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S baastidores: no teatro, parte do cen: Fi ou do palco que nao se vé da pl teia, Metaforicamente, refere-se 30s enredos e tramas particulares, que nao vém a pablico. 4 Alunas do antigo ensino primério, hoje equivalente a0 Ensino Funda- mental |, assistem a aula no Institu- to Muniz Barreto, Rio de Janeiro, em cerca de 1904. Neste nivel de ensino e nesta época, a histéria religiosa era mais difundida na escola do que a historia das civilizagoes. EAA, 2.st007es a ston BASTIDQORES da HISTORIA ESTUDAR HISTORIA: VARIOS VIAJANTES, MULTIPLOS CAMINHO Esta segio tem por objetivo oferecer a vocé, aluuno, os bastidores dessa disciplina que comecaremos a estudar. Acreditamos que isso 0 aju- de a entender como a Histéria é construida e modificada ao longo do tempo. Pretendemos que vocé entenda também por que é importante estudé-la hoje. ‘Nao faz tanto tempo assim que se comegou a ensinar Histéria como disciplina auténoma na escola. No século XIX, o saber e o ensino de His- t6ria privilegiavam os fatos politicos e os feitos de “grandes homens” e voltavam-se principalmente para a sustentacao e legitimagao das nagdes que nasciam ou se consolidavam. Grande parte dos relatos histéricos baseava-se em documentos oficiais escritos, entendidos como a tinica e verdadeira verso dos acontecimentos. Del para cé muita coisa mudou na pesquisa e no ensino de Histé- ria, A partir das primeiras décadas do século XX, houve uma renovagao e ampliagdo das abordagens e teméticas de pesquisa, dos documentos considerados fontes histéricas e do préprio papel do historiador, per- mitindo novos olhares e novas vozes na leitura, na construgao do saber histérico e no ensino da Histéria. As pesquisas passaram a se interessar por toda atividade humana, levando & nogao de uma hist6ria total. Hé algumas décadas, estudar Hist6ria deixou de significar apenas a memo- rizagio de datas, “fatos importantes’ ou “personagens ilustres” e passou a compreender uma leitura do passado com base nos problemas e inda- gacdes que nos sao postos pelo presente. No estudo de Histéria, os temas e os elementos que nos importam (j4 que é uma ilusdo estudar “toda a histéria’) nos so dados pelas preo- cupagdgs e anseios de nossa época. Mas precisamos tomar cuidado para no reduzir outros lugares e outros tempos 4 nossa viséo de mundo. Isso vale tanto para os historiadores como para vocé que estuda Historia na escola: devemos tentar entender o passado considerando o ponto de vis- ta de quem viveu em determinada época, com seus valores e conceitos, no com 0s nossos. Os historiadores sao pessoas diferentes em termos de origem, for- magéo cultural, classe social e religiéo, por exemplo. Assim, também sao diversas as suas interpretagdes sobre a Histéria, embora muitas das preo- cupagées (por exemplo, os problemas ambientais) sejam comuns. Por {sso, no subtitulo fizemos uma analogia dos historiadores com os viajan- tes: eles si varios, bem como os caminhos que cada um pode seguir. A definigéo de passado é a de uma parte do tempo, anterior ao pre- sente, que inclui tudo o que jé aconteceu, e portanto sem possibilidade de modificagéo. Entretanto, nossas formas de olhar para 0 passado mudam conforme muda o presente, e é por isso que a Histéria é um co- nhecimento dinémico. Nao se encerra um assunto depois de um primeiro mapeamento. 0 que sabemos, por exemplo, sobre os antigos romanos continua sendo constantemente atualizado, opinides e afirmagées si modificadas de acordo com os recortes tematicos do historiador, novas descobertas, pesquisas e abordagens. Esse dinamismo caracteriza o trabalho do historiador, pesquisador dedicado a interpretar as experiéncias da humanidade com base em di- versos tipos de registro (documentos escritos, pinturas, fotografias, vesti- gios materiais etc.). FONTES HISTORICAS 0 que distingue o conhecimento histérico de outras formas de conhe- cimento sobre o pasado (como 0 discurso religioso ou o senso comum) © modo como esse conhecimento é produzido. O método histérico pode ser chamado de racional, no sentido de que nele predomina o melhor argumento, sustentado por evidéncias e pelo raciocinio légico. Essas evi- déncias que sustentam os argumentos hist6ricos sao as fontes, Fonte histérica ou documento histérico é tudo aquilo que de al- gum modo esta marcado pela presenca humana, Além dos documentos escritos, as fontes histéricas compreendem uma grande variedade de vestigios e evidéncias em objetos e materiais diversos. ‘Ao mesmo tempo que existe uma pluralidade de pontos de vista sobre o passado, miiltiplas sao as “vozes" que nos falam dele, Essas “vozes’, ou melhor, essas fontes de informagoes, esto nos dis- cursos orais e escritos, monumentos, obras literdrias, pinturas, obras de arte, objetos cotidianos e mesmo nos corpos preser- vados ou esqueletos de pessoas de agrupamentos antigos, bem como no DNA de seus descendentes. Portanto, para apreender as mtiltiplas “vozes” do passado, cabe ao historiador definir um enfoque, sem deixar de considerar a existéncia de outros. As fontes ndo falam por si e néo trazem a verdade pronta: é pre- ciso que o pesquisador interrogue o contexto em que foram produzidas, que grupo ou valores representam, de que maneira abordam e retratam 08 diferentes grupos sociais. Essas perguntas so geradas pelos interesses do historiador e pelas questdes de sua época, Por isso, diferentes pergun- tas revelardo diferentes respostas de um mesmo documento, ou levario a outros documentos. « Prato de cerémica etrusco datado do século ll a.C, Pecas como essas po- dem ajudar o historiador a conhecer mais