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Francisco Amaral DIREITO CIVIL INTRODUCGAO 93 edicao revista, modificada e ampliada 2017 sa raivaff cartuto A Relacgdo Juridica de Direito V Privado SUMARIO: 1, Relacdo juridica. Conceito e aspectos gerais. 2. Noticia historico- -doutrinaria, 3, Fundamento ideologico. 4, Natureza, 5. Imporcancia da relagdo ju- ridica, 6. Estrutura e origem. 7. Contetido. 8 Espécies de relacao juridica. 9. Eeitos da relacio juridica. 10. A dindmica da relagdo juridica. Aquisicdo, modificacao e extingdo de direitos. Os fatos juridicos. 11. Aquisigdo de direitos. 12. Aquisicao originaria e aquisicéo derivada. 13. Dieitos atuas e direitos fururos. Sua protegio. 114, Modificagio da relacio juridica. 15. Extingio dos direitos. 16. Relagdes de fato: a) aunido estavel,b) a sociedade de fato;c) a separacao de fato;d)afliagao de fato; € €) as relagbes contratuais de fato. 1, RELAGAO JURIDICA. CONCEITO E ASPECTOS GERAIS Relacdo juridica é o vinculo que o direito reconhece entre pessoas ou gru- pos, atribuindo-lhes poderes e deveres. Representa uma situago em que duas ou mais pessoas se encontram, a respeito de bens ou interesses juridicos. E conceito basico do direito privado, representando a situagao juridica de bilateralidade que se estabelece entre sujeitos, uns em posi¢ao de poder, € outros em correspondente posigao de dever. Poderes e deveres estabeleci- dos pelo ordenamento juridico para a tutela de um interesse', entendendo- -se como interesse a necessidade que alguém tem de bens materiais ou ima- teriais, o que se constitui em razdo para agir. 1 Santoro Passarelli, Dottrine generali del diritto civile, p. 69; Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, vol. 1, p. 177 ss.; Francisco Amaral. Relacdo juridica, p. 407; Orlando de Carvalho. A teoria geral da relacdo juridica, seu sentido e limites, Manuel Domingues An- drade, Teoria geral da relacdo juridica; Giorgio Lazzaro. Rapporto giuridico, p. 787; Karl Larenz. Allgemeiner Teil des Bargerlichen Rechts (Teoria geral do diteito civil), 8. Auflage, p. 161; Orlando Gomes. Introducdo ao direito civil, p. 81 ss.; Manuel Garcia Amigo. Insti- tuciones de derecho civil, 1, Parte general, p. 219 ss.; Pietro Perlingieri Il drito civile nella legalita costituzionale, p. 518 ss.; Pietro Rescigno. Manuale del diritto privato italiano, p. 241 ss.; Joaquim Ferrer Aurellano. Filosofia de las relaciones juridicas, p. 183 ss.; Bernardo Windscheid, Dirtto delle Pandette, p. 172; Francesco Bernardino Cicala. Il rapporto giuri- dico, p. 22; Friedrich Karl von Savigny. Sistema del derecho romano atual, lp. 52; Werner Flume. Allgemeiner Teil des Bargerlichen Rechts (Teoria geral do direito civil), p. 161; Sal- vatore Palazzolo, Rapporto giuridico, p, 289 ss. DIREITO CIVIL urRooveaD Sao exemplos de relacdo juridica a relacao que se estabelece entre con- sumidor e fornecedor, a relacdo matrimonial, a relacao de parentesco entre descendentes do mesmo ancestral, a relacao locaticia entre locador e locata- tio, a relacao de condominio entre os coproprietarios de uma coisa, a relagao de responsabilidade civil solidaria entre os que praticam um ato ilicito, a telacdo que existe entre os herdeiros do mesmo falecido ete. A relacdo juridica € um dos critérios ou angulos de apreciagao do fend- meno juridico, e traduz uma concepgao personalista do fendmeno juridico (V. Capitulo I, item 14). Sua principal fonte de referéncia € a experiéncia juridica privada, con- junto de relagdes cujo contetdo, isto é, os poderes e os deveres, é determi- nado pela autonomia dos particulares. Essa experiéncia particular consiste nas relacées sociais de que os individuos participam e que, pela possibilida- de potencial de gerarem conflitos de interesses, sao disciplinadas pelo direi- to. A relacao social assim regulada denomina-se relacdo juridica, que apre- senta, portanto, dois requisitos: um, de ordem material, que é a relacdo social, o comportamento dos individuos; outro, de ordem formal, que é 0 seu reconhecimento pela ordem juridica, que confere a relago social o cara- ter de juridicidade?. Esse reconhecimento transforma a relagao em um vin- culo juridico que se traduz em uma situacdo de poder e outra de dever ou de sujeigdo. Pode-se, portant, dizer que, de modo abstrato, a relacao juri- dica € a relacdo social disciplinada pelo direito, e concretamente, é uma re- lagdo entre sujeitos, um titular de um poder, outro, de um dever, ou, se quisermos, uma relacdo entre duas situagées juridicas. A relacdo social nasce de variadas causas da vida corrente, tais como valores éticos, econdmicos, politicos, e 0 direito que a reconhece é manifes- tagdo de poder do Estado, expresso nas leis, ou de particulares, no exercicio da autonomia que lhe confere o sistema legal. A relacao juridica aprecia-se ainda do ponto de vista estrutural ou esta- tico, e funcional ou dinamico. No primeiro caso, ela surge como um conjun- to de elementos de ordem pessoal, os sujeitos da relacdo, entre os quais se 2 “Toda relacao juridica apresenta dois elementos: um material, que € o vinculo intersub- jetivo, e um formal, que é a incidéncia da regra juridica sobre ele. Por isso, a definicao relacoes sociais reguladas pelo sistema juridico” (Luis Diez-Picazo y Antonio Gullon. Sistema del derecho civil, 1, p. 400). 