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ISBN 9788585458478 Mal-estar na ;OLECAO} PIT TETSC7: 0 RIANA infancia e Medicalizagdo firs do sofrimento: "| quando a brincadeira fica sem graca agalma Angela Vorcaro + Cristina Hoyer + Cristina Keiko Inafuku de Merle’ Daniela Couto + Fabiola Giacomini De Carli + Fernanda de Almeida Pimentel + Francisco Carlos dos Santos Filho - Hervé Bentata » Julieta Jerusalinsky + Leonor Amaral + Luciana Oltramari Cezar + Marcelo Veras + Marcia Innocéncio Moreno + Maria Eugéncia Pesaro + Mario Eduardo Costa Pereira - Michele Kamers - Renata Guarido « Silvia Disitzer « Rodrigo Pardini Guedes - Rossano Cabral Lima - Vitor Franco + Wagner Ranjia + Digitalizado com CamScanner donor 2080 saponins oro 20 0 ete mae 00 se pi dc ims ve Pri Dei tae Mare i Darga dele “ee Miri npc dene in cas cathoram eons ver Csi Hi rine eons Meet, Dovel de cc as Pinel Fanci Ca Fae ly Lea maa aco loner Si ee Mr, eri ne Per, ro See Con Perea, Michel Komers, Renato Guarido, Sve Disizer Rodrigo ce i i Pre ge aa Tala denen Forno "Sn int oe Ta rin reas ‘vA Gia, 1815 Cerro MédoEpeesial Blo B, sala 401 “0170130 Salvador Bahia Bras “ek (71 3245-785 (71) 3329776 mai sslagacombr Sie: weal com te rceooks wacbook compa pscanalise ior ewiica deal nfermiic dos Inteacionss de Catlogao ma Publicagto (CP) (M236 Mabesurna fines emlcalz dostineno:qund a brineadera ‘ea senegal. /lds Cato (Orz). Salvador: Ala, 2020, 3229. Hatem Vitis ares. ISBN 97415 -85458-174. (Brock). 1, Pca inf. 2. Medial Catal. cop.siss2s cou.159.9642-0832] Fich Cason lord por Rose dos Sato Anca Aaj CRBIS 125 0 29 55 93 14 131 Sumario Preficio A psicopathologia, 0 sujeito da psicandlise e a clinica com bebés Inés Cardo Parte 1 Como classificar o sofrimento psiquico? Remédio nfo trata pensamento: apontamentos Silvia Disitzer Infancia e adolescéncia cm tempos de DSM-5 € CID 11: trajetérias da classificagao e perspectivas de investigagio critica Rossano Cabral Lima Psiquiatria baseada no sujeito: o sujeito da psicandlise como fundamento ético para a clinica médica © psiquidtrica ‘Mério Eduardo Costa Pereira Parte II A medicaliza¢io mais além do remédio Medicalizagio, patologizasio, medicamentagto na Infancia: como chegamos a isso? Fabiola Giacomini De Carli, Francisco Carlos dos Santos Filho e Luciana Oltramari Cezar Medicalizagio na infncia e 0 tempo de desmedicatizar Wagner Rania Ganhar tempo? Inquietagdes diante das transformagdes, de género a partir de um caso clinico Renata Guarido Digitalizado com CamScanner 146 195 208 21 283 269 287 298 nos desafios da Educagio war da Psicandlise . pet ivimento das criangas com inclusiva ¢ do desenvol transtomos de desenvolvimento Vitor Franco e Leonor Amaral Parte III O sintoma, uma solugio singular ‘Aver da palmatbria quimica ¢ da camisa de forca taxa prea: medicalizagdo versus reconhecimento do sofrimento psiquico da crianga na polis Julieta Serusalinsky, Mércia Innocéncio Moreno € Fernanda de Almeida Pimentel 0s tiscos da nomeagio diagnéstica © 0 uso de psicofirmacos na infincia Michele Kamers 0 passo da medicalizagao da infincia Angela Vorcaro,Rocbigo Pardini Guedes e Daniela Couto Parte IV Orethas para 0 mal-estar: algumas praticas de intervengo Um lugar para a psique no acolhimento dos recém- nascidos: a propésito da Unidade de Psicopatologia Perinatal de Saint-Denis Hervé Bemata Duas propostas de intervengBes subjtivantes para quent eianas com nav psquics:saliaio sicanaliica © © grupo interativo pais-criancas Lugar de Vida an ‘Maria Eugéncia Pesaro Cristina Keiko Inf ce Meret (Quem suporta suportar Cristina Hoyer Uma oretha para o mal-estar Marcelo Veras Preficio Inés Cato ‘A psicopathologia, o sujeito da psicanilise ea clinica com bebés Introducao “Porque vocé no gosta de tomar Ritalina?”, perguntei curiosa ao menino de 10 anos que acabara de fazer tal afirmagio. “Porque deixa a brincadeira sem graga’”, Eu nio teria sido capaz de definir melhor um efeito colateral to importante que, no entanto, nfo consta da bula de nenhum remédio. © ato de brincar ¢ uma das principais marcas do tempo da inffincia E brincando que a erianga tece a fiegdo que a sustentari no tempo de adulto. E brincando que ela organiza o seu mundo. Junta restos do que ouve com galho, pedrinha, boneco, carrinho e todas as coisas que sua imaginagio nomeia de brinquedo, inventando para si mesma um lugar. Brinear é o trabalho da crianga, Pr isso, quando uma crianga ndo brinca, ou quando ela deixa de brincar, é motivo de preocupasio. Digitalizado com CamScanner ee astra inion ‘Uma crianga que nio brinca pode nfo ter adquirido a capacidade de fazer de conta, como nos atismos. Ou pode estar triste porque os pais brigam muito ¢ ela presencia, Ou estar tio preocupads com alguma questio que no consegue se concentrar na brincadeira. Ou, ainda, pode estar tio ansiosa que no consegue parar para brine. Ou, ou, ov. Como saber? Escutando a crianga, Sem essa escuta,ficamos perdidos em uma lista as vezes infinita de queixas e de sintomas que ndo serve para apontar uma diregio de trabalho, Desorientados e angustiados, recorremos & tentativa de inclusto do quadro em alguma classificagao conhecida. E la se vio o que de particular define aquele sujeito e a possibilidade real de ajudi-to, ‘A esséncia da atividade clinica sempre foi escutar 0 paciente, sem pressa de fazer 0 diagndstico da docnga, antes fazendo o diagndstico da situagdo. Mas a psicopatologia no é mais ensinada nos nossos locais de ensino ou é entendida como sindnimo de nosologia, quando o significado da palavra grega ‘pathos € mais amplo, significa paix, sentimento, para além de padecimento, doengas, softimento'. A psicopatologia pode ser entendida como 0 estudo do modo de funcionar de um sujeito, ae aoe ‘como ele sfie, Neste texto, propomos escrever icopathologia com “th”, tudo da vive Pointe a + como 0 estudo da vivéncia subjetiva e - ae 2 da tradigopsiquiitrica expressa na {ciaopaologia Geral de Jaspers (1883-1969), 0 diagnstico ‘orrer de um processo investigativo rigoroso, nunca Substitu-lo. Jaspers sustentava a importincia de uma andlise icopligica aprofindada, que nilo tivesse como objetivo nar artficialmente “o eaos dos fendmenos por meio de um "PEREIRA, Mio Eduardo ests aoe ee Fides a ates Ce a Preficio nome dado no diagndstico”. “O diagnéstico” —dizia—“éailtima coisa na compreensao psiquidtrica de um caso". Jaspers se interessava pelos fendmenos da consciénei A subversiva nogdo de inconsciente proposta por Freud amplia a perspectiva de leitura das vivéncias humanas. Em Freud, © inconsciente é um dos nomes do mal-estar inerente a nossa humana. frgil condigao. O mal-estar esta categoria fundamental da modernidade, engloba o sofrimento € 0 sintoma, mas no Se reduza nenhum dos dois. O mal-estar é ineurdvel, tanto em Freud quanto em Lacan. Para Lacan, 0 sofrimento aspira tornar-se um sintoma, © sintoma quer enunciar uma verdade. F necessério diferenciar na clinica essas trés categorias. Freud assinala essa diferenciagdo necesséria quando fala de uma psicopatologia da vida cotidiana e do mal-estar na cultura. A psicopatologia, portanto, nfo se reduz & nosologia.