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Andrée Perazzo >> VU cS al © 5 ON em bs ld TP A r ch ' hs! a... Quem sou Senti a necessidade Pistia ee ite eteateeten Quem sou? bperetrsent Oque quer erreacren Seeces aces CobalUanl onl omerol mene) instrumento do Direito e da Justica, ioje atuando em parceria com meu filho, Advogado Paulo Emanuel IRV ZceB CoS veer neater do Direito Administrativo Tecagt eects ment Seater (Teste fsa eam ece Rema TN CRM Tce dedicados a CELPE e a CELPOS (CusGce Mme mecstist re Cmnc rn me! CELPE), quando tive ocasi dimentar meus conheciment ra Pi ethos Ao nivel pessoal, sou uma mae OEMs Pence (een see ote! Deemer Me( Mele etme a Conc laey Fiiltecm ese nutee le eMC) Tess Cmca ser 0 porto seguro que meus ferrite terete hans. crc Mette PRancm Cane crmto meth tem sre tel encher de mimos... weno en eeeoet nitive ters © meu 6cio: nao cultivo uma vida social ativa, leio menos do que desejaria e vou pouco ao cinema e ao fee CN Cs ccomree oe ti te) eres CMEC ert mein temerity Aut familiar. Ultimamente, dedicava a maior parte do tempo ao preparo CoC cM cong rset ad Cea at escolha de capa, preparativos para IETeTeTatCanicone Sree MeMccr cc CcmS Tato ELLY Pte oneae area ie onan arte ree mre inten Come Gt wnt Crone cere cen terme ee Sot TTeb etry lore Loc ae Ce come rere I39929990.9 YIIIIS OCOQO9S00090090I° Wa" a 0.0-0.0-0-0.0-0 O Andrée Perazzo Iguaracy 74 Cidade Deus da Sol Recife, 2005 Copyright © by Andrée Perazzo Coordenacao editorial/Programacao visual Lourdes Nicacio Capa: Arte: Raphaela Nicécio Foto: Iguracy quando vila Fotos: Arquivo da familia Revisio: Ozede Nébrega Editoracdo eletrénica: Deusdedith Antonio da Silva - 323.1661 Todos 08 direitos reservados & autora Impresso no Brasil 427i Perazzo, Andrée, 1945 - Iguaracy: a cidade Deus do sol / Andrée Perazzo. ~ Recife: Novo Horizonte, 2005. 178p.: il ISBN 85-99204-03-3, 1. IGUARACY (PE) - HISTORIA. 2. IGUARACY (PE) - POLITICA E GOVERNO. 3. IGUARACY (PE) - VIDA E COSTUMES SOCIAIS. 4. PERAZZO, ANDREE, 1945 - AUTOBIOGRAFIA. L. Titulo. CDU 981.34 CDD 981.34 PeR-BPE Editora Novo Horizonte Diretora editorial: Lourdes Nicacio Telefones: (81) 3222.4469 / 3082.3570 Aos meus pais, Manoel Pinto (em meméria) e Neuza. A alma gémen, Claudio (em meméria). Aos filhos, Paulo e Cléudia. Aos filhos de Iguaracy, irmaos de sol Sumario Agradecimentos, 7 Apresentacao, 9 Prefacio, 11 Ao leitor, uma explicacao, 15 01 — Origens de Iguaracy, 19 Doadores — Construcao da Capela — Padre Carlos Cottart—Pioneiros - Primeiros Nomes do Povoado 02 — Pilares do Desenvolvimento, 39 Manoel Pinto Torres e sua trajetéria - Sebastiao Julio e a iluminacdo — Sebastiao Alves da Silva eo nome “Iguaraci” — Baliu e a formacado da juventude — Empresa Collier e sua importancia — Cargos e Patentes 03 — As Conquistas de Iguaracy, 65 Mudanga do nome - Luz de Paulo Afonso — Emancipacao Politica — Simbolos de Iguaracy — Sindicato - Agua Encanada 04 — Memérias Politicas, 75 Partidos - Campanha - Prefeitos: Nomeados e Eleitos 05 — Filhos de Iguaracy que fizeram histéria, 89 Mulheres a frente do seu tempo — Homens que fizeram seu espago — Migracao dos Sertanejos — Religiosidade 06 - O Cotidiano, 111 As Missdes — Inovagées do Padre Pio — Calendario Festivo — A Feira— A Difusora — Lazer Masculino — O Prefeito na Ponte da Estacdo — Vigias da Noite — Violéncia na Comunidade - Funerais — Cantico das Ruas — Os Loucos e suas Loucuras 07 — Minhas Vivéncias, 145 =| Infancia e Juventude - Mudanca para Recife — Ascendéncia — Retrato do Presente - Meu nome — Nosso Sitio - A Casa da Rua, Nosso Lar - A Venda, ou Castelo de Bronze Consideracées Finais, 175 Andrée Perazzo Agradecimentos u OS amiga Ozede Nobrega, que me ajudou a elaborar este texto, procedeu a revisdo da escrita, sugeriu a nomeacdo de alguns capitulos e me apoiou, emocionalmente, com o seu carinho e incentivo. Sem ela, nao sei se teria ido até 0 fim. A Seu Sebas e a Baliu, por suas lembrangas e por nossas conversas. As demais pessoas que contribuiram com anotagées, depoimentos, fotos, apoio moral, amizade. Muita gente me ajudou, talvez até com subsidios de peso. Nao vou citar nomes, para evitar algum esquecimento. Espero que todos se “vejam” no texto ou nas entrelinhas deste livro. Em especial, 4 minha familia: Mam&e, que se privou da minha companhia; Rosa e Eduardo, que se revezavam para “cobrir’ minhas auséncias; Santuza, Odete, Genelice e Leninha, que ajudaram nas pesquisas; Xandinho e Jaqueline, pelo apoio técnico; Paulo e Claudia, pela confianga, incentivo e grande amor que nos une. E, finalmente, a Silvana, que se desdobrou para nos prover de quitutes, durante a feitura e revisao do livro. Eu tenho a imensa sorte de ser uma pessoa envolvida em afeto e carinho, em toda minha vida. Obrigada, Meu Deus! Andrée Perazzo Apresentacao Como seria bom que outros filhos do Pajet seguissem o exemplo de Andrée Perazzo e oferecessem um testemunho como este que lemos 0 privilégio de apresentar. Iguaraci, a pequena povoagao que se fez cidade, aqui esta cantada e decantada na linguagem simples e objetiva desta filha apaixonada e acima de tudo fiel 4 sua