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--'Tributacao, livre concorréncia e sustentabilidade os impactos da tributacao ambiental no direito concorrencial Luciano Costa Miguel Prefacio por Deputado Federal Luiz Carlos Hauly 10. A Tributagaéo Ambiental no Direito Supranacional Caeaee que o mundo se encontra em processo acelerado de ‘globalizacao, de crescente concorréncia internacional, bem como de agravamento de problemas ambientais que sao intrinsecamente trans- fronteiricos, vale a pena colocar em realce logo a seguir o tema da tribu- tacio ambiental no ambito do direito supranacional. 10.1 tributac&o ambiental na América Latina eo Mercosul Jé nos idos de 2003 foi publicado o documento que ficou conhe- cido como 0 “Modelo de Cédigo Tributério Ambiental para a América Latina’”** com um sintético grupo de 5 pontos contendo normas gerais que poderia muito bem servir como baliza e diretriz nacional para as leis de cada ente da federacao dos paises latinos. Digno de registro que, por se tratar de principios e regras dotadas de generalidade, sao facilmente adaptaveis a qualquer ordenamento juridico. Contudo, em que pese essa e outras iniciativas tedrico-juridicas, no que se refere 4 América Latina, Daniel Estares (2010, p. 30) afirma que, ex- cetuando-se algumas iniciativas timidas na Colémbia e no Peru, “{...] sobre la tributacién ambiental latinoamericana fluye con claridad que no existen reformas fiscales verde integrales, sino slo algunas intenciones legislativas’** O autor costa-riquenho Carlos Eduardo Peralta (2016, p. 3031) também compartilha dessa impressio ao afirmar que o tema da tributa- 40 como mecanismo de defesa ambiental tem sido, de maneira geral, pouco explorado nos paises que compdem a América Latina, Em pesquisa mais recente sobre o tema, chegou-se 4 conclusio si- milar a do referido autor peruano em relacio aos paises que compéem o 95 Arespeito, ver: BUNUEL GONZALEZ; HERRERA MOLINA, 2003, s/p. 96 “..) sobre a tributagao ambiental na América Latina, parece claro que nao exis. tem amplas reformas fiscais verdes, mas somente algumas intengoes legislativas.” (traducio nossa). 195 Digitalizado com CamScanner Luciano Costa Miguel MERCOSUL, onde se constatou que - especificamente - as legislacdes dos impostos imobilidrios rurais esto a merecer uma reforma para fazer frente aos novos desafios socioambientais. (REZENDE; LUCIANO, 2021). Todavia, & digno de registro que na Colémbia foi instituido pelo artigo 221, da Ley n° 1819/2016, o chamado Impuesto Nacional al Car- bono, no bojo da ultima reforma tributéria estrutural realizada no pais. Tal exagio tributdria foi resultado dos esforgos efetuados no ano anterior no Acordo de Paris sobre o Clima, com vistas a desincentivar 0 uso de combustiveis fésseis. Em estudo financiado pela Uniao Europeia acerca desse impos- to, Batalie Rona Libélula (2019) conclui que “(...) O setor privado estava disposto a se adequar ao imposto sobre o carbono, encontrando inclusive novas oportunidades de negécios nas novas regulamentagdes, como o investimento em tecnologias mais eficientes” (traducao nossa)” Realidade bem mais avancada no que toca & tributagao verde é vi- venciada pelos paises componentes da Unio Europeia, como se verda seguir. 10.2 A tributacao ambiental na Uniaio Europeia Quando se trata de tributacdo ambiental, os paises na vanguarda se encontram no continente europeu, motivo pelo qual se faz oportuno cotejar de forma mais detida o tratamento conferido pelo seu érgao supra- nacional em sua busca de uniformizacao da politica ambiental intrabloco. 10.2.1 A busca de uniformizagao da politica ambiental na Unido Europeia ‘A Unido Europeia tem passado por um claro processo de forta- lecimento de suas competéncias legislativas e administrativas ambientais por meio do direito comunitario europeu, aplicével por meio de seus tra- tados internacionais e diretivas. Devido a crescente atuacao legislativa da Unido Europeia, em matéria ambiental, aliada ao principio da preemp- ao,” pode-se afirmar que tém restado cada vez menos areas de compe- téncia ambiental aos seus respectivos Estados-membros. 97 Tradugio de: ‘el sector privado presenté una buena disposicién para adaptarse al impuesto al carbono, encontrando inclusive nuevas oportunidades de negocio en la nueva normativa como por ejemplo inversién en tecnologias mds eficientes” 98 Oportunaa descrigio da operacionalidade do principio da preempgio feita por An- tonio Soares: “(...) sempre que a Unio haja legislado num determinado dominio A Digitalizado com CamScanner Tributagao, livre concorréncia ¢ sustentabilidade Diante de todos esses avancos envolvendo a questao ambiental, importante perquirir as razdes que justificaram a atribuigo de compe- téncias ambientais a uma organizacéo supranacional, cujo escopo era ex- clusivamente antibelicista e econémico, Alexandra Aragio (2015, p. 22), entre outras razées, realca quatro motivos. Em primeiro lugar, a politica europeia do ambiente exigida pela propria natureza transnacional dos componentes ambientais e dos fend- menos de poluigao, o que demanda uma harmonizacdo das normas sobre a qualidade ambiental como pressuposto para uma protecéo ambiental eficaz e integrada, Em segundo lugar, a liberdade de circulacao de merca- dorias anularia os efeitos ambientais pretendidos por qualquer legislacao nacional sobre as caracteristicas ambientais dos produtos. Em terceiro, a liberdade de estabelecimento que permite a instala¢ao de empresas em qualquer ponto do territério da Unido Europeia, que exige uma harmo- nizagao das normas sobre os requisitos ambientais a ser observado pelas empresas, como a avaliagéo de impacto ambiental e a licenga ambiental. Por tiltimo, em quarto lugar, a liberdade de concorréncia nao seria efeti- va se nao fossem harmonizadas as principais regras ambientais de fun- cionamento de certos processos produtivos, como é 0 caso das normas sobre emissées, que fixam os limites maximos de poluigdo atmosférica proveniente de grandes instalacdes de combustao, como as das indtstrias sidertirgicas, cimenteiras ou papeleiras. Paulo Bessa Antunes (2020, p. 265), nesse mesmo sentido, afirma que somente uma aco uniforme e articulada entre os diversos atores na- cionais ¢ internacionais é capaz de solucionar problemas que ultrapassam a fronteira de um unico estado, porquanto o tema meio ambiente e 0 direito que sobre ele incide tem vocagio universal e, como tal, precisam ser abordados de forma que envolva a comunidade internacional e os diversos mecanismos por ela criados. Nio se discute, por exemplo, que a maior parte das emissdes que causam a mudanga climatica foi gerada pelos paises industrializados, po- rém 0 seu impacto se fara sentir com mais intensidade nas regides mais pobres do mundo, Portanto, ante o seu carter transfronteirigo, a questo ambiental merece uma andlise e uma atuagao global e holistica. a competéncia partilhada com os Estados-membros, a sua atuagio desencadeia ‘uma ocupagdo do respectivo terreno normativo pela Unido. Em consequéncia, os Estados-membros ficam impedidos de legislarem sobre essas matérias. Em termos juridicos, verifica-se a preempcio das competéncias dos Estados, em virtude da atuacao normativa da Unido". (SOARES, 2004, p. 55) peed Digitalizado com CamScanner Luciano Costa Miguel Embora os combustiveis fdsseis sejam os grandes vildes a serem combatidos mundialmente para reverter esse quadro, o relatério deno- minado “Promessas Vazias” (BAST; DOUKAS; BURG; WHITLEY, 2015) aponta subsidios distorcidos no ambito dos paises do G-20 da ordem de 444 (quatrocentos e quarenta e quatro) bilhdes de délares somente no ano de 2014, Nesse mesmo sentido, para o ano de 2018, a Agéncia Inter- nacional de Energia (IEA) estima que os subsidios governamentais para consumo de combustiveis fésseis alcangaram a cifra de 400 (quatrocen- tos) bilhdes de délares. (GATES, 2021, p. 86). Mas ha também exemplos muito positivos, a maior parte deles vindo da Europa, como a Alemanha, que possui um ambicioso programa “Energiewende’, que determinou uma meta de 60% em energias renova- veis até 2050 e j4 aumentou sua capacidade solar em quase 650% entre 2008 e 2010. Igualmente, vale o registro da Dinamarca extrai cerca de metade da sua eletricidade do vento terrestre e maritimo, além de ser 0 maior exportador de turbinas edlicas do mundo. (GATES, 2021, p. 229) ‘Mesmo que essas iniciativas ambientais sejam muito validas, a questao ecoldgica esta a demandar uma atuacdo mais uniforme entre os pa- ies. Nesse sentido é que se afirma (GIDDENS, 2010, p. 278) que, se algum dia jé houve um problema que clamasse pela cooperagio multilateral, com a participagao de todos os paises do mundo, trata-se da mudanga climatica. Em que pese as atuais divisées e lutas de poder, a necessidade de se adotar uma nova cultura de colaboracao para fazer frente as mudancas climaticas talvez seja o trampolim para a criagéo de um mundo mais cooperativo. Enfim, pelo que se pode perceber da anélise da doutrina sobre as iniciativas estrangeiras de tributaco ambiental, a Europa encontra-se na vanguarda em relagdo ao tema. Nao é demais atentar para as mais di- versas bases impositivas utilizadas naquele continente para que se possa melhor desenhar uma reforma tributaria ambiental no Brasil. E relevante frisar que o Direito Internacional do Meio Ambiente, incluido 0 Direito Europeu do Ambiente, exerce o papel de locomotiva, puxando os ordenamentos nacionais em diregio a um padrio mais eleva- do de protegao e conduzindo as ordens juridicas dos Estados-membros a uma evolucio legislativa mais rdpida. (ANTUNES, 2020, p. 269) Nao se nega que os Tratados e Convengdes da Unido Europeia sejam regionais, e, ndo, universais, Todavia, revela-se digno de registro a Convengao de Aarhus, em vigor desde 30 de outubro de 2001, que, em Seu artigo 19, admite a adesio de Estados nao integrantes da Unido Eu- pont 4 Digitalizado com CamScanner ‘Tributacio, livre concorréncia e sustentabilida Topeia, com status consultivo junto 4 Comissio Economica da Europa. A teferida Convengio ainda confere ao ptiblico (individuos e associagées que os representem) o direito de acesso a informacao