| Precisamos tomar nossa escuta mais sutil, nf nos contentando com diagndsticos ripidos € grosseiros. Porém, silo cada vez), ‘mais frequentes a busca da causalidade simples para fendmenos| complexos ¢ a apreensio de tais fendmenos como patolégicos, sem escutar seus nexos internos na histéria do paciente, J Sofremos todos 0s piores efeitos da crescente hegemonia dos DMS ~ 08 Manuais Diagnésticas e Estatisticos Americanos que, desde 1980, com a publicagdo do DSM-I1/ afastaram cada vvez mais a Psiquiatria da Psicanélise, excluindo a importincia da escuta do sujeito na anamnese, em busca da rapidez em \gnosticar, da objetividade e do consenso entre pares. O que parecia uma boa saida para os impasses atravessados pela Psiquiatria naquela ocasiao € que gerou o objetivo declarado de Fhpad PEREIRA, Miro Edsano C. Phigulaua baseada no suet: 0 seta ds ‘rails como fundamen ico pare iia médiaepsguiica, In_. Mal- Tran na inca e medicalzato do sofrinento: quando a brncadeira fica sem era. Salvador Agata, 90 pelo SDUNKER, Chistian LL. Mesto sfrimene esintoma: una psicopatoloia do Brasit ene ros Sto Paul: Boitempo, 2018. Digitalizado com CamScanner Makes init fe orientagdo promovida a partir dos anos 80 nos DSI wianga d "i mae pritica clinica, em um foco resultou, tanto no ensino quanto na to diagndstco da doenga e em um tratamento entendido como atribuigaio de um medicamento para @ exclusio do sintoma. ‘Ao contritio do esperado, quarenta anos depois do DSWEIII estamos cada vez mais perdidos em um labirinto de ‘categorias que se multiplicam a cada nova classificagao, agora com o agravante de tentar encaixar 0 mal-estar da infancia e seus softimentos em algum transtorno “conhecido”. A gravidade deste estado de coisas é inversamente proporcional a idade cronolégica da crianga. Nos bebés, um diagnéstico apressado pode virar uma profecia autorrealizada, Uma mae me conta que seu bebé de 9 ‘meses teria sido diagnosticado como autista na primeira consulta com a neuropediatra, Entretanto a crianga dormia, o diagndstico tendo sido feito unicamente a partir do relato da mie. Paradoxalmente, a ideia de softimento psiquico do bebé ede que este o expressa nos sintomas pediitricos que apresenta continua a merecer 0 descrédito de muitos profissionais, mesmo entre os psicanalistas, Por que falar com um bebé se ele ndo compreende, dizem? Com tal colocagio, contestam as competéncias dos bebés no seu recurso 4 multimodalidade para sua localizaco subjetiva no mundo. Contestam também a importincia do enderegamento de um interesse desinteressado Para a constitui¢o do bebé como sujeito. Se os bebés nao fossem sensiveis a palavra, seria imposs(vel humanizé-los. Até cerca de 40 anos atrés, a humanizagao dos cuidados em UTIF neonatal no existia no Brasil. Considerava-se que 0 bbebé no sentia dor e intervengdes invasivas eram praticadas em bebés sem qualquer preocupacio. A clinica psicanalitica com bebés, em que pese ter quase um século de existéncia — sendo preciso lembrar os nomes de Winnicott, Lebovici e Dolto, entre tantos outros -, ainda & pouco praticada entre nds. A prtica SUTI=Unithde de Trtament tensive 0 Prficio clinica psicanalitica com bebés e criangas pequenas ainda é vista com preconceito ¢ desinformacio, como uma pritica menor, quando no, como algo estranho a Psicandlise. Nosso “progresso” nos tem feito caminhar de um desconhecimento do sujeito no bebé & atribuigtio apressada de categorias do adulto aos bebés e criangas, com sua consequente medicalizagao. Uso e abuso das classifcagies Desde 1952, data da sua primeira publicagio (DSM-/), vimos assistindo a uma crescente hegemonia dos Manuais Diagnésticos e Estatisticos de Transtornos Mentais - DSM da Associago Americana de Psiquiatria, a APA. O DSM foi concebido para atender & necessidade de uniformizar estatisticas vvindas dos hospitais psiquidtricos. O DSH! foi publicado em 1968. Até essa versio, o Manual refletia a predominincia de ‘uma Psiquiatria psicodindmica, em que os sintomas guardavam relago com os conflitos subjetivos’. ‘A ccrise que a Psiquiatria atravessou nos anos 60/70 determinou uma mudanga completa nos Manuais Diagndsticos Estatisticos americanos, espelhada na sua terceira versio, DSM- 111 (1980), que perdurou até sua quinta versio 0 DSM-V (2013), atualmente em vigor. Naquela época, as criticas & Psiquiatria ceram de dupla ordem: criticas, por um lado, & dificuldade de sua sustentago como especialidade médica por falta de comprovagio do substrato biol6gico das doengas mentais ~ 0 que perdura até hoje — ¢, por outro lado, criticas sua fungdo social, entendida por alguns como reguladora ¢ normatizadora de corpos © de costumes. TMOVINENTO PSICANALISE, AUTISMO E SAUDE PUBLICA (MPASPY’ GTI. Do DSN-I 20 DSM: efeitos do dagnéstco psquitrieo “especuo aust” Sobce pais etangas. Wordpresecom, 20 jun. 2013. Disponivel em: < hpi sivanaliseautsmoesauepublica wordpress.com/2013/06720inovo-cnconto-do-mpasp- ozes-do-sis! >. Azesso em: 19st 2019. Digitalizado com CamScanner jar rainicia © DSMIItinha duas pretensées que se entrecruzavam, [A primeira delas era uma certa uniformizagao de categorias Gque permitise a troca e 0 entendimento entre os profissionas ddas mais variadas tendéncias ~ uma espécie de lingua Unica, Ele reivindicava para isso sua ateoricidade. Nasciam assim os ‘chamados transiomnos mentais. Desapareciam a categoria de paicose e o carter dimensional desta clasifieagdo. O DSM-I17 também pretendia resgatar a Psiquiatria da crise de descrédito pela qual atravessava, vitima de crticas ao seu papel social, ‘como mencionamos. “Mesmo no tendo sido este seu objetivo, o destino do DSM foi o de tomar-se uma “biblia” da Satide Mental. Foi como tal {que ele passou a ser adotado no ensino — como um manual sobre ‘0s transtomos mentais. Com o DSM-III, 0s transtomos mentais ganharam vida propria, Como diz Mario Eduardo da Costa Pereira‘ Com 0 DSM JI os transtormos mentais ganharam vida propria. Deixaram de ser um grupo de sintomas que 0 sujeito apresenta no contexto de sua hist6ria cliniea para ser indevidamente considerado que o sujito apresenta um ‘quadro psiquiatrco porter sido acometido pelo transtorn. Quantas criangas recebemos cujos pais afirmam ter DPAC’, TOD’, TDAH’ ou tudo junto? Quantos bebés chegam a nossas clinicas para confirmagdo de que 1ém TEA? Foi-se © tempo em que um transtomo mental era a descrigo de uma sindrome, isto é, de um conjunto de sinais e de sintomas que expressam 0 sofrimento psiquico de um sujeito dentro de uma historia singular. STEREO, ME Fad Pf [wal pep): CEA sf Fondo Texts Mens ds Cope ‘Palo: Instituto Langage, 2018. fe aetscane So ‘BRC Dito Pecans Ain Cat TOD - Transtomo Opasitor Desafiante, a “TOA “rent oo Secon Hiei, A Pficio O resultado foi desastroso em virios niveis, coma redugo dda dimensio diagnéstica a um diagndstico nosogrifico © a cconsequente medicalizagio da pritica clinica, isto é, para cada sintoma um remédio, Todas as manifestagdes do ser falante ganharam contornos de doenga. O exemplo mais triste é 0 do Tuto, que