origem e a sua gente. Alias, 0 sentimento de fidelidade a origem, to préprio do sertanejo, tem recebido através da historia exemplos magnificos que merecem ser registrados, como aquele de JOAQUIM NABUCO que jamais se desligou do Engenho Massangana ou de BARRETO GUIMARAES que nunca esqueceu de sua querida e doce Olinda. Conta-se que, certa vez, perguntaram a CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE por que ele nunca mais teria voltado a ltabira (terra natal do grande poeta) ao que ele respondera “porque na verdade eu nunca sai de a”. Acredito que Andrée Perazzo nunca saiu de Iguaracy. Apenas a distancia fisica separa a Professora Primaria que se fez Advogada e trabalha no Recife, da sua cidade sertaneja, que ofereceu a Pernambuco e ao Brasil outro exemplo de bravura, inteligéncia e amor a terra, na figura maior do MONSENHOR ALFREDO DE ARRUDA CAMARA. A cidade DEUS DO SOL é integrante da regiao do Pajet, que retine cerca de 23 Municipios, de Itapetim a Itacuruba, e representa 25% da area fisica de Pernambuco, toda cortada e banhada pelo rio do mesmo nome, o maior afluente do médio So Francisco, eixo molhado da Integrac&o Nacional. Iguaracy - A Cidade Deus do Sol Registre-se, como curioso e inusitado, o fato que aconteceu, nao por forga da Lei, mas por culpa dela. A vila de Iguaraci transformou-se na cidade de Iguaracy, por conta da assessoria parlamentar do Deputado Olimpio Ferraz que, ao redigir 0 Projeto de Emancipagao, trocou o “i” pelo “y”, maculando assim a origem indigena da palavra que o Professor Mario Melo sugeriu para nome daquele Municipio. Estas e outras curiosidades sAo contadas por Andreé que, com tanta competéncia, evidenciada na forma simples de escrever, pintou, e pintou muito bem, as origens, as conquistas, 0 seu povo e o desenvolvimento desta pequena cidade sertaneja que se encontra no texto e no contexto dos “CAMINHOS DO PAJEU” escrito por LUIZ CRISTOVAO DOS SANTOS, ilustre advogado e membro da Academia Pernambucana de Letras, de saudosa meméria. Encerro os meus comentarios, felicitando a querida prima e amiga, na esperanga de que os outros filhos do Pajet tomem a sua bandeira e prossigam na necessaria caminhada de registrar os fatos que fazem a historia desse pedago do Nordeste. Francisco Perazzo Advogado e Pecuarista 10 Andrée Perazzo Prefacio A HISTORIA, O CENARIO E SEUS PERSONAGENS Cyl Gallindo Miia gente pensa, ou talvez nem pense, que a Historia Universal 6 algo que cai do céu sobre nossas cabegas, ou que s6 acontece noutros mundos, fora do nosso alcance. A H. U. nada mais é sendo o sumo e a soma das agdes humanas. Muitas dessas agées, praticadas por criaturas anénimas, acontecem nos lugares mais simples, mas que pela sua forca, pela contingéncia do momento, grudam-se na consciéncia da humanidade e varam séculos. Diogenes, fildsofo grego, morava dentro de um tonel, junto ao qual chegou 0 rei Alexandre | a Ihe perguntar: “Desejas alguma coisa?” Didgenes respondeu: “Que te tires diante do meu sol”. Com esse apego pela luz, Didgenes andava, em pleno dia, com uma vela acesa, e justificava estar “a procura de um homem’”. Anténio Conselheiro e seus jagungos, em Canudos, pretendendo criar uma sociedade livre e independente da opressao da burguesia, brigaram contra os poderes da Republica, recém-instalada no Brasil, até o Ultimo homem. Como se pode vé, dois homens paupérrimos, um ocupando 0 espaco de um tonel, o outro um cascalho do Sertao nordestino, sao hoje personagens da Historia Universal. Quantos nomes de Ad Iguaracy - A Cidade Deus do Sol opressores poderosos e valentées, contemporaneos de Didgenes ou do Conselheiro, nao foram sepultados com seus prdéprios corpos, porque nada fizeram que ficasse como exemplo? Tudo isto eu sei porque foi escrito, esta registrado para avaliagao e julgamento dos homens futuros. Mas quantos fatos da mesma magnitude nao se perdem, especialmente no Brasil, por falta de um simples registro, de documentacéo? Sou um homem assustado com a meméria nacional, nado com o que existe, mas com o que nao existe registrado, especialmente no interior do Pais, pois poucos tém a sorte de uma Canudos, que contou com o talento de Euclides da Cunha, ou da Grécia, que cultivava a sabedoria. Eita mundo velho esquecido, esse nosso! Ninguém sabe de nada, ninguém valoriza nada. As coisas acontecem porque tém de acontecer. Gentes, lugares, fatos sobrepdem-se uns aos outros como um matagal sem importancia. Ou esquecidamente lembrados. As faras pessoas que se dispdem a mudar essa realidade trabalham por conta propria. Nao contam com apoio algum, nem do Estado nem da empresa privada. O melhor exemplo disso 6 © nosso Centro de Estudos de Histéria Municipal que, nao obstante o esforgo titanico da sua Gerente Eleny Pinto da Silveira, s6 consegue editar um ou dois livros por ano. E notavel 0 elenco de abnegados historiadores criteriosos, com expresses do porte de Nelson Barbalho, Costa Porto, Samuel Soares, Alfredo Leite, aos quais se juntaram, recentemente, entre outros, Lourdes Nicacio, Gilvan e Maria do Monte de Almeida Maciel, Sevy Oliveira e a dupla Virginia Maria Almoédo de Assis e