258 V_ A Relagao Juridica de Direito Privado configuram poderes e deveres que caracterizam o vinculo ou nexo juridico, tendo por objeto os bens da vida. Sob o aspecto funcional, configura-se como 0 regulamento do caso concreto, a disciplina de situagdes ou de cen- tos de interesses opostos. A relacdo juridica representa, assim, o ordena- mento dos casos da vida real, pelo que se justifica a visao doutrinaria do sistema juridico como um sistema de relacoes. Pode-se, também, dizer que 0 aspecto estatico corresponde a estrutura da relagao em si, enquanto o aspecto dinamico se manifesta nos eventos que marcam a existéncia da relacao, isto é, o seu nascimento, as suas mo- dificagdes subjetivas ou objetivas, e a sua extingdo, tudo isso por efeito dos fatos juridicos. A relagdo €, assim, no seu aspecto dinamico, um verdadei- TO processo. Quando se configuram relagoes decorrentes de fatos juridicos nao tipi- cos, isto é, ndo previstos no ordenamento juridico, usa-se a expressdo rela- goes de fato para significar aquelas situacoes desprovidas de uma estrutura juridica definida, como é a da relagao juridica nascida de fatos tipicos, mas que tém importancia e significado para o direito. Sao exemplos comuns a unido de fato, a sociedade de fato, a separacao de fato, a filiacao de fato e as relagdes contratuais de fato?. 2. NOTICIA HISTORICO-DOUTRINARIA O conceito de relagao jurfdica € produto da pandectistica alema. Intro- duzido por Savigny, influenciado por Kant, que pela primeira vez se serviu dessa categoria para explicar a ideia do juridico*, consiste, ainda hoje, em uma das mais importantes categorias da técnica do direito privado e um dos mais importantes critérios de orientacao da teoria do direito. Embora nogao antiga, com antecedentes no direito romano (iuris vincu- lum, nexum, coniunctio), e no direito candnico medieval em matéria de casa- mento (relatio), foi com a pandectistica alema que se algou a condigdo de conceito basico do sistema juridico, considerada “relacao de pessoa a pes- soa, determinada por uma regra juridica”. Era, assim, uma relacao de vida 3 -V.adiante, n. 16. 4 Immanuel Kant. Fundamentacao da metafisica dos costumes, p. 38 e ss; Ana Llano Torres. Derecho, persona y comunidad politica, p. 12 259 DIREITO CIVIL INTRODUGAO reconhecida pelo direito. Com o evolver do direito civil, a relagao juridica passa a considerar-se um nexo juridico entre pessoas, significando a palavra nexo um vinculo, uma relacao poder-dever entre duas pessoas. Com os juristas alemaes do século XIX, que viam o direito como expres- sao da vida social e das relacdes que a constituem, a relacdo juridica sofre uma dupla e complexa evolugao. Por um lado, talvez pela circunstancia de o direito civil ser, na €poca, o mais importante ramo do direito, tentou-se aplicar esse conceito aos demais ramos juridicos. Foi um processo de exten- sao. De outra parte, o contributo de outros juristas serviu para aperfeicoar 0 conceito. Foi um processo de precisdo*. Savigny escreveu: “Toda relacao juri- dica aparece-nos como relacdo de pessoa a pessoa, determinada por uma tegra de direito que confere a cada sujeito um dominio onde sua vontade reina independente de qualquer vontade estranha. Em consequéncia, toda telacao de direito compée-se de dois elementos: primeiro, determinada ma- téria, a relacdo mesmo; segundo, a ideia de direito que regula essa relac4o. O primeiro pode ser considerado como elemento material da relacao de direi- to, como um simples fato; o segundo, como o elemento plastico que enobre- ce o fato e lhe impoe a forma juridica. Todavia, nem todas as relacoes de homem a homem entram no dominio do direito, nem todas tém necessida- de, nem todas sao suscetiveis de serem determinadas por uma regra de tal género. Cabe, pois, distinguir trés casos: ora a relacdo esta inteiramente do- minada por regras juridicas, ora esta somente em parte, ora escapa a elas por completo. A propriedade, o matrim6nio e a amizade podem servir como exemplo dos trés diferentes casos”®. Idéntica a teoria de Savigny € a de Puchta’, para quem as relacées jurt- dicas sao relagdes entre seres humanos, consideradas como manifestacéo