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CULTURA CONTEMPORANEA: A REDEFINICAO DO LUGAR DA POESIA Sylvia HL Cyntrdo Como vetor estético de representagao do contemporaneo, podemos ‘liver que 0 texto poético é um produto cultural que trabalha com a transfi- w do real, manipulando um capital simbélico coletivo. Pergunta-se, Al 0 Lugar do poeta e da poesia, hoje? © teérico Dominique Maingueneau cunhou uma palavra ~paratopia- \\w a7 a questao-chave em torno da qual a multiplicidade da expressio Jolla contemporanea pode ser pensada, Ele aponta para o fato de a lite- Julia ser um espago diferente das outras atividades sociais, porque nao é j))nvel definir para ela um espago estvel no Ambito da sociedade. Esse é 0 ponlo de partida, entao, para a dificil negociagio entre lugar e ndo-lugar. O ju fala, se fala de onde? Isso faz toda a diferenga... \proveitando um conceito de outro teérico de nossos dias, o anglo-in- \\j\no Homi Bhabha, situo 0 poeta contemporineo no que ele chama de entre- 11h, ue é 0 espago estético de intervengao em que qualquer identidade radical ¢ liluila e © sujeito artistico 6 livre para ressignificar 0 imaginério que o impul- _ Jona. A plobalizagio, sobretudo a partir dos anos de 1990, modificou a relagao ‘vlie arte e realidade, instaurando um novo paradigma que gerou formas cada «mais, hibridas, tanto como reprodutoras das estruturas dominantes, dada a \\\ woximidade com as linguagens midiaticas, mas também como desarticula- \loia das praticas exelusivistas do sistema politico-econémico mundial. Para tentar clarificar uma pouco mais essas questoes, eu gostaria de \vlletir sobre uma forma de cultura fundamental para a compreensio do lu- ut do sujeito na postica brasileira, que & a cangao popular urbana A lirica ‘le Chico Buarque ou de Marisa Monte, 0 rap, 0 movimento Mangue Beat, de Chico Science, e tantas formas diferenciadas de expresso musical formam um ‘onjunto plural, expressio de um fenémeno cultural chamado “dissemiNagio’, vovabulo cunhado também por Homi Bhabha- que explica a expresso simul- ‘inca de miltiplas subjetividades partindo de variados centros, dentro de um ago geogrdfico. Para entender melhor esse proceso atual, vale um » cronoldgico, Desde os anos de 1920 o samba figurou como estilo central wero cangiio no Brasil, No final dos anos de 1960, 0 samba, dominante, semiNagio’ e viriaa perder agem por exceléncia da nagio brasileira entiaria em processo de deseentramento, ou de “d suia fungivo de li SA Crise, SADEMOS, CULM aul cla esteth ca sincretista pos-moderna na cangio brasileira - o Tropicalismo, datado do final dos anos de 1960, Os tropicalistas.relormul sos de abordagem e de anélise da realidade bras artisticasy ideol6gicas ¢ culturais idealizadas pelo samba. As imagens presentes na le tra da cangao-manifesto “Tropicilia” compéem uma alegoria da conjuntura cultural do Brasil e da propria MPB. Caetano Veloso vai estruturar sua lett montando um mosaico nacional do momento histérico, fazendo referencia Aquele momento, por contraposigao a0 passado, quando diz: “Viva Irace- ma/Viva Ipanema/ (... eu oriento 0 carnaval/eu inauguro o monumento no planalto central/do pais/viva a bossa/viva a palhoga (...); viva a Banda /Car- mem Miranda-da-da-da... Nessa sequéncia temporal, esse fendmeno passa por outras formas de expressio, como o rock dos anos de 1980 de Renato Russo ¢ Cazuza, que amplificou a mundializagao da estética e das questdes temiticas da letra da cangdo, até chegar 20 Movimento Mangue, que a des. centraliza efetivamente e promove um mix de ressignificagio da tradicao, Em 1991, surgiria, entéo, esse movimento cultural com surpreenden- tes inovagées estéticas, origindrio das margens - gestado a partir da periferia da cidade de Recife- endo mais do centro (que era o lugar do movimento tropicalista, em que pese a atitude