You are on page 1of 34
Dados Internacionais de Catalogacio na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Mailhiot, Gérald Bernard Dindmica e génese dos grupos : atudlidade das descobertas de Kurt Lewin / Gérald Bernard Mailhiot ; traducio de Maria Ferreira. — Petrépolis, RJ : Vozes, 2013. Titulo original francés: Dynamique et genése des ‘groupes : actualité des découvertes de Kurt Lewin. Bibliografia ISBN 978-85-326-4559-3 1. Dinamica dos grupos 2. Grupos sociais 3. Lewin, Kurt, 1890-1947 4, Psicologia social I. Titulo. 13-03207 cDD-302.3 indices para catélogo sistemitico: 1. Dindmica e génese dos grupé: social 302.3 sicologia A obra e 0 homem Antes de comecar a reconstituir por etapas a génese das teorias de Kurt Lewin sobre a dinamica dos grupos, pare- ce-nos necessario retracar, através de sua biografia, a evolu- Gao de suas preocupacées e de suas orientacdes intelectuais. Apresentamos primeiramente as notas biogréficas que possuimos até o momento sobre Kurt Lewin. Devemos cons- tatar ainda que sabemos muito pouco sobre este psicdlogo, ao mesmo tempo reservado € discreto. Nao muito mais do que o professor E.C. Tolman que, em 1948, no dia seguinte & morte de Lewin, tentou esbocar a biografia de Lewin para a Psychologi- cal Review (146)*. Neste artigo Tolman declarava-se consternado com os poucos dados pessoais que possufamos sobre Lewin, Kurt Lewin nasceu em 9 de setembro de 1890 em Mo- gilno, na Prisssia. De sua infincia e de sua adolescéncia, de seus pais, de sua constelagio familiar, nio sabemos quase nada que possa nos ajudar a decifrar ou pelo menos aproximar de seu mistério psicolégico. A primeira e tinica coisa certa que sabemos sobre sua juventude é que fez seus estudos universi- térios sucessivamente nas universidades alemis de Friburgo, Munique e Berlim. Seu interesse pela psicologia s6 surge gra- dualmente. Primeiro apaixona-se pela quimica e pela fisica, depois pela filosofia, para enfin se consagrar & preparacio de * Os niimeros entre parénteses remetem as referéncias. w uma tese em psicologia. Ele obtém seu titulo de doutor em Fi- losofia pela Universidade de Berlim em 1914, apresentando ¢ defendendo com sucesso uma tese sobre A psicologia do comporta- mento ¢ das emogées. Sua tese serd retomada e completada por tra- balhos posteriores e publicada simultaneamente em Londres € em Berlim em 1926. O titulo inglés da sua primeira obra é. Investigation into the psychology of behavior and emotion. Kurt Lewin deveria comegar sua carreira na Universidade de Berlim no outono de 1914. Mas a guerra inicia no decorre: do verdo de 1914. Ele € convocado e serviré durante toda a guerra, da qual sairé sem nenhum ferimento. No outono de 1921 toma-se professor-assistente do Instituto de Psicologia da Universidade de Berlim. Nao sabemos praticamente nada do que se passou entre o outono de 1918 € o de 1921, anio ser que durante este perfodo de pés-guerra ele publicou trés artigos sobre a medida dos fenémenos psiquicos. Em 1926 ele se torna professor titular de Psicologia da Universidade de Berlim. Conservard estas fungGes e este estatuto académico até a tomada do poder pelos nazistas em 1933 Ac longo deste periodo, Lewin e seus colegas da Universi- dade de Berlim interessam-se por experiéncias em laboratério sobre os seguintes assuntos: medida da vontade, da associacao, Percepcao do movimento ¢ do relevo (49). Em 1933, Kurt Lewin, por ser judeu, vé-se obrigado pelos nazistas a abandonar junto com sua familia a Alemanha num Prazo de 24 horas, em troca de um resgate, pois € ameagado de ser encarcerado em um campo de concentrasio. Vai para a Inglaterra onde permanece por alguns meses, depois emigra Para os Estados Unidos. Primeiramente é convidado a ensinar na Universidade de Stanford, na California. Ali permanecerd Por um ano, € depois se tornard, por dois anos, professor de 2 Psicologia da Universidade de Comell, em Nova York. Em se- guida, é convidado a ocupar a cadeira de Psicologia da Crianga na Universidade de Iowa e a dirigir um Centro de Pesquisas, ligado ao Departamento de Psicologia da mesma universida- de, conhecido pelo nome de: Child Welfare Research Center. Ali permanecer até 1939. No decorrer deste perfodo Lewin publica duas obras te6- rices que rapidamente o tornardo célebre: A dynamic theory of per- sonality (56) e Principles of topological psychology (59). Seu principal interesse, nesta época, aquele que polariza seus trabalhos de pesquisa, é desenvolver uma teoria de conjunto do compor- tamento individual e paralelamente elaborar modelos teéricos que lhe permitam renovar a experimentagio e a exploracio dos fatos psiquicos. Em 1939, ele retorna por um ano A Universidade de Stan- ford e, em 1940, torna-se professor na Universidade de Har- vard. Em 1945, enquanto leciona em Harvard, funda, a pe- dido do Massachusetts Institute of Technology (MIT), um centro de pesquisas em dinamica dos grupos que chamard Research Center for Group Dynamics. Esta sera para Lewin a ocasiao de criar e introduzir no vocabulirio dos psicélogos 0 termo “dinimica dos grupos”. No inicio ele tentaré defini-lo por referéncia ao contexto académico no qual é chamado a desenvolver seus novos projetos de pesquisa. No momento em que Lewin funda a dinamica dos grupos, o MIT é 0 centro mais célebre nos Estados Unidos que se consagra 4s pesquisas em ciéncias nucleares. Por concessio a este meio académico, composto principalmente de engenheiros, ele afirmaré pri- meiramente que a dinamica dos grupos deve ser concebida como uma social engineering. Fato que lamentaré amargamente quando descobrir que alguns de seus alunos se apressaram em 13 ncluir gratuitamente que a dindmica dos grupos consiste na ciéncia da manipulagio dos grupos. Certamente ele nao esta- va errado ao temer o pior, quando se pensa que depois dele existe um ntimero assustador e sempre crescente de amado- res improvisados, sem formacio profissional adequada, que, em nome da dinimica dos grupos, propde um conjunto de receitas garantidas para manipular eficazmente, com