da liberdade juridica, vale dizer, da autonomia da vontade. Ja Neuner con- sidera a relagdo juridica como relacdo entre uma pessoa e um bem da vida, reconhecido pelo ordenamento juridico e garantido contra terceiros*. Dis- tinguindo a relagdo do direito subjetivo que ela contém, esse autor contri- Lazzaro, p. 787. Savigny, I, p. 258. Georg Friedrich Puchta. Pandekten, § 29, apud Cicala, p. 5. ean Neuner. Wesen und Arten der Privatrechtsverhaltnisse, p. 4, apud Cicala, p. 5. VA Relacao Juridica de Direito Privado bui de modo relevante para a precisdo do conceito. Ihering identifica a relacao juridica com o direito subjetivo dizendo que todos os direitos pri- yados, exceto os de personalidade, dariam fundamento a uma relacao ju- ridica entre o titular e o mundo exterior, pessoas e coisas. Todo o direito seria, portanto, ao mesmo tempo, uma relacdo juridica, em que se distin- guiria um lado ativo e um lado passivo’, sendo que grande parte da dou- trina posterior a Ihering tende a identificar a relacdo juridica com o con- teudo dos direitos subjetivos, como ocorre com Gierke, Max Weber, Francesco Ferrara'®. Com perspectiva mais ampla, Dernburg definia a re- lado juridica como uma relacao juridicamente eficaz de uma pessoa para outras, ou para bens reais". Kholer e Chiovenda estendiam o conceito ao direito processual civil, denominando relacdo juridica processual 0 con- junto de atos que integram o processo, sob a critica de Carnelutti®. Con- tribuindo para a precisdo do conceito, Hohfeld” afirma que a relagao juri- dica, fora do ambito da pandectistica, é mais do que a ligagao entre pessoas ou entre estas e os bens da realidade externa. A relacdo juridica seria 0 vinculo entre situagdes subjetivas, opinido que se consagra em obra recen- te, a de Perlingieri, para quem a relacao deve ser vista, funcionalmente, como regulamento de interesses™. No direito italiano, um dos mais fervo- rosos adeptos da relacao juridica, como expressao do direito, foi Levi's, para quem esse conceito é a base sobre a qual se funda a construcio siste- matica ou cientifica de qualquer ordenamento juridico. Esse autor eleva 0 conceito a um nivel filos6fico, como categoria fundamental e originaria para a compreensao do direito. 9 Ihering. Passive Wirkungen der Rechte, in Gesammelt Aufsatze, Il, 1882, p. 4, apud Cicala, p. 10. 10 Joaquim Ferrer Aurellano. Filosofia de las relaciones juridicas, p. 167. 11 Dernburg. Pandekten, I, apud, Cicala, p. 11 12 Lazzaro, p. 788. Carnelutti critica essa concepcao alegando nao poder o processo considerar-se uma relacao, mas um grupo de relagdes, visto que estas so vinculos entre poderes e deveres. 13. Lazzaro, p. 788. 14 Perlingieri. Manuale di diritto civile, p. 66. 15 Alessandro Levi. Teoria generale del diritto, p. 11. Cf. Amedeo Conte. Rapporto (Teoria del diritto come), p. 785 261 DIREITO CIVIL INTRODUGAO Para uma concepcao diversa, a relacao juridica deve ser vista nao como vinculo entre pessoas, mas como vinculo entre pessoas e ordenamento juri- dico. E a tese de Kelsen, Cicala, Barbero". Para outros ainda, a relagao juri- dica pode estabelecer-se entre pessoas e coisas e entre pessoas e lugares”. Qualquer que seja o entendimento seguido, 0 conceito de rela¢ao juridi- ca ocupa um lugar de relevo na teoria do direito, no direito civil e até na fi- losofia do direito. Se ja a filosofia grega considerava o direito e a justica como relacao™, é a filosofia medieval escolastica que destaca em todo o seu valor o aspecto relacional da virtude, da justica e de seu objeto, o “ius sive justum”, com Sao Tomas de Aquino criando as bases definitivas para a elabo- ta¢ao de uma filosofia da relagdo de direito”. A escolastica influencia os ju- tistas glosadores e os decretalistas, que concebem a justica e o direito em termos de relacdo*. E, todavia, Savigny, e com ele a escola historica, quem eleva esse conceito a categoria basica de ciéncia do direito, assim com faz Immanuel Kant no campo da filosofia do direito. Para Kant, o direito era uma “relacao de equiltbrio entre arbitrios externos conseguido por uma coa- cao, a minima indispensavel”. E a relacdo entre pessoas, como direitos e deveres, “o momento central da experiéncia juridica™". O conceito de relacao juridica é, assim, um conceito moderno na ciéncia do direito. Pertence ao direito privado, embora, por sua importancia, seja também objeto da teoria do direito, e utilizado nos demais campos da cién- cia juridica (V. item 5). E também ponto de partida do raciocinio juridico, como pressuposto de legitimidade das partes intervenientes na questao de direito ou problema juridico que se oferece ao intérprete. Nao obstante a sua utilidade, e também sua simplicidade, a relagao juri- dica, “como técnica de representacdo conceitual da realidade”®, tem recebi- icala, p. 22; Domenico Barbero. Sistema del 16 Hans Kelsen. Teoria pura do direito, p. 231; diritto privato italiano, 1, p. 149. 