sobre a cultura desse povo. Quando um documento de importancia * histérica se estraga, seja pela acdo do ou ainda pela a¢do humana, é neces- sério recuperé-lo. Para tanto, existem técnicas especificas e profissionais habilitados, como esse da imagem 20 lado, que higieniza um documento do Arquivo Histérico da cidade de Colénia, ra Alemanha (foto de abril de 2009). Novos registros surgem a todo momento. O que antes o historiador no via como documento (por exemplo, as relagées étnicas registradas no cédigo genético humano) passou a ser concebido e aproveitado como evidéncia hist6rica, levando-nos a reescrever e reinterpretar 0 passado. O olhar sobre a hist6ria se faz obrigatoriamente sobre uma “realida- de" que de fato existiu, sobre situagdes concretas das quais nao se pode escapar, embora ndo seja possivel reconstitu‘-las totalmente. Trabalha-se com partes e fragmentos, como um quebra-cabega cuja imagem completa rnio se conhece, mas que se pode supor com base nas partes jé montadas. ‘Ao historiador e ao estudante cabe néo apenas analisar essa “realidade’, que chega de forma fragmentada e interpretada por diferentes sujeitos no passado, mas também desvendar os pontos de vista ¢ os interesses que transparecem em uma ou outra versdo desses acontecimentos. 0 trabalho do historiador com as fontes historicas ara chegar ao historiador como evidéncia, a fonte precisa ser reco- Ihida, escolhida e analisada. ‘As fontes néo so uma janela que se abre e expée diretamente 0 pasado, pois entre o passado e o historiador ha uma série de “filtros": a prépria preservagao de uma fonte, por exemplo, é um desses filtros. ‘Aprimeira etapa do trabalho do historiador é realizar o levantamen- to dos documentos que pretende analisar. Mas algumas vezes nio é pos- sivel obter determinados documentos: muitos se perderam ou se danifi- caram em desastres e fendmenos naturais, como incéndios, enchentes, umidade e temperatura inadequadas, ataques biol6gicos (insetos e fun- gos, por exemplo); outros em fenémenos causados pelos seres humanos, intencionalmente ou nao, como rasuras, danos provocados pelo uso de materiais como grampos ou clipes, destruigéio de documentos conside- rados irrelevantes. | ‘Além disso, essa selegdo ¢ feita de acordo com o tema, 0 interesse ¢ outras varidveis adotadas pelo pesquisador. Assim, historiadores dife- rentes utilizaréo fontes diferentes, e isso implicard reflexdes e resultados também diversos. 0 modo como um historiador aproveita as informa- ges dos documentos também nao é sempre 0 mesmo e isso constitui mais um filtro entre ele e 0 pasado. AVALIANDO FONTES HISTORICAS ‘to analsar uma fonte, 0 pesquisador —autntco ou ndo, a qual série de documentos ‘comeca por se perguntar por que e como ele pode ser relacionado. Ele avalia ainda as ‘aquela fonte chegou até ele, por quem e por _informagées eideias que constam do docu- ‘que foi produzida Ele precisa defini a verda- mento, comparando-as com o que jd se sabe deira data do documento, sua autoia, se ele & sobre o periado e com outros documentos. Varidveis como essas nos ajudam a compreender que os documen- tos ndo nos permitem “ver", mas sim “ler” o pasado. O historiador faz uma leitura do passado, e leitura significa a produgao de uma interpre- taco especifica. ‘Um exemplo interessante é a famosa Carta de Pero Vaz de Caminha a0 rei de Portugal, D. Manuel, No final do século XIX, ela foi considerada uma espécie de ‘certiddo de nascimento" do Brasil (considerando-se sob essa visdo que o Brasil surge com a chegada dos portugueses). 0 documen- to - que descreve a terra, os habitantes, a fauna e flora ~ esteve esquecido por trés séculos num arquivo portugués, até ser recuperado e publicado por historiadores brasileiros, Esses historiadores estavam interessados em construir uma narrativa que valorizasse o nascimento da nagao brasileira. Nessa interpretagio, destacavam a exuberincia da natureza e os aspectos exdticos dos povos que aqui estavam. Apenas no século XX esse documen- to foi submetido a outra anélise, mais critica, Os historiadores passaram a ver na carta de Caminha uma importante fonte sobre a mentalidade dos navegantes europeus ~ que julgavam o que viam com a superioridade do conquistador - e sobre a maneira como descreviam as populagées indige- nas que encontraram; entre outros aspectos. ‘Aé documentos consderads falsos (autora. falsa ou qu ndo so do perodo que sealega) ‘podem trazer informagGes importantes, por- ‘que testemunham um interesse em jogo no processo histérico que levou a falsificaco. ray Capa do filme 0 descobrimento do Brasil, do cineasta Humberto Mauro, de 1937. Considerade o pai do Cine- ma Novo [movimento voltado espe- cialmente para a realidade social e econémica brasileiral, 0 cineasta Humberto Mauro realizou uma super- producao baseada na carta de Pero Vaz de Caminha e em outras fontes histéricas, como 0 quadro A primeira rissa no Brasil (reproduzido ao lado), pintado em 1860 por Victor Meireles, Ele foi responsavel pela fotografia de diversos filmes oficiais do governo Getulio Vargas e realizou uma obra de valorizagio da nacao brasileira. O Préprio filme é, assim, um documento revelando uma interpretacao da his- toria do pais. Fotomontagem unindo as faces do suposto terrorista Hussain Osman e do brasileiro Jean Charles Menezes, orto em operacao policial no dia 22 de julho de 2005 no metré de Londres, duas semanas apés a ocorréncia de atentados terroristas de homens- bomba no sistema de transporte lon- drino. A policia briténica apresentou a fotomontagem justificando a marte do brasileiro como resultado de uma sé- rie de eventos imprevisiveis e tragicos, como a sua suposta semelhanca com Hussain Osman. A familia alega que a foto utlizada do suposto terrorista no era a mesma a que os policiais tinham acesso no dia da operagao policial Eles dizem que Jean Charles estava diferente da imagem utilizada e que ‘a fotomontagem constréi uma seme- Uhanga inexistente. 