Vera Lticia Costa Acioli. Cada um a seu modo trouxe @ luz a Hisiéria, respectivamente, de Belém de Sao Francisco, Alagoinha com a Familia Almeida, Custédia e de Buique — Uma Histéria Preservada. Esta Historia que documenta a minha querida Buique deu trato cientifico a vigorosa semente Campos do Buique, Suas Terras, Sua Gente, plantada por Cidinaldo Buique de Aratijo Azevedo. by Andrée Perazzo Estou aqui a comentar o livro Iguaracy — A Cidade Deus do Sol, de Andrée Perazzo. Haveria na trajetéria dessa cidade e do seu povo 0 raio da luz reivindicada por Pitagoras? Era um caminho como tantos outros que ainda hoje existem. Uma vereda de teor Guimaraes Rosa, em que alguém parou num ponto qualquer e decidiu vender cafezinhos com bolo de mandioca. Gerou-se uma bodega. A moda pegou e no lugar nasceu uma feira, depois um povoado com uma igreja, que virou uma vila e transformou-se na linda cidade de Iguaracy. A sua Historia é forte, bonita e comovente, e traz como égide o primeiro raio do sol num candelabro de cristal. Os povos primitivos que la habitaram sabiam disso e a batizaram “Deus do Sol’. O seu destino até os dias atuais vem sendo tragado pelas suas gentes, dos mandatarios aos mais humildes, mas t4o sertanejos quanto aqueles habitantes de Canudos. Afeitos as secas e ao abandono do poder central, mas com uma reserva moral definida e de prontidao na defesa da dignidade humana. A investida primordial na revelagao dessa Historia, com um estilo equilibrado, sem tombar para as garras do intelectualismo pedante, nem do historicismo austero, esta sendo feita pela minha querida prima Andrée Perazzo. Aquela menina sapeca que, nas férias escolares, ia a Buique com seu pai Manoel Pinto, € virava a cidade pelo avesso, com a cambada de primos. Eram momentos alegres, bons, e descontraidos; como sao inesqueciveis. Por essa brecha me dei conta estar dentro da Histéria de Iguaracy. Mas asseguro que poucas pessoas, mesmo as naturais de Iguaracy, ficariam tao orgulhosas e felizes, como eu fiquei. Sinto-me um cidadao de Iguaracy. Um municipio que agora tem raizes expostas e revela os seus segredos. Dé exemplo de cidadania. Um povo sem histéria 6 um povo sem identidade. Iguaracy neste momento finca pé definitivamente na Histéria. Documenia-se e tira a sua identidade como Deus do Sol, com impressdo digital e tudo. Boa Viagem, setembro de 2005. 13 Andrée Perazzo Ao leitor, uma explicacao: Gate livro se reporta a uma pequena cidade do alto sertao pernambucano, chamada /guaracy, designagdo vinda da palavra Guaraci, da mitologia tupi-guarani, que significa ‘DEUS DO SOL", doador da vida e criador dos seres vivos. Eumnome apropriado para a cidade, que tem uma relacdo direta, tanto com o sol inclemente do sert&éo, como com a esplendorosa beleza do seu entardecer. QO sol, como disse 0 escritor alemao Thomas Mann, “atordoa e encanta o intelecto e a meméria de tal maneira, que a alma, de alegria, esquece completamente sua verdadeira condicao e, com espantada admiragao, fica presa’ na beleza dos objetos tocados pelos seus raios. Iguaracy, na minha memoria e na minha saudade, é bela sob a luz solar, sobretudo, no entardecer. Ela nao tem atrativos fisicos, nem beleza material. E uma “menina pobre”, sem os dotes da Mde Natureza e sem a “produgao” humana, conterindo-lhe os adornos artificiais da arquitetura. No entanto, o astro-rei lhe confere encanto especial, mais ainda pela visao, em determinados locais, do seu pér-do-sol. Por tudo isto, escolhi para o meu relato, o titulo de: Iguaracy — A Cidade Deus do Sol O meu objetivo é evidenciar a cidade e os pilares do seu desenvolvimento, ai incluidos doadores, pioneiros e pessoas que fizeram um determinado pedago de sua historia. Move-me a crenga de que sé valorizamos 0 que conhecemos. 15 Iguaracy ~ A Cidade Deus do Sol Ao longo da narrativa, registro ocorréncias e fatos, mostrando flashes e fotogramas de documentos e, também, episddios de minha trajetoria familiar, vividos em Iguaracy. Aprimeira inspiragao que tive para este livro me veio pelos relatos, mimeografados, de Sebastiao Alves da Silva, em 1991, e de Maria de Lourdes Souza (Baliu), em 1995, que registraram a memoria dos primeiros anos de Iguaracy, recolhendo depoimentos ouvidos, ao longo da vida. E hoje ambos aguardam a divulgagao de minhas memérias, para verem, em livro, 0 passado que eles ajudaram a guardar. Esses registros de Sebastiao Alves e de Baliu, bem como um trabalho de pesquisa e compilagao, realizado por Madalena Perazzo Nunes, foram minhas primeiras fontes. Diversas pessoas se prontificaram para me auxiliar nas pesquisas sobre o passado de Iguaracy. Uma delas foi Inacia Ferreira, que me ofereceu um trabalho manuscrito, de sua autoria. Como ela, outros me ofereceram ajuda, de modo especial, através de depoimentos orais, pessoalmente ou através de telefonemas —em geral, a respeito de pioneiros e seus descendentes. Muitos me deram fotografias antigas. Algumas pessoas me ajudaram na coleta de dados, como Rosalina, Santuza, Julia Rosa, Zé Veras. Algumas informag6es obtive da obra “Afogados da Ingazeira: Memérias”, de Fernando Pires, e do livro “Da Italia para o Brasil”, de Valdir Perazzo. Minhas fontes principais, no entanto, foram: o arquivo deixado por meu Pai e 0 Livro de Tombo da Paréquia de Afogados da Ingazeira, referente ao inicio do século XX. Eu cresci pensando que a minha cidade se originara das doages para a construgao de uma Capela. Iniciei a escrita deste livro com esse pressuposto. Entretanto, ao longo das minhas pesquisas, descobri que a célula geradora da povoagao nao foi a Capela, mas um pouso de transeuntes que originou uma feira — tema incluso no primeiro capitulo. 