17 Andreas von Thur. Teoria general del derecho civil alemdn, p. 156; Orlando Gomes, p. 118. 18 Giorgio del Vecchio. A justica, p. 5-22 19 Ferrer Aurellano, p. 71 20. Michel Villey. El derecho. Perspectiva griega judia y cristiana, p. 63-64 21 Immanuel Kant, apud Bobbio. Teoria della norma giuridica, p. 24; do mesmo autor, Dirit- to e stato nel pensiero di Emmanuel Kant, p. 112 118. 22. Castro Mendes. Teoria geral do direito civil, I, p. 68. 262 V_ A Relacao Juridica de Direito Privado do algumas criticas e até mesmo rejeic4o”, sob o argumento de que essa técnica, sobre ser produto da exagerada abstracdo pandectista, conduz a subalternizacao da pessoa humana. Essas criticas, porém, se por um lado chamam a atencao para as limita¢oes do instituto*, por outro ndo tém con- seguido reduzir a sua importancia e aceitagéo como conceito fundamental da ciéncia do direito**. Cabe também destacar que essas criticas partem de uma visdo formalista da relacdo juridica, desconsiderando que, nela, o mais importante € 0 aspecto material, a relacdo social, cuja existéncia precede, muitas vezes, a formalizacao juridica. 3. FUNDAMENTO IDEOLOGICO Se 0 Cédigo Civil francés foi produto de uma concep¢ao antropocéntri- ca, colocando 0 homem no centro do universo juridico, a pandectistica alema tinha a pretensdo de ser estritamente cientifica, neutra, rejeitando todo e qualquer sistema de ideias que servisse de fundamento ao direito. Este seria apenas um conjunto ordenado e unitario de elementos, entre os quais, alguns conceitos dedutiveis uns dos outros, conceitos fluidos, como 0 da relacao juridica. Ocorre que o direito, tanto no seu sistema quanto nos seus conceitos e categorias, ndo € neutro. Suas normas representam os valores que se defen- dem e realizam, de modo que nao se podem separar os preceitos juridicos desses principios que os fundamentam e legitimam. Consequentemente, sendo o Cédigo Civil francés e a ciéncia das pandectas produto cultural do mesmo século e do mesmo conjunto de ideias, 0 individualismo, o principio fundamental € a liberdade como imperativo categérico, expressa na mais ampla esfera de autonomia que se realiza nos institutos da propriedade, do contrato e da transmissao da heranga. A relacao juridica surge, entéo, como um conceito representativo da ideia de ligacdo entre vontades aut6nomas e diversas, e que por isso mesmo se situa no centro do sistema de direito civil, numa perspectiva interindivi- 23. Orlando de Carvalho. A teoria geral da relacdo juridica. Seu sentido e limites; Anténio Menezes Cordeiro. Tratado de direito civil portugues. Parte Geral, I, p. 228 ss 24 Carvalho Fernandes. Teoria geral do direito civil, p. 97. 25 Cf. Antunes Varela. Direito das obrigacoes, 1, p. 40. 263 DIREITO CIVIL §=INTRODUGAO dual: a vontade do sujeito como fundamento do individualismo juridico, e este como justificacao axiologica do poder jurigeno dos particulares”*. Naoé por outra raz4o que o sistema juridico se pode definir como um sistema de relagdes, no sentido de serem estas a disciplina legal dos casos concretos surgidos nas relacdes sociais. Fundamento ideologico da relacao juridica, pelo menos na concepcio personalista, foi, assim, o individualismo, que tinha, como corolario imedia- tos o liberalismo, no campo politico, e o capitalismo, no campo econémi- co””. Ea prova de que a teoria da relacdo juridica tem suas raizes no indivi- dualismo dos iluministas esta no fato de que um dos mais representativos cultores, Immanuel Kant, considerava o direito como relagao. Pode-se, assim, dizer que os seus fundamentos axiolégicos sao a moral kantiana e a doutrina liberal-democratica, e seu campo de incidéncia é a experiéncia ju- ridica privada”. 4, NATUREZA A evolucao historico-doutrinaria leva-nos a duas concepgoes teéricas acerca da natureza do conceito da relacao juridica. Para a concep¢do personalista, classica, amplamente dominante, a rela- (do juridica é vinculo entre pessoas, contendo poderes e deveres. Resulta da qualificagdo juridica das relacdes sociais que se transformam, por isso mesmo, em vinculos normativos, nexos entre sujeitos de direito. Tal concep¢ao corresponde, evidentemente, a uma otica privatista do direito, pois no direito publico nao se encontra tao claramente expressa a hipotese da relacdo juridica resultar da qualificacao de uma relacao social preexistente. E Savigny quem mais claramente enuncia essa teoria ao escrever, como ja visto, que “toda relacdo juridica aparece-nos como vinculo de pessoa a pessoa (elemento material), determinado por uma regra de direito (elemen- to formal) que confere a cada individuo um dominio no qual sua vontade reina independentemente de qualquer outra vontade externa”. 