e de participacao nas decisées tomadas em matéria de ambiente, bem como o direito de recurso, caso esses direitos nao sejam respeitados. Aliés, nada mais perti- nente, em vista do cardter transfronteirico da poluigéo ambiental. ‘Também é digna de mengao a politica energética, prevista no artigo 194° do Tratado sobre o Funcionamento da Uniao Europeia, que integra energia e meio ambiente, buscando a melhoria do ambiente por meio da promogao da eficiéncia energética e do desenvolvimento de energias novas e renovaveis. Vé-se, aqui, o claro refor¢o das interagdes entre os objetivos ambientais e energéticos. Acerca desse principio da integragio, previsto no artigo 11 do ‘TFUE®, e que deve ser interpretado e aplicado conjuntamente com o prin- cipio do interesse superior de protegio do ambiente, Alexandra Aragio (2015, p. 23) sustenta que a referida norma preconiza todos os dominios tém implicagdes mais ou menos claras com o ambiente: as politicas agrico- las, industrial, comercial, energética, de transportes, de turismo, de defesa dos consumidores, social, de concorréncia, de cooperacio para o desenvol- vimento, etc. Por isso, os Ministérios do Ambiente dos Estados-membros deveriam ser superministérios, com poderes de supervisio, coordenagio e controle das atividades de todos os restantes Ministérios, na medida em que estas possam ter consequéncias ao nivel do ambiente. Contudo, essa integracao de politicas ambientais nas demais re- as, como a tributaria, tem se revelado dificil de realizar, plenamente, em nivel de Estados-membros. No tépico a seguir, ser verificado de que for- maa questio fiscal tem colaborado para essa insuficiente coordenagio no trato das questées ambientais. 10,2.2 As compeléncias da Unido Europeia para definigio de politicas fise: Verificadas as potencialidades e, também, os limites para a har- monizagio da protecio ambiental no ambito da Unido Europeia, revela- -se oportuno analisar a possibilidade (ou nio) de se coordenarem as po- 99 TFUE: Artigo 11: As exigéncias em matéria de protegio do ambiente devem ser integradas na definicao e execucio das politicas e agdes da Unio, em especial com © objetivo de promover um desenvolvimento sustentivel 0 Digitalizado com CamScanner Luciano Costa Miguel liticas tributarias, para, ao fim, tratar-se do tema do presente trabalho (a tributacao ambiental), que sintetiza os dominios tributario e ambiental. Sobre o tema da tributagao europeia, Marcelo Jabour (2017, p.61) afirma que um dos pilares da construgao da Unido Europeia foi erigido a partir da ado¢ao de um modelo de tributo incidente sobre 0 consumo de bens e servicos, que, além de favoravel ao desenvolvimento econdmico, possibilitou estabelecer uma importante fonte de recursos para sustentar as instituigdes criadas para dar azo ao sonho de construgao de um conti- nente livre da guerra e dos excessos causados pelo nacionalismo. Segundo © autor, 0 modelo adotado, denominado Imposto sobre o Valor Acres- cido, foi fundamental para alcangar os objetivos tragados e, inclusive, é obrigatéria a sua ado¢ao para qualquer pais que pretenda ingressar como membro da Uniio Europeia. ‘Todavia, apesar da ampla adesio dos Estados-membros ao IVA, a tributacao, no ambito do bloco europeu, estd longe de possuir tratamento uniforme, como se verd adiante. Para compreender as razdes da hetero- geneidade fiscal do bloco, em primeiro lugar deve ser mencionado arti- g0 192, do Tratado do Funcionamento da Unido Europeia, que trata dos procedimentos a serem seguidos para que sejam deliberadas as decisdes a favor dos objetivos ambientais dispostos no artigo 192, n. 1. Nao per- dendo de vista o nosso tema central, que é a tributago ambiental, neste artigo 192, chama atengao o fato de que a alinea “a” do n. 2 mencionaa possibilidade de que medidas de cardter fundamentalmente fiscal podem ser adotadas visando aos objetivos ambientais da Unido, havendo, ainda, mengio ao principio do poluidor-pagador no n. 5. Contudo, tal artigo ha de ser lido com o artigo 223, n. 2, parte final, do TFUE™, que prevé que, quaisquer regras ou condigdes respei- tantes, emitidas pelo Parlamento Europeu, ao regime fiscal dos membros, ou ex-membros, exigem a unanimidade no Conselho. Segundo Patricia Lampreave (2011), no que diz respeito, particu- larmente, a regulacao das politicas fiscais adotadas pelos Estados-mem- bros, apesar de indispensivel para bom andamento da Unio Europeia, 100 “2. O Parlamento Europeu, por meio de regulamentos adotados por iniciativa pro- pria de acordo com um processo legislativo especial, estabelecera o estatuto e as condigoes gerais de exercicio das funcdes dos seus membros, apds parecer da Co- missio e mediante aprovacio do Conselho, Quaisquer regras ou condicdes respei= do Conselho. (grifo nosso)" Ba i Digitalizado com CamScanner ‘Tributacao, livre concorréncia ¢ sustentabilidade foi ela, ao longo de sua evolucio, tratada de maneira periférica ou secunda- ria, se comparada aos atos de conciliaco econémica e monetéria dos entes. O Tratado sobre o Funcionamento da Unido Europeia (TFUE), por exemplo, apesar de ser um dos pilares legislativos que regulam 0 an- damento da Unido Europeia e que determina os dominios, a delimitagao eas regras de exercicio das suas competéncias, trata-se de diploma que nio contém consideragées enfaticas a respeito de uma harmonizagio fis- cal (CARVALHO; TRENTO, 2017, p. 40). ‘Tem-se, como raro exemplo, 0 artigo 113° do Capitulo 2 - Dis- posigées Fiscais do TFUE™, que trata, especificamente, da tributacio in- direta na Unido Europeia. A base legal para a conciliacdo tributéria da taxagdo direta entre os Paises-Membros, por sua vez, pode ser encontra- da, apenas, no Capitulo 3 - Aproximagio das Legislagdes, do TFUE, mais especificamente em seu artigo 115°.” artigo 18 do Ato Unico Europeu", por sua vez, determina possi- bilidade de “deliberaco por maioria qualificada” no que diz respeito A adocao de medidas conciliadoras para a harmonizacio legislativa entre os Estados- 101 TFUE - Artigo 113#: O Conselho, deliberando por unanimidade, de acordo com ‘um processo legislativo especial, e apés consulta do Parlamento Europeu e do Co- mité Econémico e Social, adopta as disposigdes relacionadas com a harmonizagio das legislagGes relativas aos impostos sobre o volume de negécios, aos impostos especiais de consumo e a outros impostos indirectos, na medida em que essa har- ‘monizagdo seja necesséria para assegurar o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno e para evitar as distorges de concorréncia. 102 TFUE - Artigo 115°: Sem prejuizo do disposto no artigo 114°, o Conselho, delibe- rando por unanimidade, de acordo com um processo legislative especial, e apés consulta do Parlamento Europeu e do Comité Econémico e Social, adopta directi- vas para a aproximacao das disposicées legislativas, regulamentares e administrati- vas dos Estados-membros que tenham incidéncia directa no estabelecimento ou no funcionamento do mercado interno. 103 AEU- Artigo 18 Ao Tratado CEE sao aditadas as disposigdes seguintes: Artigo 100. ®A- 1 - Em derrogagio do artigo 100.9, e salvo disposigdes contrérias do presente ‘Tratado, aplicam-se as disposigbes seguintes para a realizagdo dos objectivos enun- ciados no artigo 8-A. O Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob pro- posta da Confissio, em cooperagio com o Parlamento Europeu e aps consultado Comité Econémico e Social, adoptara as medidas relativas 4 aproximagio das dis- posigies legislativas, regulamentares ¢ administrativas dos Estados-membros que tém por objecto o estabelecimento ¢ 0 funcionamento do mercado interno. 2 - On 1 nao se aplica as disposigdes fiscas, as relativas livre circulagio das pessoas e ds relativas a0s direitos e interesses dos trabalhadores assalariados. (UNIAO EURO- PEA. Ato Unico Europeu. Disponivel em: https://europa.eu/european-union/law/ treaties_pt. Acesso em: 12 de jun. de 2020). Digitalizado com CamScanner Luciano Costa Miguel -membros, mas excetua, de forma expressa, a utilizagao do critério de maio- ria qualificada para questées fiscais, mantendo a exigéncia de unanimidade. Nesse cenario legal, que contextualiza as disposicdes e as exigén- cias do TFUE, constata-se que as decisdes de politica fiscal a serem toma- das no ambito da Unio Europeia, de forma vinculativa, estdo sujeitas & concordancia geral dos membros. Isso faz. com que a unanimidade sirva como “veto disfarcado” para os paises representados, causando atrasos ou até paralisagdes em diversas das propostas fiscais apresentadas pelo Conselho da Uniao Europeia. Mas nio hé nada perdido na busca pela integracao, pois, confor- | me apontam Carvalho e Trento (2017), a harmonizacio tributdria entre os Estados-membros da Unido Europeia, embora longe de ser alcanga- | da, contou com relevantes evolugées nas tiltimas décadas, sendo isso, em grande parte, devido a relativizacdo da unanimidade exigida por seu or- denamento para legislar sobre matérias fiscais. Informam que a tributacdo indireta sobre 0 consumo tem sido relativamente harmonizada, por meio de diretivas e regulamentos, o mesmo nao acontecendo com os tributos diretos, em razio da falsa concepgio de soberania fiscal que vigora nos paises membros, fazendo com que a Comissao Europeia ea OCDE editem | atos ou regras classificados conhecidos como “soft law” (como 0 Cédigo de Conduta para Tributacdo das Empresas, a Iniciativa BEPS (OCDE, 2014) e 0 Relat6rio “Competi¢ao Fiscal Lesiva - um problema global emergente”), que, posteriormente, sao aplicados pela Corte Europeia de Justica no com- bate aos paraisos fiscais e aos regimes tributarios diferenciados. | Tal auséncia de harmonizagio fiscal, segundo os autores, estd a | gerar, nos ultimos tempos, uma competi¢io acirrada entre os seus Es- | tados-membros, que tem o potencial de atingir a mesma intensidade da guerra fiscal que grassa, aqui no Brasil, em relagio ao ICMS. Nao & toa é que se tem alardeado que a Uniio Europeia deixou de ser uma entidade de inequivoco apoio miituo; se tornando cada vez mais uma entidade em que os paises poderosos dizem aos outros paises 0 que devem fazer. Nos Estados Unidos, apesar da obsessio com os direitos de seus varios estados, cerca de 60% dos gastos piiblicos sio feitos por meio da nagio, nao dos estados; na Unido Europeia, apesar da obsessio com 0 poder de Bruxelas, 97% sao feitos por meio da nagao, nao da Comissio. (COLLIER, 2019, p. 4.157) Enfim, 0 que se percebe ¢ que, nao sé a questio ambiental, mas também 0 tema da tributagdo revelam-se sobremodo relevantes para a A0ya Digitalizado com CamScanner Tributagao, livre concorréncia e sustentabilidade Unido Europeia, considerando-se a disparidade de modelos de tributagio fatalmente esta a culminar em distorgées ao livre comércio intrabloco, por causas decorrentes dos desequilibrios concorrenciais. 