0 caso foi conclu- ido com um acordo extrajudicial, mas levantou-se divida sobre a inter- feréncia das autoridades policiais na producao das fotos. Evidentemente, nenhum historiador faz a leitura que bem entender sobre os documentos. Os conhecimentos sio discutidos por outros estu- diosos. Se algum historiador for arbitrério ou mesmo desonesto no uso das fontes, seu trabalho seré desvalorizado e desacreditado entre os colegas. importante ¢ ter claro que a histéria ndo é uma narrativa tini- ca e definitiva de tudo 0 que aconteceu. Ela é construfda com base em vestigios, fontes e documentos, e grande parte dessas informagdes tem autores e intengdes. AS MULTIPLAS FORMAS DE EXERCITAR 0 PODER E preciso considerar que, ao longo da histéria, muitas vezes deter- minados grupos sociais se apoderaram dos destinos de uma coletividade. Passaram a escrever a histéria por meio da construgao de um discurso quase uniforme da realidade social, encobrindo diversidades, conflitos, desigualdades e contradicées. Mas também existiram ~ e existem - ou- tros tipos de discurso: as memérias de idosos e relatos de suas vivéncias e modos de vida; os discursos criminais sob a dtica dos réus e das tes- temunhas; os registros materiais de intervenc&o no espago geogréfico; enfim, existem muitas vozes e muitos suportes por meio dos quais elas se manifestam e podem ser estudadas. De modo geral, podemos dizer que a escrita da histéria ¢ 0 resultado de uma série de disputas entre grupos sociais e suas formas de compre- ender e de explicar o mundo, Quando um grupo chega ao poder e coloca seu projeto em pritica, uma de suas primeiras atitudes é procurar justi- ficar sua forca e as estratégias de sua atuagdo, no campo das ideias. Para isso, recorre ao passado e encontra uma forma que Ihe parega adequada de contar e explicar os eventos ocorridos. Estar no poder implica ter acesso & maior parte dos recursos huma- nos e técnicos com que a sociedade conta (intelectuais; funcionério: estrutura policial, educacional, religiosa e de comunicagao) e a possibil dade de influenciar - incentivando, desestimulando e até proibindo - 0 que as pessoas falam, lem e escrevem. Isso nfo quer dizer que os outros grupos, que nao esto no poder, nao possam contar o passado do seu ponto de vista. Ainda que nao re- gistrados pelo discurso oficial, esses grupos podem se manifestar, atu- ar politicamente, registrar e escrever sua propria historia, mesmo que por caminhos alternativos. Ocorre que em contextos governamentais néo democraticos esses registros nao ofi- ciais so encobertos, adulterados, invalidados e até destrufdos. Se nio houver meios de se perpetuar (pela criagdo e preservagao dos documen- tos escritos, orais ou visuais), as me- mérias e os registros de certos grupos podem ser silenciados, provocando uma lacuna nas formas de represen- a taro pasado. Os casos retratados nas imagens (a fotomontagem e a destruigao de arquivos do perfodo da ditadura militar no Brasil) so exemplos do que pode acontecer na produgao ¢ interpretagao das fontes histéricas: o pri- meiro mostra a produgao de uma prova policial (um documento oficial) com a intengdo de justificar ou abrandar a falha da policia londrina e que, em determinado periodo, pode ser utilizada como a “verdade" dos fatos. No segundo caso, se nao existir e6pia dos documentos queimados ou se no tiverem sido estudados anteriormente, 0 seu conteiido nao estard disponivel como fonte histérica. E preciso considerar também que os grupos que exercem o poder governamental nao sio sempre os mesmos. Quando falamos em elites econémicas ou grupos dominantes devemos ter em mente que ao longo da hist6ria os grupos com maior poder ou forga politica compunham-se de setores com interesses, ideais e origens diversificadas (e em muitos momentos divergentes) e que, em momentos especificos da histéria, es- ses grupos se alternaram no poder. ‘Além disso, se é certo que geralmente as elites dominam quase todos 0s setores da vida social, também é verdade que a histéria estd repleta de momentos em que os grupos que nao esto no poder mudam essa ordem, estabelecendo estratégias de resistncia e negociacao e provocando altera- ‘ges no sistema de dominagio politica e/ou de exploracao econdmica. No continente americano, no momento em que se defrontavam europeus € nativos, estava em jogo um embate entre pelo menos trés interesses divergentes: 0 das populagdes indigenas; o dos jesuitas e, por fim, o das Coroas lusitana e espanhola representadas pelas autoridades metropolitanas e pelos colonos. As diversificadas populacées indigenas (estima-se que por ocasiao da chegada do europeu no atual territério bra- sileiro existiam mais de mil povos e entre 2 e 6 milhdes de habitantes) de- sejavam basicamente garantir sua sobrevivéncia, manter a posse de suas terras, suas organizagdes sociais, seus mitos, ritos e outras caracterfsticas culturais anteriores & chegada dos conquistadores europeus, ainda que tenham estabelecido intensas trocas culturais e materiais. Os conquistadores europeus, por sua vez, promoveram a ocupagao ea exploracao do territério americano, contando com os indigenas como trabalhadores forcados (por escravizagdo e outras formas compulsérias de trabalho) ou considerando-os obstdculos a serem removidos (por ex- pulsdo ou exterminio). Por fim, os