passou a ser considerado depressio. Igualmente emblematic, a epidemia de diagnéstico de autismo que vimos atravessando merece ser analisada considerando esse contexto, Nossa pritica clinica com criangas ppequenas atesta 0 crescente aparecimento de quadros clinicos que sugerem autismo em algum grau, para usar 0s termos do DSM-V, sendo curiosamente menos frequentes 0s quadros severos de autismo. Precisamos nos interrogar a que correspondem essas ‘mudangas. Afinal, 0 que é 0 autismo hoje? ‘Nao existem classficagdes atedricas. Se considerarmos, ‘com Freud e Lacan, 0 organismo anatomofisiolégico como sendo parte do corpo erdgeno e, considerando a importincia do ago com outro humano para a organizagao do arranjo pulsional, teremos de considerar que o desenvolvimento de uma crianga tem ddimensbes invisiveis ¢ inaudiveis, ou seja, imateriais. O olhar nto se resume a visio. A visio é fungdo de érgdo. O olhar é fungi psiquica, A voz nio se resume & audigio. A andigdo é fungio de érgiio, mas a voz é funglo psiquica, Voz ¢ olhar sio, em Lacan, objetos pulsionais. A cliniea com a crianga autista dé testemunho da importincia da dimensio imaterial do desenvolvimento pela criagio defensiva de circuitos curtos ¢ a recusa em consttuir os objetos pulsionais enquanto tais. Um diagnéstico que nfo leva em conta as dimensdes imateriais do desenvolvimento — presentes no modo como © sujeito fala de si e, no caso da crianga, presentes também no modo como os pais falam dela ~ € um diagndstico pensado como fim e nio como meio, direlo de trabalho, Esta redugao Digitalizado com CamScanner ainda que possa ser facilitadora da de do humano, da completed 0 leito de Procusto, idiscussio entre pares, forga o sujeito a caber n “A-escuta do sujeto ¢ a diregdo do tratamento 0s pais de D., menino de 6 anos, me procuraram para valiagdo psiquidtrica, a pedido da psicoterapeuta da crianga, com a queixa de que o fio esti cada vez mais agressivo. Bate, xinga e cospe em colegas, professores, no monitor ¢ até na coordenadora da escola. Praticamente nio fica em sala de aula, Passa boa parte do tempo na sala da coordenagao. Por niio saber ais o que fazer, a escola tem contido 0 menino mecanicamente 1as crises, tendo recorrido até ao SAMU" para isso. Faz alguns dias, a coordenago passou a exigir que os pais fiquem com a crianga em sala de aula. Mas, mesmo assim, cogitam pedir a eles para retiréclo da escola, . foi adotado por seus pais aos 7 meses. Antes disso, 0 casal tentou varias vezes a inseminagdo artificial, sem sucesso. Sobre os motivos de tal escolha, nada esclarecem. Fico sabendo, posteriormente, que a mae adotiva de D. foi ela prépria uma crianga adotada, Os pais desejam adotar outros fills em breve. D. sabe disso. A crianga veio trés vezes a0 consultério, sempre acompanhada pelo pai que estd em vias de ser aposentado por doenga. Crises de pinico no trabalho e “depressio” levaram a0 seu afastamento. © pai se nomeia “impotente” para resolver 0 problema do filho, Nas trés vezes em que nos encontramos, D. brincou ‘montando situagdes de guerra. Fico sabendo que, na escola, seus desens remetem a0 mesmo tema. E um menino mute inteligente, que gosta de conversar € é muito articulado. Mas, Sobre adogdo, diz ndo querer falar. Na segunda consulta, porém, "SAMU Servo de Atndimento Mave de Ug, “ Preticio entra comunicando que adotou um gato. E s6 uma comunicagao, para nio falar mais sobre o assunto, apenas um pouco. Escuto nla sua tentativa de compreender o sentido desta palavra adotar. Tem feito perguntas aos pais sobre a sua adogo. Sobre © ggatinho adotado, o menino disse ao pai em consulta que era bom porque nio tiveram de pagar nada por ele. D. parece se interrogar {que prego os pais tiveram de pagar para té-lo. © comportamento do menino levaria um psiquiatra desavisado a diagnosticar Transtomo Opositor Desafiante (TOD), ao que se seguiria uma prescrigaio medicamentosa, A atribuigdo apenas de uma medicagao serviria talvez, para calar 0 sintoma, Seria mais ficil, e mais rapido, mas no sem o risco de essa conduta ser o passaporte da crianga para o grupo daquelas que nenhuma escola quer. Esta & a segunda escola do menino. Saiu da anterior por embates de mesmo tipo. D., crianga adotada, encena com suas crises escolares uma possivel expulsio da escola atual, 0 que parece paradoxal. Ao ‘mesmo tempo em que se interroga sobre sta adogio feita enigma, © menino atua a sua expulsio. A pulstio nos obriga a revisitar 0 gue esta implicado na satisfagao, lembra Lacan'', (© comportamento de D. fala da sua dificuldade e tentativa de equacionar a questo da adogao. A crianga parece interrogar em ato “O que 0 outro quer de mim?” Estaria o seu sintoma em condigies de responder ao que existe de sintomitico na estrutura familiar? Vocé deve estar se perguntado, no sem razio, de que adianta colocar hipéteses metapsicol6gicas para acabar ‘medicando a crianga? Medicar a crianga talvez, para acalmar a agitagdo do corpo e viabilizar uma abordagem durivel no tempo, © que nio é possivel sem escuté-la ¢ sem construir com os pais ea escola uma dirego comum para mediar intratavel do TEACAN Teogus 0 Sominiio, Lino I: ot quaro concios fncamentas ds psa (1961, Ro de Janie: Zar, 1985. Digitalizado com CamScanner Mates sintoma, que se apresenta no corpo pulsional da erianga e precisa ‘encontrar outro modo de expressio. Mal-estar e sofrimento psiquico na inféncia ~ pequenas histérias ‘exemplares © sujeito no existe fora de suas contingéncias. Que 6 diagndstico possa ser aquilo que resulta de um raciocinio psicopatoligico e metapsicolégico, e nfo sinénimo de nosografia , que ele sirva tdo somente & dirego do trabalho clinico a ser sustentado, & 0 que desejamos. Porém, um diagnéstico desse tipo, baseado em uma psicopatologia psicanalitica, exige tempo, tempo de escuta do sujeito em questo. Estamos dispostos a cempregar, desse modo, 0 nosso tempo na clinica hoje? As birras do bebe Certo dia, recebi, no ambulatério do HB ~ 0 Hospital da Crianga de Brasilia, um beb€ de 1 ano e 10 meses. Antes que ele cchegasse & sala de consulta, fui verificar 0 prontuério temendo set mais um caso de autismo. Nao era. Meu alivio, porém, durou pouco. A crianga veio encaminhada pela Onco-hematologia do hospital, onde era tratada por neutropenia grave, Apresentava também uma dermatite importante em rosto e bragos. A primeira suspeita dos médicos foi de céncer. Mas todos os exames feitos até entdo tinham sido normais. Os médicos passaram a desconfiar ue o quadro da crianga se devia & exposigao a agrot6xicos. Durante a nossa conversa no ambulatério de Psiquiatria, @ que mie e filha chegaram trazidas pelas birras da iltima, ficamos sabendo virias coisas. Os pais da menina de nome doce, contrastante com sua iritabilidade extrema, trabalham plantando © colhendo verduras com agrotéxicos. Sabe aquelas alfaces lindas e os brécolis que comemos por achar importantes para nossa satide? Pois é. A mae, mulher jovem, sabe muito sobre os efeitos destes venenos fitossanitirios nos corpos dos colegas de 16 ttc trabalho. S6 ndo sabia que esses efeitos também se