26 Marcel Walline. Lindividualisme et le droit, p. 23. 27 Franz Wieacker. Diritto privato e societa industriale, p. XXIV. 28 Sergio Cotta. Prospettive di filosofia del diritto, p. 50. 264 V_ ARelagao Juridica de Direito Privado Temos, assim, que a concepcao personalista pressupde dois elementos para que se forme uma relacao juridica: um, de ordem material, que é a re- lacdo social; outro, de ordem formal, que é a determinacao juridica, que transforma a relacdo de fato em relacao de direito; por isso a definicao — re- lagdes sociais reguladas pelo sistema juridico. A relacdo juridica surge, con- sequentemente, como uma totalidade de efeitos juridicos, um complexo de direitos e deveres derivado da relacao entre duas pessoas. E a norma que qualifica o contetido da relacdo social, transformando-a em vinculo juridico. Aconcepgao personalista da relagao juridica tem o mérito de estabelecer a relacdo entre termos homogéneos, os sujeitos de direito, e de considerar juridicamente relevantes os conflitos de interesses existentes entre as pes- soas na sua convivéncia social. Melhor, talvez, fosse, visualizar a relacao ju- ridica como vinculo nao entre sujeitos, especificamente, mas entre situacdes juridicas, ou, melhor ainda, entre centros de interesses determinados, superando-se o elemento pessoal, ndo necessariamente presente, como ocorre, por exemplo, quando desaparece a pluralidade de sécios de uma sociedade e, decorrido certo periodo, nao se restabelece essa pluralidade”. Nesse interim falta um dos elementos subjetivos da relacdo juridica. O que se apresenta sempre, portanto, é a relacdo entre dois centros de interesses, entre duas situacdes subjetivas. Para outra concepcao, de natureza normativista, a relagdo juridica é vin- culo entre os respectivos sujeitos e 0 ordenamento juridico®, ou entre pes- soas € coisas, pessoas e lugares*. A doutrina dominante critica a concepcao formal ou normativista com os seguintes argumentos: (a) o direito disciplina e organiza as relacdes entre as pessoas na tutela de seus interesses; (b) a relacao juridica supde um poder juridico a que se contrapée correspondente dever, nao podendo esse poder dirigir-se a coisas, mas sim a pessoas; (c) € inconcebivel um poder de uma pessoa sem correspondente limitagado para com as demais. E ainda o fato de que essa teoria concebe um vinculo entre realidades heterogéneas, como a Pessoa e a coisa, ou a pessoa e a norma juridica. Por isso a franca aceitacdo 29 Lei das Sociedades Anonimas, Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, art. 206, d. Sobre situacdo juridica, cap. V, n. 1 30 V. autores citados na nota 16. 31 V. autores citados na nota 17, 265 DIREITO GIVIL INTRODUGAO da teoria personalista, embora reconhecidamente mais apropriada ao direito privado do que ao publico, no qual a ideia mais recente € a da relacao juri- dica como simples vinculo instaurado pela norma, nao necessariamente de- corrente de relacao social preexistente?. Adotada a teoria personalista, tem-se que a relagao juridica retrata deter- minado comportamento humano conformado juridicamente. Esse compor- tamento pode referir-se expressamente a pessoas determinadas, como nas obrigacoes, ou pode consistir no dever de respeitar determinada situacao ju- ridica, como ocorre nos direitos reais e nos direitos da personalidade, isto é, nos direitos subjetivos absolutos. A conformacao juridica desse comporta- mento decorreré da lei ou da autonomia privada, de acordo com os princi- pios da teoria das fontes do direito e produzira, no aspecto subjetivo, pode- tes, direitos, faculdades e, de outro lado, sujeicao, obrigacao, deveres. Posi¢do doutrinaria mais recente tem da relacdo juridica uma perspectiva dinamica, considerando-a, principalmente no que tange ao direito das obri- gacoes, um todo unitario e organico que se apresenta como um processo em andamento. Processo, de procedere, do direito candnico, como indicativo de uma “série de atos relacionados e condicionados entre si, e interdependen- tes”, a traduzir a relacdo juridica como uma totalidade, um conjunto de direi- tos e deveres que existe e se desenvolve em face de determinado objetivo®. Qualquer que seja a teoria adotada, a personalista ou a normativista, certo é que se deve personalizar o direito civil, no sentido de acentuar que a pessoa humana ocupa o primeiro lugar, o centro do sistema de direito priva- do™, Mas nao o sujeito abstrato do liberalismo econdmico, que fundamen- tou o direito civil no século XIX, dos cédigos civis francés e alemao, “mas 0 homem concreto da sociedade contemporanea, na busca de um humanismo socialmente comprometido”. O direito €, essencialmente, um sistema axio- logico, devendo considerar-se a pessoa como o valor primeiro. “E restaurar o primado da pessoa € o primeiro dever de uma teoria do direito.”