jesuitas utilizavam o trabalho indigena nos aldeamentos, combatendo a violéncia fisica dos colonos sobre as po- pulagdes indigenas e tratando-as como povos a serem civilizados, tutela- dos (ou seja, cuidados, protegidos), pacificados e cristianizados. Nessa luta de interesses e forcas, os colonizadores impuseram sua dominagao e contaram ahistéria do seu ponto de vista. Até pouco tempo, em decorréncia dessa visio, era comum que os nativos fossem descritos como preguicosos, inferiores, selvagens e traigoeiros. Praticamente sem registros escritos, o que possuimos a respeito dessas populacdes se res- tringe aos relatos dos cronistas europeus (e sua visdo estereotipada e pre- concebida do universo cultural ind{gena) e aos vestigios arqueol6gicos. Apenas hé algumas décadas as interpretagies sobre os nativos co- megaram a ser repensadas em razo da releitura e da valorizagao de outras fontes histéricas e da preocupacdo de entidades governamentais, e ndo governamentais com os problemas ind{genas, como a questo 4 Restos de documentos. incinera- dos, lecalizados na Base Aérea de Salvador, Bahia, em dezembro de 2006, De acordo com os peritos que analisaram o material, os documen- tos secretos e confidenciais foram produzidos entre 1964 e 1985 pelos servicos de inteligéncia da Aeronu- tica, da Marinha e do Exército, bem como pelo Departamento de Ordem Politica e Social (Dops}, policia po- Uitica do regime militar, € pelo Ser- Vigo Nacional de Informagdes (SN Acredita-se que 05 arquivos nao es- tavam sediados na Base Aérea, mas foram levados até ld apés a queima Por fata de provas testemunhais e de indicio dos responsveis pela queima dos arquivos, 0 processo de investi- aco foi arquivado em fins de 2006. Em 2009, 0 governo federal anunciou a abertura para consulta na internet dos arquivos sobre as lutas politicas no Brasil durante a ditadura militar. 0 projeto chama-se "Memérias Revela- das - Centro de Referéncia das Lutas Politicas, 1964-1985", ? aculturacio: refere-se a0 processo de absorgao de uma cultura pela ou- tra, resultando em uma nova cultura | que conserva aspectos da inicial e da absorvida. Pode acontecer quando um | grupo impée seus tracos culturais aos | grupos dominados ou como conse- | quéncia dos contatose interacdes en- | | tre diferentes culturas. Os colonizado- res europeus, por exemplo, também | adotaram préticas das’ populagbes rnativas do continente americano. | ja: do. grego anthropos, { logos, “razéo", “pensa- | mento". Ciéncia que estuds a huma- | hidade de maneira abrangente desde | ‘0s aspectos fisicas [ou biolégicos] aos | \ aspectos culturais, que incluem cren- (G25, costumes, rtuais, linguagem, re- lagdes de parentesco etc. agréria e a preservagao cultural. f visivel na documentagao produzida pelos colonos, por exemplo, a incorporacao de préticas indigenas agri- colas ¢ alimentares em seu modo de vida, demonstrando que, embora a cultura europeia tenha predominado, 0 processo de conquista nao foi apenas impositivo e destruidor, mas houve um intenso contato cultural. ‘Assim, a hist6ria das populagdes nativas e do processo de dominacao, aculturagdo, resisténcia e permanéncia cultural est aos poucos sendo recuperada e reelaborada, Hoje as informagées estdo por toda parte, vindas simultanea- mente das mais diversas fontes e representando muitas “vozes". Isso significa miltiplas possibilidades de apreender o presente. Ao mesmo tempo, contudo, devido ao caréter fragmentério dessas informagées, torna-se dificil a elaboragao de um quadro geral, articulado, da reali- dade em que vivemos. Ahistéria pode nos servir de referencial para esse processo de com- preensdo do mundo, para o exercicio da cidadania e para a busca de uma vida pessoal mais satisfatéria, permitindo compreender melhor o mundo ‘em que vamos atuar e realizar nossos projetos, a partir da reflexdo sobre nossas identidades pessoais. Em sintese, o historiador e o estudante, ao pesquisarem 0 passa- do ~ motivados por preocupagées do presente -, néo podem deixar de considerar que tudo o que lhes chega é apenas uma das versées possiveis de um tempo e de um lugar. E eles préprios, em suas reflexdes e andlises, também produzirdo apenas uma das versdes possiveis, nesse trabalho di- namico de interpretar a histéria, Vale observar que a relagao presente-passado exige cuidados: como j4 dissemos no inicio desta segdo, é preciso fazer sempre as necessérias distingdes entre os tempos. Por exemplo, cometemos equivoco histérico, denominado anacronismo, se julgamos determinados eventos do pas- sado, de outras culturas, com outras regras morais, com base na cultura nos valores de nossa sociedade. Em outras palavras, entre o atual e 0 antigo sempre se impéem atengao, cuidado, reflexdes, relativizagoes e discuss6es, mas nunca censura ou juizos de valor. A ideia de relativismo cultural nos foi legada pela Antropologia. 