refletiriam na sua crianga, a eles exposta desde antes de nascer. Durante a consulta, a mie se queixou de trabalhar muito, 44 é madrugada quando vai se deitar. A bebé acompanha o ritmo dda casa, Durante o dia, a doce menina brinca com o celular para que sua mae trabalhe. A crianga ainda nao vai a escola. A mie tem medo dos perigos da escola. Também nao brinca fora de casa or causa do medo da me de que ela contraia alguma doenga na areia, por exemplo. Rimos algumas vezes durante a consulta, que jeito, destas contradigdes do nosso tempo, pois, com tantos medos dos perigos de fora, eles esto dentro de casa mesmo. A mie disse, por exemplo: “Ela come de tudo, adora verduras.” Seria cémico se ndo fosse tragico. Intoxicada por todos os lados, inclusive eletronicamente, a crianga reage. A mie pergunta como fazer para mudar a vida “escrota” que leva (palavras dela). Depois de assegurada de que naquela consulta no ia passar por agulhadas de nenhum tipo, a bebé dormiu, As irmas ‘A menininha de quatro anos vem como sempre acompanhando sua irma de oito anos & anise, Espicha 0 pescogo para dentro do consultério perguntando pelos brinquedos, 20 mesmo tempo que seu olhar vasculha pela fresta 0 espago cenigmitico da sala de consulta da irma. ‘A menina de oito anos entra, Dentro, monta ¢ desmonta avidamente cenas de Lego até conseguir falar, mais um pouco, sobre o Natal passado. ‘Nao houve festa nem presentes. Os pais brigaram muito. pai atirou um copo na diregdo da filha menor. O copo esilhagou. O pai quebrou também a TV. As meninas ficaram muito assustadas, Digitalizado com CamScanner inn de oito anos vizia para de 0 Natal passado, a menini : ste nguém elev o tom de vor. Na sesso deals, i femer que os pas briguem de novo. que, em ca rmosta-se muito ansiosa, Diz ‘A menininba de quatro anos fotheava livinhos quando atria porta no fim da sesso da rma. Ao me ver, aponta & parede de sala de espera e diz para mim que é fei. Pergunta por que est fquebrada,apontando a rachadura que percore a parede ¢ cuja textura tenta disfarear. ‘Amie se apressa em me explicar que estio pintando as paredes em casa, Procura emendar 0 mal-estar surgido com as palavras de sua filha menor. Na sala de espera, a menina de quatro anos me aponta que, mesmo tendo ficado do lado de fora, também fez a sua sesso. Tempo da infncia: um tempo outro A inffncia precisa ser tratada como um tempo. No ‘um tempo antes, um tempo outro, Montagem de medos, de apavoramentos. Montagem. ‘Tratar uma crianga 6, antes de tudo, reconhecer-Ihe 0 direito a angiistias,tristezas e medos, sem etiquetagem, mas com 0 oferecimento da escuta daquilo que se monta, Abordar a crianga em seu sofrimento psiquico porque le existe, Nao para conserti-la e fzé-a caber na insensatez do ‘mundo. Antes, para ajudé-la a delimitar-se nele. O diagnéstico precoce das condiges psicopatolégicas mais graves da infncia, como os autismos, dé a0 bebé a possibilidade de se organizar de um outro modo, sob intervenglo. A clinica nos mostra como é particularmente doloroso para a crianga e sua familia estar no campo da linguagem, mas fora do discurso, o que ‘corre quando a montagem pulsional falha, Preticio Nenhum diagnéstico permite, porém, que coloquemos 0 onto final em um caso. E possivel mudar um destino dentro do autismo, dentro da psicose, dentro da neurose. objetivo da intervengao psicanalitica ndo é detectar erros conserté-los, Nao é pér fim aos sintomas (diz)funcionais que a crianga apresenta. O psicanalista ndo é um mecénico da alma, Mas 0 deslocamento produzido por uma intervengdo que leva ‘em conta o inconsciente pode mudar o rumo de uma existéncia, ‘mesmo e principalmente em bebés. Uma escuta qualificada permite perceber qual & 0 modo de (diz)funcionamento que a crianga apresenta ~ no caso dos bebés, sua inscrigto corporal ~ intervir ai com a palavra justa, para que © movimento desejante do sujeito possa seguir seu curs. Osujeito nasce pelavoz, o bebénasce pela boca: umdeslocamento necessério ‘O nascimento de um bebé na familia de P., menino autista, na época com 8 anos de idade, 0 fez comegar a colocar uma série de perguntas sobre a origem até que um dia, no inicio de uma sesso, ainda na sala de espera, ele formula 0 que poderiamos chamar de uma primeira teoria sexual infantil: “O bebé nasce pela boca?”, pergunta, Partindo de uma crianga cujo impasse se instalou, muito precocemente, na fala, essa pergunta ganha um cariter ainda mais fantistico. A mae me olha e sorti apiedada do ‘que nomeia “a inocéncia do filho”®. A vor traz a marca particular de um sujeito. Quando ppassa a poder falar em seu proprio nome, ¢ a formular 0 que no compreende sob a forma de questi, a crianga assume seu lugar de sujeito, sob a mediagdo de um corpo ligado a rede de significantes da linguagem e referido ao desejo do Outro. A tentativa de produco, primeiro, de sons e, depois, de fala faz do SCATAO, Ins. O Bebé mace pola boa: vor sujet linia do autsmo, Sto Paul: Insite Langage 2008, Digitalizado com CamScanner Mabestar ma infineia infans, a.m s6 tempo, ator € produto de seu proprio processo de subjetivacto. Jeu mmutismo aos 2 anos ao medo de barulho, Je o interrogar em tratamento, P. parece ter reconst ho que do som leva & dimensio musical desta & vor e, om seguida, & fala, Na ocasido em que pode formular esta pergunta, ela jé nfo era sobre ruidos, mas sobre 0 enigma da origem, comum a todos nds. Com sua enunciagio, P diz mais do que pensa dizer. ‘A voz € 0 mais antigo poema, poténcia de fala, O trabalho do psicanalista é, a partir da escuta das vozes aprisionadas no corpo, permitira todo sujeito soltara propria voz. O sujeito nasce pela voz. E pela boca que nasce o bebé. Partindo de experiéncias clinicas ¢ tedricas diferentes, 08 textos que compdem este livro t&m em comum a preocuparao ‘com 0 avango sobre a infancia € a adolescéncia de um discurso ‘e uma pritica que reduzem os fendmenos subjetivos a um dado orginico, desconhecendo a complexidade dos acontecimentos no humano. livro esté dividido em quatro partes. A Parte I~ Como classificar o sofrimento psiguico? — & composta por 3 artigos: Des que o fazia tapar os ouvidos, até el O artigo de Silvia Disitzer traz um histérico do DSMe seu feito sobre a hegemonia do paradigma biolégico na Psiquiatria atual Em texto instigante, Rossano Cabral Lima parte do retrospecto critico das duas classificagdes mais em uso atualmente © DSM e a CID -, mostrando a transformagio softida pelo ‘modo de lidar com a psicopatologia na inffincia e na adolescéncia até chegar, no DSM-V, & nogo de neurodesenvolvimento, que corresponde a ascensto das neurociéncias. relembra em seu se ndo se resumia Mario Eduardo da Costa Perei artigo que, para os médicos gregos, a anat 20 TS, ticle @ uma coleta de informagées, mas a um dispositivo de fala e de escuta de um real impossivel de suportar. Mostrando que a Patologia encontra-se hoje reduzida & nosologia, Mério Eduardo interroga “O que seria uma Psiquiatria que, sem abandonar sua especificidade de disciplina médica, fosse organizada em tomo da ética do respeito e do cuidado com a singularidade