOnizs, a narrativa (gualmente retros- poctiva em relagio ao ponto de partida) dos sonhos de viagem do her6i em Paris. muitos anos antes da sua estada om Balbec: © décimo segmento seré, pois, 13: adolescéncia parisiense, amores som Gilberie, convivéncia com Mme Swann, depois, apés uma clipse, primeira estada em Balbec, regresso a Paris, entrada no meio Guermantes, etc.: doravante’o movimento esté. adquirido, £.8 marrativa, nas suas grandes articulagses, torna-se praticamrente Fegular © conforme a ordem crosolégica —de (a! modo que se Foe eneE. 40 nivel de analise em que aqui nos situamos, Recteregenene 33.6 extensivo a toda a continzagao (e fim) da A formula deste comeco é, enlio, segun z comego 6, 7 , giles watedons 0 6, sgundo as nossas conven: AS [B2] C5 EDs‘ (B2)] FS [GI] HS [I] U3... vintin, & Resiercte dermis perdu & nauguada porn me sto de vaivem a partir de uma posigio-chave, esira- 43 tegicamente dominante, que ¢ evidentemente a posigo 5 (ins6nias) ‘com sua variante 5 (madalena), posigées do asujeito intermediation, insone ou miraculado da meméria involuntéria, cujas lembrancas comandam a totalidade da narrativa, 0 que dé a0 ponto 5-5" a fungio de uma espécie de obrigat6ria estacdo, ou —se ousarmos dizer —de dispatching narrativo: para passat de Combray I a Combray U1, de Combray Il a Un amour de Swann, de Un amour de Swann a Balbec, hf que regressar incessantemente a essa posi- so, central embora excéntrica (dado que ulterior), cuja pressio $6 cessa de vigorar na passagem de Balbec para Paris, apesar deste wltimo segmento (J3) estar do mesmo modo (enquanto coordenado ao precedente) subordinado & actividade memorial do sujeito intermediério, ¢ ser, logo, igualmente analéptico. A dife- renga —sem diivida capital —entre essa analepse € todas as pre- cedentes & que esta se mantém aberta, © que a sua amplitude se confinde com a Recherche quase toda: 0 que significa, entre outras coisas, quo atingiré e ultrapassard, sem o dizer ¢ como que sem 0 ver, © seu ponto de emissio memorial, aparentemente sumido numa das suas elipses. Adiante voltaremos a esta parti colaridade. Retenhamos apenas, por agora, esse movimento de Figuezague, essa gaguez inicial, e como quo inicidtica, ou propi- ciatoria: 5-2-5-5'2-5-1-5-4-3.... © ele proprio jé contido, como o resto, na célula embrionécia: das seis primeiras paginas, que nos passeiam de quarto a quarto e de era em era, de Paris para Com- bray, de Donciéres para Balbec, de Veneza para Tansonville, Hesitacio ndio imével, de resto, apesar dos seus incessantes recuos, pois, gracas a ela, 2. um Combray I pontual sucede 0 mais vasto Combray I, um Amour de Swann mais antigo mas de movimento ji irreverstvel, um Nom de pays: le Nom, enfim, a partir do qual a aarrativa, definitivamente, assegura a sua marcha © encontia © seu regime. Essas aberturas de complexa estrutura, e como que mimando, para melhor a exorcismar, a dificuldade do comeco, estio aparen- temente na tradigéo narrativa mais antiga e mais constante: nots mos j a partida em caranguejo da Iiada, e deve recordar-se aqui que & convencio do comego in medias res se acrescentou ott $o- brepés durante toda a ¥poca clissica a dos encaixes narratives (K conta que ¥ conta que...}, que ainda funciona, como adiante 4 ‘yeremos, em Jean Santeuil, e que di a0 narradar tempo de colocar g vor. Aquilo que faz a particularidade do exérdio da Recherche % evidentemente, a multiplicagZo das instancias memoriais, e, por sequéncia, a multiplicagao dos comegos, sendo que cada um (ex ), precede Mente, quilificarery es ROUEN do primeiro capitulo. Tnversa- como analepse interna o captiulo seis de a 2

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