os mais inconfessiveis objetivos, qualquer tipo de grupo! Por isso Lewin dedicou os tiltimos meses de sua vida a desmistificar este termo que ele criara e fora o primeiro a utilizé-lo. Acabou definindo-o em termos menos equivocos, mais operacionais ¢ mais cientificos. Teremos a ocasido de destacar em que exato sentido a dinamica dos grupos torna-se para Lewin, nos til- timos artigos por ele assinados, a0 mesmo tempo a ciéncia e a arte do manejar os grupos (99), (105), (106). Ele morreu sibita e prematuramente em 12 de fevereiro de 1947, coma idade de 56 anos, em sua residéncia de Newtonville, situada nas proximidades dos dois centros académicos onde trabalha- va: a Universidade Harvard e 0 MIT. De 1939 2 1947, a orientagao das pesquisas de Lewin se desloca. Ainda que continue por algum tempo interessando-se pelos problemas de psicologia individual, tais como a frustra~ so ea regressio (63), depois pelos niveis de aspiracio (74), (98), ¢ pela aprendizagem (84), (100), sua preocupagio cada vez mais dominante é entdo a de elaborar uma psicologia dos ‘grupos que seja 20 mesmo tempo dinimica e gestéltica, isto €, artculada e definida por referéncia constante a0 meio social no qual se formam, integram-se, gravitam ou se desintegram 05 grupos (97), (108), (110), (111). = Depois de sua morte, os professores G.W. Allport, da Uni- versidade Harvard, e D. Cartwright, da Universidade de Michi- 4 gan, em colaboragio com Gertrud W. Lewin, sua filha, editam n, reunidos em dois tomos € sob dois temas com- e publi plementares, varios artigos de Lewin tratando de psicologia social e de dinamica dos grupos. © primeiro destes volumes intitula-se Resolving social conflicts (108); 0 segundo: Field theory in social science (111). Em 1959, a Presses Universitaires de France publica, sob 0 titulo Psychologie dynamique, alguns capitulos considerados como os mais fundamentais da obra de Lewin, que sero apresen- tados e traduzidos por Marguerite e Claude Faucheux (112). Para completar estas notas biobibliogréficas, um pouco secas, gostaria de evocar algumas lembrangas pessoais, ines- queciveis para mim, Considero como uma das oportunidades inesperadas de minha vida ter tido, durante dois anos, Kurt Lewin como professor e orientador de tese de doutorado na Universidade de Harvard. Ele era ao primeiro contato um ho- mem timido e, por esta razio, pouco sociavel e com dificul- dade de estabelecer contato. Mas, para aqueles que podiam trabalhar estreitamente com ele em pesquisas, logo se tornava extremamente envolvente por sua probidade intelectual, sua auséncia de pretensées, fato raro nos meios académicos, e so- bretudo por seus recursos inventivos sempre em agio. Sob este ponto de vista, ele era uma inspiragio constante para seus colaboradores € seus assistentes de pesquisa. Sempre questio- nava suas hipéteses de trabalho, depois de té-las verificado sistematicamente, para sugerir novas experimentacées, com uma astiicia e uma engenhosidade notéveis. Suas pesquisas li- teralmente o absorviam, o que fazia dele um professor medio- cre toda vez que devia abordar em classe, diante de um grupo de estudantes, problemas que no o interessavam mesmo na hora em que os expunha. 1s — Outro trago da personalidade que contribufa para criar um clima de fervor intelectual excepcional tanto em seu la- boratério de psicologia social em Harvard quanto no Centro de Pesquisas em Dinamica dos Grupos no MIT, ele exigia que tudo fosse discutido, explorado e decidido em grupo: hipéte- ses, objetivos, metodologia, experimentagdo. Na maioria das vezes nio se comportava como 0 chefe, adotando com todos atitudes mais dermocriticas e estabelecendo com seus colabo- radores relagdes autenticamente igualitérias. Era atento 3s opi- nides € as sugestdes no importando de onde viessem, muito respeitoso com as pessoas, sempre pronto a ajudar, as vezes com certa obsequiosidade, seus alunos em suas primeiras he- sitagSes a comecar suas pesquisas. Finalmente é preciso ressaltar, como bem tipico da personalidade de Lewin e como uma chave da fecundidade de sua obra intelectual, sua auséncia de dogmatismo. Ele nunca desejou fundar uma igreja, tornar-se e permanecer 0 seu pon- tifice, como alguns dos mais ilustres psicélogos de seu tem- Po. Por isso seus discfpulos munca pensaram em se condenar, em se catalogar como ortodoxos ou cismiticos, como fiéis ou renegados. Por esta razio, sem diivida, os meios académi- cos, tanto europeus como americanos, dedicados 4 pesquisa em psicologia social ou em dinmica dos grupos, nunca co- nheceram, mesmo de maneira episédica, fases ou ciclos de Lewinolatria, equivalentes ao culto e as identificagdes cegas, sendo mérbidas, suscitadas pelos pioneiros de génio que, na mesma época em outros setores da psicologia, foram Freud e Moreno. As descobertas de Kurt Lewin sobre a comunicagio hu- mana sé constituiram para ele uma ciéncia depois de terem sido submetidas a experimentagées sistematicas e a miltiplas 16 verificagées na vida concreta dos agrupamentos humanos. Ele 86 extraiu as implicagdes ¢ os fundamentos teéricos de suas descobertas por etapas, depois de ter consentido a incessantes confrontagdes com seus colaboradores. Por isso sempre evitou apresenté-los como um conjunto coerente de dados definiti- ‘vos. Estes dados constituiam hipéteses de trabalho a explorar, devendo ser eventualmente aceitas ou rejeitadas, conforme se smostrassem, pela experiéncia, préprias ou nio para aumentar nossa compreensio do funcionamento criador dos agrupa- mentos humanos. Para Kurt Lewin o problema fundamental que ele buscou elucidar até sua morte era: Que estruturas, que dindmica profunda, que clima de grupo, que tipo de lea- dership permitem a um grupo humano aceder 4 autenticidade em suas relagdes tanto intragrupos quanto intergrupais, bem como & criatividade em suas atividades de grupo? Ul Uma etapa decisiva para a psicologia social Se situarmos em 1921 0 inicio da verdadeira carreira de pesquisador de Kurt Lewin, ele acabou consagrando quase oito dos 25 anos de