do sujeito e de seu desejo?” Pois, “Se a doenga e a nosologia nio servem mais de dncoras morais e epistemolégicas para orientar o ato médico, ‘a questio do pathos, enquanto padecimento e gozo préprios a um sujeito singular, persiste ¢ se impde cada vez mais.” Na Parte Il — A medicalizagdo mais além do remédio -, temos 4 artigos: Fabiola Giacomini, FranciscodosSantos FilhoeLuciana Cezar circunscrevem o estatuto cientifico e epistemoligico da patologizagao dos comportamentos discrepantes na infincia, lembrando que'“a discussdo proposta pela nogao de medicalizagao critica 0 alastramento do reducionismo organicista operado por alguns setores da medicina sobre 0 campo de problemas do funcionamento psiquico discrepante” indissocidvel, segundo os autores, dos vineulos e experiéncias do ser humano. Wagner Raniia relembra a Epigenética, disciplina que estuda as mudangas induzidas pelo ambiente na expresso ou no silenciamento dos genes, ¢ tambéma nogio de Neuroplasticidade, para frisar a complexidade da abordagem do desenvolvimento hhumano e do sofrimento psiquico. Renata Guarido aborda as transformagdes de género a partir de um caso clinico dentro dos questionamentos sobre a medicalizagao da sexualidade. Vitor Franco e Leonor Amaral criticam a “segmentagao introduzida pelo pensamento disciplinar o qual promoveu uma clivagem entre as diferentes formas de entender 0 desenvolvimento normal e psicopatoligico, educative e clinico, Digitalizado com CamScanner intemo e relacional” para lembrar que uma Educagfo Inclusiva exige uma articulago transdisciplinar.Os autores sustentam que aeducagio é tnica, e que as criangas com deficiéncia tém dircito «aprender junto com as outras”, como afirmado na Declaragio de Salamanca, Assim, a Educagao Inclusiva deixa de ser uma ceducagao especial, desafiando todo o entendimento do que seja educagio hoje. AParte III—O sintoma, uma solugao singular-é composta or 3 artigos: Julieta Jerusalinsky, Marcia Innocéncio Moreno Fernanda de Almeida Pimentel trazem um questionamento da situagdo de epidemia diagndstica de TDAH e uma experiéncia de saiide piiblica em Sao Paulo que faz objego & medicalizagio do soffimento na infincia, Concluem lembrando a importéncia do reconhecimento de que ha um softimento psiquico nos primeiros anos de vida da crianga. Michele Kamers aborda, a partir de um caso clinico, os efeitos da nomeacéo diagnéstica na constituigdo psiquica da crianga, como profecia que antecipa o seu futuro, mas também baliza e justfica seus atos, falas e condutas, inserindo a crianga no lago social a partir de uma patologia. Angela Vorcaro, Rodrigo Pardini Guedes e Daniela Couto interrogam os efeitos da medicagao sobre a crianga que Ihe retiram “a poténcia que o sintoma comporta enquanto solugo singular inventada pela prépria crianga.” Do mesmo modo, a “pressa ao medicar o sintoma sem a sua devida escuta desaloja 0s pais de sua fungdo de cuidadores ¢ educadores, estabelecendo em seu lugar um ideal padronizado de normalidade”, Na Parte IV - Orelhas para o mal-estar: algumas. préticas de intervengdo -, 05 4 artigos abordam o relato de praticas de ‘scuta do sueito, desde antes do seu nascimento, passando pelos 2 tio impasses da infancia e tratando da importante questo atual do mal-estar nas universidades. artigo de Hervé Bentata traz o historico da criagio da Unidade de Psicopatologia Perinatal de Saint-Denis, no subiirbio de Paris. Maria Eugénia Pesaro e Cristina Keiko relatam duas Propostas de intervenco subjetivante para criangas pequenas com entraves psiquicos no Lugar de Vida, em Sao Paulo. Cristina Hoyer apoia suas reflexdes sobre o caso clinico de uma crianga de 3 anos de idade para interrogar “Afinal, quem ‘suporta suportar 0 sofrimento psiquico?” Por fim, Marcelo Veras traz sua experiéncia a frente do PsiU, Programa de Satide Mental e Bem-estar da Universidade Federal da Bahia, 2 UFBA, um dispositivo que acolhe 0 sofrimento subjetivo no Ambito universitério onde “muitos jovens ficam a deriva, perdidos em identificagdes precérias, buscando lum tratamento para 0 gozo que escapa ao ideal do sonhado Projeto de um diploma universitério”. Esse é 0 grande trote, diz © autor, enfatizando a importincia de uma orelha a postos para ‘uma escuta. Esta é, enfim, a aposta de todos nés, autores deste livro. Sobre a autora Psicanalista membro da Escola Letra Freudiana (RJ), docente da Faculdade de Medicina da Escs ~ Escola Superior de Cigneias da Saiide (DF), psiquiatra infantil da SESDF — Secretaria de Estado da Saiide do Distrito Federal, preceptora da Residéncia Médica em Psiquiatria da Infincia e Adolescéncia das residéncias médicas em Pediatria da SESDF, pis-doutora em Psicopatologia Clinica pela Universidade de Nice (Franca), a Digitalizado com CamScanner douora em Psicologia Clinica ¢ Cigncias da Educagio pela Universidade de Coimbra (Portugal), autora do livro O bebé asc pla boca: v0, sueitoeclinca do autismo ede mumerosos artigos publicados em revista livros especializados no Brasil e ‘na Franga, escritora. E-mail; < cataoines@gmail.com >. Referéneias CATAO, Inés, O bebé nasce pela boca: voz, sujeito ¢ clinica do utismo, So Paulo; Instituto Langage, 2009. DUNKER, Christian I. L. Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. S¥o Paulo: Boitempo, 2018. LACAN, Jacques. O Seminério, Livro 11: as quatro conceitos ‘fundamentais da psicanétise [1964]. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. MOVIMENTO PSICANALISE, AUTISMO E SAUDE PUBLICA (MPASPYGT I1. Do DSM-I ao DSM-5: efeitos do diagnéstico psiquidtrico “espectro autista” sobre pais ¢ criangas. Hordpress.com, 20 jun. 2013. Disponivel em: < http:// psicanaliseautismoesaudepublica. _wordpress/com2013/06/20/ novo-encontro-do-mpasp-vozes-do-sus/ >, Acesso em: 19 set. 2019. PEREIRA, Mério Eduardo C. Formulando uma Psicopatologia Fundamental, Rex Latinoam. Psicopatol Fundam. fonine, nl, p.60-76, 1998, . PEREIRA, Mario Eduardo C. Freud, o sujeito da psicopatologia 0 futuro da Psiquiatria, In: KEHL, Maria Rita El al. (Org.), Por ‘ue Freuc hoje? Sto Paulo: Zagodoni, 2017. ¥ Preficio PEREIRA, Mario Eduardo C. Preficio [a tradugZo portuguesa}. In; CFTMEA. Classificagdo Francesa dos Transtornos Mentais da Crianca e do Adolescente. Sto Paulo: Instituto Langage, 2018. PEREIRA, Mario Eduardo C. Psiquiatria baseada no sujeito: © sujeito da psicandlise como fundamento ético para a clinica médica e psiquidtrica, In » Mal-estar na infincia e medicalizagao do sofrimento: quando a brincadeira fica sem raga. Salvador: Agalma, no prelo. VIEIRA, Marcus André. Nota sobre a crianga, de Jacques Lacan uma leitura (2005). Dispontvel em: < www-litura.com.br/curso_ repositorio/uma_eitura_de_nota_sobre_a_crianca_dejl. pdf >. ‘Acesso em: 14 set. 2019. Digitalizado com CamScanner Parte I Como classificar o sofrimento psiquico? Digitalizado com CamScanner Remédio no trata pensamento: apontamentos Silvia Disitzer As palavras, originalmente, eam magicas ¢ até os dias atuais conservaram muito do seu antigo poder magico. Por meio de palavras uma pessoa pode tomar outra jubilosamente feliz ou levé-la ao desespero [...]