0 antropélogo norte-americano Franz Boas (1858-1942) dizia: ‘A humani- dade é uma. As civilizagdes, muitas’. A moralidade, as préticas e as cren- as funcionam de formas diferentes em culturas diferentes, por isso nao é possivel julgar uma cultura de acordo com os pontos de vista de outra, O conceito de relatividade cultural afirma que os padrées do certo e do errado [valores] e dos usos e das atividades {costumes} so relativos 8 cultura da qual fazem parte. Na sua forma extrema, esse conceito afirma que cada costume é valido em termos de seu préprio ambiente cultural. HOEBEL, Edward Adamson; FROST, Everett, Antropologia cultural social Rio de Janeiro: Cuttrix, 1996. p. 22. Antes dessa contribuigdo da Antropologia, predominava na cultura ocidental a ideia de que as sociedades evoluiam das mais simples para as. mais complexas, e assim existiriam grupos ‘atrasados" ou “adiantados". Contudo, sociedades que se organizavam de formas diferentes das que hoje predominam, por exemplo, néo podem ser consideradas “atrasadas" ou inferiores por nao dominarem tecnologias bastante difundidas. Chegou-se & conclusao de que nenhuma cultura pode medir a qua- lidade das outras com base em sua prépria cultura, pois cada uma tem um sistema de valores proprio que nao pode ser imposto as outras. O tex- to abaixo aborda o impacto e a importncia dos estudos do antropélogo Bronislaw Malinowski: Com Malinowski, a antropologia se torna uma “ciéncia" da alteridade que vira as costas ao empreendimento evolucionista de reconstituicao das origens da civilizacao, e se dedica ao estudo de légicas particulares das caracteristicas de cada cultura. 0 que o leitor aprende ao ler OS argonau= tas é que os costumes dos trobriandeses, tdo profundamente diferentes dos nossos, tém uma significagao e uma coeréncia. Nao sao puerilidades que testernunham de alguns vestigios de humanidade, e sim de sistemas \sgicos perfeitamente elaborados. Hoje, todos os etnélogos esto conven- cidos de que as sociedades diferentes da nossa sao sociedades humanas tanto quanto a nossa, que os homens que nelas vivem so adultos que se comportam diferentemente de nés, e nao “primitives”, autématos atra- sados [...] que pararam numa época distante e vivem presos a tradicdes estiipidas. Mas nos anos 20 isso era propriamente revolucionério. LAPLANTINE, Francois. Aprender antropotogia. ‘S30 Paulo: Brasiliense, 1988. p. 81 LEITURAS DO TEMPO A Histéria é o estudo das agdes humanas ao longo do tempo e em um determinado espaco geogréfico. As diferentes formas de organizagio, constituigao e ocupagao do espago fazem parte do campo de estudo da Geografia, uma das ciéncias com a qual os estudos historiograficos dialo- gam. Mas como definir o tempo? Santo Agostinho, um dos grandes filésofos do cristianismo, dizia que, se ndo lhe perguntassem, sabia 0 que era 0 tempo; mas, se tivesse de defini-lo, ndo saberia. Existem muitas temporalidades possiveis e diferen- tes formas de explicar e sentir a passagem do tempo. Todos nés convivemos com fenémenos temporais: dia, noite, es- tagdes do ano, crescimento, envelhecimento. Varias civilizagées estabe- leceram uma divisio do tempo adotando como base a observagao dos ciclos da natureza: 0 movimento da Terra, do Sol e da Lua. Além da Lua ¢ do Sol, o calendério maia, por exemplo, baseava-se na observacéo do planeta Vénus, Muitos calendérios surgiram da observagdo dos astros por sua influéncia sobre as plantagées e a necessidade de definir os tempos de plantio, poda e colheita. Uma volta do planeta Terra em torno de seu eixo (rotagao) foi inter- pretada por varias culturas como um dia, qué foi dividido em 24 partes iguais, chamadas de horas, por sua vez também subdivididas, e assim por diante. Decidiu-se que o dia no comeca ao nascer do sol, mas aproxima- damente seis horas depois que ele desaparece no horizonte. Outras civii- zacdes poderiam fazer divis6es diferentes: afirmar que o dia comega logo que 0 Sol aparece. Durante o século VIII a.C., na Babilonia, por exemplo, 0s astronomos definiam o infcio do dia quando o Sol estava a pino, em seu ponto mais alto no céu. ¢ alteridade: condigao do que € outro, do que é distinto. Colocar-se na cor | digdo do outro, perceber o outro, | 0s argonautas: a obra Os argonautas do Pactico Ocidental, de Malinowski, foi pubicada em 1922, como resultado dos estudos.desenvolvides. durante trés expedigBes aos Arquipélagos da Melanesia da Nova Guiné, principal- | mente nas ithas Trobriand. Os tro- | briandeses sio os natives, descrits come povos pescadores, comercian- tes enavegadores. etndlogos:estudiosos de povs e suas cultures Exemplar de um calendario contempo- neo, numa edicao norte-americana para o ano de 1905. a A semana de sete dias pode ter surgido de acordo com as fases da lua. Um relégia de sol, como este do século VI aC. encontrado em territrio da atual Siria, tem seu funcionamento baseado nna projegao da sombra de uma haste sobre a base em que esta apoia- da, Por isso, esse tipo de rel6gio ndo marca as horas da mesma forma que um relégio eletré nico. Afinal, @ seu fun- cionamento depende da posicio geogratica da localidade em que ele estiver instalado, das variacdes de velocidade da transla¢ao da Terra, da érbita do. planeta, dentre outros fatores. « Familia paulista em foto de 1910. Essas diferentes formas de dividir 0 tempo correspondem ao tempo fisico ou cronolégico. Cada civilizagdo tem uma leitura particular do tempo, que pode ser a melhor, a mais adequada ou a mais confortavel para os membros de seu grupo. Embora muitos tenham aceitado e incor- porado as divisdes do tempo como se fossem naturais, podemos perceber que suas bases so arbitrérias, artificialmente definidas, sendo passivel de criticas ou de modific aan tempo cronolégico, embora fundamental para a compreensio da histéria, nao é seu objeto de estudo, mas sim o tempo histérico, ou seja, os periodos da existéncia humana em que ocorrem eventos que fazem parte de estruturas e contextos mais amplos, como a economia, as ideias, a politica TEMPO? Dias, horas, semanas, meses sdo divisées do tempo integradas &nossa TEMPO FISICO vida. Quando se estuda TEMPO HISTORICO histéria, as divisdes do Os fendmenos da As formas de tempoassumem outra _natureza de faci marcar o passado dimensao, mais ampla, __9bservacdo, como dia S80 convengdes que nos ajuda a entender 2 noite, as fases da criadas pelos seres trechos do