sua vida universitaria, de 1939 a 1946, a exploracio psicolégica dos fendmenos de grupo. E estes oito anos constituem um momento decisivo na evolugio da psico- logia social. De forma que, 20 anos apés sua morte, a pesquisa em psicologia ainda se inspira em grande parte nas teorias € pelas descobertas de Kurt Lewin. Precursores Para mostrar a contribuicao de Kurt Lewin & psicologia so- cial, é importante lembrar rapida e de forma necessariamente esquemiitica, através de que etapas, tentativas e erros, desvios, eas vezes mudangas, a psicologia social foi gradualmente sen- do elaborada. Foi na Franca, ao que tudo indica, que pela primeira vez se tratou de psicologia social. E em termos negativos. Auguste Comte (1793-1857), querendo definir a sociologia, que de- sejava fundar e constituir como ciéncia auténoma, declara-se contririo a edificagio de uma ciéncia que ele foi o primeiro a chamar por um nome novo 3 época: a psicologia social. Por razbes de ordem metafisica, que nao tém nenhuma referéncia 18 com 0s dados fatuais entéo conhecidos, Comte postula que 0 social deve absorver o psiquico. Sempre pelas mesmas razées, ‘ow as mesmas a priori, segundo ele existiriam apenas duas cién- cias legitimas: a ciéncia da vida, a biologia; e a ciéncia da so- ciedade, dpsicclégia. Concluindo entio, imperturbavelmente, que seria inditil construir esta ciéncia intermediéria que seria a psicologia social! mile Durkheim (1858-1917), que era um espirito muito mais rigoroso e habilidoso com as exigéncias do trabalho cientifico, acaba chegando as mesmas conclusées. Ele, que faz das representagées coletivas o objeto especifico da sociologia, definiu, no entanto, a psicologia social: A psicologia social é apenas uma palavra para designar toda espécie de generalidades, variadas ¢ imprecisas, sem objeto definido (35). Sua atitude nao é muito mais positiva do que a de Auguste Comte. Pelo menos a primeira vista. Pois ao penetrarmos mais na obra de Durkheim, a impresséo definitiva que se tem é que ele, desde 0 inicio de seus trabalhos e de suas pesquisas, preocupa-se em estabelecer a autonomia da sociologia em re- lagio as outras ciéncias do homem. Por isso chegaré a afirmar a hegemonia da sociologia em relagdo a qualquer ciéncia. Para Durkheim, a psicologia s6 pode ser individual. E aquela que se edifica diante de seus olhos, nos meios académicos de sua época, é de fato apenas uma psicofisiologia. Sendo assim, ele & pouco a pouco levado a conceber o social ou as realidades sociais como uma espécie de hiperpsiquismo e a vida em so- ciedade como 0 estégio tiltimo da evolugio da vida psiquica. Gabriel Tarde (1843-1904), contemporineo de Emile Durkheim, em reagio a ele, afirma, ao contririo, que “a socio- logia sera uma psicologia ou nada sera”. Por isso sua preocupa- 1 Gio em elaborar ao lado da psicologia individual uma ciéncia psicolégica do social que ora chamaré de “sociopsicologia” ora de “psicologia social” para adotar enfim o termo “interpsico- logia” (35). Mas para Tarde, ao contririo de Durkheim, é 0 in- dividual que explica em iltima anélise o social e 0 coletivo: os instintos de imitagio das massas encontrariam sua explicagio definitiva no instinto de invengio das elites. £ nesta mesma perspectiva, segundo modalidades e em uma terminologia diferentes, que dois outros autores fran- ceses definem a psicologia social. Primeiro Félix Le Dantec (1869-1917), que chegou tardiamente & psicologia apés cé- lebres trabalhos como bidlogo sobre a assimilacio funcional, publica no final de sua vida uma obra sobre a vida em socie- dade intitulada O egofsmo, na qual tenta realizar a sintese de suas descobertas em psicologia social. Para ele, assim como para Tarde, o social se explica pelos instintos psiquicos primitivos. © que o conduziré a concluir com pessimismo: (© egofsmo € o fundamento da sociedade e a hipocrisia é a sua pedra angular (113). Gustave Le Bon (1841-1931), em suas duas obras de psi- cologia social: O homem e as sociedades e a mais conhecida, A psico- logia das multid6es, também acabari assimilando todo fenémeno de grupo a um fenémeno hipnético, as massas sendo enfeiti- sadas, dominadas e manipuladas pelas elites. Pioneiros e fundadores Sio os franceses, socidlogos ¢ filésofos sociais, os primeiros a introduzir o termo “psicologia social” nas categorias mentais dos meios académicos. Também sio eles a apresentar as primei- ras interpretagSes psicolégicas dos fatos sociais. Mas, por outro 20 lado, sio 0s anglo-saxdes que elaboram de maneira sistemitica ¢ articulada os primeiros tratados de psicologia social. Willian MacDougall (1871-1929) publicaré em 1908 a primeira obra consagrada especificamente & psicologia social que teré como titulo An introduction to social psychology (113). Mac- Dougall, psicdlogo social e sociélogo inglés, foi primeiramen- te professor na Universidade de Oxford. Em 1920 ele aceita ser professor de Psicologia Social na Universidade Harvard. E ali publicara sua obra The group mind (1928) com o objetivo de explicar suas concepgées da psicologia social. Para ele, “tudo 0 que 0 socidlogo observa na ordem social resulta, conse- quentemente, de forgas mentais que compete a0 psicélogo social determinar” (113). Estas forcas mentais, constituidas ppelos instintos sociais, explicam, de acordo com MacDougall, tanto as condutas sociais ou comportamentos em grupo quan- coletivos. Para ele, estes instintos sociais los e seriam em mimero de 18! Sob este ponto de vista, MacDougall distinguiré pouco a pouco trés capitulos na psicologia: a psicologia individual, que tem como ob- jetivo revelar os tracos fundamentais do individuo humano; a psicologia coletiva, que trata especificamente do grupo e da men- talidade de grupo; a psicologia social, que estuda a influéncia do grupo no individuo. A influéncia de MacDougall seré muito importante nos Estados Unidos. Ela incentivaré 0 filésofo da Educacio, John Dewey, a reclamar como urgente a criagio de cétedras de psi- cologia social nas universidades americanas em um artigo cé- lebre, publicado