. Palavras suscitam afetos ¢ sio, de modo geral, o meio de miitua influéncia entre os homens. Este artigo apresenta uma ideia que veio se formando ¢ se decantando no decurso da minha experiéncia clinica, uma temporalidade em que a escuta informada pela teoria psicanalitica predomina e organiza as decisées a respeito de como tratar, como conduzir e dirigir 0 trabalho analitico e, também oportunamente, se for 0 caso, usar o arsenal medicamentoso disponivel. Neste tempo de clinica, acompanhei intimeros casos, muitos dos quais fizeram uso de medicamentos psicoativos, prescritos por mim ou por outrem. Fui responsavel também pela prescri¢éo de outros tantos, que desenvolviam suas andlises alhures. Durante esse tempo, pude verificar que 0 pensamento ‘FREUD, Sigmund. Conferéncias introdutérias sobre psicandlise. In: . Edigao standard brasileira das obras psicolégicas completas Rio de Janeiro: Imago, 1989. VXY, p. I. 29 Digitalizado com CamScanner Matar inf sta forma inabalivel, intratével. A fixidez dag ideias que verificamos na certeza delirante ou na Pregndncia dos pensamentos obsessivos ilustra esta observago. Minha Guplainsergio na clinica psicanaitca e na clinica psiquitrica ‘vem consolidando esta forte impressio de que remédio no trata pensamento eme tem instigado a uma reflexto mais aprofundads do sujeito é de cer sobre o tema. Qualquer profissional que se coloca a tarefa clinica depara-se de saida com o relato do sujeitoe de seu sofrimento, E também com 0 fato de que uma escuta atenta favorece a melhora do paciente e até mesmo o tratamento ou a cura, Desde 0 inicio de minha pritica clinica, nos ambulatérios da faculdade de Medicina, chamava a atengdo 0 fato de que, mesmo diante da inexperiéncia de estudante, os pacientes retomiavam e retomavam do mesmo ponto as questdes que haviam relatado da ultima vez. (que era falado, considerado, debatido a partir dos pensamentos ‘que 0 proprio paciente enunciava sobre sua situaglo © seus sintomas tinham, eventualmente, mais efeito sobre a evolugao do ‘que os exames ou as medicagdes que se realizaram desde ento, Sem desconhecer a gravidade que cada caso apresentava, e eram casos graves de doenca orginica, pude perceber a importincia da escuta na pritica clinica, o que me levou, posteriormente, & psiquiatriae & psicandlise, necessariamente nfo nessa ordem. A partir dessa dupla insergdo na atividade clinica, como psiquiatra e como psicanalista, algumas reflexes se impuseram, A diferenga entre ambas € abismal, tornando-se, intimeras vezes, incompativel exercé-las a0 mesmo tempo e com o mesmo paciente. E isso vale para todos os casos, independente do quadio sintomético, Importante mencionar aqui a singularidade do caso clinico, 0 que toma cada caso tinico e impar, mesmo que os sintomas ¢ a evolucao clinica admitam comparagio generalizagdo, Nesse sentido, a psicanélise como herdeira da ‘medicina preserva a imparidade de cada caso, Remo So vata pesamento: pontamentos No que diz respeito a0 uso dos medicamentos, tenho verificado a enorme variagdo de ocorréncias, seja em relagdo ans efeitos esperados ou desejados como também em relagio aos e! colaterais € ainda alguns inesperados. E preciso mencionar também o enorme efeito de sugestio que ppercebemos ao prescrever uma medicagio, especialmente se essa prescri¢do esté acompanhada de uma escuta analitica. Esse efeito é eventualmente mais evidente do que o efeito esperado do medicamento, exercendo considerivel influéncia sobre 0 resultado clinico final. Sobre a hist6ria da relagdo entre @ loucura e 0 social no Ocidente, podemos dizer que se inicia na Antiguidade grega, perpassa a Idade Média ~ a doutrina demonista -, os séculos XVII e XVIII, ¢ culmina no nascimento da clinica psiquidtrica enquanto especialidade médica, No final do século XVIII, 0 olhar sobre a saiide comerou a se voltar para o fendmeno da loucura, ‘que passou a ser, entio objeto do saber médico. Podemos destacar, como um marco, 0 ano de 1792 na Franga, quando o médico Philippe Pinel (1745-1826), além de retirar-lhes as correntes, separou os loucos dos outros excluidos da vida em sociedade, dando-Ihes um estatuto proprio. Em outro estudo*, explicitamos ssa historicidade e langamos luz nas discussdes relevantes que se desenrolaram entre as principais escolas europeias desde 0 nascimento da clinica psiquidtrica no século XVIII, passando pela histéria das grandes entidades nosologicas como a Psicose Maniaco-depressiva, a Paranoia ¢ a Esquizofrenia. Abordamos 1 presenga de lesio no cérebro como divisor de ‘guas entre os campos da neurologia ¢ da psiquiatria e chegamos ao momento atual, a CID — Classificagdo Internacional de Doengas ¢ 0 DSM = Manual Diagnostico e Estatistico de Transtornos Mentais. ISITZER, Sv, Remo ndo trata pensamonto, 2012, Disertayto (Mestado em Hisia das Cigaciase das Técnicas e Epstemologs)-Universidade Federal Jo Ro de Janeiro, Reio de Janeiro, 2012. u Digitalizado com CamScanner steers 0 da psiquiatria contemporanea, rua, éoulo XXI,nestes tempos lobalizagao e de Segenonin de sigur nort-ameriana, precisa resi fd pr tentar compreender bem o que sé passa, Tomando em estudo reralugto do sistema clasificatério Jo Manual Diagnstico Mentais (DSM) & também da ‘¢ Estatistico de Transtornos “astearao Internacional de Doengas (CID). bem como crests ntermindvel qu. dat se desenvolve, veriReamos os o ctares da nogz0 de sueito € 0 desinio da importincia do oneeito de subjtividade, ao enveredar por um organicismo ¢ eons bilogizasao que nfo corespondem &tradug ¢& radio da psiguitia como campo do saber ou como espeialidade médica. (0 desenvolvimento de uma classificagdo dos transtornos mentais nos Estados Unidos se originou da nevessidade de toletar informagées estatisticas. O censo norte-americano de 1840 representa uma primeira tentativa de verificar informagdes sobre doenga mental ¢ aparece, de inicio, uma tinica categoria denominada idiotismofinsanidade, Em 1880, quarenta anos depois, foram identificadas sete categorias de doenga mental ~ para abordar a situa’ ‘mania, melancolia, monomania, paresia, deméncia, dipsomania ecepilepsia, Em1917,0Comitéde EstatisticadaAssociagio Psiquidtrica ‘Americana (APA), juntamente com a Comissio Nacional de Higiene Mental (CNHM), formulou um plano que foi adotado pela Divistode Recenseamento para a coleta de dados estatisticos uniformes entre os hospitais psiquidtricos. Apesar de dedicar mais atengao a utilidade clinica do que os sistemas anteriores, cesta seguia sendo uma classficagio estatistica. A Associagio Psiquidtrca Americana (APA) trabalhou em conjunto com a ‘Academia de Medicina de Nova York, para o desenvolvimento cde uma nomenclatura psiquidtrica aceitivel em émbito nacional, sue tinha em vista, prneipalmente, 0 diagnésico de pacientes intemados com transtomos psiquidtricos e neurolégicos graves. 