° 32 Alfredo Augusto Becker. Teoria geral do direito tributdrio, n. 92 a 100. 33. Ferrer Aurellano, 168; Karl Larenz. Lehrbuch des Schuldrechts, p. 26 ss.; Clovis do Couto € Silva. A obrigacao como processo, p. 11 ss.; Orlando de Carvalho, p. 73. 34 Orlando de Carvalho, p. 91. 35. Larenz, p. 246 Ore V_ ARelagao Juridica de Direito Privado 5, IMPORTANCIA DA RELAGAO JURIDICA O conceito de relacao juridica tem grande importancia para a teoria do direito e, particularmente, para o direito civil, pelas funcdes que desempenha. No campo da teoria constitui-se em categoria basica para a explicacdo do fendmeno juridico, juntamente com a norma juridica e a instituicao, ambas complementares. Na ciéncia do direito, é critério de classificacao e regime das diversas espécies de situagdes juridicas subjetivas. Para o direito civil, ou privado, a relagdo juridica traduz a regulamentacdo juridica (aspec- to formal) do comportamento dos individuos (aspecto material) no seu dia a dia, na disciplina de seus interesses, estabelecendo situagées ativas (pode- res) e situagdes passivas (deveres). E conceito basico que exprime poderes, pretensoes e deveres decorrentes da autonomia e da iniciativa individual, assim como a da responsabilidade dos respectivos sujeitos da relacao, como implicitamente dispde o Cédigo Civil no seu art. 1°. E, assim, pressuposto de legitimidade dos sujeitos de direito para proporem ou contestarem a¢ao judicial (CPC, art. 17). No campo da metodologia de realizacao do direito é ponto de partida do raciocinio juridico que o intérprete desenvolve para resolver os casos con- cretos que se lhe apresentam. Nao obstante ser categoria prépria do direito privado, tem também aco- lhida no direito publico, nao como resultante de prévias relagdes sociais de fato, mas como vinculo entre pessoas e Orgdos. Exemplo disso sao as normas constitucionais que reconhecem e protegem direitos humanos como direitos fundamentais, e também a categoria dos direitos publicos subjetivos, que se podem ver como garantia da autonomia individual necessaria 4 constitui¢aéo das relacoes de direito. A ideia-chave da teoria relacional ¢, portanto, a au- tonomia da vontade individual**, com a qual os sujeitos podem criar e mo- dificar relagdes juridicas, no exercicio da tutela de seus interesses e da com- posicao dos diversos conflitos que esses provoquem. Projecdes imediatas da sua importancia estéo na liberdade contratual, nos seus diversos aspectos, no direito de propriedade e na garantia constitucional dos direitos humanos, dos direitos subjetivos publicos, enfim, da prote¢ao juridica que o Estado presta ao cidadao, na sua vida social e juridica, 0 que pressupée relacdes 36 Sergio Cotta. Prospective di filosofia del diritto, p. 50. 267 DIREITO CIVIL INTRODUGAO juridicas instauradas pela autonomia dos individuos. A relagao juridica apresenta-se, enfim, como um conceito abrangente, uma categoria capaz de explicar toda a atividade juridica. A importancia da relagao juridica manifesta-se ainda em algumas cons- tatacdes de ordem pratica. S6 existem problemas juridicos, ou contflitos de interesses, entre pessoas que integram relacées juridicas. Por isso, a ideia de direito e de justica pressupde um vinculo intersubjetivo, com direitos e deveres. Assim, nao ha problema juridico, por mais complicado que seja, que ndo se simplifique com a identificacao das relagdes que o formam”. Por outro lado, s6 existem direitos subjetivos porque ha sujeitos de direito, e estes s6 existem nas relagdes juridicas*. Nao ha direitos nem deveres sem que haja uma relacao prévia. Além disso, a relacdo juridica constitui-se em conceito basico sobre o qual se constroem os institutos juridicos, complexos de normas que disciplinam e se estabelecem em torno da mesma relacdo, como, por exemplo, os institutos do casamento, da filiacao, do poder fami- liar, da propriedade etc. E 0 conjunto de normas e institutos forma o sistema juridico, conjunto unitario de regras juridicas ordenadas de modo légico e coerente, e dedutiveis entre si. No campo do procedimento judicial, um dos requisitos para que uma pessoa proponha uma acdo é a sua titularidade sobre o direito, objeto da controvérsia, a chamada legitimidade para a causa, legitimatio ad causam, 0 que pressupée a participacao do sujeito na relacdo (CPC, art. 17) em que surge 0 conflito de interesses. Ser sujeito de uma relacao juridica, e conse- quentemente de direitos e deveres, é sindnimo de titularidade, isto é, unido da pessoa com 0 seu direito. A ideia de relagdo juridica como vinculo normativo permite, ainda, explicar uma série de fatos da vida juridica, em que se verificam mudangas subjetivas na relacéo, como a cessao de crédito, a assun¢ao de divida, a funcao social da propriedade, os direitos e deveres matrimoniais, e ainda mudancas objetivas, como a sub-rogacao prevista no art. 1.409 do Cédigo Civil. Realizacao pratica desta possibilidade de mudanca é a acdo de sub- -togacdo destinada a substituir um bem gravado com clausula de inaliena- 37. Levi, p. 29. 