no Joumal of Teachers College of Columbia University ¢ intitulado “Need for social psychology” (1909). A primeira universidade a responder a seu apelo serd Harvard, que abre sua primeira citedra de psicologia social em 1917 € nomeia a ee Henry Holt como o primeiro titular. Em 1920, Willian Mac- Dougall o sucederé Esta fase inicial, que vai de 1908 e termina em 1930, ao longo da qual a psicologia social se constitui como ciéncia auténoma e adquire seu estatuto académico, é dominada por duas influéncias aparentemente contraditérias. Poderiamos caracterizar esta fase como uma “fase instintiva” ou, com nio menos razio, como uma “fase psicopedagégica”. Assim que chega a Harvard, MacDougall assume e encarna estas duas ten- déncias em seus escritos, em suas pesquisas ¢ em seu ensino. As condutas sociais e os comportamentos coletivos sio interpretados primeiramente em termos de forgas sociais ina- tas, de instintos determinantes. A influéncia de Tarde e de Le Bon parece ter sido dominante nesta época na maioria dos departamentos de psicologia nos Estados Unidos, que entio pensavam em criar um lugar para a psicologia social. Por outro lado, o ensino e a pesquisa em psicologia nos Estados Unidos, sobretudo a partir de 1920, inspiram-se em grande parte nas teorias behavioristas. Sob esta perspectiva, € Dewey serd o primeiro a ressalté-lo, a psicologia social deve antes se preocupar em definir qual seria o meio social ideal mais apropriado para favorecer a socializa¢ao do ser humano € sua ascenséo & maturidade social. E é neste sentido que MacDougall, em sua tiltima obra The group mind, consagraré va- rias paginas para estabelecer 0 objetivo primeiro da psicologia social: medir e avaliar a influéncia do grupo no individuo. Reducionistas e anexionistas A esta fase dita “instintiva” e “psicopedagégica” sucede, de 1930 a 1940, uma evolugio da psicologia social em dois 2 tempos, que por momentos se sobrepdem ¢ sio muitas vezes vividos, néo sem conflitos, de forma simultanea, pelos meios académicos desta época nos Estados Unidos. Ao que tudo in- dica, é apenas apés 1945 que os psicdlogos sociais na Europa se identificario momentaneamente com estas duas correntes de pensamento e com algumas de suas hipéteses de trabalho que foram em parte rejeitadas e renegadas pelos americanos. Depois de 1930, muito paradoxalmente, a psicologia so- cial passa por aquilo que G.W. Allport chama sua crise de in- dividualismo (113). Os trabalhos de Freud sobre a psicologia dos grupos: Psicologia coletiva ¢ andlise do eu, Totem e tabu e Mal-estar na civilizagGo acabam de ser traduzidos para o inglés e tornam-se © objeto de polémicas apaixonadas entre psicdlogos sociais, psicanalistas e socidlogos. Sob a influéncia das teorias de Freud, a pesquisa em psi- cologia social torna-se cada vez mais preocupada em formu- Jar uma psicologia exaustiva do leadership. No decorrer da fase anterior, era a influéncia do grupo sobre o individuo que tinha sido observada, medida e avaliada sistematicamente. A partir de 1930, € a influéncia do individuo sobre o grupo que, por experimentagées em situagdes controladas, os psi- célogos sociais desta época tentam revelar. Mas é, sobretudo, 0 condutor de multidées, o manipulador de homens, aque- le que hoje varios teéricos chamam de “lider carismatico” que a psicologia social desta época procura compreender em termos de dons inatos, de predisposigdes 4 dominagio e de apetites instintuais de poder. Por outro lado, a psicanilise, que se torna cada vez mais acreditada nos departamentos de psicologia, fornece 4 psico- logia social outros conceitos. As descobertas clinicas de Freud e de seus disc{pulos parecem encontrar e confirmar as orien- , 23 eS tagdes psicopedagégicas da fase inicial. Pois Freud parecia en- tao ter demonstrado, pelo menos para a satisfagio de certos Pesquisadores, a que ponto o ser humaiio € marcado por seu meio, principalmente por seu meio familiar e como os pri- meiros anos da vida de um individuo, por menos traumati- zante que sejam, impdem determinismos ao desenvolvimento emotivo e social do individuo. Mas esta contribuicao da psicanilise & evolugio da psicolo- gia social é logo questionada e posta em diivida pelas pesqui- sas € teorias da antropologia cultural, entio uma ciéncia ainda bem jovem. Pelos estudos comparados das culturas, esta nova familia de antropdlogos, recrutada entre os socidlogos e os psi- célogos tanto sociais quanto clinicos, consegue evidenciar 0 relativismo das culturas e demonstrar que aquilo que os psica- nalistas tinham apresentado como dados de natureza, essenciais ¢ fundamentais a todo ser humano, eram na maior parte do tempo apenas precipitados culturais cujo sistema de valores ¢ as diferentes variéveis culturais, tfpicas desta coletividade, podem explicar neste momento preciso de seu devir. Assim encon- tram-se introduzidos como determinantes do processo de so- cializagao do ser humano os fatores situacionais ¢ institucionais. que os antropélogos acabario por chamar de determinantes socioculturais dos comportamentos em grupo e de grupo. Isto € tipico desta segunda fase: seja a psicandlise ou a an- tropologia cultural que influencie, segundo os meios acadé- micos, a pesquisa ¢ o ensino universitério, é quase sempre no sentido do reducionismo ou do anexionismo. Os psicanalis- tas que constroem entio tratados de psicologia social pare- cem unicamente preocupados em levar em conta dimensdes ‘ou componentes inconscientes das condutas sociais. Alguns retomam, até mesmo sem discussio, como jé demonstrado, 24 /PEDRO HENRIQUF Kinenme MA © postulado enunciado por Freud: a ontogénese € a réplica da filogénese, e consequentemente todo lider adota e repete inconscientemente as atitudes e os comportamentos do lider da primeira horda humana. Ao passo que os psicélogos so- ciais desta época emprestam suas hipéteses da antropologia cultural e acabam interpretando toda conduta social como a resultante de pressdes ou de coergées socioculturais. Kurt Lewin ‘Ainda que a psicologia social