2 Remédio no trata pensameto: pontrentos Em 1948, a Organizagiio Mundial da Saide (OMS) publicou fa sexta edigdo da Classificagdo Internacional de Doencas (CID), que, pela primeira vez, incluia uma sego dedicada aos transtomos mentais. A CID 6 foi intensamente influenciada ‘pela nomenclatura da Administragio dos Veteranos ¢ inclufa 10 categorias de psicose, 9 de psiconeurose ¢ 7 de transtorno de cariter, comportamento ¢ inteligéncia. Segundo Silvia Fendrik’, como consequéncia dos estragos psiquicos que a Segunda Guerra Mundial produziu ros soldados, em suas familias ¢ no conjunto da populagao I, foram necessérias novas classificagdes para outros tipos de afecebes que nfo correspondiam aos quadros “clissicos”. ‘Atendendo & necessidade de responder a novos diagnésticos f¢ novos tratamentos, a Associagdo Americana de Psiquiatria propie a construgdo de uma ferramenta confidvel de referéncias ‘compartilhaveis entre aqueles que se ocupavam da satide mental Em 1952, veio a luz o primeiro DSM, um livro pequeno, com critérios inovadores para psiquiatria, muitos deles inspirados na psicandlise’ © DSM, com predominio de categorias de extragio psicodindmica, continha um glossirio de descrigdes “de categorias diagnésticas ¢ foi o primeiro manual oficial de transtornos mentais a concentrar-se na utilidade clinica. O uso do termo ‘reagio’ a0 longo de todo 0 DSM-1 reflete a influéncia da perspectiva psicobiologica de Adolf Meyer, de que os transtornos mentais representariam reagdes da personalidade a fatores psicolégicos, biolégicos, sendo o conhecimento sociolégico também incorporado, em um modelo que no enfatizava um claro limite entre normal ¢ patolégico. FENDRIG Sv 0 DSMAAVE uma metafisica comportamentalista? In: SERUSALINSRY, Aledo; FENDRIK, Sv (Org). 0 Livo Negro da pricparologia re Sho Pato: Via Let, 201. p. 29-38, 9.29 SFENDAIR, Siva O DSNL-V: uma mafia comportamentlisa? opi P.29. 3 Digitalizado com CamScanner aor DSM 1, mas eliminaya 168, era similar 20 'o DSM-1 quanto no DSM-l, leva-se em iz sobre seu softimento, 0 que constitul idade cientfica. A versio Il refletia a ‘odinimica psiquidtrica, Os sintomas rev vistos como rflexos de grandes conflitos subjacentes ou teaptesinadequades aos problemas da via, entaizados em irs trupos findamentas: oposgdo entre neuraseepsicase oposi¢ho entre ansiedade ou depressio e alucinagdes ou delirios, opos nie quadros argamente em contato com a realidade © quadros ‘enotando signficaiva perda da realidade’. Ao longo do século XX, a visto psicanalitica gana forga, ¢ isso se reflete nas duas primeires edigdes do DSM. O Manual representou a realizagio institucional referendada pelo Estado e articulada aos seus dispositivos educacionais,juridicos e de pesquisa. A partir de 1952, porém serd alvo de criticas e discussdes centre os segmentos interessados, Em 1974, a decisio de se eriar ‘uma nova revisto foi tomada, ¢ Robert Spitzer foi selecionado como chefe da forga tarefa. Vérios ensaios patrocinados pelo Instituto Nacional de Sade Mental Americano foram conduzidos entre 1977 ¢ 1979 para testara fidelidade dos novos diagnédsticos. Novas categoria de transtornos foram introduzidas. O DSM-I17 adotou uma postura descritiva fenomenoldgica sem qualquer conotagio etiolégica ou explicativa das doengas, restringindo- se a0 trabalho de descrever os sintomas e agrupé-los em sindromes. Os pontos de vista psicodindmicos ¢ fisiolégicos foram abandonedos em favor do modelo biomédico, com clara distingio entre 0 normal e 0 patoligico, e deram lugar a um sistema classificatério ateérico, buscando preciso do ponto de vista deseiivo-erminoligio passive! de servr de apoio para a pesquise empirico-experimental. Surge o sistema multiaxial, que 0 DSM HT, de 1% fo termo reagao. Tanto 1 conta 0 que o paciente di tum obsticulo objetivi predomindncia da psic ‘DORER, Cn feo Lem KYRILOS NETO, Fad A erica scala do 1 ii ens pl te pan pati it La dna de Popo Pandosent, Sis Pasa festa apa Fundamental Si Pal, Wn pe u Remédio nfo tata pensamento: pontmentos busca mostrar um quadro mais completo do paciente, ao invés de fornecer um ‘simples diagnéstico’. O DSM III (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 3* edigo), publicado em 1980, relembra as ideias do mestre europeu do final do século XIX, sendo por isso considerado neokraepeliniano*, ODSMII promoveu uma reviravolta no campo psiquiitrico, que Se apresentou como uma salvagSo da profssio. Nao se tratava apenas de disputastebricas internas ou de progresso cientifico. Ele surge como efeto da presenca cada vez maior de grandes corporagbes privadas no campo da psiquiatria, como a indstria farmacéutica e as grandes seguradoras de satide. O Congresso americano, que desacreditava o National Institute of Mental Health (NIMH) no comeyo dos anos 1970, justamente devido 8 baixa confabildade dos diagndsticos Psiquidricos, passou a aumentar os recursos financeiros destinados pesquisa apés o DSM-II. Em 1994, os fundos de pesquisa do NIMH chegaram a USS 600 milhdes, bem ais que os USS 90 milhdes de 1976, , sob a influéncia do insttuto, o congresso foi persuadido a declarar os anos 1990 ‘como ‘a década do eézebro"” ‘SegundoPereira',apartirdo DSMIII,0s diagn6s considerados como instrumentos convencionais, dispensando qualquer referéncia ontolégica. Para os adeptos do DSM, essa ps0 proporcionaria maior confiabilidade de diagnéstico, na medida em que psiquiatras provenientes de diversas regides, ‘a0 entrevistarem os mesmos pacientes, conseguiriam, em tese, cchegar ao mesmo diagndstico. Criticas a respeito da falta de objetividade dos DSM-Ie DSM-ITocasionaramacriago do DSM- HI Nao seria a mesma busca por uma suposta objetividade que iil Kreeelin (S2/1856-7101928), psiguiata alemto, contemporinco de Frew, csereveuo Conpéndio de Poigulara, xj 8 ego pemanece inca a hoje. AGUIAR, Adana Amara. A peiguiciia no di enge as ciéncias da vida 4 medialis da exitncia, Rode Janeiro: Relume Dumats 2008p. 2. PEREIRA, Mario Eduardo Costa. A pao nos tempos do DSM: sobre o reco ‘opercioni do campo dapicoptoogia ss PACHECO FILHO, Raul A. etal Cigna, ‘pesquisa, represenogdo em pricandlise, Sto Paul: Educ: Casa do Psicblgo, 2000. p. Tio.182 3s Digitalizado com CamScanner ramento e, consequentemente, ‘as diagndsticas em cada nova 1 significa abordé-lo de estaria ocasionando uum desmembrs ‘um aumento excessivo das categoria cedigdo do Manual? Descrever um sintom forma objetiva? Para tanto, c, obsticulo maior para a objetivagdo fo ‘wanstomo psiquidtrico’ ~ neurose e psicose incluidas o sea eliminada da série dos manuais com 0 advento do terceiro DSM, que nasce em 1980 com a declarago triunfal jorque remetem a uma série {a} patavra do pacien {que j nfo existem as neuroses, pi rem a uma série de problemas psiquicos ambiguos, de cariter “no objetivo”, ‘ou seja, nfo observiveis nem quantiticaveis, e de etiologia confuse, Assim & como fica substituida definitivamente a rnogio de neurose por “transtomo de ansiedade”, com sinais visiveis que falam por si mesmos sem a necessidade de que ‘o paciente diga nada.” ‘A. experiéncia com o DSM-III revelou diversas inconsisténcias no sistema, ¢ alguns critérios no se mostraram adequados. Por exemplo, a homossexualidade, ao ser classificada como transtomo mental, fez com que os eritérios da classificagio fossem