iconoclasta efetiva daquele movimento, mas ainda oriunda do préprio centro midiatico -0 eixo Rio-Séo Paulo). As- sim como os tropicalistas se haviam apropriado ~via imagindrio- da pro- posta antropofiigica de Oswald de Andrade,os integrantes do movimento liderado por Chico Science misturam na representacao artistica elementos regionais-étnicos ~ maracatu, ciranda, xaxado e outros- a miisica negra norte-americana de periferia, com inspirago no canto falado do rap . Na cangao “Etnia’, Chico Science inicia com uma afirmativa centrada na ideia coletiva; “somos todos juntos uma miscigenacao” Esse “eu” dentro do “nds” implica ¢ explica os versos: “o seu e o meu sio iguais/ ..samba que sai da fave- la acabada/ é hip hop na minha embolada’, versos que remetem a elementos tradicionais da cultura brasileira, como a capoeira e 0 samba, ¢ & diluicdo das fronteiras culturais, como a referéncia ao hip hop. «As canges do Mangue per- mitem uma boa reflexdo acerca da resisténcia dos elementos particulares con- vivendo com elementos da cultura estrangeira, criando uma zona de interfaces afirmativas -um “entre-lugar” . A intengao nao era serem aceitas pelo “centro”, mas , considerando-se também “centro”, a novidade foi conseguirem valoriza. dio permanecendo no seu lugar cultural e geogrifico de fala, a.com o movimento | mos p ira, as formulas 48 \ cangado “Inclassificaveis’, de Arnaldo Antunes, da mesma década de (0-6 atando do mesmo tema da nacionalidade, parte de um outro lugar {uu o do artista do eixo nacional privilegiado, letra remete também & jjol0 da miscigenagio nacional, a partir do proprio centro significante da \inyungem, iniciando com versos instigadores em que se estabelecem per- juntos, a comegar com “que preto, que branco, que indio o qué? /que branco, jh" tndio, que preto o qué?” .. A resposta vem em uma sequéncia de palavras suypostas «jue representam as etnias formadoras da nacionalidade brasileira, jyjiotando a pluralidade, a partir da marca do coletivo “somos”: “aqui so- 110s/ westigos mulatos/(..Jameriquilatos/ uso nipo caboclos/” e muitas ou- \\4» possibilidades mais, como “iberibérbaros indo ciganag6s...” Essas novas inclubolizagdes eriadas pelo texto resultam na constatacao final: “crilouros snisseis e judérabes/(..) somos 0 que somos/ inclassificdveis” Antunes resume em um vocébulo ~inclassificdveis- a atitude que expoe impasse contemporineo criado pela rejeigao do racionalismo centralista \jue “classifica’, organiza e reduz, 0 que remete aos versos bem conhecidos «Je outta letra de Science, da cangio “Da lama ao caos” de 94: “...) comecei a jponsa/ que eu me organizando posso me desorganizar/que eu desorganizan- ‘lo/ posso me organizar” E essa consciéncia da necessidade de ressignificagio «lu ttadigio, a partir de um processo de subjetivacio cultural inclusivo, que \\ lence apresenta nos versos de “Etnia” , quando aproxima manifestades dife- ienciadas compondo um mesmo sintagma, e referencia a miscigenagio: “Ma- tacatu psicodélico/(..)/Bumba meu rédio/Berimbau elétrico/Frevo,samba ¢ cores/Cores unidas e alegria/ Nada de errado em nossa etnia’ © mundo desenhado por Caetano na década de 70, e por Science e Antunes, a partir de 90, como estamos vendo, apresenta uma consciente hibridagao, em oposigao & homogeneizacao unitaria da primeira metade do século XX. A roda de samba se rompe como porta-voz social . A cangao incorpora o grito, a palavra de ordem, a fala sem melodia . A nova cangao, fz, a defesa da mistura aceita em si, no seu sampler, com varios ritmos ¢ virias imagens que acabam por figurar uma nagao descentralizada, perme- ala pelo mais radicalmente local como pelo mais radicalmente global. Os. poemas contemporéneos ~ ¢ considero as letras das cangdes mencionadas, como representantes legitimas do projeto postico brasileiro- hoje convivem num espago de