saia renovada destas duas fases, necessirias a0 seu crescimento, marcadas pelo “indivi- dualismo” ¢ o “culturalismo”, ela nao deixa de perseguir 05 mesmos objetivos ‘iltimos que tinham obsedado seus precur- sores, Durkheim, Tarde, Le Dantec e Le Bon também construi- ram metapsicologias e metassociologias cuja ambicao era a de tornar inteligivel de forma adequada e exaustiva toda realida- de social. E este objetivo deveria ser atingido quando fossem reveladas as leis fundamentais da vida em sociedade. MacDougall e os psicélogos sociais que lhe sucederam, de 1930 a 1940, nos Estados Unidos, nao tiveram outra preo- cupagio dominante. Eles também buscam incansavelmente descobrir as leis fundamentais que nos tornariam inteligiveis toda conduta social em qualquer contexto sociocultural. Rom- peram com toda abordagem especulativa ¢ filos6fica. Traba- Tham em laboratério, talvez de forma demasiado exclusiva; suas preocupacdes mentais, seus esquemas de referéncia, sua metodologia, suas hipéteses de trabalho sio especificamente cientificas. Mas seus sonhos, suas ambigdes, suas motivasdes profundas fazem deles continuadores dos primeiros teéricos da psicologia social. rooted d itary Kurt Lewin que, pouco a pouco, a partir de 1936, inte- ressa-se em realizar experiéncias em psicologia social, rompe desde 0 inicio nio apenas com as abordagens de seus precur- sores, mas fixa novos objetivos a psicologia social. Suas pes- quisas e seus trabalhos servirdo desde 0 ponto de partida para clarear elucidar a dinémica dos fenémenos de grupo mui- to circunscritos, com dimens6es concretas € existenciais, nos contextos de reestruturagio ou de reorientagio de uma aso social que se quer mais funcional, mais eficaz, mais criativa (63), (65), (69), (70), (75). (77). (79), (80), (82), (85), (86), (89), (90) Muito cedo ele convida os psicélogos sociais a centrar seus esforgos no estudo dos microgrupos, que ele chamari face-to-face groups. Mais tarde os primeiros psicélogos franceses iniciados na dinimica dos grupos traduzirio assim esta ex- pressio: os grupos frente a frente. Kurt Lewin considera que ientificamente nés nio possuimos neste momento técnicas de exploragio ¢ instrumental mental para experimentar 20 nivel da sociedade global ou dos grandes conjuntos sociais. £ procedendo por etapas, possivelmente muito longas, des- montando psicologicamente os mecanismos de integracio € de crescimento dos diversos tipos de pequenos grupos, explo- rando todo 0 conjunto dos problemas colocados ao psicélogo social por seu funcionamento, entre outros o exercicio da au- toridade, que pouco a pouco surgirio e se revelaréo algumas constantes na formacdo e na evolugio dos grupos humanos (67), (71), (72), (76), (106). Kurt Lewin preconiza finalmente que os psicélogos so- iais repensem radicalmente a experimentagio em psicologia social. Ele mesmo demonstra, com suas préprias pesquisas e Austra com suas descobertas pessoais, que a exploracio vilida 26 € fecunda dos fendmenos de grupo deve acontecer no préprio campo psicologico em que se inserem € nao ser reconstitui dos, em escala reduzida, em laboratério. As variéveis de qual- quer fenémeno de grupo, em razio de sua essencial comple- xidade, nio podem ser identificadas e manipuladas a nio ser no préprio campo, em uma perspectiva de “pesquisa-agio” (66), (67), (91), (94), (96), (102), (103), (104) Ble, quando aceita fundar 0 Centro de Pesquisa em Dina- mica dos Grupos no MIT, esta mais preocupado em estabelecer um meio universitério em que os psicdlogos sociais que ade- rem 4 sua concepcio da experimentacdo et psicologia social possam trabalhar com ele, confrontar suas hipéteses, formular teorias, empreender e continuar suas pesquisas em um clima intelectual em que os valores de solidariedade, de autenticida- de, de criatividade, de probidade dominem e inspirem cons- tantemente suas comunicacées € suas interagSes (99). Contemporaneos Kurt Lewin, por sua modéstia intelectual e seu bom-sen- so, conduziu a psicologia social a um maior realismo. Ela re- nunciou, gragas a ele, i utopia de querer edificar um saber coerente, exaustivo € definitive do social. O estudo dos pe- quenos grupos constitufa para ele uma opsio estratégica que eventualmente permitiria, em um futuro ainda imprevisivel, iluminar ¢ tomar inteligivel a psicologia dos macrofenéme- nos de grupo. E neste sentido que Kurt Lewin, pelo impulso e orientacio novos que deu & psicologia social, fez com que ela superasse a etapa mais decisiva de sua curta histéria. © balango mais evidente, a resultante mais positiva dos ito anos que Kurt Lewin consagrou & psicologia social, foi 27 que desde 1940 nunca o interesse dos pesquisadores foi tio diversificado, a experimentagio mais inventiva e mais avanca- da, as descobertas mais numerosas. Kurt Lewin, ac abrir novos caminhos e novas fronteiras a psicologia social, ibertou-a de seu dogmatismo e de seus a priori, e, ao fazé-lo, transformou-a ‘em uma ciéncia experimental auténoma. Desde 1940, a0 longo deste proceso de maturacio, a psicologia social conseguiu con- quistar pouco a pouco sua identidade, definir-se como ciéncia especificamente distinta tanto das outras ciéncias sociais quan- to das outras ciéncias psicolégicas. E, quando consultamos os teédricos € os praticos de maior prestigio entre os psicdlogos sociais contemporaneos, é uma surpresa constatar que é quase total o acordo existente entre eles sobre sua concepcio da psi- cologia social. Sobre que pontos precisos 0 acordo foi mais ou menos estabelecido em psicologia social? Gostarfamos de demonstré-lo finalizando este capitulo e assim ressaltar tudo o que a psicologia social de 1968 deve a Kurt Lewin. 