38 Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, vol. 1, p. XVI 9n9 V_ A Relagao Juridica de Direito Privado bilidade por outro de igual valor, permanecendo o regime juridico da coisa sub-rogada, isto é, o bem substituto permanece inalienavel (CC, arts. 1.407, § 2°, 1.848, § 2% 1.911, paragrafo unico, e ainda o Decreto-lei n. 6.777, de 8 de agosto de 1944, art. 12, sobre a sub-rogacdo de imoveis gravados ou inalienaveis). 6. ESTRUTURA E ORIGEM Qualquer relacdo juridica, principalmente de direito privado, representa uma situagdo em que duas ou mais pessoas (elemento subjetivo) se encon- tram a respeito de uns bens ou interesses juridicos (elemento objetivo). O conjunto desses elementos, mais um vinculo intersubjetivo que tra- duz o conjunto de poderes e deveres dos sujeitos, constitui a chamada estru- tura da relacdo juridica. Os sujeitos séo pessoas titulares de poderes e deveres, por exemplo, credor e devedor, comprador e vendedor, locador e locatario, marido e mu- Ther, em uma atribuicdo bilateral (donde a bilateralidade caracteristica da norma juridica). O elemento objetivo sao os bens, aquilo sobre o que inci- dem os poderes contidos na relagdo, e que consistem em valores materiais (coisas) ou imateriais (agdes). O vinculo expressa uma posigéo de poder (sujeito ativo) e uma posi¢do de dever (sujeito passivo), com referencia ao terceiro elemento Essa € a estrutura abstrata, simples e estatica, de uma relacao juridica. Em termos concretos da vida real, as relacdes apresentam-se geralmente de forma complexa, englobadas em um processo de situagées juridicas dinami- cas em que as pessoas sdo titulares, simultaneamente, de poderes e deveres. Quanto a sua origem, as relagoes juridicas nascem de acontecimentos teconhecidos pelo direito como idoneos a produzi-las, externos a relagdo, denominados fatos juridicos (Capitulo XI, item 1), e deles constituem a sua eficdcia 7. CONTEUDO Contetdo significa o conjunto de poderes e deveres que se configuram na relacao juridica, como ocorre, por exemplo, nas relagdes contratuais, entre credor e devedor. Representa 0 comportamento juridico das pessoas 269 DIREITO CIVIL INTRODUGAO que intervém na relacdo, 0 qual se traduz em situages de poder (ativas) e de dever (passivas). As primeiras, normalmente de exercicio voluntario por seu respectivo titular; as segundas, de exercicio obrigatorio ou necessario, tudo isso de acordo com as diversas espécies de relacao, por exemplo, as de fami- lia, as contratuais, as de propriedade etc. O poder juridico existe quando o direito atribui a uma pessoa a possibi- lidade de ela exigir, por um ato de sua vontade, determinado comportamen- to de outra ou de outras pessoas, ou a de impor certas consequéncias. Por suas peculiaridades, esse poder pode apresentar-se como direito subjetivo, pretensao, direito potestativo e faculdade juridica, matéria que se apreciara no capitulo seguinte. 8. ESPECIES DE RELACAO JURIDICA A relacao juridica pode apresentar-se sob diversas espécies. Podemos classifica-la, distingui-la, inicialmente, em relacao juridica de direito publico e de direito privado; de direito publico, aquela em que participa o Estado com predominio de seu interesse ou com poder de autoridade”; de direito privado, quando as pessoas, inclusive o Estado, participam em condigées de igualdade. A relacdo juridica de direito privado compreende as de personali- dade, em que se protegem os direitos inerentes a pessoa (direito a vida, & integridade fisica, ao cadaver, ao tratamento médico, direito a ligar o nome do autor as suas obras, direito 4 honra, 4 imagem, ao nome); as de familia, se decorrentes do matrimonio, da unido estavel, do parentesco, filiagéo ou tutela; e as patrimoniais, quando dirigidas a satisfacao de interesses econdmi- cos. As relagdes juridicas patrimoniais compreendem as obrigacionais e as reais. As relac6es juridicas privadas constituem a matéria de direito civil, a razao de ser do Codigo, como exprime o seu artigo primeiro ao dispor que “toda pessoa € capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Quanto a eficacia, a relacdo juridica diz-se absoluta quando o titular do direito subjetivo nela contido o exerce erga omnes, isto é, contrapondo-se