discursos diferenciados e plurais. Um espago ideologica- mente inclusivo, felizmente. Como nossa etnia: “inclassificavel” 49 in Sobre essas “novas” relagdes de poder, hd uma que te que eu queria ressaltar, que &a consequéncia dessas identidadles destizan € continuamente deslocadas, A estrutura da ienticdacle do sujeito perma aberta, inacabada ¢ muda, de acordo com a forma como 0 sulelto sind pelado ou representadbo. Pode ser ganhada ou perdida, dependendo case cunstincias, Nio ha identificagio automitica, nica e permanente (con pertencimento @ uma nagio, uma classe social, a uma exclusiva etnia ele) Jé que falamos de Arnaldo Antunes, ele, Carlinhos Brown e Marj) Monte formaram um trio , chamado “Os tribalistas” . Os versos de a Ja sei namorar” - “Eu sou de ninguém/eu sou de todo mundo/e todo a do é meu também” tornaram-se as novas palvras de ordem juventude cl média brasileira ha bem pouco tempo, € nos trazem, no m{nimo, omail ta de uma ideologia que permeia o imaginario coletivo contemportned pergunta que me fago é: em que medida o contetido dessa letra represen tia um indicio da desconstrugao do mito da importancia de uma ide dad social, coletiva e nacional? .. ae cial decort _Também uma cangao mais recente, de 2005, “Pré-pés-tudo-bossi, band’, composta por Zélia Duncan, em parceria com Lenine, apresenta um série de referéncias relativas a agdes e comportamentos, sustentadas por au tro afrmagBes: “Todo mundo quer set bacana / todo mundo acha que ¢ novo) Todo mundo quer ser da hora todo mundo quer ser de novo o nove” Num, reflexdo rapida, eu diria que essa letra apresenta um panorama bem coll do posicionamento (ou da fata de posicionamento) das pessoas no hoje, unm tempo em que “tado mundo” quer estar inserido, no importa bem onde, para satisazer o “eu” e ser promotor de um “novo” inconsequente (palavre aqui deve ser entendlida sem carter pejorativo, como “ sem consequéncia) Entio...repito a minha pergunta anterior ...agora com outros re-~ ferenciais: em que medida o contetido dessas letras representaria jé o pr. so de desconstrugdio do mito da importincia de uma identidade social cole va e nacional e, naturalmente de uma identidade cultural? ae ____ Se“todo mundo acha que é novo" , isso significaria finalmente a consta: taglo da falta de importincia de uma identidade fundamentada na tadicio? assim sendo, que novo perfil coletivo estaria se configurando nesse “novo tempo’ confirmando-seo progressivo des-investimento na meméria culteral? A SERIE LITERARIA E A MPB* Anazildo Vasconcelos da Silva \s vonguardas, designago geral que arrola os grupos e as correntes po- +o jie se stucederam e se mesclaram na disputa da série literdria, entre as | desiacann a Poesia Concreta (1956), a Poesia Praxis (1962), o Poema Foci 41967) 6 Poesia Semistica (1970), surgiram no panorama lterétio | lvino através de um niimero considerdvel de manifestos e uma grande Jivladle dle programas. A implantagdo de um novo movimento literdtio | 1) luavés de um proceso de ruptura com a geracio postica vigente ¢ + \iieytayio da tradigao literéria a uma nova concepgio postica que Ihe dé +linuidade, No caso das vanguardas, se d4 a ruptura com a tradi¢ao mo- cio de 1945, e a integracio da tradigdo literdria a uma nova jioposta poética de continuidade, aberta ao experimentalismo linguistico. Jiu visto globalizante, as vanguardas se caracterizam pela experimentagao Jovinal na linguagem, valendo-se, para isso, de suporte tedrico definido. Vao Jy dlosnuclearizagéo da palavra, a “palavra coisa” no espago branco da pagina, 4 jpueina-eddigo ov semidtico, que trabalha com signos nao-verbais, ¢ dai \i pop-concreto, que utiliza toda sorte de recursos materiais, como recor {os ale jornais, fotomontagens, etc., até a consumagéo do processo gradativo evclusio da palavra, que acaba por eliminar a natureza verbal do poema. \v