10.2.3 As reformas fiscais verdes implementadas na Europa A Organizagio para Cooperacao e Desenvolvimento Econémi- co (OCDE), instituicdo 4 qual esté filiada grande parte dos Estados- -membros da Unido Europeia, é responsavel, desde a década de 1960, pela discussao acerca da protecdo ambiental via instrumentos tributa- rios. (GUSMAO, 2011, p. 1.308). E, portanto, o organismo internacio- nal precursor dos debates nessa area e protagonista de h4 muito dos estudos tributarios ambientais. Diante de toda a complexidade, exposta nos capitulos anteriores, inerente 4 competéncia legislativa das matérias ambiental e fiscal no am- bito da Unio Europeia, oportuno proceder 4 uma anilise qualitativa e comparativa das reformas tributérias ambientais jé efetivadas por alguns dos seus Estados-membros. Tupiassu, Goncalves e Désormeaux (2019, passim) realizaram uma abrangente anilise das reformas fiscais verdes no panorama euro- peu, constatando que alguns paises daquele continente efetivaram ver- dadeiras transformagées em seus sistemas fiscais, substituindo fatores tributarios tradicionais pelo fator tributdrio ‘poluigao, com destaque aos Paises nérdicos (Suécia, Dinamarca e Finlandia) e a Holanda. Doutro lado, comprovando a clara auséncia de uniformidade no trato dos temas atinentes a tributaco ambiental, outros Estados-mem- bros da Unido Europeia nao implementaram uma alteragio substancial os seus respectivos sistemas fiscais, em que pese tenham se utilizado do rétulo “reforma fiscal verde (REV)” para denominar as suas alteragoes pontuais mediante a instituigdo de poucos e esparsos tributos ambientais, como ocorrido na Alemanha, no Reino Unido e em Portugal (TUPIAS- SU; GONCALVES; GROS-DESORMEAUX, 2019, p. 24).!"" O que se constata, por conseguinte, é que, apesar da necessida- de de as questdes ambientais serem tratadas de forma integrada, ante 0 104 Alertam ainda, o trio de autores que: “a verdadeira reforma fiscal verde, indepen- dentemente do nivel de incorporacio de tributos ambientais, tem sido uma expe- riéncia exclusivamente europeia, sendo necessério o incremento do estudo de tal tema de modo a influenciar os paises da América Latina a desenvolver suas politicas nesse sentido.” (TUPIASSU; GONGALVES; GROS-DESORMEAUX, 2019, p. 24) Digitalizado com CamScanner Luciano Costa Miguel seu carter transfronteirigo, os Estados-membros da Unido Europeia, no que tange ao tema da tributagao ambiental, possuem um tratamento legal bastante divergente entre si, demonstrando a rigidez que tem caracteri- zado a demarcagao da autonomia das competéncias tributdrias nacionais no Ambito daquele bloco. Essa dificuldade, no ambito da Unido Europeia, para se tratar de uma forma mais harménica e integrada da tematica da tributagao ambien- tal, fica ainda mais clara quando se constata a enorme producio de trata- dos e convencées internacionais (firmados entre dois ou mais Estados ou organizacao internacional) em temas ambientais nos tiltimos 40 (quarenta) anos, que, contabilizados os acordos regionais e sub-regionais, podem che- gar a mais de 2.300 (dois mil e trezentos). (ANTUNES, 2020, p. 271). Ha que ser ressaltado, nesse momento, que nao se pode usar como escusa a existéncia de visGes muito diferentes sobre 0 conceito de desenvolvimento sustentavel, como freio para a implementagdo dessa integracao tributéria ambiental, considerando-se que o desenvolvimen- to sustentavel figura como uma das duas grandes ideias do Tratado da Uniio Europeia, junto ao nivel elevado de protegio do meio ambiente (ARAGAO, 2015, p. 28). ‘Também descabem argumentos de suposta violagao da sobera- nia, porquanto o principio da responsabilidade internacional ambiental estabelece que nenhum Estado tem o direito de usar ou permitir que se use o seu territério de forma a causar danos a outros paises ou a proprie- dade e/ou as pessoas de terceiros estados, mitigando o classico conceito de autodeterminacao dos povos desde 1935. (ANTUNES, 2020, p. 277). Com isso, nio se est deixando de reconhecer que a responsa- bilidade ambiental entre os membros da Unio Europeia seja comum, mas diferenciada, que se revela impossivel tratar da tematica ambiental de forma unitaria, em vista das diferentes regides geogrificas. Contudo, ‘© que se vé é que, muitas vezes, as reformas tributarias ambientais im- plementadas pelos Estados-membros mais poluidores e desenvolvidos economicamente tém se revelado mais timidas em cotejo com as de ou- tros com menor passivo ambiental e poderio econdmico, o que se mostra inadmissivel sob qualquer aspecto que se analise a questio. Por tudo o que foi demonstrado, percebe-se que tal disparidade de tratamento, quanto ao tema da tributagio ambiental, fatalmente est a culminar nao s6 em politicas piiblicas ambientais menos eficientes, mas, também, a ensejar distor¢des ao livre comércio intrabloco, decorrentes de felony Digitalizado com CamScanner ‘Tributagao, livre concorréncia e sustentabilidade desequilibrios concorrenciais oriundos do uso de bens ambientais sem as devidas contrapartidas e compensagées. A inadmissivel contradicao reside no fato de que alguns dos pa- ises mais desenvolvidos economicamente, e que sao, tradicionalmente, os mais poluidores, revelaram-se justamente os mais timidos na imple- mentacio das suas respectivas reformas tributdrias ambientais, demons- trando uma postura irreconciliével com o principio da responsabilidade internacional comum, mas diferenciada, consagrada em varios tratados internacionais e no ambito regional da Uniao Europeia. Tal fato esté a demonstrar que, para que sejam fortalecidos os principios da integracio, da livre concorréncia, da responsabilidade co- mum, mas diferenciada, do nivel de protecio mais elevado, do poluidor- -pagador, do desenvolvimento sustentével, entre outros, 0 Tratado de Funcionamento da Unitio Europeia (TFUE) estd a merecer uma urgente revisio, de forma a permitir que os temas atinentes aos tributos ambien- tais sejam centralizados no ambito da competéncia vinculativa (exclusi- va, partilhada ou apoiada) da Unido Europeia. Para tal, entende-se que deva ser excepcionada a exigéncia, con- tida no TFUE, de unanimidade no Conselho para tratar de questées fis- cais (arrecadatérias), ante 0 inequivoco carter extrafiscal preservacio- nista dessas espécies de tributos e 0 seu relevante impacto para a questo concorrencial do mercado europeu. Importante, contudo, ressaltar que a Unido Europeia esta em vias de iniciar a coordenagao de uma politica tributdria comunitiria, prevista no Pacto Ecolégico Europeu firmado em 2019, em que consta o chamado Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira, que integra 0 conjunto de medidas ecoldgicas que poderd incidir sobre alguns setores e procura combater, principalmente, a fuga de emissdes de carbono. Este mecanis- mo poderé fazer com que o valor das importagSes incorpore e reflita de maneira precisa a sua pegada carbénica utilizando-se dos mecanismos da tributaco ambiental, taxando mais pesadamente as importagdes en- quadradas de paises que se utilizam da produgio mais poluidora e barata, (UNIAO EUROPEIA, 2020). referido ente supranacional (UNIAO EUROPEIA, 2019) ar- gumenta que, com o grande ntimero de mudangas para uma adequagio ecoldgica das atividades econémicas, o bloco precisa se mobilizar para evitar a “fuga de carbono’, na qual as empresas poluidoras migram para outros paises, com as suas atividades degradantes ao meio ambiente, € fed Digitalizado com CamScanner Luciano Costa Miguel continuam a vender produtos, no continente, de maneira rentavel, assim ‘como para que os produtos europeus ecologicamente corretos nao sejam substituidos por importagdes mais intensivas em carbono. Apesar de a proposta ja ter sido aprovada pela unanimidade dos paises membros, a previsio de sua plena operacionalizacao se dard so- mente em 2026. Seria uma tardia, mas, ainda sim, louvavel politica tribu- taria indutora dos impostos aduaneiros, que merece ser implementada de forma urgente, ante a gravidade da crise climatica. Digitalizado com CamScanner un. A Tribultacio Ambiental como Forma de Promocao da Livre Concorréncia isto de que forma as normas tributdrias e as normas ambientais po- dem afetar o estado de coisas da nossa ordem socioeconémica, mis- ter realgar, a seguir, de quais maneiras as normas tributarias ambientais podem e devem ser manejadas de forma a promover a livre concorréncia entre os diferentes setores e agentes econdmicos. 