a um dever geral de abstengdo, o que se verifica nos direitos personalissimos 39° Laren2, p. 4; Rescigno, p. 241 e 242; Luis Diez-Picazo. Fundamentos del derecho civil pa- trimonial, 1, p. 55; Anacleto de Oliveira Faria. Direito publico e dircito privado, p. 41 ss. e nos direitos reais; e relativa, quando o direito se exerce em face de uma ou de varias pessoas determinadas, ou determinaveis, como nas relacdes de fa- milia e nas obrigacionais. Quanto ao objeto, a relacao juridica diz-se real se os seus direitos se exercem sobre bens; e obrigacional, quando visa a prestac6es especificas e, geralmente, economicamente apreciaveis. Na primeira existe um poder de utilizagao direta das coisas, com o respectivo dever universal de abstencao, pelo que se diz que o direito real ¢ absoluto. Na segunda, 0 objeto denomina- -se prestacdo, que € um comportamento que se exige de alguém, o que pode ser um dar, um fazer ou um nio fazer, pelo que o direito obrigacional é re- lativo®. Quanto ao numero, a relacdo juridica é simples quando se forma de um s6 vinculo, unindo duas partes, e complexa quando varias relac6es se entre- lagam, criando uma pluralidade de direitos e deveres entre as partes. Nas telagdes complexas, pode existir um vinculo com pluralidade de sujeitos como, por exemplo, nas obrigagdes solidarias (CC, art. 264) e nas indivisi- veis (CC, art. 258), ou varios vinculos com unidade de sujeito, como nas obrigacdes conjuntas (CC, arts. 260, 1) Quanto a natureza, a relagdo juridica é principal quando autonoma, exis- tente de per se, e acessria quando depende de uma principal, na sua exis- tencia ou na sua eficacia, como ocorte, por exemplo, na relacdo contratual entre fiador e afiancado, que depende de um contrato principal, frequente- mente de locacao. 9. EFEITOS DA RELAGAO JURIDICA A relagdo juridica implica direitos e deveres, nem sempre realizaveis de imediato. Pode constituir-se, apenas, na base de futuras pretensdes’, como ocorre, verbi gratia, com o parentesco que, nao produzindo efeitos em um momento, pode ocasiond-los mais tarde, ao verificar-se determinado fato, por exemplo, a morte (CC, art. 1.784), ou o empobrecimento (CC, art. 40 Von Thur, p. 129; no, p. 297 41 Mota Pinto. Teoria geral do direito civil, p. 245 nneccerus, I, p. 279; Francesco Ferrara. Trattato di diritto civile italia an DIREITO CIVIL INTRODUGAO 1,695); ou como ocorre com 0 contrato de mandato que, produzindo efeitos ao ser constituido, pode originar eventual crédito do mandatario contra 0 mandante (CC, art. 676), pela execucao do mandato. A relacdo juridica € eficaz, em principio, apenas entre as partes (res inter alios acta, tertio neque prodest neque nocet)*. Pode verificar-se, porém, uma eficacia reflexa, afetando-se terceiros dela nao integrantes, o que se verifica, por exemplo, quando se extingue uma relacdo juridica acessoria de garantia, vg., a fianca, por se ter extinto a relacao principal, ou quando alguém con- trata em favor de terceiros (CC, art. 436, paragrafo unico) ou no caso de seguro de vida (CC, art. 789), ou ainda nos casos de sucesso legal, inter vivos, como ocorre quando uma pessoa substitui outra na titularidade da mesma situacdo juridica, por exemplo, o adquirente de imovel alugado que € obrigado a respeitar a locacao (Lei n. 8.245, de 18 de outubro de 1991, art. 8), ou o possuidor que, para fins de usucapido, pode acrescentar a sua posse a do seu antecessor (CC, art. 1.243), ou ainda no caso da fungao social do contrato ou da propriedade, quando se afetam terceiros. 10. A DINAMICA DA RELACAO JURIDICA. AQUISIGAO, MODIFICACAO E EXTINGAO DE DIREITOS. OS FATOS JURIDICOS A telacao juridica e os direitos nela contidos nascem, modificam-se e extinguem-se por efeito de certos acontecimentos que 0 direito considera importantes e que, por isso, Ihes dé eficacia juridica. Sao os fatos juridicos. Esses acontecimentos sao apenas os relevantes para 0 direito, os que entram no mundo juridico, de tal modo que a norma juridica ja os prevé na sua hipétese de fato (fattispecie, Tatbestand) como pressupostos de certas consequéncias estabelecidas ou consentidas, isto é, 0 nascimento, a perda ou a modificacao de direitos ou, de modo geral, qualquer mudanga na si- tuacg4o juridica preexistente. Podem consistir em simples eventos da natu- teza (fatos juridicos stricto sensu), por exemplo, o nascimento, a morte, o decurso do tempo, a doenga etc., ou em manifestacao da vontade humana (atos juridicos), como 0 casamento, o reconhecimento de filho, a fixacao de domicilio, os contratos, o testamento etc. Uma segunda espécie de atuagdo 42. “A coisa feita ou julgada entre uns nao aproveita nem prejudica terceiros” (D. 42.1.63). 272

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