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4. Sujeito, centro, sentido Em que medida 0 exame que acabamos de efetuar nos per- mitiu progredir na pesquisa que nos propusemos desenvolver? Localizamos, de fato, um certo nimero de relagées entre Légica, de um lado (quantificador universal/existencial, funcio, predicado/argumentos, implicagio e silogismo, composigao in- terproposicional, etc.), ¢ Lingitistica, de outro (nome pré- priomome comum, demonstrativo, artigos definidos/indefinidos, propriedades lexicais, ctc.), ¢ isso a propésito de dois “funcio- namentos” dos quais um deles diz respeito, em tltima instancia, as modalidades de “‘preenchimento” dos Jugares de argumentos de um predicado, enquanto condigées de formagao do enuncia- do, e 0 outro incide sobre a articulagao entre enunciados, isto é, incide, na verdade, sobre a passagem A discursividade, a0 en- gendramento do “texto”. Poderfamos, nessas condigdes, considerar que a descrigo dos mecanismos de encaixe/articulagdo preencheria as exigén- cias que havfamos fixado no fim da primeira parte deste trabalho com respeito A relagdo entre base (lingiifstica) e processo (dis- 123 cursivo-ideolégico)? Em outros termos, seria suficiente indicar formalmente a existéncia desses dois mecanismos (realiz4veis lingiiisticamente ¢ suscetiveis de uma interpretagéio légica) para tratar da questio ~ levantada precedentemente — da simulagio dos conhecimentos cientificos no desconhecimento ideolégico e, conseqiientemente, do problema-chave de uma teoria do discur- so? Deverfamos considerar que os dois funcionamentos so “neutros” em relagio a descontinuidade ciéncias/ideologias e que seu carater 1dgico-lingilistico os torna estruturas de base suscetiveis de “servi”, indiferentemente, as ciéncias e as ideo- logias? A resposta exige um certo desenvolvimento, em razdo do carter dialético de seu contetido, isto é, em razfo da contradi- 40 que a constitui: se, com efeito, se entende por “ndo-neutra- lidade” ou “néo-indiferenga” em relagio a descontinuidade ciéncias/ideologias um tipo de especializagéio que faria com que um dos dois mecanismos remetesse ao “‘dominio do desconheci- mento”, enquanto que o outro caracterizaria o “discurso cienti- fico”, € preciso responder claramente, a nosso ver, que tal espe- cializagdo, ao quebrar a neutralidade ¢ a indiferenca, é um mito. Mais precisamente, o mito pode apenas remeter a uma concep- ¢Go ideoldgica da descontinuidade ciéncias/ideologias — vamos mostrar, em breve, que tal concepedo consiste em se substituir essa descontinuidade pela oposi¢ao entre “ciéncia” (ou Légica), de um lado, e “metaffsica’, de outro lado — e, nesse sentido, precisamente, o duplo funcionamento légico-lingiifstico que co- mentamos naéo é “‘neutro” ou “‘indiferente’” com respeito a jdeologia: podemos dizer que ele realiza espontaneamente o acobertamento ideolégico da descontinuidade, simulando-a ideologicamente. Acrescentemos que essa simulacao se apéia, de fato, sobre o mascaramento de um terceiro elemento, nem légico nem lingiiistico, que j4 vimos aflorar em varias retomadas nas andlises desenvolvidas acima: destacamos, na verdade, que esses dois “mecanismos” colocavam necessariamente em jogo rela- g6es entre os “dominios de pensamento”, relagées de discrepin- cias que tomam a forma: 124 1) da exterioridade-anterioridade (pré-cons- trufdo); ou a 2) do “‘retorno do saber no pensamento” que produz uma evocagfo sobre a qual se apéia a tomada de posi¢ao do sujeito. “Sao essas relagées, no interior das quais se constitui o pensdvel, que formam o terceiro elemento, do qual dissemos, h4 pouco, set mascarado pela concepgio (exclusivamente) légico-lingtifstica desses mecanismos. Esse terceiro elemento constitui, estrita- mente falando, © objeto do presente trabalho, sob a forma de uma abordagem tedrica materialista do funcionamento das repre- sentagées e do “‘pensamento"’ nos processos discursivos. Isso supe, como veremos, 0 exame da relagdo do sujeito com aquito que © representa; portanto, uma teoria da identificagio e da efi- cdcia material do imaginério. Mas comegaremos expondo até o limite o carter esponta- neamente idealista de que se reveste o fancionamento do par en- caixelarticulagdo, tal como € desenvolvido no neopositivismo légico, antes de procurar mostrar quais transformagées ¢ quais deslocamentos requer 0 seu uso materialista. E claro, realmente, que essa oposigio, abandonada a si mesma, funciona natural- mente como o prolongamento atual das oposigdes cujo destino seguimos nos capitulos