31.1 Tributagaio ambiental e livre concorréncia A livre concorréncia pressupée nao somente a existéncia de uma livre iniciativa ou do cumprimento da fungdo social da propriedade, mas de um mercado que permita uma real igualdade de oportunidades entre os agentes, conforme os ditames da justica socioambiental. Arelacao entre a desigualdade socioeconémica e as quest6es am- bientais jé foi tangenciada por alguns autores, como Guilherme Purvin (FIGUEIREDO, 2010, p. 328), para quem a desigual distribuigio do po- der econémico ¢ politico entre alguns poucos paises (no plano interna- ional) ou proprietérios (no plano local) decorre em grande parte da ado- ¢4o de modelos ecologicamente insustentaveis da sociedade industrial, contribuindo para 0 agravamento de desigualdades sociais. Um dos fatores que torna intrincada a utilizagio da tributagio ambiental como forma de promogio da livre concorréncia é 0 fato de © Brasil ser um dos tinicos paises a possuir um verdadeiro sistema tri- butario no bojo do préprio texto constitucional, tornando quase toda a temitica da tributa¢do um tema eminentemente constitucional. Mas essa complexidade nao se revela um obstéculo intransponivel e tampouco deve desestimular os debates sobre o tema. Deve ser ressaltado que 0 nosso ordenamento juridico ja se en- contra apto para a institui¢io dos tributos verdes e, de certa forma, ja estd hé alguns anos demandando expressamente das esferas piiblicas tais politicas tributarias ecoldgicas, em que pese ainda nao haver nenhuma 8 Ss Digitalizado com CamScanner Luciano Costa Miguel previsio expressa na Constituicao Federal! ou no Cédigo Tributario Nacional sobre os tributos ambientais propriamente ditos. Exemplo de exigéncia expressa reside no artigo 6° da Lei n° 12.187/2009, que traz um rol abrangente de 18 (dezoito) instrumentos para a concretizacao dos ob- jetivos da Politica Nacional sobre Mudancas Climéticas (PNMC), sendo que o inciso VI materializa uma norma juridica de eficacia limitada que reconhece como instrumento da PNMC “as medidas fiscais e tributdrias destinadas a estimular a redugdo das emissdes e remogéo de gases de efeito estufa, incluindo aliquotas diferenciadas, isengdes, compensagées e incenti- vos, a serem estabelecidos em lei especifica.” Contudo, ja se viu em tépicos anteriores que ha uma importante e inexplorada previsio constitucional no artigo 146-A"*, incluido pela Emenda Constitucional n° 42, de 2003, que abre a possibilidade de que o legislador nacional, por meio de lei complementar, estabelecer critérios especiais de tributagio, com o objetivo de prevenir desequilibrios da con- corréncia, sem prejuizo da competéncia da Unido, por lei, de estabelecer normas de igual objetivo. Para Humberto Avila (2008, p. 144) este crité- rio especial de tributacao é mais um instrumento de promogio dos prin- cipios da atividade econdmica, previstos no artigo 170 da Constituigao. Considerando-se que, vista do artigo 170, IV e VI, tanto a livre concorréncia quanto a defesa do meio ambiente foram reconhecidos como princfpios da ordem econémica, nio se torna dificil ponderar que poderio ser publicadas lei nacional ou federal, instituindo tributos com critérios ambientais, com a previsio de se prevenirem os desequilibrios de concor- réncia eas falhas de mercado causados pela utilizagao dos bens ambientais 105 Com excecao ao artigo 225, $1°, VIII, da Constituicao, incluido pela Emenda 4 Constituigéo n° 123, de 14 de julho de 2022, que determinou a manutengdo de regime fiscal favorecido para os biocombustiveis destinados ao consumo final, na forma de lei complementar, a fim de assegurar-Ihes tributagdo inferior & incidente sobre os combustiveis fosseis, capaz de garantir diferencial competitivo em relagio a estes, especialmente em relagdo as contribuigdes ao PIS e COFINS e PIS e CO- FINS-Importagio ¢ a0 ICMS. Frise-se, contudo, como jé ressaltado alhures, que tal previsio constitucional nio foi motivada por questdes climiticas, mas direcionada expressamente a atenuar 0s efeitos do estado de emergéncia reconhecido de forma expressa no ano de 2022, conforme artigo 120 da ADCT, decorrente da elevagio extraordindria e imprevisivel dos preos do petréleo, combustiveis e seus derivados € dos impactos sociais dela decorrentes. 106 “Artigo 146-A. Lei complementar poderd estabelecer critérios especiais de tribu- taco, com o objetivo de prevenir desequilfbrios da concorréncia, sem prejuizo da competéncia de a Uniao, por lei, estabelecer normas de igual objetivo” Digitalizado com CamScanner utago, livre concorr ac sustentabilidade sem a respectiva contrapartida econémica, em outras palavras, sem a devi- da internalizagdo das externalidades ambientais negativas. Assim, se pode argumentar, tendo em vista que o meio ambiente & bem de uso comum do povo, consoante a diccao do artigo 225, caput, da Constituigao e, sendo bem de uso comum do povo, o fato de um agente econémico causar uma degradacéo ambiental desmedida, utilizar deter- minados bens ambientais (cada vez mais escassos) com fins lucrativos ou mesmo causar desequilibrios aos macrobens ambientais (como o clima © 0s oceanos), além de frequentemente afetar a sadia qualidade de vida, causa inexoravelmente uma falha no mercado ante o prejuizo dos seus concorrentes que facam uso de forma mais racional e sustentavel destes mesmos bens e recursos naturais. Ha que se salientar uma singularidade prevista nessa compe- téncia do artigo 146-A da Constituigao da Republica, franqueada pelo constituinte derivado, em comparacao com a institui¢ao de uma simples contribuicao de intervengo no dominio econdmico (CIDE), que possui finalidade similar. Nas palavras de Humberto Avila (2008, p. 144): Enquanto a competéncia para instituir contribuigdes de intervencao no dominio econdmico serve como instru- mento especifico de atuagdo nessa drea/setor/atividade no caso de ter ocorrido algum problema com relacio & promogio do principio da livre concorréncia (artigo 170, inciso IV), pressupondo especificidade de atuacio e res- trigdo existente ao principio da livre concorréncia, a nova concepio serve de instrumento geral de atuagio ampla na hipotese de poder vir a surgir algum desequilibrio de concorréncia, nio exigindo especificidade nem restrigio j4 ocorrida ao principio da livre concorréncia (artigo 146- A). Por isso 0 dispositivo menciona o objetivo de ‘prevenir desequilibrios da concorréncia’, Veja-se, por conseguinte, que 0 artigo 146-A da Constituigao foi incluido no texto constitucional com 0 objetivo de prevenir de forma geral por meio da tributacao os desequilibrios da livre concorréncia, de modo que, aqui nesse campo de atuacio, a extrafiscalidade em sua mo- dalidade ambiental poderd assumir estreita relagio com o princ{pio da prevencao ambiental e com a livre concorréncia, Nessa trilha, sustenta-se que se deveria urgentemente elaborar a lei franqueada pelo artigo 146-A. da Constituicdo, como instrumento para ditar os conceitos gerais da tri- bin Digitalizado com CamScanner Luciano Costa Miguel i butacao ambiental, permitindo que outros entes da federacao sigam esta mesma trilha da ecologizagao dos tributos em beneficios aos principios ambientais e da ordem econémica, Fica muito claro que, por intermédio da tributacdo ambiental, o Estado poder concretizar, entre outros objetivos, um importante co- mando constitucional, inserto no artigo 170, inciso VI, no sentido de promover a livre concorréncia, por meio da imposigao de um énus ou um bénus ao agente econdmico em prol da preservacio do meio ambien- te ecologicamente equilibrado, De todo modo, nao se pode perder de vista que a concorréncia entre os agentes ¢ 0 motor da eficiéncia de qualquer mercado, o que, invariavelmente, leva as nagdes & opuléncia e ao alto nivel de progres- so técnico, (SILVEIRA, 2009, p. 225) A concorréncia, no entanto, para existir e gerar os seus beneficios, deve ser justa. E aqui entra em cena © conceito de justica ambiental, que busca o ideal de uma distribuigio igualitaria dos énus ambientais decorrentes da produco e do consumo. (FIGUEIREDO, 2010, p. 328) A tributagao, afirma com razio Paulo Caliendo Silveira (2009, p. 272), é um fendmeno intersistémico que envolve Politica, a Econo- | mia € 0 Direito, ou seja, sozinho nada nos diz sobre o sistema social, nem sobre a justica ou injustica de suas solugdes se nao for verificada no contexto geral em que esta inserida. Contudo, o que se sustenta é que : 2 Ecologia também deve ser avaliada conjuntamente ao fendmeno da tributa¢ao, considerando-se que todas as politicas publicas e programas governamentais deverdo compatibilizar-se com os principios, objetivos, diretrizes ¢ instrumentos da Politica Ambiental, por forga de uma in- | terpretacao sistematica do texto constitucional e interpretagao literal de normas infraconstitucionais.'” Nao se nega a concep¢io do direito positivo como um sistema, ou seja, um conjunto de normas sistemicamente organizado, mas, sim, a ciéncia juridica como um sistema totalmente hermético e alheio as influ- éncias de outros sistemas. Pelo contrario, é, certamente, uma das ciéncias que mais se relaciona com a realidade social, incluindo a Politica, Econo- mia ea propria Ecologia. 107. Conforme artigo 11 da Lei n° 11.187/2009 (Lei do PMC): “Artigo 11. Os prin- cipios, objetivos, diretrizes e instrumentos das politicas piblicas e programas go- vernamentais deverio compatibilizar-se com os principios, objetivos, diretrizes e instrumentos desta Politica Nacional sobre Mudanga do Clima” a | Digitalizado com CamScanner Tributagao, livre concorréncia ¢ sustentabilidade Além disso, como bem aponta Diego Bonfim (2011, p. 62), 0 Di- reito, normativamente, é uno, ndo autorizando - uma vez constatada a influéncia pragmatica da doutrina sobre o direito positivo - nem mesmo do ponto de vista didatico sua segmentagao autonémica. Em outras pa- lavras, em que pese o Direito ser artificialmente dividido em diferentes ramos para fins didaticos, trata-se de uma superestrutura indivisivel e, portanto, os direitos tributdrio, ambiental e econémico nao podem ser abordados somente de forma segmentada. E importante que se perceba que a relacao tributaria nao mais deve se relacionar com a ideia de imposicao pura de um poder, mas sim com a nocio de formacao de cidadania social e ambiental", refletindo © micleo do pacto socioambiental firmado pela Constituicdo de 1988. Veja-se que se est4 aqui enfocando a anilise funcional do direito tribu- tario, em detrimento da anilise estrutural, que abrange o objeto para as finalidades buscadas pelas normas tributérias, especialmente, no caso, © fim de protecao ambiental. Contudo, quando se entrelacam os temas do meio ambiente, da tributagao e da concorréncia, nao se pode esquecer que a neutralidade concorrencial nao significa, portanto, abstencao do Estado para a corre- cdo de desequilibrios concorrenciais, inclusive quando provocados pela tributacdo. (BONFIM, 2011, p. 22) Aqui nao se devem confundir os conceitos de neutralidade con- correncial e o da neutralidade fiscal. O conceito da neutralidade fiscal Ppropugna que a utilizagio da funcio extrafiscal do Direito Tributario deve ser residual, motivada e, sempre que possivel, temporaria. Defen- sores