1) No estado atual das ciéncias sociais, deve-se notar que existe uma repartigio dos objetos préprios a cada uma, o que Tepresenta um nitido progresso em relagio ao que existia na €poca de Lewin, quando cada uma das cincias sociais pre- tendia fornecer uma interpretagio exaustiva e exclusiva das realidades sociais. A partir dele, e em parte grasas a ele, pou- CO a pouco ocorreu uma diversificacdo das ciéncias sociais. Atualmente esti claro que é preciso reconhecer trés ciéncias sociais fundamentais: a sociologia, a antropologia cultural e @ psicologia social. E isto a partir da constatagio, quase uni- versalmente reconhecida, que o social se revela, & observagio Gientifica, como um fenémeno multidimensional que sé pode ser atingido e explorado por abordagens sucessivas e com- 28 plementares: a sociologia esta hal ‘ada © equipada experi- lades sociais seus aspectos formais ou suas estruturas; por seu lado, a antropologia cultu- ral preocupa-se em perceber o social nas suas dimensées his- téricas ou seus antecedentes, e a psicologia social, enfim, em suas dimensdes funcionais ou dinimicas. Além do mais deve- se considerar estas trés abordagens como interdependentes complementares: a forma, a génese e a dinimica das realida- des sociais podem ser provisoriamente distinguidas para fins de anilise ou de experimentagio, mas constituem os elemen- tos indissociveis de toda realidade social. mentalmente para extrair das real 2) Com vocabulérios e uma terminologia que podem va- riar de acordo com cada autor, atualmente parece estabeleci- do, no entanto, ser necessario distinguir entre duas aborda- gens cientificas em psicologia social. A primeira, que muitos autores consideram como sendo especificamente da compe- téncia da psicologia social, compreendida em seu sentido mais te em observar, identificar, definir e interpretar as condutas sociais ou os comportamentos em grupo. Assim as condutas sociais tornam-se distintas das condutas pessoais dos comportamentos de grupo. Além do mais, as condutas so- ciais possuem uma caracteristica propria, e sobre este ponto 0 acordo é quase unanime entre os psicélogos sociais contem- poraneos: elas sio constitufdas pelo tipo de comportamento que o ser humano adota ou nio, segundo seu grau de socia- lizacio, simplesmente porque vive em sociedade. A presenca do grupo nao é requisito para que estes comportamentos sur- jam. Mas é por referéncia ao seu pertencimento a um grupo que eles sio adotados ou nao. Pertencem a esta categoria de comportamentos © conjunto dos comportamentos por meio 29 — 2018064409 Tin SRA DE AZEVERR et dos quais o ser humano exprime ou nio sua adesio as normas, a0 valores, is convengdes e As coergSes sociais. Em suma, as condutas sociais e os comportamentos em grupo sio cada vez mais considerados como 0 campo ou 0 objeto especifico da psicologia social propriamente dita (35), (40), (113). Avuma segunda abordagem cientifica, distinta e irredutivel a primeira, pertenceria a tarefa de nos fornecer a compreensio lentifica dos comportamentos de grupo. Mas 0 que se deve enten- der por comportamentos de grupo? Gracas a Lewin e a partir dele, puderam ser levantados varios critérios ou indicios que nos permitem identificé-los, Para que, haja comportamento de grupo é preciso que varios individuos sintam as mesmas emogées de grupo, que estas emocdes de grupo sejam sufi- clientemente intensas para integré-los e fazer deles um grupo, que, finalmente, o grau de coesio alcancado por estes indivi- duos seja tal que se tornem capazes de adotar o mesmo tipo de comportamento. Estes comportamentos de grupo podem variar, em termos de duragio, conforme sejam desencadeados por um agente externo, por um agente provocador ou por um der. A este tipo de comportamento pertencem entre outros 0s fenémenos de pinico, de rebelido, de multidio ou de po- pulacho. Também sob este aspecto 0 acordo parece atualmen- te quase consolidado para considerar o estudo ¢ a interpreta- 40 dos comportamentos de grupo como pertencentes a uma ciéncia, distinta da psicologia social, ainda que aparentada a ela, que a maioria dos autores contemporaneos chama de psi- cologia coletiva (16), (35), (147). A partir do momento que estas concepcdes novas da psico- logia social e da psicologia coletiva prevaleceram nos meios aca- démicos, o termo dindmica dos grupos adquiriu um sentido que Kurt Lewin nio lhe tinha atribufdo, mas que certamente 30 { poderia ter aceitado, Ainda mais que ele foi preconizado por alguns de seus discipulos, os mais fiéis ao seu pensamento. A dinémica dos grupos, atualmente, para a grande maioria dos teéricos contemporaneos, tornou-se a psicologia dos micro- grupos, Ao passo que a psicologia coletiva, desde alguns anos, vé-se confinada ao estudo e 4 interpretacio dos macrogrupos. Nos meios universitérios, a din&mica dos grupos vé-se, por- tanto, cada vez mais percebida e concebida como a ciéncia dos pequenos grupos. Seu objetivo tornou-se 0 de oferecer uma compreensio cientifica de tudo o que a formaso, 0 cres- cimento ou a desintegracZo destes microfendmenos trazem como problemas ao psicélogo social (25), (36), (120), (140). (5552/73 3) Uma iltima distingdo proposta por Kurt Lewin, e que atualmente tem a adesio da maioria dos psicélogos sociais contemporineos, é a distingio entre “sociogrupo” e “psico- grupo”. Para Lewin, tratava-se de dois tipos distintos de mi- crogrupos. © sociogrupo, para ele, era o grupo de tarefa, isto é, 0 grupo estruturado e orientado em fungio da execucéo ou da realizagio de uma tarefa. © psicogrupo era, a0 contrério, definido como um grupo de formacio, no sentido amplo da palavra, isto é, um grupo estruturado, orientado e polarizado em fungio dos préprios membros que © constituem. Alguns autores recentes chegaram a sugerir chamar o psicogrupo de o “grupo centrado no grupo” (92), (99), (105) (126). A dinamica dos grupos atualmente desenvolve pesquisas, experiéncias e estudos tanto na psicologia dos grupos de ta- refa quanto na psicologia dos grupos de formagio. Foi desta forma que ela se interessou sucessivamente pela autenticidade das relagdes interpessoais tanto nos meios organizados (4), (40) quanto nos grupos espontaneos (115), bem como pelo 31 exercicio da autoridade tanto nos grupo de trabalho (125) quanto nos contextos pedagdgicos (126), Desta retrospectiva, muito esquemitica com certeza, da evolugdo da psicologia