anteriores, enquanto pares de categorias filos6ficas: 0 par necessidade/contingéncia 6, como vimos, 20 mesmo tempo, atravessado e encoberto pelo par objeto/sujeito, que toma no empirismo I6gico a forma de oposicéo a dois “construgdo légica” observaveis”, onde um dos tetmos & constitufdo pelo corpo de observagées de um sujeito descritas na linguagem “‘concreta” de “‘situacdo”, utilizando 0 que Russell chama os particulares egocéntricos (eu, aqui, agora, isto...), € onde © outro termo corresponde as relagdes hipotético-dedutivas concebidas como a prdpria base da abstragdo cientifica. Nao & diffcil prever, em fungao do que precede, que, nesta perspectiva, que ~ é bom repetir — € representante direta do idealismo, o du- plo funcionamento articulagdo de enunciadolencaixe vai se dis- tribuir espontaneamente de modo que o encaixe seja 0 mecanis- 125 mo de base que fornece a “descrig&o dos observaveis”, e que a articulagdo de assergées seja 0 mecanismo de base da abstra- ao cientifica que liga entre si as “construgdes Idgicas”’. Obser- vemos, a esse respeito, que a determinativa “o que é #é B” corresponde a um puro vinculo “universal” entre propriedades (aC 8), e toma a forma da explicativa quando nos voltamos pa- ra o mundo das “coisas”, concebidas como feixes de proprieda- des: “x, que € a, € 8’, o que constitui a “‘solugdo” logicista ao problema da relacéo determinagiio/aposigio. Chega-se assim inevitavelmente & idéia de uma ‘‘ciéncia de todo e qualquer objeto”, para a qual samente existiriam relagées pensadas, esvaziadas de todo “ser”: trata-se dessa lingua “logi- camente perfeita”, ou ideografia 56, da qual — diz Frege ~ se exigir4 “que toda expressdo construfda como um nome préprio, a partir de sinais previamente introduzidos, e de maneira grama- ticalmente correta, designe, de fato, um objeto, e que nenhum sinal novo seja introduzido como nome proprio sem que the seja assegurada uma referéncia ’57; expressio ambigua A maneira fregeana, cuja interpretagdo idealista “natural” enfatiza a pri- meira parte em detrimento da segunda, esquecendo a modalidade “se exigir4...”, de modo que sua pardfrase esponténea se enun- cia: “Basta que uma expresso seja construfda como um nome proprio por meio de sinais precedentemente introduzidos ¢ de maneira gramaticalmente correta para que ela designe realmente um objeto”. A “Légica’ torna-se assim o miicleo da “ciéncia” com — simultaneamente — 0 necess4rio engano idealista que co- loca a independéncia do pensamento em relagdo ao ser, na me- dida em que toda designagdo sintaticamente correta constréi um. “objeto”... de pensamento, isto é, uma ficgdo légica reconhecida como tal. Isso explica 0 fato de que a filosofia neopositivista, tao preocupada, alids, em se liberar dos “‘seres metafisicos”, se dé tio bem com a ficg4o enquanto “‘modo de falar”: 0 segredo Ultimo desse paradoxo é explicado pela regra de “‘suspensiio do jufzo de existéncia”, que pretende que, “numa linguagem rigo- Tosa, as descrigées nao acarretam a crenga de uma existén- cia’, 58 126 Aparece claramente, nessas condigGes, que a relagao “‘con- creto/abstrato”, ou, para empregar a terminologia de Carnap, a relagdo entre lingua de observacio ¢ Iingua tedrica, se superpse muito naturalmente A relagdo situago/propriedade tal como é considerada tradicionalmente — bem como na €poca atual -- pela maior parte dos gramiticos e dos lingtiistas, 59 Pode-se, alids, constatar que a relagdo situag4o/propriedade 6 inelutavelmente concebida pela Filosofia da Linguagem (que 6, como jé dissemos, a “filosofia espontinea” da ciéncia lingtifsti- ca) de acordo com 0 mito continutsta emptrico-subjetivista, que pretende que, a partir do sujeito conereto individual ‘em situa- Go” (ligado a scus preceitos e a suas nogées), se efetue um apagamento progressivo da situacio por uma via que leva dire- tamente ao sujcito universal, situado em toda parte e em lugar nenhum, ¢ que pensa por meio de conceitos. Poderiamos resumir esse movimento pela tabela abaixo, tomada de C. Fuchs, e que deve ser lida da esquerda para a direita: 1 2 3 4 origem —discrepancia _generalizagio Universalizagao categorias eu tu(vocé)feu ele,x/eu todo sujeito 16gico- (cada uma, quem gramaticais quer que seja) derefe- ver dizer dizer pensar réneia presente pasado passado sempre em toda aqui emoutrolugar em outro lu- parte faqui gar/aqui Forma de (eu digo que) tu me disseste disseram-me base do eu vejoisto que... (vocé —_ que.. foi cons- enunciado mediseque..) tatado que... & verdade que ... De fato, € sobre a base