16 Andrée Perazzo Comecei 0 livro com a origem de Iguaracy. A seguir, falei de pessoas que fizeram a povoagao, depois vila e cidade, mostrando as suas contribuigdes; registrei o que considero as grandes conquistas, e o cotidiano da “minha” época. No final, ao narrar as minhas vivéncias, pretendi mostrar como se vivia, naquele tempo. Ao contar a minha vida, contei a vida das pessoas da minha geragao. Note-se que escrevo “Iguaracy” (com “y’) ao falar da cidade (aut6noma) e “Iguaraci” (com “i”), referindo-me a vila. Explico o motivo disto no item “Emancipagao Politica”. (Vila de Iguaraci, em 1951. Observe o poste de madeira, e o largo sem calgamento) 17 Origens de Iguaracy a Werte capitulo narro o inicio da povoagao, do seu surgimento nas imediagdes da “Cacimba de Baixo”, ao crescimento da vila florescente sob o sol. Iguaracy — A Cidade Deus do Sol Buaracy nasceu no municipio de Afogados da Ingazeira, no territério da propriedade rural Macacos, que ficava entre a sede do municipio, a cidade de Lagoa de Baixo (Sertania) e os distritos de Varas (hoje Jabitaca) e Quintimbu (de Custddia). As pessoas que se deslocavam enire essas localidades, ai se incluindo os proprietarios e demais habitantes das fazendas © sitios circunvizinhos, transitavam pelo imdvel rural Macacos, nas proximidades de um riacho, em cujo leito existia uma cacimba, de onde a Agua brotava, mesmo nos anos de seca. Os transeuntes, que em geral se deslocavam em cavalos, burros ou jumentos, paravam no local para dar de beber as suas montarias e animais de carga. Nesse ponto, em algum momento, foi instalado um “Café”, que originou uma venda de mercadorias, acabando por se transformar numa feira. Em 1910, houve uma doagao de terras a Igreja para edificagao de uma capela, dentro do imovel rural Macacos, distante do local do “Café” cerca de um quilémetro. Dois anos depois, houve outra doacdo, desta vez englobando essa area de pouso. Ali, construiu-se a atual Igreja Matriz de Sao Sebastiao. Ao redor dela cresceu 0 povoado, hoje cidade de Iguaracy. Doadores Gm 1910, Anténio Godé de Vasconcelos e sua esposa Severina Umbelina Godé doaram a Igreja, oitenta bragas de terra na propriedade Macacos, para edificagao de uma capela, cujo padroeiro fosse Sao Sebastiao. Talvez a escolha do padroeiro tivesse ligagao com a crenga de que o Santo protegeria os rebanhos — crenga ainda hoje muito viva em nossa comunidade. 20 Andrée Perazzo Eles registraram a doagao no cartério de Afogados da Ingazeira, pelo valor de 25$000 (vinte e cinco mil réis), transferindo para S&o Sebastiéo todos os poderes, dominio, ago e posse que tinham sobre o imével. No mesmo ato, nomearam, como procurador legal do patriménio assim constituido, Jodo Seratim de Lucena, autorizando a construg&éo de uma casa para sua residéncia, salientando que o lugar se chamasse Rua Nova. Ao que parece, o doador pretendia originar uma povoagao, © que se deduz pela preocupagao em denominar Rua Nova a parte doada, da propriedade Macacos. Em 1912, houve uma segunda doagao. No dia 12 de agosto, compareceu ao Cartério do Registro de Afogados da Ingazeira o casal Anténio da Silva Rabello e Anna Olympia Sansone, doando uma area com cem bragas de frente por cem de fundos, no mesmo sitio Macacos. Ratificaram o objetivo dos Godé de Vasconcelos sobre a capela para Sao Sebastido. O local era mais privilegiado que a primeira doagao, porque, ali, cruzavam-se os caminhos entre Quintimbu, Varas, Afogados e Lagoa de Baixo. O casal Rabello era proprietario da Fazenda Aroeira, distante oito quilémetros da parte que estava doando. Como, ent&o, 0 casal fez doagao de uma parte do sitio Macacos? Sobre esta duvida, Indcia Ferreira anotou (em manuscrito que me emprestou) que seu pai, Caetano Ferreira, lembra-se de um antigo comentario sobre esse assunto. Anténio Rabello teria obtido uma porgao de terra, dentro da propriedade Macacos, como pagamento de uma quest&o, com os irm4os “Miliano”. Esta seria a parte doada. Isto significa que a familia Emiliano era co-proprietaria do imével rural Macacos. (Um outro seria Anténio Godé, embora nao fosse ali o nticleo de suas propriedades.) Sobre a origem da parte doada, n&o consegui comprovagao, junto aos descendentes de Anténio Rabello, pois as pessoas com quem conversei me disseram desconhecer, totalmente, a existéncia de uma quesiao, envolvendo 0 doador. 