da neutralidade fiscal, como Paulo Caliendo Silveira (2009, p. 118), afirmam que o tributo nao pode ser entendido como elemento funda- mental de dire¢o econémica, mas tio-somente como meio de regulagio excepcional, limitado e justificado. Veja-se que para essa parte da doutrina que reconhece o pos- tulado da neutralidade fiscal em nossa ordem juridica, a neutralidade concorrencial deve ser buscada por outras formas, sendo o uso da extra- fiscalidade tributdria a ultima ratio. Trata-se, para alguns, da aplicagio 108 Nao se pode negar que, por intermédio da tributagio ambiental, o Estado poder concretizar, entre outros objetivos, um importante comando constitucional, inserto no artigo 225, inciso VI, no sentido de promover a educagdo ambiental em todos 0s niveis, incentivando e conscientizando os cidadaos em prol da preservagio do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Fa Digitalizado com CamScanner Laerano a0 direito tributirio do princ{pio da subsidiariedade, previsto no artigo 173 da Constituigio.'” Todavia, o que se percebe é que os instrumentos tradicionais de combate as distorgdes concorrenciais nio tem cumprido a contento 0 seu papel. Um fato incontestavel disso ¢ 0 contetido da recente Lei n° 14.470/2022, que altera a Lei n° 12.529/2011, determinando que as vi- timas de infragoes & ordem econdmica, que lograrem éxito em sua per- secugio privada de danos concorrenciais, serio ressarcidas em dobro, positivando, assim, na estrutura do SBDC o chamado double damage, de forma a gerar um desincentivo ainda maior A pratica do ilicito. Além disso, as normas do direito concorrencial nao levam em consideragao que os macrobens ambientais sio bens sociais pertencentes A toda a coletividade, e tampouco se atentam que o seu uso indiscrimi- nado e sem uma justa contrapartida possui o potencial de gerar graves danos concorrenciais, em claro prejuizo aos agentes sustentaveis. Nao A toa que outra considerdvel corrente da doutrina tributdria (AVILA, 2015, p. 107-108) nao parece pensar da mesma maneira, incen- tivando 0 uso da tributagao como forma de corrigir desigualdades que afetam 0 equilfbrio concorrencial. Nesse sentido é que Humberto Avila (2015, p. 107-108) afirma que o ente estatal, para corrigir ou diminuir desigualdades descritivas, concernentes 4 livre-concorréncia, deve atuar nao de modo neutro, mas, em vez disso, por meio da tributacio, dei- xando a sua neutralidade de lado e estimulando o comportamento dos contribuintes, de forma a revelar que a igualdade nao serve apenas para desconhecer desigualdades descritivas, mas, também, para balanceé-las e compensé-las, por meio de regras iguais ou diferentes. A nosso sentir, nao se deve compreender a extrafiscalidade tribu- téria como ultima ratio e tampouco utiliza-la sem critérios. O principio da proporcionalidade, com os seus trés filtros (necessidade, adequagio e proporcionalidade em sentido estrito) parece preencher essa terceira via a ser perseguida pelo idealizador de politicas piblicas tributarias. Aconcorréncia, portanto, encontra protecao no principio da livre concorréncia, Como desdobramento do principio da livre concorréncia, como bem lembra.Brazuna (2009, p. 37), tem-se: a obrigatoriedade de 109 Da Constituicdo: “Artigo 173, Ressalvados os casos previstos nesta Constituiglo, a exploragio direta de atividade econdmica pelo Estado s6 ser permitida quando necesséria aos imperativos da seguranga nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei,” - \ Digitalizado com CamScanner i Tribulacao, livre concorréncia ¢ sustentabilidade licitagio para fornecimento de bens e servicos para o Poder Publico (ar- tigo 37, XXI, da Constituicao); a repressio ao abuso do poder econdmico que Vise & dominagao dos mercados, a eliminagao da concorréncia e au- mento arbitrério dos mercados, a eliminagio da concorréncia e aumento arbitrério dos lucros, bem submissio das empresas piblicas e privadas a0 mesmo regime juridico, inclusive quanto a direitos e obrigacées ci- vis, comerciais, trabalhistas e tributirios, vedando-se qualquer espécie de privilégio fiscal as empresas pitblicas e sociedades de economia mista nao extensivo as empresas do setor privado (artigo 173, da Constituigao); a vedagio ao monopdlio ou oligopélio nos meios de comunicacao social. {artigo 220, §5°, da Constituicao). Ea livre concorréncia, como se sabe, nao tolera o monopélio ou qualquer outra forma de distor¢io do mercado livre, com 0 afastamento artificial de competigao entre os empreendedores. Pressupée, pelo con- trario, imimeros competidores, em situacdo de igualdade (TAVARES, 2006, p. 258). Nisto reside o dever do legislador estatal de reprimir (pre- venindo ou corrigindo) a eliminagao da concorréncia esta prevista no artigo 173, $4° da Constitui¢ao"” Em sintese, a finalidade maior do postulado da livre concor- réncia é que haja a efetiva igualdade de condigdes de competir entre 0s agentes econdmicos, embora haja objetivos secundarios como a protecao ao consumidor, a eficiéncia alocativa etc. A livre concorrén- cia ea livre iniciativa sio os principais objetos de protecio pelo artigo 146-A da Constitui¢do. Por outro lado, a liberdade de iniciativa, livre concorréncia, fungao social da propriedade, defesa dos consumidores e repressio ao abuso do poder econdmico so os ditames constitucionais protegidos pela Lei n° 12.529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorréncia - SBDC. Considera-se, por conseguinte, que & a propria coletividade a titular dos bens juridicos protegidos por esta Lei e que se deve ter em mente que a violacao de qualquer espécie em face da livre concorréncia constitui inexoravelmente uma infragao da ordem econdmica, indepen- dente de culpa e do alcance dos efeitos concretos, segundo 0 artigo 36, I, da Lei n° 12.529/2011." 110 Artigo 173, (..) § 4°- lei reprimiré o abuso do poder econdmico que vise a domina- gio dos mercados, eliminagao da concorréncia ¢ ao aumento arbitrario dos lucros. 111 Artigo 36. Constituem infragao da ordem econdmica, independentemente de cul- pa, 08 atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam oH Digitalizado com CamScanner Luciano Costa Miguel Albert Casamiglia citado por Paulo Caliendo Silveira (2009, p. 76), em raciocinio que une os ideais de justiga ¢ eficiéncia, afirma que uma sociedade justa e equitativa dificilmente serd uma sociedade que desperdiga, nao utiliza ou subutiliza recursos; e a eficiéncia, entendida como processo de maximizacao da riqueza social, exige intervencies regulatérias, corretivas ou estratégicas do Estado no mercado. Pelo que se vé, uma profunda compreensio e melhor aplicacao do relacionamen- to entre equidade e eficiéncia revela-se fundamental na estruturacio de uma ordem econémica e um sistema tributario sustentaveis. Direito, porém, lida com categorias relativamente simples de i problemas e sé é capaz de oferecer respostas relativamente simples, quase | sempre insuficientes para realizar as aspiragdes almejadas pelo Direito | Ambiental, (FIGUEIREDO, 2010, p. 200) Dessarte, as politicas piblicas | devem considerar todos os aspectos da vida humana. Além da area eco- némica, as questdes socioambientais devem sempre ser colocadas sob | perspectiva, sob pena de se manter uma sociedade com indices inaceité- veis de satide e qualidade de vida. Frise-se, contudo, que toda e qualquer politica de tributagio ambiental no poderd ser sancionatéria, mas uma forma de desestimulo para a pratica de determinadas condutas pela minimizacio dos lucros comparado a outras condutas possiveis, também permitidas pelo ordena- mento juridico. Em outras palavras, a hipétese de incidéncia de qualquer tributo verde nao pode ter em seu elemento material qualquer ato ou fato ilicito, considerando-se que o tributo nao pode ser constituir em sangio de ato ilicito, com exce¢ao dos casos expressamente previstos no texto constitucional, como o IPTU progressivo no tempo. Perceba-se que o uso da tributacao com a finalidade de prevenir corrigir erros de mercado e fortalecer a livre concorréncia se coaduna, inclusive, com o modelo fiscalista de pensamento tributario, Para essa corrente terica, a cooperacao € 0 valor social mais relevante, dado que a vida em sociedade se traduz em um modelo de superacio de luta de to- dos contra todos e o substitui por uma defesa de todos contra as ameagas a cada um em particular, (SILVEIRA, 2009, p. 231) A presente tese também se coaduna com a teoria das escolhas publicas do economista James Buchanam (2003), para quem Constitui- ao deve ser compreendida como um contrato que visa assegurar ganhos i; produzir os seguintes efeitos, ainda que nfo sejam alcangados: [Tima sear 00 de qualquer forma prejudicara live concorréncia ou alive iniciativas { * I | | I Digitalizado com CamScanner ‘Triputagao, livre concorréncia ¢ sustentabilidade mitituos decorrentes da cooperacao social e evitar estratégias oportunistas © egoisticas de curto prazo que geram desequilibrio e perdas gerais em longo prazo. E ao Direito, como sistema social, cabe justamente uma mis- sio de promogao de uma ordem econdmica mais livre e justa. Ressalte-se, que, a0 nao se conferir uma adequada consideracio aos critérios ambientais, materializada na auséncia de alguma forma de desestimulo ou estimulo aos agentes econdmicos, corre-se 0 risco de um enfraquecimento progressivo da crenca na economia de mercado para levar a bom fim a crise ambiental, inclusive com a possibilidade de se ressuscitar os ideais tipicos do Estado autoritario ou mesmo totalitario. Nessa senda, conquanto a livre iniciativa e a livre concorréncia sejam fundamentos da atividade econémica, a protecao ambiental deve sem- pre ser considerada pelo Estado quando da elaboracdo de suas politicas publicas que, de algum modo, venham a intervir na ordem econémica. A tributado ambiental é dotada de varias vantajosidades ou divi- dendos, seja pela oneracao ou pela desoneracio. Ao se onerar a poluicao, Permite-se que se diminua a incidéncia sobre outros sinais de riquezas,"” 20 passo que a reducio da poluigao gera a redugao da carga tributéria. Pela desoneragao, como bem aponta Brito (2017, p- 224), embora ime- diatamente a coletividade seja prejudicada com a reniincia de receita, por outro lado ela perceberd o beneficio ambiental da redugao dos impactos 20 meio ambiente, que, em ultima instancia, impedira possiveis custos Para recuperacao ecoldgica ou mesmo os prejuizos nao financeiros de- correntes da auséncia de preservagao razodvel, como os danos a satide. Além desses trés dividendos acima, o presente trabalho esté a sustentar a existéncia de um quarto dividendo, que ¢ o fortalecimento do sistema de livre concorréncia entre os agentes econdmicos, pois a tribu- tacao ambiental possibilita que a externalidade ambiental negativa em relacdo ao macrobem ambiental seja internalizada pelo degradador. Nes- sa ordem de ideias é que Joseph Stiglitz (1999, p. 464) reconhece que os tributos indutores sao atrativos porque geram receita ao mesmo tempo em que corrigem falhas de mercado. (tradugio livre). 