Vanguardas, motivadas pela exploragao de novas formas de linguagem, Jnytessavam cada vez mais, através de seus sucessivos desdobramentos, no Lampo das artes plisticas, fazendo de elementos nao-verbais o niicleo pre- jonderante e fundamental da criagdo lirica, Centpessoal retevante, A misica popular ¢ a poesia marginal participam, igualmente, do pro- cosso de ruptura com 0 Modernismo, realizando o esgotamento da mentagéo Jivica sobre a realidade, de forma equivalente ao esgotamento da mentacdo lirica sobre a linguagem, operada pelas vanguardas. As vanguardas em seus desdobramentos (Poesia Concreta, Poesia Prixis, Poema Proceso ¢ Poesia Semiética) de um lado, a MPB e a Poesia Marginal em seus desdobramentos (Violao de Rua, Poesia Viva, Ex-Poesia ¢ Poesia do Mimedgrafo) do oviro, sustentaram, nos extremos, a desagregagao do suporte basico deixando o fa- zer poético na transformagao das estruturas linguisticas isoladas em si mes- Jeviviat ca inept SLs os linpraven, @ postin rete & elas, acabaram pa ico de articulagio d ie literdria a um fechame desarticular os polos finguagem e realidade, supotte bi Projeto poético brasileiro, levando a Resist ao poder das vanguardas no proprio espace literirio seria ing Pefante, uma vez,que a série literdria se ressentia ainda do excesso de ma festos, em que, diga-se de passagem, as vanguardas também foram prédiga ~ Qué cobrem, quase sem interrupgio, o periodo de 1922 a 1960. De mor ue Iancar mais um manifesto, mesmo com o intuito de deflagrar urma ney Posura poética, seria intitle ineficaz, devido a falta de resposta da série I teritia a esse tipo de apelo, Diante de tal quadro, as alternativas para os po etas da gerasdo de 1960? que néo comungavam com as idcias formalise cf esia feta de palavras versos, eram produzir e publicar sua obra em allen aftontando os padroes ditados pelas vanguardas, ou buscar outros cans of de atuasio, Foi assim, por tas injungdes, que a poesia invaclia 6 actors Popular e ganhou o rio ea televisio, eo paleo dos festivais da canto virou Plataforma de langamento dos manifestos poéticos da geracio 1960, Rom, $¢0 paralelismo entre a manifestagdo poétca literdria,a poesia, ea maniferns {fo Paraliteréra, letra poética, que passam a utilizar conjuntamente os canals de comunicagio de massa, oridio ea televisio. A uniformidade de canal nn significa uma identidade das manifestacées, mas uma coexisténcia de duas formas de lirismo apenas, sem prejuizo de suas caracter {sticas especificas, stig nates € 4 MPB nico foram, todavia, as tinicas propostas po Sticas da geracio de 1960. Ha uma outra, representada por ume prove, {0 Pessoal ¢ bastante irregular, denominada poesia marginal Ei termos Sriticos, a poesia marginel pode ser definia como uma producto poste desvinculada da série lteréria, mas que cumpria, ainda que parvcesee re ‘eli, uma imposicdo da tradigao literdria, A marginalidade desees grupos decorre também do fechamento da série |i terdria que excluia de seu Sinbito ualquer proposta poética descomprometida com o experimentalisina for- Imal das vanguardas. Com isso, abriam-se duas opgdes para os poetas nao ‘anguardistas da geragdo de 1960: invadiro setor musica popu « ‘gravar discos, ou fazer da marginalidade mesma a condicio de sha permanéncia, cxibindo-se em precirias edigdes populares, inclusive mimeografadas eg stim eiae dense i eno datlografadas, nao rare distribuidas e vendidas pelos proprios oie bus faculdades, nos bares, na porta de cinemas ¢ de teatros ¢ em ev fos populares, Dai a identidade poética entre a poesia marginal e a mtisica Populi sustentada na recusa do experimentalismo formal das vanguardas (wo aproveitamento de suporte da comunicagao paraliterdria, A poesia \viyinal, embora earacterizada pelo isolamento da produgéo individual, Hyinova, todavia, agrupamentos distintos de poetas da geragao