21 Iguaracy — A Cidade Deus do Sol Transcricgéo da Primeira Doacaéo Terra em Macacos Cépia do contrato de adoagao que faz Antonio Godé Vasconcelos Filho e Severina Umbelina Godé, como abaixo se declara. “Pela presente adoacaéo por nés concedida feito e abaixo assinados marido e mulher, Antonio Godé de Vasconcelos Filho e Severina Umbelina Godé, declaramos que, entre os mais bens que possuimos livre de qualquer 6nus bem assim oitenta bragas de terra de nossa propriedade de Macacos do quarto distrito de Varas do Municipio de Afogados da Ingazeira, Estado de Pernambuco a sobredita terra concedamos e damos hoje para patriménio da imagem do martir Sao Sebastido para ser o padroeiro de uma capela que se vai construir naquele mesmo lugar; e por nds combinados neste ato, damos a posse do patriménio no lugar onde ja esta explorado um terreno para ser construida uma casa do Sr. Joao Serafim de Lucena, e 0 mesmo lugar de hora em diante terd o nome de Rua Nova: observando em tempo que, as ditas oitenta bragas de terra no dito terreno de cumprimento, 6 de Sul ao Norte quarenta bracas, e as ditas oitenta de Nascente para o Poente: e como fizemos esta doagao de nossa livre vontade damos o valor na dita terra, em vinte e cinco mil reis e transferimos para o mesmo S4o Sebastiao todos os poderes, jus, dominio, ago e posse que na referida terra tinhamos; e neste momento nomeamos como procurador do patriménio mencionado 0 mesmo snr. Jodo Serafim de Lucena para 0 que em favor de S. Sebastiao tem a posse do referido patriménio e faca a precisa regéncia por nos concedida, etc, etc. Barriguda, 21 de dezembro de 1910 ”. Assinaturas Reconhe¢o as firmas supra. Cidade de Afogados da Ingazeira, 8 de janeiro de 1911. Tabeligo publico Miguel Queiroz Amaral. Eesia selado Copiado fielmente do original, no livro do tombo da parochia fis 10. Pe.Luis Vigario da Parochia Afogados 23-2-38. 22 Andrée Perazzo ae ua Maeacos £7, Copia. co cautfrals de adeargin. yas fag Aralrice’ Vaseoseley Yilleo 2 Avtirica Unechlinn. pore, cosa abnine se deekanae " Sela preseske adrasio per site concsdide feife « abaixo atei_ Mader mananide « aster Mfrs goid te Untcoracclre Fillo» dese ints Unubeliswa. Sebe!, Jeclorasssse qt abe 02 sysnds hick pooe fedaiuer tine de jualin mus hin attucr efits trages se Poms 4 uetta. proprisdeds de Mueneer dn quarts rishi de Vex pat de Mosipipto de Mogador Ye Bageytinn., Softbe be Loan lasen i eR tials. fans Pim Se Pirie Aes Sebastas 2. aka the ae “G90, De de presente. » Merinien the ip Yo pre fo AE gua aces han th cloggan Comms 0 Crnaneromadle © mag att ne fe A wot, Epreag tye seein wen sail Wadd ae ase: =< erent Bo Tee Mek. ee Ot an. Pra rp usd of roe ead yr ae ae G fathe Che Meboknn Mut ~ * (foto da transcri¢éo do documento da segunda doacao) 25 Iguaracy - A Cidade Deus do Sol Construcao da Capela Shes as ditas doagées, cabia a Paréquia de Afogados da Ingazeira a responsabilidade pela construgao da capela. O Pe. Carlos Cottart, sacerdote francés, arquiteto e vigario daquela Paréquia, projetou a capela e queria ergué-la, mas nao dispunha de meios. Entdo, consultou 0 Bispo de Floresla, que jurisdicionava a sua pardquia, sobre a possibilidade de cobrar dizimo aos mercadores da feira existente no terreno doado. Dom Augusto discordou da idéia, mas autorizou a venda de um im6- vel pertencente a Igreja, possivelmente em Afogados da Inga- zeira, cuja localizagao exata nao consegui identificar. E provavel que fosse fruto de doagdo testamentaria a Igreja. Disse o Bispo: “que a casa deixada pelo falecimento de Manoel Carvalho seja vendida, e applicado o resultado nas obras do Martir.” Ao que parece, ele entendia que isso seria suficiente para custear a construgdo, pois, no mesmo ato, recomendou “que o povo concorra com dedicagao para o acabamento da Igreja’. Entretanto, no ano seguinte, o Padre nao conseguira, ain- da, a edificagao e registrou um sentimento de falta de interesse das pessoas. Disse ele: Macacos tem o grave defeito de quererem fa- zer uma capella a So Sebastido para ahi haver uma feira e formar um povoado. Também, ja que tem a feira, pouco se importam com edificar a capella. Nao s&o fiéis parochianos. Rarissimas vezes se vé gente d’ahi nesta Matriz ou na capella de Varas. Isto ele escreveu em 1913 e, apesar de se queixar do pou- co fervor religioso da comunidade, prosseguiu no esforgo de edi- ficag&o. No decorrer do ano de 1914, 0 Padre e a comunidade construiram a Igreja. 26 Andrée Perazzo Mesmo quando nao existia um local apropriado, havia ce- lebragdo da Santa Missa na localidade, ocasionalmente. Bem no inicio, sob uma latada, a mesma que servia a feira, conforme diz a tradigao. Mais adiante, provavelmente, celebrava-se na casa onde funcionava uma escola municipal (que havia no local, como diz a escritura da segunda doac4o). A propésito da construgdo da igreja, conta Indcia Ferreira que seus antepassados Manoel Ferreira da Silva, Zuza, Emidio e Anténio Ferreira trabalharam como mestre da obra (0 primeiro) e serventes (os demais). E Baliu informa que Anténio Lopes de Santana foi emprei- teiro dessa edificagao, encarregando o seu genro Paisinho Bitu de administrar a obra. (Igreja de Sao Sebastiao em Iguaracy construida em 1914) Iguaracy — A Cidade Deus do Sol Padre Carlos Cottart es esse sacerdote, ouvia historia que relato, a seguir, numa palestra em