pasado, lua, o aparecimento do humanos, Elas podem Sol ete. deram origem as convengées de tempo que conhecemos hoje e foram criadas por diferentes culturas. se constituir de datas significativas para determinadas culturas ou indi periodos em que se destaca um conjunto de acontecimentos e situacdes relacionados, BASTIDORES DA HISTORIA E légico que esses perfodos sé existem mentalmente, pois a vida das pessoas ndo muda bruscamente na passagem de um perfodo para outro. Datas, periodos, eras e outras formas de demarcar o tempo histérico sio convengées e orientam a leitura do passado, mas nao representam mu- dancas definitivas e rupturas em todos os aspectos da sociedade. Apés uma revolucdo, por exemplo, algumas condigdes de vida ou o sistema de governo podem ser modificados de forma brusca, mas 0 modo de pen- sar, as praticas e atitudes diante dos acontecimentos mudam mais lenta- mente, em ritmos diversos. Entretanto, estudando os perfodos histéricos podemos compreender a histéria de uma forma mais ampla. realizar di- visdes de acordo com alguns critérios, como organizagao social, relagdes de trabalho e sistemas de governo, O tempo histérico, portanto, nao é regular, continuo e linear como © tempo fisico ou cronolégico, mas composto de diferentes duragées, ja que esta vinculado as agdes dos grupos humanos e aos conjuntos de fendmenos - mentais, econémicos, sociais e politicos - que resultam dessas aces. Podem existir tantas divisdes quantos forem os recortes ou pontos de vista: cultural, politico, ideolégico etc. Por exemplo, para alguns historiadores, o século XIX comega néo em 1801, mas em 1789 (inicio da Revolucao Francesa), e termina nao em 1900, mas em 1914 (ini- cio da Primeira Guerra Mundial), J4 0 século XX teria se iniciado em 1914 e encerrado em 1991, com o fim da Unido Soviética. Isso porque essas datas ~ infcio da Revolugo Francesa e inicio da Primeira Guerra Mundial ~ delimitam um perfodo em que os eventos seguem algumas linhas mes- tras, Evidentemente nao se trata de séculos no sentido de tempo crono- légico, mas de tempo histérico. Com base nessa ideia - de que o tempo das agdes humanas nao segue exatamente 0s reldgios e os calendérios -, outros historiadores argumentam que o tempo histérico pode ser de longa, média ou de curta duragdo. Nas relages do homem com 0 meio natural que o cerca e nas modificagées climéticas e geogréficas, por exemplo, essas mudan- as se dariam de forma bastante lenta. Nas formas de organizar a pro- dugdo, a distribuigdo e 0 consumo dos bens materiais (economia) e nas relagées politicas, as mudangas seriam em uma conjuntura de tempo médio, marcada por rupturas e permanéncias; por fim, o tempo curto é © tempo do evento, do fato, aquele que tradicionalmente era valorizado na histéria que se escrevia no século XIX, como vimos inicialmente. Mette Moa Rana is Bg Tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos (1453). Detathe de afresco do Monastério Moldovita, Queda do Muro de Berlim, em foto de 10 de novembro de na Moldavia, Roménia, feito em 1537, 1989. ACONTAGEM DOS SECULOS (HAMA ARCA ER Tea cee R RRR ERNE, Medir 0 tempo histérico e dividi-lo em perfodos (ou seja, periodi- zé-lo) é igualmente um ato arbitrério, pois a escolha do ponto inicial da contagem e dos eventos mais importantes é feita por algumas pessoas, segundo sua compreensao do mundo e da existéncia humana, e seguida or outros, sem que necessariamente exista uma concordancia de to- dos. As periodizagées so também expressdes da cultura e evidenciam 0 principais valores de uma sociedade ou civilizagao. Vejamos um exemplo. Ha pouco mais de uma década chegamos ao ano 2000, mas os judeus jé passaram dessa data h4 muito tempo (seu calendario esta sempre 3 761 anos a frente do cristdo). Jé os que seguem 0 islamismo ainda nao chegaram ao ano 2000 (a contagem de seu calendério se inicia no ano 622 do calendério cristo). Afirmar que “chegamos ao ano 2000” significa que, para nés, os tempos comecam a ser contados a partir de um evento ocorrido ha 2 mil anos, aproxi- madamente - no caso, o nascimento de Jesus de Nazaré, chamado de Cristo. O SURGIMENTO DO CALENDARIO CRISTAO Logo no comeco do cristianismo ainda nao se contava 0 tempo a partir do nas- ‘imento de Cristo. Isso s6 viria a ocorrer algumas décadas depois do fim do Império ‘Romano do Ocidente, em 525 dC, quando Dionisio, o Exiguo (na época, abade de Roma), bbaseado na informacéo sobre a idade de Roma e em detalhes hstéricos do periodo do rnascimento de Cristo, estabeleceu o ano em que Jesus teria nascido, Com esses dado, Dionisio defini 0 ano 1 do calendério cristo como o ano 754 da fundacdo de Roma, Em 1582, 0 papa Gregério Xl reformou 0 calendério, motivo pelo qual o calendério cristéo cocidental é chamado de gregoriano, Concluindo: embora muitos no Ocidente nao sejam cristaos, nos- sa periodizagao se baseia na ideia de que o surgimento histérico de Cristo é tao importante para a humanidade que o tempo deve ser di- vidido em dois perfodos: antes de Cristo (a.C,) e depois de Cristo (4.C.) (ver esquema a seguir). Também por isso as sociedades cuja religido majoritaria segue essa crenga (como as das Américas pés-ocupagéo europeia e as da Europa) so chamadas, em conjunto, de civilizagées cristas ocidentais. nascimento de Jesus Cristo século século século século século século século século século século sod steulo XMlac, XKac, + W, (i BEE 2 eo ia) BMRCe Wacictss | ¢ aire elieety! 21006. 2000. sac. 30026. mac. 1000c. 1 = 1 tm 901 2001 20126. 