social, nés podemos coneluir que Kurt Lewin, por seu talento da experimentagio e pelo realismo de ‘suas abordagens cientificas, permitiu a esta ciéncia conquistar sua identidade e sua autonomia, acedendo assim a uma relati- va e precoce maturidade. As minorias psicolégicas Uma vez que situamos Kurt Lewin na evolugao da psico- Jogia social, a compreensio da importincia respectiva de seus diversos trabalhos e de suas descobertas torna-se mais facil para nés, Respeitaremos, na exposicéo de suas hipéteses ¢ de ‘guas teorias, a ordem cronolégica de sua elaboracdo ¢ de sua formulacio. Veremos entio pouco a pouco se definir sua con- cepsdo pessoal da génese ¢ da dinamica dos grupos. O primeiro problema social ao qual ele consagra sua aten- do, depois de emigrar para os Estados Unidos, é a psicologia de seu proprio grupo étnico. As discriminagées, as injusticas, as humilhagées, o ostracismo por parte dos nazistas, aos quais ele e os seus foram submetidos nos tiltimos meses em que vi- veram na Alemanha, traumatizaram-no sob muitos aspectos. Balgo que lhe é incompreensivel. Por isso procura compreen- der e obter uma interpretacao cientifica para o que viveu: seres humanos simplesmente por pertencerem a um determinado grupo étnico vivem em uma continua inseguranga € estio mercé das variagdes do clima politico das comunidades hu- manas no interior das quais procuram se integrar. Depois de tentar elucidar a psicologia das minorias ju- daicas, Kurt Lewin dedica-se a elaborar uma psicologia de qualquer grupo minoritario. Por meio do que descobre como fundamental 4 psicologia das minorias, ele acaba repensando e redefinindo o que se tornaré 0 objeto quase exclusivo de sua 33 reflexio e de suas pesquisas: Que problemas devem ser 0 foco do esforgo de exploragio ¢ de experimentacio da psicologia social? A dinamica dos grupos, assim como finalmente a con- ceberé, seré o resultado desta série cada vez mais convergente de questionamentos e de proposigdes sistemticas. Demografia e psicologia Desde 0 inicio de seus trabalhos sobre a psicologia das. minorias, Kurt Lewin preocupa-se em clarear e dissipar o que © termo minoria comporta de ambiguidades e de equivocos no plano da semintica. A demografia utiliza os termos minoria e maioria em senti- dos diferentes da psicologia. Em demografia um grupo cons- titui uma maioria assim que a porcentagem de seus membros ultrapasse de um membro a metade da populado em que se insere. Por outro lado, todo grupo constituido de menos de 50% da populacao dada é considerado como uma minoria Em psicologia minoria e maioria adquirem sentidos mais di- versificados. Todavia, um grupo é considerado fundamental mente como maioria psicolégica quando dispée de estruturas, de um status € dos direitos que Ihe permitem se autodeterminar no plano de seu destino coletivo, ¢ isto independentemente do mimero ou da porcentagem de seus membros. Assim, minorias demograficas podem constituir maiorias psicolégicas. £ consi- derado como maior pelo psicélogo social todo grupo humano que se percebe em possessio de plenos direitos que dele fazem um grupo auténomo. Por outro lado, um grupo deve ser clas- sificado como uma minoria psicoligica a partir do momento em que seu destino coletivo depende da boa vontade ou esté a mercé de outro grupo. Tal grupo, mais ou menos consciente- 34 mente, percebe-se como menor, isto é, completos ou ur statu no possuindo direitos gral que The permitam optar ou orientar-se nos sentidos mais favoraveis para seu devir. Quando o assunto € o destino de seu grupo, os membros que perten- cem a uma minoria psicolégica sentem-se, percebem-se € se reconhecem em estado de tutela. E isto independentemente da porcentagem de seus membros em relagio 4 populacio total onde vivem. Assim maiorias demogréficas podem ter por estas raz6es uma psicologia de minoritarios. Mas nio sao estas as tinicas distingSes da psicologia so- cial. Como intimeros sociélogos e psicélogos sociais antes e depois dele, Kurt Lewin também utiliza os termos: mino- ria discriminada e minoria privilegiada. E vejamos em que Jo: toda minoria psicolégica, assim como definida mais acima, sempre é considerada como uma minoria discrimina- sent da ou suscetivel de sé-lo, ja que sua sorte e seu destino estio & mercé do grupo majoritério. Por outro lado, toda maioria psicolégica tende a se tornar, mais ou menos rapidamente, um grupo privilegiado. No mais das vezes as maiorias psico- logicas, com o tempo, se estratificam. No interior destes gru- pos, é possivel que uma minoria de membros se constitua em oligarquia ¢ se atribua ou se reserve privilégios exclusivos. Em resumo, a minoria privilegiada é, portanto, uma minoria demografica no seio de uma maioria psicolégica que ela con- wola e manipula em seu proveito. As minorias judaicas Kurt Lewin publica quatro estudos sobre a psicologia dos judeus. O primeiro surge em 1935 e tem como titulo Psychaso- iological problem of a minority group (58). © segundo é publica- 35 reaadd do em 1939 e se intitula: When facing danger (68). O terceiro € © quarto aparecem sucessivamente em 1940 ¢ 1941 com os seguintes titulos: Bringing up the jewish child e Self-hatred among Jews (73), (78). Estes quatro estudos sio de cardter fenot{pico ou sintomé- tico. Kurt Lewin dedica-se neste estagio a tos apresentar uma caracterologia étnica e a realizar um psicodiagnéstico de seu povo. Paralelo & abordagem de sua reflexio, ele se permite ge- neralizar e revelar constantes que mais tarde serio retomadas na claboragao de sua psicologia das minorias. Reteremos aqui apenas a anilise apresentada nos trés titi- mos estudos mencionados mais acima, © primeiro deles cons- tituindo apenas um esbogo das teorias que os outros trés reto- mario de forma mais explicita e mais articulada. 