sua homenagem. Contaram que, quando esiudante, certa vez foi excursionar com amigos nos Alpes Suigos e la foi atacado por uma enorme aguia. Sem qualquer esperanca de sobrevivéncia, pediu socorro a Virgem Maria, prometendo- lhe ser sacerdote, se fosse salvo da morte. Mas 0 tempo passou e ele esqueceu de cumprir a promessa. No més mariano, sua mae o chamou para ir & Igreja, ao que ele respondeu que era ateu. Depois, enquanto lia ou estudava no seu quarto, ouviu por duas vezes uma voz e a viséo do momento em que fora atacado pela aguia. Em conseqiiéncia disso, a familia o internou num hospital psiquiatrico, onde permaneceu por trés meses. Recuperou-se e foi cumprir 0 chamado de Deus, vindo exercer seu sacerdécio no Brasil. Esia historia, se nao for verdadeira, é divulgada, tanto que quem escreve sobre o Pe. Cottart costuma cita-la. Em abril de 1910, o Padre chegou a Afogados da Ingazei- ra, transferido da Paréquia do Pogo da Panela, Recife. Na nova localizagao, além da miss@o religiosa, passou a exercer a sua habilitagéo de arquitetura, empreendendo varias construgdes. Assim, ao morrer em dezembro de 1925, deixou obras de grande vulto, que o imortalizaram. Dentre suas realizagdes, destaco as igrejas de Afogados da Ingazeira e de Petrolina, em estilo neogstico; a capela de Igua- racy (hoje igreja matriz) e o Colégio Diocesano de Triunfo - PE. Além disso, sublinho a organizagao do Livro de Tombo da Pardéquia, que hoje se constiiui em importante fonte histérica da época, sobre a regio. No livro, anotava tudo: estatistica dos eventos realizados (casamentos, batizados); transcrigaéo de documentos, avisos, portarias, recomendagées episcopais e copia de correspondéncia com a Diocese. 28 Andrée Perazzo O livro, também, servia para o Padre anotar as rendas da pardquia, computando o que auferia com casamentos e licengas paroquiais, além do que chamou de “simbdlico arrendamentio’, pago por mais de cem fazendas, que compunham a “freguesia’. Ali ele anotava seus desabafos sobre os paroquianos, re- gistrando os crimes e as brigas que ocorriam. E expunha o des- lumbramento com as novidades do sertéo, como os indios, dos quais anotou os costumes e louvou a beleza. Também registrou 0 resultado de suas descobertas relativas a regiao, tais como, a existéncia de inscrigdes rupestres e esqueletos de indios numa serra do municipio de Solidao-PE e a realizagdo da primeira mis- sa no sertao do Pajeu, celebrada na cidade de Ingazeira-PE, sob uma baratina no ano de 1700. A proposito, ele registrou que essa baratina foi derrubada por uma tempestade, em 1911. Outra anotagao nos interessa, em especial: “a creagao de estrada de rodagem para automoveis, facilitando o accesso para Espirito Santo, e Macacos, e d’ahi para Pesqueira”. Isto foi em 1919 (ou 1920, conforme retificagdo, rasurando a escrita original no mencionado Livro de Tombo). Refere-se 4 nossa primeira rodovia. 29 Iguaracy - A Cidade Deus do Sol Pioneiros Gm torno da construgao da capela de S&o Sebastiao, foi crescendo uma povoacdo, circundada de cidades e fazendas, aumentando a atrag&o comercial que j4 havia no local. Alias, a julgar pela ja citada nota do Pe. Cottart, sobre a realizagao da feira, o local tinha certa vocagao comercial e os moradores da regido, apoiavam essa atividade, privilegiando-a em detrimento da religiosidade, como se queixou 0 Padre. Numa das queixas, o Padre citou, especificamente, “Zuza e Manoel Lopes’, dizendo que eram pessoas de “fortuna”, pecuaristas, e nao muito afeitas a religiao. Isto em 1914. (Segundo Seu Sebas, Zuza era proprietario da Fazenda Bredos, de Irajal, e se chamava José Mateus de Oliveira.) Dessa época, ha lembrancas passadas verbalmente e preservadas por quem se preocupou com a historia. Os primeiros a negociar na povoagao teriam sido Manoel Bezerra de Melo, Antonio Inacio da Silva, Ant6énio Lopes de Santana, José Francisco da Silva (José Macaco). O povoado formou-se a partir de proprietarios rurais circunvizinhos. Essas pessoas deixaram descendentes, hoje vinculados a Iguaracy — como se percebe, a seguir: ¢ Manoel Bispo Cavalcanti e Maria Amélia. Alguns descendentes vivos: a filha Anatalia; os netos: Anatilde, Fernando; Adejar, Aldenice (Nicinha); lracy, casada com Antonio Perazzo, e lracema, casada com Zé Izidoro. ¢ Candido Cavalcanti de Albuquerque era irmao de Manoel Bispo Cavalcanti. Alguns de seus netos: Seu Tonho, Baliu, Julia Rosa, Rosilda, Rosalva e outros. ¢ Mariquinha Cavalcanti, filha de Candido, casou com Joao Serafim de Lucena, administrador do “Patriménio”. 