idealista desse movimento continuo “do concreto ao abstrato” que a distingo explicativa/determi- nativa € mais freqiientemente concebida © ; néo necessariamente fazendo coincidir determinagao ¢ “concreto”’, de um lado, e ex- 127 plicagdo e “‘abstrato”’, de outro, mas cruzando as duas oposigées sem se questionar sobre as razGes que podem, em certos casos, sobredeterminar, tornar confusa ou apagar a oposigdo, por exemplo, em enunciados como “Viva o comunismo com o qual Brejnev néo tem nada a ver’ (cartaz de Lutte ouvritre) ou “Consideremos um plano inclinado que faz um angulo de 15° com a horizontal’, Voltaremos, mais adiante, aos diferentes pro- blemas que esses exemplos suscitam, e que remetem, sob diver- sas formas, a questéo da simulagdo. Por enquanto, diremos sim- plesmente que o continufsmo subjacente & oposigao situa- ¢40/propriedade se apéia, como procuraremos mostrar, sobre o proceso da identificagao (“‘se eu estivesse onde tu(vocé)/ele/x se encontra, eu veria e pensaria 0 gue tu(vocé)/ele/x vé e pen- sa”), acrescentando que o imagindrio da identificagéo mascara radicalmente qualquer descontinuidade epistemolégica, 0 que o comentador j4 citado pée inocentemente em evidéncia, a propé- sito da distingio de Carnap entre “lingua de observag40” ¢ “‘lin- gua tedrica”’: No seio de L, escreve L. Vax ®!, ele [Carnap] distingue duas linguas: Lo, cujos predicados desig- nam realidades ou relacées diretamente observdveis (quente, azul, maior que...); e Lt, que contém termos teéricos que designam entidades ou propriedades que escapam & observagdo direta (elétrons, superego...). E facil perceber a diferenca entre um conceito de ob- servacao e wn conccito tedrico. Vamos supor que um grupo de adolescentes se revolta por néo desfrutar das vantagens concebidas a um outro grupo. Os quebra-quebras, as pichagées de muros ¢ as injirias sdo dados observaveis aos quais podero correspon- der na lingua La os termos “‘quebra-quebra’’, “‘pi- chagées’’, etc. Um psicdlogo social encarregado de estudar os fatos poderd apelar ao termo ‘‘gripo de referéncia’’, que ndo corresponde a nenhuma reali- dade diretamente observdvel, mas constitui um con- ceito tedrico que pertence a lingua Ly, suscettvel de explicar a conduta dos adolescentes. 128 Diremos que esse exemplo revelador exibe, com excepcio- nal evidéncia, 0 mascaramento da descontinuidade (e a relacio de simulago) entre conhecimento cientffico e desconhecimento na medida em gue o romance epistemolégico que o ismo erige enquanto descrigéo do funcionamento de ama ciéncia € aqui levado a sério e realizado nesse outro roman- ce que €, realmente, a “ciéncia da Psicologia Social” © . Desta- camos;.aliés, a conivéncia entre as concepgées do empirismo 16- gico e a ideologia do “‘método experimental”, conivéncia que se apdia, como veremos, sobre 0 processo da identificagio, repre- sentado ideologicamente sob a forma da “‘intersubjetividade” e do “‘consenso”. Tudo isso deveria normalmente levar o leitor que nos se- guiu até aqui a constatar que o idealismo neopositivista néo se engana em sua caga aos “‘seres metafisicos”, na medida em que funciona regularmente demais para ser casual: cle cai, sem hesi- taco, na armadilba da Psicologia Social dos grupos, enquanto reserva de hip6teses explicativas, mas manifesta seu desdém ante “fiegdes demagégicas” como 9 povo, as massas ou a classe operdria, Face a essas “‘entidades”’, o empirismo ldgico éncontra todo seu vigor critico e repete sem cansaco que, contrariamente “ao mundo_fisico”, estével e coerente, 0 “mundo mental” néo permite assegurar uma referéncia, exceto pela forca das itusées que se apoderam de cada sujeito sob a forma do “consenso”, do conformismo, etc. Dupla face de um mesmo erro central, que consiste, de um lado, em considerar as ideologias como idéias e nao como forgas materiais ® e, de outro lado, em conceber que elas tém sua origem nos sujeitos, quando na verdade elas “cons- tituem os individuos em sujeitos” , para tetomar a expressdo de L. Althusser. Voltaremos novamente a essa questo. Os Iégicos de Port-Royal, que também refletiram sobre termos como corpo, comunidade, povo, etc., cafram no mesmo erro, mas de uma ma- neira diferente, que é interessante salientar: ao falar de expres- s6es como “tos romanos venceram os cartagineses” ou “‘os vene- zianos esto em guerra contra os turcos”, esses légicos reconhe- cem que essas proposig6es nfo s4o nem universais nem particu- lares, mas singulares: 129 Considera-se cada povo como uma pessoa mo- ral, cuja duracGo é de varios séculos, e que subsiste na medida em que compée um estado e que age du- rante todo esse tempo através daqueles que 0 com- dem, como um homem age através de seus mem- bros . 