112 Uma experincia bem-sucedida, nesse sentido, é apontada por Jia Matei e Joio Matias (2019, p. 226) no contexto da Reforma Tributiria Ecolégica da Alemanha, onde 05 impostos baseados no modelo de tributagio ambiental foram inseridos com sucesso no sistema tributirio tedesco, devido, entre outros motivos, & desone- ragio do “fator de produgio trabalho” (com redugio do desemprego), possibilitada pela oneragio do fator de produgio “recursos naturais’ Digitalizado com CamScanner Luciano Costa Miguel 11.20 projeto de lei complementar 73/2007 - PLP n° 73-2007 Conforme se viu até aqui, face a esta necessidade de se amplia- rem as possibilidades estatais de prevengio dos desequilibrios de con- corréncia, revelam-se auspiciosas ¢ necessdrias algumas reformulacdes na atual politica tributdria, de forma a adotar o critério ambiental como um fator a ser considerado na promogao de um mercado com justa e livre concorréncia. Nao existe e ndo existira um célculo exato ou formula precisa capaz de medir qual a incidéncia mais justa e adequada para que a tri- butacdo ambiental possa cumprir a sua finalidade, visto que toda poli- tica tributdria nesse sentido ser4 decorrente de um célculo aproximado. Contudo, nao hé diividas que, no atual estagio de degradacao ambiental que se vive, que sera preferivel a escolha de uma politica fiscal mais justa, porém imprecisa, do que um sistema absolutamente preciso, mas injusto do ponto de vista socioambiental. Merece registro o fato de que por meio do projeto de lei com- plementar, PLP n° 73/2007, de autoria dos Deputados Federais Antonio Carlos Mendes Thame e Luiz Carlos Hauly, foi proposta, com permissi- Vo no artigo 146-A da Constituicao, a instituicao de critérios especiais de tributacao com o objetivo de prevenir desequilibrios da concorrén- cia provocados pela poluicao ambiental, o que, conforme jé vimos, con- figura uma externalidade negativa nao completamente internalizada e, Portanto, uma falha estrutural que frustra o normal funcionamento das leis de mercado. O referido projeto reconhece, de forma acertada, que a poluicao, mesmo que em niveis permitidos, possui 0 potencial de gerar graves de- sequilfbrios a uma livre competico, ao permitir que os agentes degrada- dores atuem como verdadeiros free riders, de forma que a tributagio am- biental busca a corre¢do dessa distorcao por meio da oneragio (principio do poluidor-pagador) ou desoneracio (protetor-recebedor), incentivan- do, por conseguinte, as atividades mais limpas e sustentaveis. O que se prope é uma Reformulagio Tributaria Ecolégica por meio de beneficios fiscais de varios tributos, bem como pela oneracio das emissdes de gases de efeito estufa e criagdo da tributagio sobre o car- bono (“carbon tax”), na forma de uma Contribuicao de Intervengio no Dominio Econémico (CIDE), a favor da mitigacio dos efeitos das mu- dangas climiticas. O referido tributo incidird sobre todas as atividades hou Digitalizado com CamScanner Tributagao, livre concorréncia ¢ sustentabilidade econémicas produtivas que gerem emissao de carbono ou outros gases de efeito estufa, tais como o 6xido nitroso, metano, hidrofluorcarboneto, perfluorcarboneto e hexofluor sufuroso. Registre-se que a emissio pode ocorrer em qualquer fase do processo produtivo do bem, insumo, mer- cadoria ou servico. O beneficio fiscal, de acordo com a proposta, abrangeré os produ- tos, mercadorias e servigos, cuja producao, uso e consumo, causem menor degradacio ambiental, em razio dos processos produtivos ou dos insumos utilizados, e consiste na reducio das aliquotas de, no minimo, 30% (trinta por cento) em relacao a carga tributdria incidente sobre os produtos, mer- cadorias ¢ servicos similares ou concorrentes, inclusive 0 imposto sobre renda e outros tributos e contribuigées incidentes sobre o faturamento ou a receita da linha de produtos, mercadorias e servicos comercializados. Tal reducao ser estabelecida em patamares segundo a reducio obtida na degradacio da qualidade ambiental que sua producao ou prestacao pro- porcione, conforme critérios a serem estabelecidos em regulamento. Para receber o beneficio, os processos deverao ser devidamente certificados e causar menos degradacéo quando comparados aos produ- tos, mercadorias e servicos concorrentes ou substitutos. A reducao pode- 14 incidir também sobre 0 imposto de renda e outros tributos e contribui- Ges incidentes sobre o faturamento ou a receita. A CIDE por emissio de gases de efeito estufa sera de 0,5% do preco final unitério de venda ao consumidor do bem, produto ou servico. O calculo seré feito por tonelada métrica de gases de efeito estufa gera- dos ao longo do ciclo produtivo, por unidade de produto. O método de cAlculo das emiss6es de gases de efeito estufa sofrerd revisdes periddicas quanto a metodologia adotada para manté-lo adequado aos padrées e critérios internacionais. A receita obtida com a CIDE seré compensada em cada exerci- cio fiscal por redugdes equivalentes em tributos federais e contribuigdes recolhidas sobre os géneros alimenticios de primeira necessidade e suas matérias-primas, medicamentos de uso humano, insumos agropecud- ios ¢ energia de baixo consumo. Tais medidas buscam compensar a re- gressividade da carga tributdria nacional, por meio da redugio da carga tributaria geral sobre as atividades econdmicas e das familias de menor poder aquisitivo. A receita arrecadada serd aplicada exclusivamente no financia- mento de projetos de inovagao tecnolégica em energia renovavel e de iva Digitalizado com CamScanner Luciano Costa Miguel redugio dos gases de efeito estufa em empresas ou instituigdes publicas de ensino ¢ pesquisa, nos estados e municipios onde a receita tenha sido gerada. Ainda segundo o projeto, sera vedada qualquer forma de contin- genciamento orgamentirio desses recursos. ‘Terio preferéncia para uso dos recursos as iniciativas de geragio de eletricidade de fontes edlicas; por conversio fotovoltaica; por fluxos hidraulicos ¢ por marés; de fontes fosseis com baixa emissao de carbono; ‘ou com emissio zero de carbono que nao produza residuos radioativos, Projetos para o desenvolvimento de conhecimentos e tecnologia para as areas tecnolégicas de células-combustiveis; energia geotermal; energia termo-solar; biocombustiveis ¢ motores multicombustiveis; reducao do consumo de combustiveis de fontes fosseis; e para a reducao de carbono e dos gases de efeito estufa também sao prioritarios. O Poder Executivo regulamentard a nova lei em até 180 dias apés sua publicacao. Contudo, 0 referido projeto se encontra desde 2012 na Comissio de Finangas e Tributacio (CFT), aguardando Parecer do Relator designa- do, Dep. Jerénimo Goergen, devendo ainda ser aprovado por outras duas comissées da Camara dos Deputados: do Meio Ambiente ¢ Desenvolvi- mento Sustentavel (CMADS) e de Minas e Energia (CME), antes de ser encaminhada a votacao nos plendrios da Camara e do Senado. Tal lentidao, assim como de resto tem acontecido com varias outras propostas de tributa¢ao ambiental no Congresso, revela a falta de vontade politica, cujos motivos passam pelo conhecido e estruturado lobby das organizacées de combustiveis fésseis, a auséncia da conscién- cia da urgéncia climética pela sociedade e pelos agentes politicos, entre outros motivos. Nao se nega que qualquer reforma tributaria exige prudéncia, mas isso nao impede a constatacio de que a justiga ambiental ¢ a livre concorréncia devem ser perseguidas por intermédio da tributagio. E sabido que o constitucionalismo classico, sobretudo, latino- -americano estd imerso em uma crise. Como bem lembra Luis Rober- to Barroso (2006, p. 249), 0 malogro do constitucionalismo, no Brasil ¢ alhures, vem associado @ falta de efetividade da Constituigio, da sua incapacidade de moldar e submeter a realidade social. Ha que se ressal- tar, ainda, 0 esgotamento na pés-modernidade das solugées apresentadas pela teoria da representacao (a democracia representativa) e as limitagoes do sufragio periddico tradicional. 4 Digitalizado com CamScanner Tribulagay, tivre concorréncia ¢ sustentabilidade O Estado Democratico de Direito, por sua vez, é 0 modelo estatal que visa superar a si mesmo, conferindo progressivamente mais garantias de justiga, com vistas a conferir maior efetividade aos direitos fundamen- tais, bem como legitimidade democratica ao Direito. Ademais, diante da reconhecida normatividade dos principios constitucionais e do realce hodierno dos valores e objetivos constitucionais, a postura do Estado De- mocratico de Direito nao deve se cingir somente na abstencio, no sentido de nao intervir na esfera de liberdade dos cidadaos. Pelo contrario, a Constituicio de 1988 previu, j4 em sede pream- bular, a instituicdo de um Estado destinado a assegurar, de forma pros- pectiva, entre outras coisas, 0 exercicio dos diversos direitos fundamen- tais, o bem-estar, a igualdade e a justica como valores supremos de uma sociedade fraterna, além de acolher em seu bojo, uma série de valores fundamentais, que devem nortear a agao estatal em todas as suas esferas, razao pela qual deve ser dada maior prioridade e atengao a todos os pro- jetos de reforma tributdria verde em andamento. 