30 Andrée Perazzo ¢ Manoel Freitas Vidal, casado com Maria Vidal, pais de: Julio, Francisco, Adelina e Doninha, casada com Arruda Salomé, pais de Alcides e Teresinha. Adelina casou com Genésio Siqueira, sendo pais de Lticia e Genedi, e avés de Goretti Vidal. Em 1935, Adelina foi nomeada como primeira agente dos Correios e Telégrafos, local. « Joao Alves dos Passos e sua irma, Maria Alves dos Passos, primeira professora do lugarejo. * Anténio Lopes de Santana. Do primeiro casamento com Dona Chiquinha, tiveram Né Santana e Mariquinha, que casou com Paizinho Bitu. Do segundo casamento com dona Anilia, tiveram Enedina, Edna, e mais outros. ¢ José Emiliano, pai de Julia, Manoel e Sebastiao Emiliano (Mandd); avé de Glorinha, casada com José Macaco Neto. Dos anos seguintes, mencionam-se: Joaquim Alves foi o 1° sacristao da Igreja, pai do Capitao Dionisio, Sebastiana e Anténia. ¢ Manoel Santana (Seu Né), casado com dona Inez, pai de Carlos, Zaza; avé de Beto, Lucia Santana, e outros. ¢ Julio Valdivino Lopes, pai de Laudemiro Lopes, avé de Julio Anténio, Ménica e outros. Totonha de Carvalho Veras, mae de Arndbio, Julio e Zuquinha; avé de Juarez, Jucineide, Juarita, e outros. Manoel Vieira de Melo (Manoel Izidoro), casado com Dona laid (Jovelina), pais de Julieta, lvonete, Edvar e Julia Rosa. (Adiante, foto da familia, por ocasiao do casamento de Edvar e Socorro, sobrinha de Seu Sebas.) José Rodrigues de Souza (Seu Zuzu), casado com Dona Flor, pais de: Baliu, Rosete, Rosilda e outros. Hercilio de Carvalho Veras (Liro), pai de José Veras, Anténia e outros, do primeiro casamento, e do segundo, com Maria Eudécia (Docinha), pais de Anita. . . ° 31 Iguaracy - A Cidade Deus do Sol Saturnino Duda, casado com D. Maria, pais de: Isabel (Isa), Genival e Aristeu, casado com Ivonete Bezerra. Paizinho Pires, casado com Dona Maria. Netos (do primeiro casamento): Eudes, Gentil, Rizzo e Ivone. e Joao Eduardo e Minervina Simées, pais de Maria Olinda, Zuza e Neco; avés de Vania, Socorro e Valdeci. ¢ Jodo Tavares, pai de Jodo Tavares Filho, avé de Junior. Essas familias foram constituindo 0 povoado. Vejamos alguns destaques: Joao Barbosa construiu a primeira casa comercial com a residéncia acoplada, em alvenaria. Anténio Lopes de Santana comprava algodao bruto para processar em sua bolandeira, instalada em Quintimbu, gerando empregos. Manoel Izidoro, durante muitos anos, fez de sua residéncia hospedaria e restaurante, para servir, sobretudo, aos viajantes. E Manoel Alves de Siqueira foi o escrivao do primeiro cartério do Registro Civil, instalado em 1918 — mais adiante, vendido a Manoel Izidoro, cuja filha Julieta Rodrigues tornou-se a titular. Accriagao do Cartério foi um passo para a cidadania, embora isto nao se percebesse, na época. Assim, durante muitos anos ainda, perdurou o costume de toda crianga ser batizada no dia do nascimento, com assentamento dos nomes da crianga, dos pais e dos padrinhos. Na mentalidade reinante, a urgéncia era essa, sendo a providéncia religiosa mais importante que a civil, porque, com a alta mortalidade infantil, o batismo evitaria a crianga morrer paga. Ja o registro civil seria um ato posterior, e isso mesmo dependendo do poder aquisitivo da familia em questao. Porém, havia quem se preocupasse com 0 registro oficial, como fez Anténio Santana, pai adotivo de José Bezerra (pai de Zelma e Zuleide) que pediu consentimento aos pais bioldgicos para acrescentar 0 sobrenome Santana, passando 0 adotado a se chamar José Bezerra de Santana. Além dessas contribuigdes para o desenvolvimento inicial do povoado, com certeza houve outros feitos, que deixo de registrar por insuficiéncia de fontes. 32 Andrée Perazzo Minha intengao, neste capitulo, foi mostrar os mais antigos, que iniciaram o povoamento. E tentei identificar pelo menos um de seus descendentes, hoje atuando na comunidade. Assim sendo, deixo de citar muitas pessoas, entre os descendentes desses pioneiros — mesmo porque 0 propésito deste livro ndo é resgatar genealogias. Com esta exposigao, quis deixar evidente que as familias Cavalcanti, Bezerra, Rodrigues, Souza, Siqueira, Melo, Vidal, Carvalho, Veras, Alves, Lopes, Pires, Ferreira, Emiliano, Freitas e Rabelo se entrelagaram por casamentos. (D. Teresinha e Sebastiao Alves, D. laid e Manoel Izidoro, Socorro e Edvar — sentados ~ e a crianga, Jiilia Rosa) 33 Iguaracy ~ A Cidade Deus do Sol Primeiros nomes do povoado Ce ram estabeleceu-se com uma crise de identidade por causa do seu nome. Como ja relatado, os primeiros doadores Ihe tinham legado uma designagao: Rua Nova. Mas 0 povo nao legitimou este nome e a idéia ndo se concretizou. Inicialmente, a area objeto da primeira doagao, que, alias, demorou a prosperar, era conhecida como 0 “Patrimonio”, denominagéo que perdurou ligada ao bairro posteriormente ali formado, até a década passada, quando mudou para Frei Damiao. Mudanga formal, pois o povo continua a chama-lo Patriménio. Ja a drea objeto da segunda doagao, isto 6, onde a povoagao cresceu, ficou sendo identificada pelo mesmo nome da propriedade, chamada Macacos. A origem do nome da Propriedade Macacos derivou da existéncia desses primatas, no passado, em terras incultas da tegiao. Isto foi o que descobri, na minha juventude, quando era professora primaria em Iguaracy, e necessitei pesquisar a origem do nome primitivo da cidade. Havia uma associagao do nome a um morador, apelidado de Anténio Macaco. Entrevistei-o, desvendando o mito. Na verdade, como me relatou, ele e seu pai, respectivamente, Antonio Francisco da Silva e José Francisco da Silva, cagavam e abatiam macacos, curtindo as peles, para fazerem cordas de arreio. Isso Ihes valeu o codinome que, no linguajar popular, transmudou-se em