64 Em suma, a “‘solugio” idealista para esse ponto consiste em partir do sujeito individual “concreto”, ao mesmo tempo, como elemento de um conjunto (comunidade, povo, etc.) ¢ como fonte da metéfora constituida pela personificagao desse conjunto, que funciona “como um tinico homem”: j4 sugerimos, em varias re- tomadas, que o obstéculo idealista fundamental se encontrava na nogéo ideoldgica de sujeito como ponto de partida © ponto de aplicagao de operagées. E possfvel, agora, chegar as conseqtién- cias materialistas dessa descoberta na area de que nos ocupamos, © que vai impor uma transformagao da metéfora, de modo que ela aparega como o que é, ou seja, um processo nao-subjetivo na qual o sujeito se constitui. L. Althusser, em seu recente “Res- posta a John Lewis”, designa exatamente esse ponto, ao explicar que as massas ndo séo um sujeito; ¢ ele o desenvolve, dizendo: [...] pode-se ainda considerar [a propésito das massas} que estamos tratando de um ‘‘sujeito’’, identificdvel pela unidade de sua “‘personalidade’? Ao lado do ‘‘sujeito’” de J. Lewis, o “‘homem’”, sim- ples e frdgil como um belo canigo de pesca ou uma wravura de moda, que se pode segurar pela mao ou apontar com o dedo, o *‘sujeito’’ massas pée sagra- dos problemas de identidade, de identificagdo. Um sujeito € também um ser do qual se pode dizer: “‘é ele!” Diante do “‘sujeito”” massas, como poderemos dizer ‘‘é ele??? 5 ™~ Procuramos desenvolver ao méximo a concepgio idealista que ameaga a “teoria do discurso”, a partir de diversos pontos 130 de ataque, que podem ser resumidos da seguinte mancira: o pri- meiro desses pontos diz respeito a uma interpretagao formalista dos mecanismos lingtifstico-discursivos do encaixe (determina- gao) e da articulagdo de enunciados; interpretagdo que leva ao segundo ponto, que consiste nim acobertamento da oposigiio ciéncias/ideologias pelo par idealista Légica (= ciéncia)/Mate- miatica. Ora, como acabamos de ver, essas interpretagdes e aco- bertamentos idealistas encontravam scu fundamento num tercciro ponto, a saber, o efeito ideolégico “‘sujeito”, pelo qual a subje- tividade aparece como fonte, origem, ponto de partida ou ponto de aplicagao. Podemos, ento, de agora em diante, afirmar que uma teoria materialista dos processos discursivos ndo pode, para se constituir, contentar-se em reproduzir, como um de seus ob- jetos tedricos, 0 “sujeito” idcolégico como “sempre-ja da- do” 6 ; na verdade, e isso por razGes imperiosas que dizem res- peito a intrincagdo dos diferentes elementos que acabamos de enunciar, essa teoria néo pode, se deseja comegar a realizar suas pretensées, dispensar uma teoria (ndo-subjetivista) da subjetivi- dade. Dessa forma, o dominio tedrico de nosso trabalho se en- contra definitivamente determinado por trés regides interligadas, que designaremos, respectivamente, como a subjetividade, a dis-° cursividade ¢ a descontinuidade ciénciasfideologias. Se essas inter-relagdes nao forem levadas em consideragio de modo ade- quado, alguns pontos se tornario radicalmente obscuros in- compreensfveis, como ocorre, alids, com todas as tentativas idealistas de uma tcoria do “‘sujeito (ideolégico e/ou cientifico) no discurso”’; sejamos precisos: 0 que o idealismo impossibilita compreender €, antes de tudo, a prdtica politica c, igualmente, a prdtica de produgdo dos conhecimentos (assim como, por ou- tro lado, a prdtica pedagégica), ou seja, precisamente, as dife- rentes formas sob as quais a “necessidade cega” (Engels) se tor- na necessidade pensada e modelada como necessidade. A esse respeito, um texto jA antigo, ‘Remarques’ pour une théorie générale des idéologies '©7, é bastante revelador das di- ficuldades encontradas numa pesquisa como essa, ¢ parece Util para nosso propésito atual destacar, ao mesmo tempo, os ele- mentos materialistas que ele parece conter ¢ os erros idealistas 131 nos quais ele tropega. Esse texto coloca, com efeito, uma relagio de oposicdo entre, de um lado, ideologia “‘emptrica”’, metdfora e Seméntica, e, de outro lado, ideologia ‘‘especulativa’’, meto- ntmia e Sintaxe, relagao essa que aparece aqui como uma tenta- tiva de designar (de uma mancira, para dizer a verdade, confusa, porque apreendida no objeto que ela designa) a existéncia e os efeitos, na ideologia, do sistema acoplado dos dois mecanismos: encaixe/articulagdo. Comecemos pelos pontos de