11.3 Windfall profit taxes Nio é rara a discusso no direito comparado acerca da instituigao dos chamados windfall profit taxes,'" que buscam tributar de uma maneira especifica e mais contundente as chamadas rendas econdmicas decorren- tes dos lucros exorbitantes e inesperados, provenientes de uma mudanga abrupta nas circunstancias mercadologicas,"" na conjuntura geopolitica ou pelo uso de recursos naturais, como o petréleo ou o gis natural. Paul Collier (2019) considera que o futuro da tributacao esta em. ter melhores resultados para pegar essas rendas ¢ que, em termos de efi- ciéncia tributria, a descoberta das rendas econdmicas equivale A desco- berta do Santo Graal, ou seja, a arrecadagio de receita sem os conhecidos danos colaterais. Sustenta que as rendas econdmicas aumentaram e que a tributagao deveria passar 0 seu foco da renda salarial para tais rendas eco- némicas. Além das externalidades ambientais negativas nio devidamente 113 Em tradugio livre para a lingua vernécula:tributo sobre luctos inesperados. 114 Como aconteceu na pandemia da COVID-19 com as principais empresas do ramo de tecnologia. 115 Impostos sobre lucros excedentes se espalharam rapidamente entre outros paises desenvolvidos da Europa e América do Norte durante as duas guerras mundiais, tendo sido instituido no Brasil em 1946. (OLIVEIRA; MAGALHAES, 2020, p. 549) Digitalizado com CamScanner Luciano Costa Miguel internalizadas (free riders ambientais), aponta o autor que tal recrudes- cimento das rendas econémicas se devem a intimeros motivos, como os ganhos decorrentes da caca as rendas por meio do lobby, da aglomeracio em nossas cidades grandes e présperas ou de um monopdlio privado ou grande empresa naqueles setores em que ser a maior significa ser excep- cionalmente produtiva. Independemente da origem, o que se tem constatado de forma cada vez mais inexordvel é que as rendas econdmicas sao, portanto, 0 alvo ideal da tributagio no século XXI, porquanto revelam um sinal de riqueza bastante relevante, mas decorrente falha de mercado; e nao uma iniciativa empreendedora merecedora da renda obtida. Diego Bonfim (2011, p. 220) critica essa espécie tributaria alienf- gena sob os argumentos de que a existéncia de lucros extraordinérios nio gera, automaticamente, a concluso de que haverd disturbio concorren- cial e que tal tributacao viola o principio da isonomia, por meio do seu corolirio principio da generalidade, que ordena uma tributacao a todos os contribuintes, de todos os setores produtivos, que atinjam determina- do patamar de lucro. Joao Rolim e Daniela Martins (2004, p. 128) também seguem essa mesma linha no sentido de que o artigo 146-A da Constituicao nao pode embasar a institui¢ao de windfall profit taxes ao argumento de que esse dispositivo sé pode estabelecer critério especial de tributagao que tenha como objeto a preservacao da livre concorréncia, que nao é ameacada por eventual obtenco de lucros inesperados ou excessivos por algum agente econdmico, j4 que a simples existéncia desses lucros nao significa posi¢ao dominante ou poder de mercado, e muito menos abuso de poder. O presente trabalho, como se percebe, adota posi¢ao claramente diversa da exposta pelos autores acima citados, pois nenhum deles con- sidera que tal lucro pode ter sido decorrente exclusivamente dos direitos de uso de bens que, dada a sua relevancia, esto sob a gestao publica e que, portanto, devem nao somente receber uma correta valoracio como microbens ambientais, mas também computar os seus efeitos negativos (diretos ou indiretos) aos chamados macrobens ambientais (equilibrio climatico, qualidade do ar etc), sob pena de se perpetuar o atual estado de coisas inconstitucional caracterizado pela tragédia dos comuns. Nio ¢ outro o entendimento de Mauricio Mota (2008, p. 22), Para quem toda valoracio ambiental sem a consideragio ao macrobem. mostra-se falha, posto que pautada apenas em parametros exclusivamen- Digitalizado com CamScanner | Fribulacad, livre concorréncia e sustentabilidade te microecondmicos. Trata-se, como se vé, de um verdadeiro ponto cego de muitas politicas piiblicas ainda em vigor, que nao mais deve ser admi- tido ante os dados inequivocos de degrada¢ao do equilibrio ambiental em seu sentido mais abrangente. Veja-se, por conseguinte, que a grande problematica atual em re- lagio ao petrdleo, o gas natural e a0 carvao, nao reside na escassez desses microbens ambientais, considerando-se que, até hoje, ainda sao localiza- das novas jazidas e reservas, como demonstrado pela prépria descoberta do préprio pré-sal na costa brasileira. O ponto mais sensivel dos com- bustiveis fésseis esta justamente em sua incapacidade de gerar a energia necessaria para manter 0 atual nivel desenvolvimento socioeconémico, sem desequilibrar os macrobens ambientais, gerando dessa forma um efeito colateral de distor¢4o concorrencial decorrente da nao internaliza- ¢20 dessa externalidade ambiental negativa. Especificamente para as atividades minerdrias, incluido aqui o carvio mineral, Lyssandro Norton Siqueira (2022, p. 156), apés, pro- fundo estudo desse ramo de atividade econdmica, reconhece a presenca desse lamentavel fendmeno da privatizaco dos lucros e socializagao dos prejuizos, decorrente da auséncia de efetivacao de planos para a recupe- racdo de areas degradadas (PRAD), para a exigéncia de garantias, bem como de critérios seguros para se buscarem as compensacées e repara- g6es ambientais exigidas por lei. Nessa ordem de ideias, pode-se afirmar que no atual estagio de conhecimento cientifico e consciéncia ambiental, nao se deve mais ad- mitir que a industria do carvao, ou qualquer outra atividade baseada em combustiveis fosseis, gere lucros exorbitantes, quando nao mais se ques- tiona os efeitos nefastos que geram para os chamados macrobens am- bientais, sobretudo para as alteragées climiticas. Ainda mais se se considerar que sio atividades que devem ser desestimuladas pelo poder puiblico face ao uso de energias mais limpas, por razdes ambientais e concorrenciais, motivo pelo qual se considera mais que conveniente e dotada de juricidade, mas um verdadeiro dever do Estado, sob pena de responsabilidade por omissio, a instituigio de uma politica tributéria que venha a instituir no Brasil tributos estrutu- rados no formato dos windfall profit taxes, com fulcro no artigo 6°, IV ¢ artigo 11 da Lei n° 12.187/2009,"*que instituiu a Politica Nacional sobre 116 _Artigo 6* Sio instrumentos da Politica Nacional sobre Mudanga do Clima: (..) VI + as medidas fiscais e tributdrias destinadas a estimular a redugio das emissdes € ry pa Digitalizado com CamScanner Luciano Costa Miguel a Mudanga do Clima (PNMC), que reconhece que as medidas fiscais e tributdrias sio instrumentos necessérios para a reduc4o e a remocio de gases de efeito estufa, Como bem pontuam Christians Allison e Tarcisio Magalhies (2021, p. 11), a justificativa para tais impostos é que nao hé razio para que um ou mais agentes econémicos possam se beneficiar singularmente de circunstancias exdgenas ¢ extraordinérias, especialmente quando as mesmas circunstancias estéo causando danos e sacrificios a uma gran- de maioria da populacio, inclufdas as futuras gerac&es. Nessa ordem de ideias, concluem de forma favordvel a sua instituicio ao afirmarem que sio uma maneira até mais apropriada que os tributos pigouvianos inci- dentes sobre 0 consumo, pelo fato de se revelarem um instrumento ade- quado e vidvel de distribuir os lucros decorrentes da destruicio ambien- tal, sem criar ineficiéncias econémicas. Veja-se que a materialidade da regra matriz de incidéncia desse f tributo deve cingir-se & parcela dos lucros do negécio atribuivel a praticas insustentaveis, incidindo-se sobre os lucros inesperados, anormais ou ex- cessivos oriundos das falhas de mercado como guerras, pandemias e ex- ternalidades ambientais. Outros dividendos dos windfall profit taxes sio a possibilidade de retorno de tais lucros aos cofres puiblicos para mitigar ou compensar danos passados, bem como prevenir danos futuros, além de equilibrar a livre competicao entre agentes poluidores e os que adotam uma matriz sustentavel de producio de bens e servicos. | Salomao Calixto Filho (2021, p. 14.196) reconhece como ébvio que as leis antimonopélio de direito econémico nao sao o instrumento tinico nem mesmo suficiente para estabelecer a livre competicao nos mercados € que a grande questio nao é como melhora-las ou modificd-las, como se pensa sempre no Brasil. Na sua visio, as leis antitruste brasileiras foram e sao avangadas em seus dispositivos de direito material, sendo preciso ago- ra torné-Ias efetivas, seja diretamente por meio de medidas executivas de comando e controle"” ou por meio do apoio indireto dos instrumentos econdmicos, dentre os quais se destacam a tributagio ambiental. remogio de gases de efeitoestufa,incluindo alfquotas diferenciadas, isengdes, com pensagbes e incentivos, a serem estabelecidos em lei especifica; Artigo 11. Os prinefpios,objetivos, dietrizes e instrumentos das politicas piblicas e programas governamentais deverio compatibilizar-se com os principios, objetivos, diretrizes instrumentos desta Politica Nacional sobre Mudanga do Clima. 