1) O estudo intitulado When facing danger trata do devir ou das possibilidades de sobrevivéncia das minorias judaicas no Ocidente. Lewin inicia com consideragdes sobre a perseguisio em massa dos judeus nos paises entio sob dominagio nazista. Como de fato, pergunta-se Lewin, uma minoria pode sobre- viver em um contexto de persegui¢do como este? Estudos so- ciolégicos demonstraram que em todas as guerras europeias dos iltimos séculos os judeus tiveram de Iutar e morrer por seu pais de adocio, fossem alemies, franceses, espanhéis ou ingleses. Eles nio foram poupados na hora dos combates. E mais, em certos paises, muitas vezes foram selecionados para sofrer toda sorte de maus-tratos tanto de seus amigos quan- to de seus inimigos. Na maioria das vezes, acrescenta Lewin, eles estavam dispostos a lutar até o Ultimo judeu. E hé um século este é especialmente o caso dos judeus alemfes que em 36 imimeras oportunidades tiveram a ocasiio de morrer por sua pitria. A partir da tomada do poder pelos nazistas, os jornais editados pelo regime sugeriram diversas vezes a formasio de batalhées judeus que seriam mobilizados para serem enviados aos pontos mais inseguros do front. Foi de fato 0 que acon- teceu na Itdlia, na Hungria, na Polénia e em todos os pafses conquistados pelos nazistas aterrorizados pela Gestapo. Outro trago comum &s doutrinas nazista e fascista € 0 de tentarem justificar a reconstituigio dos guetos para os judeus. E Lewin observa que estes s6 foram realmente reconhecidos como seres humanos na Europa Ocidental a partir do momen- to em que as ideias das revolugdes francesa ¢ americana fize- ram deles seres humanos iguais em direitos e em privilégios. Ele conclui que os direitos judaicos sio inseparéveis de uma filosofia da igualdade dos homens. Os regimes politicos que perseguiram os judeus nestes wltimos tempos sempre tenta- ram fazer prevalecer a teoria da inferioridade de algumas racas a superioridade da sua prépria. Lewin esta consciente de nao inovar quando por sua conta retoma e considera como vilidas estas consideragSes empres- tadas dos sociélogos contemporaneos (68). Mas ele se torna pessoal em suas reflexdes quando se pergunta em que me- dida 0 problema judaico é um problema individual ou um problema social. Para decidir basta se lembrar de como, no momento da anexacao da Austria, os judeus foram abatidos a golpes de metralhadora simplesmente por serem judeus, sem relagéo com sua conduta passada ou seu status social, Para Lewin entéo o problema judaico € um problema essencial- mente social, um caso tipico de minoria nio privilegiada ou discriminada. O que caracteriza as classes ou os grupos no privilegiados é que em todos os casos 0 que eles tém em co- 37 mum € 0 fato de existirem porque sio tolerados. Sua sobre- vivéncia coletiva depende da boa vontade das classes privile- giadas. Para ilustrar seu pensamento, Lewin evoca o passado do grupo judaico. Segundo ele, a emancipagio dos judeus dos guetos nao foi realizada pelos judeus, mas como conse- quéncia da mudanca dos sentimentos ¢ das necessidades da maioria, Ainda hoje é poss{vel demonstrar que as presses € as discriminacées contra os judeus aumentam ou diminuem conforme aumentam ou diminuem as dificuldades econémi- cas da maioria. Ele acrescenta ironicamente: esta é uma das razées pelas quais os judeus, em toda parte, por necessidade tém interesse em contribuir para o bem-estar econdmico das maiorias no seio das quais eles vive! © problema judaico é um problema social. Mais explici- tamente: © antissemitismo tem como fundamento, toda vez que se manifesta, a necessidade para a maioria de um bode expiatério. £ preciso ainda deixar claro, segundo Lewin, que, quando se trata de maioria, seria preciso falar mais exatamente de uma minoria privilegiada que consegue mobilizar e mani- pular para seus fins uma massa ou uma multidao cuja agressio em relagdo a uma minoria rejeitada ela canaliza. Por isso Lewin pretende que muitos judeus se iludem quando creem que se todos os judeus se conduzissem decentemente nao haveria an- Uissemitismo. Na maioria das vezes é 0 contrério que é verdade. Ea capacidade de trabalho dos judeus, seu sucesso profissio- nal como médicos ou advogados, seus talentos para 0 comér- cio que, geralmente, desencadeiam periodicamente ondas de antissemitismo. E, na medida em que se destacam, os judeus correm o risco de serem perseguidos. Como prova definitiva de que nao hé relagio entre a incidéncia do antissemitismo ¢ a conduta delinquente de certos judeus, Lewin gosta de ressal- 38 tar que as razes invocadas pelas minorias privilegiadas para justificar junto as massas seu antissemitismo mudaram ao lon- go dos séculos. Ha 400 anos os judeus eram perseguidos por motivos religiosos. Hoje as racionalizages promulgadas como bem-fundamentadas teorias racistas, 8s quais adere oficialmen- te o partido nazista, so tiradas de argumentos pretensamente emprestados da antropologia e da biologia. 2) O segundo estudo: Bringing up the jewish educagio que 0 jovem judeu deveria receber para evoluir normalmente, Kurt Lewin compara a educago do jovem judeu a educa- do de uma crianga adotada. E eis as raz6es que o conduzem a esta conclusdo. Ele pela primeira vez nos revela suas concep- Ges, ainda embrionarias, sobre a psicologia dos grupos. O grupo ao qual um individuo pertence pode ser comparado ao terreno sobre o qual ele pode se manter e que lhe da ou retira, de acordo com o caso, seu status social. Na medida em que o grupo lhe da um status social, o individuo sente-se em segu- ranga; por outro lado, se © grupo nio Ihe concede nenhurn status social, ele é fonte de inseguranca para o individuo. Ora, esta seguranga ou inseguranga depende da solidez ou da fra- gilidade do terreno sobre o qual o individuo se mantém, pois ele pode ou nao se identificar com seu grupo. Isto é verdade sobretudo no meio familiar, segundo Lewin. De fato lhe parece amplamente provado pelas recentes desco- bertas da psicologia da crianca (as suas préprias o ajudaram muito a este respeito) que a estabilidade ou a instabilidade do meio familiar determina a estabilidade ou a instabilidade emotiva da crianga que cresce. A razio fundamental, segundo cle, que é de fato 0 primeiro a afirmé-la, é que o meio familiar 39 perdi CRS a

You might also like