tropego, dos quais um dos mais visiveis é uma espécie de identificagéo da Ideologia & “forma geral do discurso”, o que leva a um uso do funcionamento empirico/especulativo que é muito facil de su- perpor & oposigéo, j4 comentada, situagéo/propriedade. Masa verdadeira raiz desse erro se encontra em outro lugar, mais pre- cisamente, no desconhecimento da luta de classes: o termo e o conceito de contradigao, bem como o de luta de classes, estéo ausentes, enquanto tais, da descrigiio dos processos ideolégicos empiricos ¢ especulativos. Encontram-se apenas oposigées, dife- rencas que expressam a complexidade de dupla face da relagao forcas produtivas/relag6es de produgéo. A nosso ver, essa é a razio pela qual nenhum dos efeitos (¢ nenhuma das formas de realizagaio) da luta de classes é realmente levado em considera- Gio; nao ha nada acerca da pratica politica, exceto um substituto acerca de “‘variagio e mutagdo”; hd pouca coisa, enfim, acerca da produgao de conhecimentos (e menos ainda acerca da pratica pedagégica), E também esse ponto de tropeco que torna inutili- zaveis, enquanto tais, os elementos materialistas que podem ser apontados hoje, segundo entendemos, nesse artigo; a saber: 1) a concepgio do processo de metdfora como processo s6cio-histérico que serve como fundamento da “‘apresentacdo”* (donation) de objetos para sujeitos, e nio como uma simples forma de falar que vitia secundariamente a se desenvolver com base em um sentido primeiro, nio-metaférico, para 0 qual o ob- jeto seria um dado “natural”, literalmente pré-social ¢ pré-histd- rico; 2) a distingio entre as duas figuras articuladas do sujeito ideoldgico, sob a forma da identificacdo-unificagdo do sujeito 132 J consigo mesmo (0 “eu vejo o que vejo” da “garantia empfri- ca”), de um lado, e da identificagdo do sujeito com o universal, de outro, por meio do suporte do outro enquanto discurso refle- tido, que fornece a “garantia especulativa” (“cada um sabe que...”, “é claro que...”, etc.), que introduz:a idéia da simula, ¢ae especulativa do conhecimento cientifico pela ideologia; 3) enfim, e sobretudo, 0 esbogo (incerto e incompleto) de uma teoria ndo-subjetivista da subjetividade, que designa os pro- cessos de “imposigdo/dissimulagéo” que constituem o sujeito, “situando-o” (significando para cle o que ele é) e, ao mesmo tempo, dissimulando para ele essa “‘situagio” (esse assujeita- mento) pela ilusfo de autonomia constitutiva do sujeito, de modo que © sujeito “funcione por si mesmo”, segundo a expressio de L. Althusser que, em Aparelhos Ideoldgicos de Estado, apre- sentou os fundamentos reais de uma teoria nao-subjetivista do sujeito, como teoria das condigées ideolégicas da reprodu- ¢Go/transformagio das relagées de produgic: a relagéio entre in- consciente (no sentido freudiano) e ideologia (no sentido mar- xista), que inevitavelmente ficaria misteriora na pseudo-solugéo estruturalista do texto de Th. Herbert 68 , comeca, assim, a ser esclarecida, como vamos ver, pela tese fundamental segundo a qual a ideologia interpela os individuos em sujeitos: o individuo € interpelado como sujeito [li- vre] para livremente submeter-se as ordens do Su- Jeito, para aceitar, portanto [livremente] sua sub- missdo... Se acrescentarmos, de um lado, que esse sujeito, com um S maitisculo — sujeito absoluto ¢ universal —, 6 precisamente o que J. Lacan designa como 0 Outro (Autre, com A maitisculo), e, de outro lado, que, sempre de acordo com a formulagdo de Lacan. “o inconsciente € 0 discurso do Outro”, podemos discernir de que modo o recalque inconsciente e 0 assujeitamento ideoldgico estZo materialmente ligados, sem estar confundidos, no interior do que se poderia designar como 0 processo do Significante na 133 interpelagdo e na identificacdo, process pelo qual se realiza o que chamamos as condigées ideolégicas da reprodugéo/trans- formagdo das relagdes de producdo. Pensamos ter chegado aqui a um ponto decisivo de nosso Pprojeto: até aqui, o presente trabalho tem sido marcado por uma progressio condicional, sujeita a retrocessos, designando o fato de que nao tinhamos verdadeiramente acabado com os efeitos do idealismo no campo da Filosofia da Linguagem e da Teoria do Discurso. E esse tipo de progressio obliqua, afetada por idas e voltas, que é responsdvel pelo aspecto, sob muitos pontos, ‘‘e- maranhado” dos desenvolvimentos que precedem, isto é, desse entrelagamento de elementos freqiientemente dispares e ambi- guos, de notagdes que constituem outro tanto de materiais dispo- niveis, de indicag6es disjuntas, tudo