vistos como normas morais e politicamente incorretas. ‘A Associagiio Psiquidtrica Americana (APA) escalou um Grupo de Trabalho para a Revisto do DSM-IIl, que desenvolvew as revisdes e correrdes levando a publicagdo do DSM-III R, em 1987. No inicio dos anos 90, 0 DSM-III € 0 DSM-IER jé haviam sido traduzidos em mais de 20 idiomas, 0 que demonstra sua influéncia em todo 0 mundo. A décima revisto da Classificagaio Estatistica Internacional de Doencas (CID 10)" foi desenvolvida, ‘em contiguidade e de acordo com 0 DSM-IV, pela OMS, sendo publicada em 1992, Uma revistio do DSM-IV, conhecida como DSM-IV-TR, foi publicada em 2000. As categorias diagnésticas € a vasta maioria dos critérios especificos para diagnésticos [FEROS Ops ma mt ima 2 tafe compatanennli? ok {JOHCAMZAGHO MUNDIAL DE SAUDE OMS) CD 10 Caste Branca pe fey wei ey ere hp Editora da Universidade de Sto Paulo, 2011, {OS re Sto Pale % Remédio no trata pensament: spontamentos permaneceram inalteradas. Cada sego dava informagdes extras ido, assim como para alguns isando a manutengdo de sua consisténcia com a CID de transtomos cada vez mais observaveis € Tustrativo disso é a crescente quantidade no que di respeito is piginas, classificagdes e categorias. A primeira edi¢ao do DSM-1 foi langada em 1952 com 132 paginas, apresentando 1 descrigdo de 106 categorias de transtomos mentais. Em 1968, no DSM-I, foram listados 182 transtornos mentais em 134 paginas. Quase quinze anos depois, em 1980, foi langado 0 DSM-III, com 494 paginas, listando 265 categorias diagnésticas © DSM-III-R contém 292 diagnésticos em 567 paginas. O DSM-IV" foi publicado com 297 transtomos em 886 piginas. © DSM-S, oficialmente publicado em 18 de maio de 2013, € a mais recente edigio do Manual Diagnéstico e Estatistico de Transtornos Mentais da Associagio Psiquidtrica Americana. A publicagao € 0 resultado de um proceso de doze anos de estudos, revisdes e pesquisas de campo realizados por centenas de profissionais divididos em diferentes grupos de trabalho. Si0 quase 1000 paginas descrevendo 283 doengas mentais. Em seu aspecto estrutural, 0 DSM-5" rompeu com 9 modelo multiaxial introduzido na terceira edigao do manual. Fatores psicossociais ambientais continuam sendo foco de atengio, recomendando- se que a codificagao dessas condigdes fosse realizada com base no Capitulo da CID-10-CM. Além disso, a Escala de Avaliagiio Global do Funcionamento foi retirada do Manual. Por diversos motivos, entendeu-se quea nota de uma tinica escala nfo transmite informagdes suficientes e adequadas para a compreensio global do paciente. TAMERIGAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). DSW-1V-7R: Manaal lagnisticoe exaiico de transtonas mena 4. ee. Poo Alegre: Arte, 2002 "IAMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). BSNS: Manual digndstico € etait de rations mentls Porto Alegre: Azer, 201, a Digitalizado com CamScanner ast init para Guarido®, a linguagem do DSM globalizou a infuénia da psiqhiaria norteamericana € constr através to uso do Manual na formagio dos médicos, uma Teitura tinica se saimento psiguico, 0 que indiaria, tal como em nossas hipatces, que assim como o Manual refet a psiquatia norte aaovrieane para o mundo, ele também constr esta psiquiatria atu, haja vista fazer parte da formasdo dos proprios médicos, ‘A autora contextualiza a criago © 0 erescimento no uso do trica ¢ também fora DSM e sua importincia na clinica psiquidt é dela, Essa contextualizagdo aponta para o tema especifico da medicalizagio e psiquiatrizagio da crianga ¢, também, para possivel papel de outros agentes nesse contexto. Henriques'* aborda o impacto do DSM-III pelo viés de uma reflexio critica de sua revolugdo nosolégica. O autor traga um historic do fisicalismo na psiquiatria, desde a psiquiatria organicista do fim do século XIX até a psiquiatria hegemdnica contempordnea, a chamada psiquiatria biol6gica. Ele retoma os trés movimentos {que se sucederam cronologicamente na historia da psiquiatria, que slo: a “medicalizagao” operacionalizada pela psiquiatria biol6gica, em seguida, a“desmedicalizagao” feta pela psiquiatria dinimica e também pelos movimentos da reforma psiquidtrica na época do pés-guerra,atéa “remedicalizago” proporcionada pela psiquiatria biolégice. Na conclusio de seu texto, Henriques'* aponta, como ‘uma das principais consequéncias da hegemonia do paradigma biolbgico na psiquiatria atual, 0 fendmeno que chama de “medicalizagdo do normal”, que corresponde a prescri¢ao de medicamentos para os comportamentos humanos. Justifica seu argumento apontando para o aumento de prescrigdes de “ritalina” "GUARIDO, Resa, A metialiarto do soimentopsiquico:consderagBes sobre 0 iscuso pique e seus efits na edvapia. Educa Pest, x33, 0.1, p1SI- doen 8. Eahcoptoe Psqulsa, v.33, m1, ptSl "HENRIQUES, Roptio da Siva Pas. A meeaizagdo da piguatria: uma refexdo rica soe a volute noslia do DSM 2003, Dissertagd (Mestado em Sade Colt riven Ex do Rid ee, Rio ane, 203 ae Reso ndo tata pensar: pontaentos para criangas e para o fato de 0 diagndstico de depress ter-se tornado 0 mais comum da pritica psiquitrica Percebemos que sempre hi um préximo DSM em preparacio, ‘mesmo que 0 que esteja em vigor tenha sido certficado pelos mais renomados e reconhecidos especialistas em saiide mental de seu tempo. Tem um marketing envolvido 1 cada versio do DSM que promete uma capacidade ainda ‘maior para detectar novos transtomos de comportamento. O5 possiveis erros ou omissbes do anterior -€ 0 que se espera ~ serio corrigidos na nova edigdo. “O que mais se pode pedir a uma ciéncia a servigo da humanidade?"™ © dissenso no exigiu, no entanto, uma fundamentagio epistemolégica da proliferagio de categorias, itens e subitens, que apontasse para a definigo do que é um transtorno e 0 que se entende por ‘mente normal’. Um dos problemas que o DSM enfrenta é que, ao haver cada vez mais itens, parece cada vez ‘mais trabalhoso fazer um ‘bom’ diagnéstico. © Manual nos indica que, se estamos diante de um ataque de pinico de origem incerta, nunca é excessiva a ‘drogadicdo” ou o que descrevem 6s ‘transtomos de ansiedade nao especificados’ que, ao modo de um labirinto circular, conduzem novamente ao ataque de panico. Fendrik reclama aqui a pertinéncia de se criar uma categoria para ‘0 priprios psiquiatras — por abuso do DSM ~ de ‘estresse pos traumitico’. E seria bom se fossem somente 0s psiquiatras! A isio do DSM é muito maior do que isso, pois conquista escolas,, tribunais, consultérios, hospitais, servigos de saide, servigos sociais e outros. O contexto politico ¢ um tépico controverso, € © pretenso consenso democritico & a solugo encontrada para fazer frente as criticas que questionam sua confiabilidade. O potencial conflito de interesses permanece. Muitos argumentam que a expansio dos transtomos no DSM foi influenciada por ‘motivos de lucro e que essa expansio representa um aumento da ‘medicalizagio dos seres humanos. ‘TFENDRIK, Siva 0 DSMA1V; una metafisiea compartments? op. cit p35. » Digitalizado com CamScanner

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