novo sobrenome, pois passaram a ser conhecidos como Anténio e José Macaco. E preciso lembrar que os moradores n&o gostavam da denominagao Macacos. Assim, alguns chamavam 0 povoado de Sao Sebastiao, em honra ao padroeiro, e a estado ferrovidria teve, por muito tempo, afixado o nome Salamanta. Esse nome, Salamanta, seria o do riacho sazonal, unico que margeia Iguaracy. Ele passa pela rodovia que hoje é de asfalto e, no lado oposto, pela via férrea, indo despejar suas Aguas no 34 Andrée Perazzo Rio Pajeu, e este no Rio Sao Francisco. O curioso é que tal riacho, cuja nascente 6 na Mata Grande, divisa com Custédia, chama-se “Macacos” — como se pode ver na Lei de criag&o do municipio de Iguaracy. Talvez para no “enfear” a legenda da estagdo. O tempo passou, 0 povoado foi crescendo, e nem o status de 4° distrito de Afogados da Ingazeira livrou-o da incémoda denominagao. Incémoda, mas oficial, usada em documentos formais, pois foi para Macacos que 0 governador Barbosa Lima Sobrinho nomeou meu pai, Manoel Pinto Torres, em maio de 1948, para exercer o cargo de Comissario de Policia. sTaD08 Umoos GO ORAL, * , Noneio HAPOEL FOTO SGA para ecereer 6 cites do (een erpmare eetit sguoon, ds ah, a Madae de sovrey te nate ca 2048 (Nomeagao de Manoel Pinto para Comissario de Policia, em 1948 assinada pelo Governador Barbosa Lima Sobrinho) 35 Iguaracy ~ A Cidade Deus do Sol As pessoas, de modo geral, rejeitavam essa nominacao, identificando-se somente como de Afogados da Ingazeira, mesmo quando nascidas em “Macacos”. Eu, particularmente, abominava a designagao e, nas fantasias da infancia, inventei que o nome estava sendo mudado, para ser igual ao de uma cidade da Espanha: “San Sebastian’. E nao me importava que ninguém acreditasse nisso. Eu acreditava. Era a minha verdade. Muitos anos depois, esta historia me voltou 4 memoria, por causa de uma enorme coincidéncia que me aconteceu: apds a minha aposentadoria, me dei de presente uma viagem de 30 dias pela Europa. Embora participando de uma excursao organizada por uma Agéncia de Viagem do Recife, néo conhecia ninguém do grupo. Passei mal, durante toda a travessia do Atlantico e cheguei exausta a Madri. La, havia um 6nibus nos aguardando para a parte terrestre da viagem. Como se estivesse ansiosa por chegar a algum lugar, fui a primeira a entrar no onibus, e, enquanto acomodava a bagagem de mao, escutei meu nome soar de uma das Ultimas cadeiras do veiculo. Por uns segundos fiquei aténita, porque jamais poderia imaginar que, na Espanha, houvesse alguém que me conhecesse. A pessoa voltou a me chamar, acrescentando “é Sebas' da Celpe”. Ent&o, me dei conta de que se tratava de um ex-colega e sua esposa que haviam tomado o mesmo 6nibus, antes, integrando-se a excursdo. Agora, falando disso friamente, esse fato perde um pouco de sua forga; mas, ali, num pais estranho, sem um amigo com quem dividir a sensagao de desamparo, por toda aquela nausea, no inicio de uma viagem tao sonhada, a presenga de alguém do meu circulo de convivéncia foi providencial. Para mim, era o proprio S40 Sebastiao vindo em meu socorro. E, para completar, quer saber para onde fomos? Para SAN SEBASTIAN, a cidade dos meus devaneios infantis... Mal acreditava! Eu estava na San Sebastian, da qual tanto desejara tomar emprestado o nome, para trocar por “Macacos”, dando ao 36 @ Andrée Perazzo meu torrao natal uma denominagao condizente com o seu valor, @ altura do amor que Ihe dedicava. Nunca esperei estar ali... E jamais saberia descrever, agora, a emog4o que senti, vendo a igreja parecida com a de Afogados da Ingazeira, com um S&o Sebastido como o “nosso”, € os fiéis assistindo a missa. Fotografei e agradeci pelo momento, preocupada em pedir a protecao do Martir, porque ja sabia, por tudo o que ocorria, que Ele estava me acompanhando. 37 Pilares do Desenvolvimento Guu presto minhas homenagens aos grandes baluartes de Iguaracy, na politica, economia e sociedade. Iguaracy ~ A Cidade Deus do Sol Baluartes © sxesi chegou a 1930 com a maior parte da populagéo no campo, lidando com a agropecuaria. No Nordeste, a vida era dificil, sobretudo, em raz&o de dois grandes flagelos, por sinal associados entre si: a seca e 0 cangaco. Assim, a regio do Pajeu, bergo de famosos cangaceiros, ainda se atormentava pelo medo de Anténio Silvino, Lampiao e Antao Gode. Por essa altura, 0 povoado de “Macacos” ja estava crescendo e eram os descendentes dos pioneiros que assumiam 0 encargo de impulsionar-Ihe o desenvolvimento. Alguns ja constitufam novas familias, mas, casados ou solteiros, todos os jovens tinham ideais de prosperidade e buscavam criar condigdes de oportunidade de melhoria de sua vida e da comunidade. O lugarejo ganhou boa fama de expansAo, atraindo novos moradores. Isto ocorreu a Manoel Pinto, meu pai, depois a Sebastiao Julio e na década seguinte a Seu Sebas. Ali, mais tarde, juntamente com Baliu, nascida na Vila e mais jovem que eles, constitufram-se em baluartes do desenvolvimento de Iguaracy, na politica, Igreja e sociedade. re i > Manoel Pinto Sebastido Julio Balu Sebastido Alves 40

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