isso formando uma espécie de “‘clima” tedrico (com suas névoas e clardes), onde o leitor precede-segue virios caminhos entrecruzados, varios fios que se sobrepéem. O terreno que atingimos (terreno de uma teoria néo- subjetiva da subjetividade) deve permitir-nos, de agora em diante, fundar, em seu princ{pio, a teoria (materialist) dos pro- cessos discursivos ¢, por essa via, indicar as posigées relativas dos caminhos percorridos, ou, para retomar a outra imagem, unir os fios entre si. Isso nao significa, entenda-se bem, que o desenvolvimento que procuraremos efetuar agora esteja definitivamente assegura- do em todo seu alcance materialista, uma vez desaparecido o idealismo (1), mas apenas que ele contém, “‘em seu principio”, 0s meios de corrigir os equivocos, erros e deslizes que nele po- derdo se manifestar. ) 134 NOTAS ( 1Cr., sobre esse ponto, Haroche, Henry, Pécheux, ‘La Seméntique et la Cou- pure saussurienne’, artigo citado, 2Cf., sobre esse ponto, J. Stalin: ‘A propos du marxisme ¢ linguistique’ (1950) Cahiers marxistes-leninistes, 1966, n* 12-13, com um comentério de E., Bali- bar, ‘Marxisme et Linguistique’, Cf. também 9 artigo de Vinogradov, “Triompber du coulte de la personalité dans la tinguistique soviétique’, Langages, 1969, n° 15, 3 Ver pp. 62-3. 4 Le Mauvais Outil. Langue, Sujet et Discours, Paris, Klincksieck, 19777. Esse texto retoma parciaimente, numa perspective aprofundada e retificada, texto mi- meografado, a0 qual nos referimos mais adiante, 5 Ao empregar o termo “base” nio estamos querendo sugerir que a Ifngua fa- ria parte da infra-estrutura coonmica, mas somente que ela 6 0 pré-requisito indi- pensfivel de qualquer processo discursive. 6B, Balibar, ““Marxisme et Linguistique”, Cahiers marxistes-leninistes, 1966, n° 12-13, p. 21-2, 7 Stalin, “A propos dx marxisme en Linguistique” (1950), Cahiers marxistes- leninistes, 1966, n° 12-13, p.27. 8 Pierre Raymond, Le Passage au matériatiome, Paris, Maspero, 1973. 9 “£ o idcalismo que inverte a ordem hist6rica, a comecar pela procura do sentido em toda parte”, diz P. Raymond em uma andlise & gual remetemos o leitor (ibid., p- 208-10). 10 £. Batibar e P. Macherey, apresentagao de R. Balibar, ‘Le Francais fictifs’, op. cit., publicado na revista Lirrérarure, 1974, n° 13, p. 35. 11 Frege, Ecrits logiques et philasophiques, op. cit. pp. 115-6. (N, dos T.: Na edigio em portugués, o referido artigo encontra-se sob ¢ titulo “Sobre o Sentido ea Referéncia’, Légica e Filosofia da Linguagem, pp. 59-86. Dado 0 desenvolvimento que Pécheux fard a partir do exemplo proposto por Frege, especialmente, com res peito aos demonstrativos, bem como &s determinativas ¢explicativas, 6 fundamental tmanter, na tradugiio, a construgio “aquele que ...”. E. por esse motivo que, para este t6pico, optamos por traduzir diretamente da versio francesa.) Pavia, p. 116. 13 “Nem tudo é uma representagéo; caso contrfrio, a Psicologia conteria nela todas as ciéncins” (ibid. p. 191). 14 Ibid., p. 115, 15 Cf. a hist6ria relatada por Froud: “Este 6 0 lugar onde o duque de Welling ton falou aquelas palavras? — Sim, é este 0 lugar, mas ele nunca falou tais palavras,”” (Os chistes ¢ sua relaco com o inconsciente, p. 78). 135 16 Remetemos aqui aos trabalhos de P. Henry, a quem devemos a elaboracio dessa questio decisiva, Ver, em particular: P. Henry, Le mauvais outil, op. cit., sec~ tion I, ‘Le sujet dans la linguistique’, a propésito da crftica da nogdo de pressuposi- gio. 17 Cf, Frege, Légica e filosofia da kinguagem, op. cit., p. 77: “Lugares, instan- tes, intervalos de tempo so, sob o ponto de vista ISgico, considerados objetos; por- tanto, a designacto lingiifstica de um lugar determinado, de um instante determinado ‘ou de um intervalo.de tempo determinado deve ser considerada um nome proprio.” 18 © efeito de pré-construfdo aparece, assim, em sua forma pura, ¢m que esto Tigadas a colocagio de uma existéncia singular ¢ a verdade universal que afeta as asser- Ges que incidem sobre essa singularidade: 6 nesse sentido — parece-nos ~ que deve ser compteendida a concepgio dos l6gicos de Port-Royal segundo a qual umna propo- sigéo singular como “Luis XIII tomou La Rochelle”, ainda que seja “diferente da universal, no que diz respeito a0 fato de seu sujeito nio ser comum”, deve, no en- tanto, relacionar-se antes com a proposicdo universal do que com a particular “por- que seu sujeito, pelo proprio fato de ser singular, 6, necessariamente, tomado em toda sua extenso, 0 que constitui a esséncia de uma proposigio universal e a distingue da particular [...] © € por isso que as proposigGes singulares tomam 0 lugar de universais, na argumentagio” (Amauld ¢ Nicole, Logique owArt de penser, op.cit., p. 158). 