117 Um exemplo recente dessa busca de fortalecimento dos instrumentos de comando e controle €0 contetido da recente Lei n° 14.470/2022, que altera a Lei n° 12,529/20115 r yn ‘ Digitalizado com CamScanner ‘Tributacao, livre concorréncia e sustentabilidade Necessario, portanto, que qualquer politica de tributagaéo am- biental seja estruturada a fim de que, a um s6 tempo, atinja a finalidade constitucional de preservacao do ecossistema e de restabelecimento das condigdes de concorréncia no setor em que incide, equilibrando as opor- tunidades mercadolégicas a favor dos agentes econdmicos que adotam sistemas ¢ processos sustentaveis. determinando que as vitimas de infragdes & ordem econdmica, que lograrem éxito em sua persecucao privada de danos concorrenciais, serdo ressarcidas em dobro, positivando, assim, na estrutura do SBDC o chamado double damage, de forma a gerar um desincentivo ainda maior & pritica do ilicto. ok Digitalizado com CamScanner 12. Considerac6es Finais tema da tributacéo ambiental nao tem passado despercebido pelos O pesquisadores e tem sido recorrentemente tratado em trabalhos aca- démicos nacionais hé pelo menos duas décadas, conforme bibliografia pesquisada para elabora¢ao do presente trabalho. A sua implementa¢io fatica, todavia, por meio de politicas tributdrias verdes caminha lenta- mente, apesar de a reconhecida gravidade da crise ambiental demandar o auxilio de todos os instrumentos legais possiveis para debelé-la. O objetivo maior do presente trabalho foi demonstrar as razdes pelas quais a tributagio direcionada a favor do equilibrio do meio am- biente pode colaborar de forma indireta, mas decisiva, para a concretiza- cao de uma ordem econémica baseada na livre concorréncia, por meio de uma maior igualdade de condi¢ées de competir entre os agentes poluido- Tes € os empreendedores das atividades de baixo carbono. Em resposta ao problema proposto, verificou-se que os tributos com finalidades ambientais, ao concretizarem os principios da poluidor- -pagador, do protetor-recebedor e da prevengio, possuem o inequivoco potencial de corrigir e prevenir falhas de mercado, oriundas do uso e apropriacao insustentavel dos bens ambientais, motivado pelo fenémeno social conhecido como ‘tragédia dos comuns. Em hipétese confirmada no presente estudo, demonstrou-se que tal técnica de instrumentalizagao tributdrio-ambiental tem como fi- nalidade evitar a privatizacao dos lucros e a socializacio dos prejuizos, forcando o agente econémico poluidor a internalizar integralmente as externalidades provocadas pelo uso desmedido dos diversos bens am- bientais, fortalecendo, por conseguinte, o principio da livre concorréncia € mitigando as distorgées concorrenciais geradas pelo dumping ecolégi- co, entre outras condutas nocivas, O ineditismo da magnitude e da diversidade dos problemas am- bientais gerou o reconhecimento pelo legislador nacional da fundamen- talidade do direito ao equilibrio ambiental, bem como a sua consagragio como um dos direitos constitucionais, A grande questio que o presente trabalho busca responder ¢ como concretiz-lo na pritica por meio da Digitalizado com CamScanner Luciano Costa Miguel ruptura da antiga visdo utilitarista da natureza para o paradigma da esgo- tabilidade e essencialidade intrinseca dos bens ambientais, ao qual o ser humano até hd pouco nao estava acostumado. Com vistas a demonstrar a falha de mercado gerada pelo atual uso irracional e sem a devida contrapartida de recursos naturais, foram apresentados os diferentes regimes de apropriagao de bens ambientais previstos no direito ambiental brasileiro para, em seguida, descrever a distorgio gerada pelo uso e apropriago de microbens ambientais sem consideracio ao equilibrio dos macrobens ambientais, como o clima, a biodiversidade, o ar, os mares, entre outros. Foi justificada a necessidade ecossistémica da transformagio da atual matriz energética e produtiva baseada em combustiveis fésseis para atividades e tecnologias de baixo carbono, mudanga do sistema produti- vo comparivel & transigo do feudalismo para o capitalismo, por meio de um acordo global, que tem sido denominada de green new deal. Para que essa radical transicao logre éxito, todos os atores e disciplinas juridicas do Direito devem adotar novos critérios e dimensdes ambientais. O estimulo aos gastos estatais verdes, por meio do esverdeamento do direito finan- cero, os incentivos fiscais a favor das tecnologias verdes, assim como a promocao de novos empregos e padrées verdes sao medidas que devem ser implementadas pelo Estado e adotadas por entidades da sociedade civil e agentes econdmicos. Importante, ainda, que se vislumbre a ordem econémica sob © prisma da sustentabilidade e que no atual estagio de degradacio e limitag4o dos bens ambientais nao se deve mais admitir a dicotomia entre economia e ecologia, que a enxerga a realidade em tiras, e que desconsidera que a fungo socioambiental da propriedade, além de de- ver fundamental, foi consagrada como principio da ordem econémica, ao lado da defesa do meio ambiente, mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental. Relevante, outrossim, que se interprete e aplique a ordem econd- mica ¢ os seus principios em conjunto com 0 sistema tributario nacional. A neutralidade econdmica deve ser moldada diante do fato incontestivel de que nao ha neutralidade tributaria absoluta, nem mesmo nos tributos chamados fiscais, muito menos nos extrafiscais. A defesa da concorrén- cia, por sua vez, nao deve ser estruturada de forma descompassada com as politicas tributarias. Ndo se devem admitir privilégios fiscais odiosos aos poluidores em detrimento dos agentes sustentiveis, em clara viola- ead Digitalizado com CamScanner ‘Tributagio, livre concorréncia ¢ sustentabilidade do as normas ambientais, mas também As normas que promovem a livre competicao. A inadimpléncia contumaz e a sonegacio também devem ser combatidas por meio de regimes especiais tributarios que instituam obrigagdes acessérias diferenciadas, mas proporcionais, com o fim de combater a pratica de lograr vantagem competitiva por meio da pratica de ilicitos tributarios. O principio da neutralidade tributaria foi expressamente consa- grado no artigo 146-A da Constituigdo, em que se permitiu expressamen- te politicas tributdrias que levem em conta critérios especiais com o fim de prevenir distarbios de concorréncia e falhas de mercado, conferindo realce 4 fundamental relagao entre a tributacio e a livre concorréncia no Ambito do ordenamento juridico patrio. Em nivel supranacional, foi destacada a intima relacao entre a livre concorréncia, os paises membros da Unido Europeia e o Direito Ambiental Europeu. Restou verificado que a origem da preocupacio am- biental naquele bloco reside, entre outros fatores, na necessidade de se estruturar um livre mercado baseado em igualdade de condigdes e na ampla liberdade de competir, com vistas a se combater a pritica conheci- da como dumping ambiental e 0 uso de normas ambientais como justifi- cativa para politicas aduaneiras protetivas. Nao obstante essa reconhecida relevncia das questées ambien- tais para a formaco de um livre mercado europeu e a crescente busca de uniformizacao da politica ambiental pela Unido Europeia, o que se viu pelas reformas fiscais verdes implementadas por alguns dos seus Esta- dos membros é que nio ha nenhuma coordenagio central das politicas de tributagao ambiental, muito em razao das formalidades exigidas pelas normas do direito europeu relativas 4s competéncias para definicao de Politicas fiscais. Em vista da lentidao na efetivagio dos tributos com finalidades ecolégicas em nosso pais, foram apresentadas as questdes mais comple- xas, as limitagées e as criticas que sao feitas pela doutrina nacional. 0 que se verificou é que qualquer iniciativa legislativa que caminhe nesse sentido deve avangar por temas realmente complexos e com inegaveis restriges normativas, em que pese quase todas as espécies de impostos e algumas contribuigdes poderem perfeitamente incluir em sua regra-ma- triz de incidéncia elementos de dimensdes ambientais. Analisando-se os tributos em espécie, foi dada énfase aos que possuem politicas de esver- deamento jé implementadas ou com maior potencial ecoldgico. ped Digitalizado com CamScanner jano Costa Miguel A tributacao ambiental, além de promover 0 tinico modelo de desenvolvimento possivel (0 sustentavel) e rimar com os principios da fungao socioambiental da propriedade, da prevengao, do protetor-rece- bedor e do poluidor-pagador, deve ser manejada como forma de pro- mogio da uma ordem econémica nacional baseada na livre concorrén- cia entre os seus agentes. Iniciativas nesse sentido, mesmo as que ainda se encontram na fase pré-legislativa como o PLP n° 73-2007, devem ser apoiadas e estimuladas. Também merecem ser concretizadas as propostas realizadas nos moldes dos chamados windfall profit taxes, que buscam alcangar por meio da tributagio os lucros decorrentes de uma sobrevalorizacio inesperada dos recursos naturais baseados em combustiveis f6sseis, como o petrdleo, gas natural e o carvao. Constatou-se que todos os impostos e contribuigées analisados no presente trabalho também estao a merecer uma reforma tributdria que inclua de forma mais concreta e efetiva os critérios de sustentabili- dade em sua regra-matriz de incidéncia, seja para onerar de forma mais pesada as atividades poluidoras ou para desonerar os agentes que produ- zem um menor impacto ambiental, de forma a gerar simultaneamente melhores indices de equilibrio ecolégico e uma competigéo mais livre e justa no bojo de nossa ordem econémica. A dimensio dos desafios expostos pode assustar e gerar uma pa- ralisia de iniciativas. Muito mais facil é nega-los, como uma verdade in- conveniente, ou os enxergar e passar o problema adiante para as futuras geragdes, como um problema incémodo. O atual momento civilizatério exige mais do que conscientizacao ou educacao ambiental, mas também coragem e competéncias multidisciplinares. Assim como nao se podem combater os distiirbios da concorréncia somente com as normas de di- reito econdmico ¢ os érgios pertencentes ao SBDC, nao se pode buscar 0 equilibrio ecolégico somente por normas ambientais e drgios de prote- 40 dotados de instrumentos de comando e controle. E necessdrio que essa unido de esforcos a favor da livre concor- réncia e do equilibrio ambiental contenha um amplo pacote de iniciativas de efetivacao de instrumentos econdmicos, como a tributacao ambiental, considerando que os tributos verdes cumprem um importante papel na grandiosa missio de debelar a crise ambiental, pois est a exigir solucdes interdisciplinares, transversais e cooperativas. rd Digitalizado com CamScanner Tributagao, livre concorréncia ¢ sustentabilidade Partindo do pressuposto de que os tributos sempre alteram a rea- lidade sobre a qual incidem e que nao ha tributo neutro, todas as politicas tributdrias devem colocar em realce a dimensio ambiental e concorren- cial, sob pena de completa ineficdcia e esvaziamento das iniciativas, ins- trumentos, 6rgdos e normas que buscam uma ordem econémica mais sustentavel e fundada na livre concorréncia. Digitalizado com CamScanner

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