1901ac. “ BOraC, Ia. Iec. 1ac. 100 20am) 2000 200 4 Como a histéria lida com tongos periodos de tempo, costuma-se usar a unidade de tempo chamada século, equivalente a cem anos. 0 mecanismo de contagem dos séculos é similar ao dos anos. Por exemplo: 0 século XX vai de 1901 a 200 século XV, de 1401 a 1500; 0 século XXI, de 2001 a 2100; e 0 século IX a.C, de 801 a 900, BASTIDORES DA HISTORIA CONTAGEM DOS SECULOS (ia i@ HA ARAMA AH aD cs Naa e wHAMK BED Medir 0 tempo histérico e dividi-lo em perfodos (ou seja, periodi- zéclo) éigualmente um ato arbitrario, pois a escolha do ponto inicial da contagem e dos eventos mais importantes é feita por algumas pessoas, segundo sua compreensao do mundo e da existéncia humana, e seguida por outros, sem que necessariamente exista uma concordancia de to- dos. As periodizagées sao também expressdes da cultura e evidenciam 0s principais valores de uma sociedade ou civilizagao. ‘Vejamos um exemplo. Hé pouco mais de uma década chegamos ao ano 2000, mas os judeus j4 passaram dessa data hé muito tempo (seu calendario esté sempre 3 761 anos a frente do cristao). Jé os que seguem 0 islamismo ainda nao chegaram ao ano 2000 (a contagem de seu calendario se inicia no ano 622 do calendério cristo). Afirmar que “chegamos ao ano 2000” significa que, para nés, os tempos comegam a ser contados a partir de um evento ocorrido ha 2 mil anos, aproxi- madamente - no caso, o nascimento de Jesus de Nazaré, chamado de Cristo. O SURGIMENTO DO CALENDARIO CRISTAO Logo no comeco do cristianismo ainda ndo se contava o tempo a partir do nas- cimento de Crist, Isso s6 viria a ocorer algumas décadas depois do fim do Império Romano do Ocidente, em 525 4, quando Dionisio, o Exguo (na época, abade de Roma), baseado na informacao sobre a idade de Roma e em detahes histéricos do periodo do nascimento de Cristo, estabeleceuo ano em que Jesus teria nascido. Com esses dados, Dionisio definiu 0 ano 1 do calendario cristo como 0 ano 754 da fundacao de Roma. Em 1582, o papa Gregério Xi reformou o calendéro, motivo pelo qual ocalendéro cristo ocidental ¢ chamado de gregoriano. Concluindo: embora muitos no Ocidente nao sejam cristdos, nos- sa periodizagao se baseia na ideia de que o surgimento histérico de Cristo € tdo importante para a humanidade que o tempo deve ser di- vidido em dois perfodos: antes de Cristo (a.C.) e depois de Cristo (d.C.) (ver esquema a seguir). Também por isso as sociedades cuja religiéo majoritria segue essa crenga (como as das Américas pés-ocupagio europeia e as da Europa) so chamadas, em conjunto, de civilizagées cristas ocidentais. nascimento de Jesus Cristo século século século século sécylo séeulo séeuloséculo século século século. séeulo wat. ac. + ac. Mac. Nac. tac. 1 w a v x XXL i ii ea, 210086. 200086. 40a, 20086, 2096. 10a. 1 1m maT 901200 motac. ites, “alae. mec. wre tac 0 aio mmo 20 2100 4 Como a histéria lida com longos periodos de tempo, costuma-se usar a unidade de tempo chamada século, equivalente a cem ‘anos. 0 mecanismo de contagem dos séculos é similar ao dos anos. Por exemplo: 0 século XX vai de 1901 a 2000; o século XV, de 1401 a 1500; 0 século XXI, de 2001 a 2100; e 0 século IX a.C, de 801 a 900, PTB, erstioores a storia Os calendarios A histéria registra a criagdo de diferentes tipos de calendarios: sola- res (como 0 calendério cristao); lunares (como o islamico ou mugulma- no); lunissolares, em que os anos seguem 0 movimento da Terra em volta do Sol e os meses acompanham o movimento da Lua em torno da Terra, (como o calendério hebreu). Entre os gregos, romanos e maias temos o predominio da ideia de um tempo ciclico (em fungio dos ritmos naturais e da cosmolo- gia, como vimos). Os povos antigos acreditavam que o tempo era circular e que os fenémenos se repetiam. Assim, ndo haveria um > zoroastra: segudor do zorastrisme, re gido monoteista fundada na antiga Pérsia momento inicial de eriagdo do Universo, ideia difunndida pela tra- tg profes Zartutr ou Zorossto. As digao judaico-crista. crengas em um juizo final, na ressurreig& A concepgéo de um tempo linear, néo ciclico, marcado por Po, "elorne. oe um, messian, etre outras | acontecimentos tinicos, era caracteristica dos hebreus e persas Z0f0- | ces religiosas judsicas, cristas e islémi- | astras, tendo sido adotada pelos cristdos. O nascimento de Cristoeo _°25-Admitea existncia de duas divindades | A ee eet a Fad por meio da dualidade entre o Ber (Aura- fim do mundo (apocalipse) séo exemplos de demarcagées do tempo Masa) eo Mal (Arima, vencida pelo Bem. que no poderiam se repetir. Esse termo é muitas vezes usado eroneamente como sindnimo de drabe; vale a pena esclarecer essa diferenca. A palavra drabe designa um povo semita que ocupa, principal: mente, a Peninsula Arébica; 4 mugulmano é aquele, seja ma arabe ou nao, que segue a re- ligido muculmana ou ist&mica, fundada pelo profeta érabe Muhammad Maomé)nosécu- Paquistao lo VIL 0 Alcor (ou Coréo), l= ro sagrado dos muculmanas, & escrito em drabe e € nesta €: lingua que as preces devem ser recitadas. 