19 F justamente Frege critica essa generalizagao (cf, Ecrits logiques ..., op. cit. p. 145, por exemplo). 20 B. Russell, Signification et Vérité, Paris, Flamarion, 1969, p. 125-6. (N. dos ‘Tz Ha edicdo em portugués; ef. Bibliografia). 21 Tbid., p. 126. 22 Frege, ‘Sobre o Conceito ¢ 0 Objeto’, in Légica e filosofia da linguagem, p. 23 Ihid., p.91. A Joid., p.47. 25 Ihid., p. 44. 26 Esse exemplo, utilizado por Lénin em ‘Explication de Ia foi sur les amendes’ (O.C,, op. cit., T II, p. 27€s,) foi citado e comentado recentemente por B. Edelman, Le Droit saisi par la fotografie. Paris, Maspero, 1973, p. 10. Veremos, em varias re tomadas, como nosso pereurso se apéia no trabalho de B, Edelman. 27 Frege, Légica e flosofia da linguagem, p. 19. 28 Ibid., p. 95. 29 Ihid., p. 78. 30 No sentido que demos a esse termo (ef. pp. 68-9 e 75). Voltaremos a isso mais adiante. 31 Outras evidéncias dessa promiscuidade — que constitui, por si sé, um objeti~ vo de estudo — sho: os termos julgamento, prova, indiios, testemunho ete. 32 Essa iltima pardfrase é de Frege (ibid., p. 95). ~ 136 33 Destaquemos desde j4 que, do ponto de vista lingiifstico, os determinantes que introduzem 0 conceito so, sobretudo, o artido indefinido singular wn e 0 pro- nome objetivo indefinido todo, sem que, no entanto, 0 artigo definido singular (0 homem) seja impossfvel. Examinaremos as observacdes de Frege acerca desse ponto Gf. p.116), bem comoas dificuldades que elas apresentam ¢ as conseqiiéncias que nos parecem decorrentes dessas observages. 34 Ibid, p. 84. (N. dos T.: dado o desenvolvimento que Pécheux faré a partir do exemplo proposto por Frege, especialmente com respeito & explicativa “que tem ...”, que no consta da traducko para o portugués da obra jé referida, opta- mos por traduzir diretamemte da versio francesa.) 35 Leibniz, Novas ensaios sobre o entendimento huenano; p, 347. 36 Frege, Légica e filosofia da lingwagem, pp. 80-3. 37 © grifo énosso; ver p. 115. 38 Cf, a distingao de Benveniste entre “histéria” e “ discurso” 39 “Inclino-me a sugerir ... que © que se chamaria comumente uma ‘coisa’ no passaria de um feixe de atualidades co-existenies, tais como vermelhidao, dureza, etc.”, (Russell, Signification et verité, op. cit. p. 111) (N, dos T.: Hf edigdo em por- iugués; cf. bibliografia). 40 Frege, Ecrits logiques ..., Op. cit., p. 227. 41 ibid., p. 227-8, 42 ibid., p. 214-34, 43 Froge, Légica e filasofia da linguagem, p. 83.(N. dos T.: a tradugdo acima é nossa.) 44 Ibid, p. 92. 45 N. dos T.; Em portugués, o exemple nito caberia, uma vez que para o gentf- lico “tureo” ser tomado em sua generalidade, ele deveria aparecer no plural. Um ‘exemplo possivel seria “O brasileiro invadiu Paraguai”, em que o singular do artigo € do gentflico tomam o lugar de um plural. 46 Ibid, p, 92-3. 47 [,,.] “& verdade, eu aqui estou, operdrio, patrfio, soldado!” (Althusser, Apa- ethos ideotdgicos de Estado, p. 100). 48 P.ULE., Paris, 1970. 49 Ibid., p.25. 50 Frege, Logica ¢ flosofia da inguagem, p. 68. 51 Ibid., pp. 68-95 of. pp. 118-20. 52 N. dos T.: Na edigfo francesa da obra de Frege o termo “Bedeutung” é tra- duzido por dénotation (denotagio). Na edigéo em portugués, por “referéncia”. 93 ibid., p. 76, 54 Tocamos aqui uma questéo essencial, que constitui o objeto de um impor- tante trabalho de M. Plon. Ver, em particular, M. Plon ‘Sur quelques aspects de la re- 137 contre entre Ia psychologic social ct la théorie des Jeux’, La Pensée, 1972, n2 161; M, Plonet E. Préteceitle, ‘La théorie des Jeux et le Jeu de 'idéologie’, La Pensée, 1972, n® 166. O texto Formes et d'une idéologie théorique: la psychologie sociale. Fssai sur Tappropriation subjective de la politique, referido abaixo, permanece inédito, tendo sido parcialmente retomado, sob uma forma setificada (em particular, no que diz res- peito & nog de apropriagio subjetiva), em La Théorie des jeux: une politique imagi- naire, Paris, Maspero, 1976, 197 p. 55 Cf. a iiltima invengao nese domfnio, conhecida pelo nome de “‘ciéncia ad- ministrativa”, que deve ser aproximada 3 nogio de “adminstragio das coisas”, com- prendida como forma de organizacdo social apolftica. Veremos, mais adiante, a re~ cente discussfo desse ponto Jevantada por E. Balibar ‘La Rectification du Manifeste comuniste’ , em Cing études du materialisme historique, Paris, Maspero, 1974. 56 Frege, Légica e filosofia da linguagem, p. 76. 57 Ibid. 58 Vax, L’Empirisme logique, op. cit., p. 19. 59 Cf. acima a observagio de Husserl j4 comentada sobre “*h4 pedacos de bolos, hA polfgonos regulares”. 60 Assinalemos, no entanto, que a pesquisa lingiifstica comega a questionar a simplicidade da oposigdo que associaria a hipotética & determinativae a explicagio 3 explicativa. M.-C. Barbaut ¢ J. P. Descles (ransformations formelles e Théories linguisti- ques, Paris, Dunod, 1972) lembraram recentemente que esta dltima pode tomar ou- tros valores, de simples conexio, ou adversitiva, ou ainda temporal. Por outro lado, © problema da autonomia relativa que caracteriza o enunciado inserido na explicativa € tratado por C. Fuchs ¢ J. Milner (A propos des relatives ..., Pasis, Editions Selaf, 1979). Finalmente, em um nfvel mais geral, esses mesmos autores insistem na neces- sidade de estudar as Tigagdes entre fenmenos linglifsticos inerentes zo sistema de valores tomados conjuntamente pelos funcionamentos da tomatizacio (ct. as diferon- cas de funcionamento conforme a “relativa” — determinativa ou explicativa—incida sobre Ny ou Ng) da determinagao e do sistema verbal, em ligaco com as caracteristi- cas lexicais. 61 L’Empirisme logique, op. cit., p. 58. 62 Para o leitor que se chogue com a brutalidade dessa afirmacio, permitimo- nos remet6-Io a dois artigos publicados em La Nouvelle Critique, P. Bruno, M. Pé- cheux, M, Pion & J.-P. Foitou, ‘La Psychologie sociale: une utopie en crise’, La Nouvelle Critique, n° 62, p. 72-8; n° 64, p. 21-8. 63 Clausewitz explica com o maior clareza que, face aos exércitos da Revolugao Francesa, os cflculos estratégicos dos genemis prussianos nfo funcionavam nunca, pois eles nfo conseguiam conceber a forga material que a “‘vontade do povo” consti- tui. A derrota da estratégia americana no Vietnd provém do mesmo “erro”. 64 Amauld & Nicole, Logique ou art de penser, op. cit., p. 204 (o grifo € nos- 50). 5 L, Althusser, ‘Resposta e John Lewis’, op. cit., p. 26, 66 Em suma, uma teoria 16gico-lingiifstica pura do discurso € perfeitamente 138 possivel (cf. certos aspectos dos trabalhos de Austin, de Ducrot ..., mas tal teoria continua cega a questio do sujeito como “sempre-j4 dado”. E precisamente por isso que se trata de idealismo, 67 Herbert, Cahiers pour analyse, 1968, n° 9, 68 Consideraremos, ent&o, de agora em diante, como definitivamente inacci ti- vel a objecio segundo a qual somente os individuos concretos, “fisicaments observii- veis”, existem, objegdo essa que pretende modelar a questio, desarmando a metéfora sob a forma: “A Franca ndo € nada mais do que 50 milhdes de individuos concretos que ...”, Esse “‘materialismo”, para dizer a verdade, nfo se dintingue, de modo al- gum, do empirismo fisicalista que, como mostramos acima, fica sempre “fora da questo”, 0 que nfo quer dizer, muito pelo contrfirio, que ele nao se encaixe “‘exata~ mente” nela, conforme os interesses politicos ¢ ideol6gicos da classse dominante. Destaquemos bem, a esse respeito, a insuficiéncia (tedrica e prdtica) de qualquer in- terpretagio da ideologia, seja como pura ilusdo ¢ ndo-ser (“desprovido de sentido”), do qual bastaria deixar de falar para anular seu efeito, seja como pura fbula inventa~ da deliberadamente pelos Principes e os Sacerdotes (voltaremos a isso, a propésito do complexe ret6rica-persuasto-inculeacéo). Em outras palavras, se falamos de um sujeito com S maitisculo que “‘interpela”” 0s individuos em sujeitos, etc., ndo € porque “acreditamos nisso”, no sentido em que “‘acredita-se em Deus": Deus fo existe, mas a religiio — e, mais geraimente, as ideologias — existem — com sua materialidade prépria ¢ com 0 funcionamento que Ihes corresponde. E disso que se trata aqui. Portanto, quando utilizamos aqui oon- ceitos claborades por J, Lacan, estamos separando-os da reinscrigio idealista de sua elaboragéo, neles inclufda pelo pr6prio Lacan, aspecto sobre 0 qual o texto jé citado de P, Henry parece ter colocado 08 pingos nos ii, De nossa parte, diremos simples~ mente que formulagdes como “o sujeito do inconsciente”, ““o sujeito da ciéneia” etc., parecem-nos participar dessa reinscricio idealista. Por sua vez, a questio da st premacia absoluta do Simb6ico traz.consigo uma filosofia ¢ uma epistemologia laca- nianas cujos interesses devem ser confrontados com os do materialismo, 69 Althusser, Aparelhios Ideolégicos de Estado, p. 104. (N dos T.: 0 termo assu- Jettissement & aqui traduzido por “submissio”). 139

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