0 islamismo, ‘num processo de expanséo iniciado pelos arabes, acabou 4 A Pedra do Calendario ou Pedra do Sol ¢ uma gigantesca escultura asteca descoberta em 1790 na praca central da Cidade do México, Pesando 24 toneladas e medindo quase 4 metros de didmetro, esse baixo-relevo [c.1300 a 1521] foi in- ‘se tomando a religido de ou- terpretado como a representa¢ao da divisdo do tempo para ‘ros povos, como 0s turcos (na 0s astecas. A figura central representa o quinto deus Sol tual Turquie), 0s persas tual lteriam existido quatro eras anteriores 8 que viviam, cada Fit ipons shicncse qual com o deus sol correspondente, representados no in- BN ern da vt terior dos quatro quadradosl, em torno do qual estdo re- ieee res oe vl presentados os vinte dias do calendario sagrado, chamados ‘ago drabe também envolveu Argélia vintenas. No total, seriam 18 meses, €ao final do calendario aimadiagio de sua cultura, seus existiriam mais cinco dias reservados & meditagao. Hé outra princpiosrelgiosos,suaforma A importancia da Lua hipétese sobre sua funcéo original: seria 0 lugar onde se de compreender 0 mundo e #2 08 povos slémi- realizavam sacrificios humanos 20 deus Sol. Uma cisdo na pedra tornou-a imperfeita e impediu seu uso. Seria, portan- os nao se restringe 20 seucalendéro. Assim, exist atendério; estende-se to, mais correto classificé-la como um altar de sacrificios, drabes no muculmanes (ér@- aos simbolos nacionais, com uma representagao da divis8o do tempo segundo os bes catéicos, por exemplo) © como nas bandeiras dos. astecas. A escultura esté localizada no Museu de Antropo- ‘muculmanos no érabes. paises acima, logia da Cidade do México. Calendario republicano insituido apés a Revolucao Francesa de 1789. Baseava- -se no sistema decimal e foi aplicado no pais a partir de 22 de setembro de 1792, perdurando enquanto os revolucionérios estiveram no poder [MT] a Divisao de tempo e poder No processo de expansio de determinado povo, sua forma de com- preender, dividir e periodizar o tempo também ¢ transmitida para outros, povos. Ao conhecer a histéria do surgimento do calendirio cristo, per- cebemos que nao basta que exista determinada marcagio do tempo; ¢ preciso que ela esteja ligada aos individuos ou grupos sociais que detém o poder, seja ele econdmico, politico ou religioso, e que esse poder perdure, Como esse calendério foi adotado pelos povos europeus, que expandiram seu poder econdmico e politico por todo o globo, tornou-se referéncia para varios outros povos. Os lideres chineses, por exemplo, adotaram 0 calendario gregoriano em 1912, por causa das relagdes comerciais com o Ocidente, mas entre o povo chinés continua valendo seu calendério tra- dicional, usado ha mais de 5 mil anos. Outro exemplo de uso politico da marcagao do tempo foi a criagao de um novo calendério pelos revoluciondrios franceses de 1789, que co- megava a contar o tempo a partir da data inicial da Revolugdo Francesa, No entanto, ele deixou de ser adotado quando 0 grupo que o criou foi tirado do poder. nT Segundo o historiador francés Jacques Le Goff, 0 calendario pode ser entendido como um recurso de controle do tempo, geralmente por parte dos poderosos. A conquista do tempo através da medida 6 claramente percebida como um dos impor- tantes aspectos do controle do universo pelo homem. De um modo néo tao geral, observa- -se como numa sociedade a intervencao dos detentores do poder na medida do tempo é um elemento essencial do seu poder: 0 calendario 6 um dos grandes emblemas e instrumentos do poder; por outro lado, apenas os detentores carismaticos do poder sao senhores do caten- dario: reis, padres, revolucionarios. 4 Ohistoriador Jacques Le LE GOFF, Jacques. Histdria e meméria Goff, em foto de 1999. Campinas: Ed. da Unicamp, 1990. p. 487. Podemos dizer que o fato de utilizarmos o calendério cristo resulta de um proceso que se originou na conquista da América pelos europeus. Subjugaram-se os povos nativos e suas culturas, diferentes povos afticanos foram trazidos para cé e escravizados, moldando novas sociedades marca- das por esses atos de violéncia e exploragao. O poder passou a ser exercido, inicialmente, por descendentes de europeus sustentados por instituigdes e modelos europeus (politicos, juridicos, policiais, educativos, religiosos etc.) Por isso podemos dizer que o tempo (o calendério, a periodizacdo) que uti- lizamos também é, até hoje, uma expresso da cultura do colonizador. Nesse processo de colonizagao, herdamos também uma diviséo da histéria de acordo com os grandes marcos ou eventos valorizados pela histéria cultural da Europa Ocidental, Essa divisdo foi ampliada ao final do século XIX, com a incluso da Pré-Hist6ria, formando assim a chama- da periodizagao classica (veja esquema ao lado). Podemos questionar os critérios utilizados nos recortes adotados por essa divisdo clissica. A queda do Império Romano do Ocidente, por exemplo, nao é um evento marcante para os chineses ou para as civiliza- Ges da América pré-colombiana. f importante, por isso, ter em mente que as periodizacdes, embora nos ajudem a compreender a histéria, re- fletem determinado poder politico, econdmico e cultural, que se expressa nas datas e temas escolhidos para serem estudados. Trata-se de uma vi- sao centrada nos interesses europeus - 0 eurocentrismo. primeiro passo para superar © eurocentrismo na histéria é co- > eurocentrismo: visio de mundo que nhecé-lo historicamente, toré-lo __ Soeidera 5 alores refertncias, tr- objeto de estudo, procurando saber | fundamentais de leiturae construcao como foram fetasasexcolhasede- Sesatncau ieee finidos os temas que constitufram nao europeias. ahistéria que estudamos hoje. Nao podemos dispensar a periodizagao, pois ela tem a fungdo de facilitar o estudo da histéria, mas devemos a todo instante lembrar que ela reflete uma dada cultura (a do ocidente europeu) e que nao con- segue abranger a variedade de povos, temas e culturas existentes. Em outros lugares do mundo, a histéria é escrita e ensinada de acordo com critérios diversos. Assim, ao longo desta obra, procuraremos destacar que a histéria é construgdo e reflete as opgdes dos historiadores em diferentes momentos. ree Idade Antiga Da invengao da escrita, aproximadamente 4000 a.C., até a desagregacao do Império Romano do Ocidente, em 476 da era crista

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