de 1960, iio por uma identidade puética de movimento, mas pela par- » em publicagdes coletivas, entre os quais se destacam Violio de \, Poesia Viva, Ex-Poesia e Poesia do Mimeégrafo. Este iiltimo, englo- Jinks lollictos individuais e também coletivos como Frenesi (1970), Nuvem ( yun (1972) Vida de Artista (1974), Ha que mencionar ainda o grupo \v sustentagiio da continuidade da série literéria, constituido pelo grande \wimiero de poetas que néo participaram dos movimentos de ruptura, mas uuliviram uma obra poética evolugao do projeto poético, obrigando a po- \u brasileira a desmembrar-se e atuar, 20 mesmo tempo, na série literéria, (ona primeira, e na série paraliteraria, com as duas tiltimas. A visio critica \\)) movimento modernista, desdobrado em suas diversas fases evolutivas, \npunha 0 reconhecimento da fragmentagéo do projeto poético em sua Juve de esgotamento ¢, consequentemente, a integragao definitiva da MPB, jusitamente com As Vanguardas e a Poesia Marginal, ao percurso literdrio busileito, O erftico e o historiador de nossa literatura, que nao levassem ‘wo em conta, perderiam também a perspectiva critico-evolutiva da propria jpocsia brasileira, mesmo porque a atuacao da geracio de 1960 nos diversos lores mencionados decretava o fim do movimento modernista brasileiro. Voi essa tese que defendi na Lirica modernista e percurso literdrio brasileiro (1980), obra em que trago a trajetéria lirica do Modernismo desde sua im- phintagao até o seu esgotamento, avaliando o papel das diversas geragoes ticas que atuaram em suas manifestagdes, Muitos elementos marcaram essa presenga da poesia no setor mtisica popular, num efetivo congragamento das séries literaria e paraliterdria. S40 cxemplos disso: a presenca na MPB de reconhecidos poetas da série lite- riria, por si mesmos, como Vinicius de Moraes e Capinam, ou através de parceria musical, como Joao Cabral de Melo Neto Cecilia Meireles, com obras musicadas por Chico Buarque; Carlos Drummond de Andrade e Ma- nuel Bandeira, com obras musicadas por Paulo Diniz; Greg6rio de Matos, Sousiindrade, Oswald de Andrade, Haroldo de Campos e Ferreira Gullar, por Caetano Veloso; Cassiano Ricardo e Fernando Pessoa, por Jodo Ricar- «lo; Castro Alves, por Carlos Imperial, ¢ tantos outros; a atuago simulténea om livro ¢ disco de poetas como Vinicius de Moraes, Ferreira Gullar, José Carlos Capinam, Torquato Neto, Jorge Mautner, Chico Buarque, Pauilo Cé- sar Pinheiro e outros; a participacdo nas discussées tedricas que agitavam o Panorama artistico brasileiro, como nos famosos debates do ‘leatro Opinio, © outros por af a fora, como entrevistas, ensaios ¢, até mesmo, a criagio de movimentos poéticos dentro da MPB, de que é exemplo o Tropicalismo. Vinculando a produgao poética da geracao de 1960 na MPB, na Poe- sia Marginal e nas Vanguardas ao projeto poético brasileiro, eu pugnava ndo apenas pela legitimagao dessa gera¢io como um todo, mas também pelo re- conhecimento ¢ a integra¢io de uma produgao poética que estava aparente- mente apartada da série literdria. Expressava a opiniio, defendida durante esses anos todos, de que a avaliagao da produgio poética da geracio de 1960, dentro e fora da MPB tinha de ser feita no ambito da Literatura Brasileira, de acordo com os padres criticos que definem a evolugio das formas liters rias, e no apenas no contexto paraliterdrio. E é com satisfagdo que constato a incorporagao-definitiva dessa postura critica & nossa historiografia literdria, comprovada na farta bibliografia, incluindo teses, antologias, songbooks, en saios criticos e histéricos, além da incluso da MPB nos livros didaticos de ensino fundamental e médio, efetivando, assim, a integragio de toda a pro- ducéo poética da geracdo 1960 no curso da lirica nacional. A lirica Buarqueana é poética e musical, logo hé, incontestavelmente, uma intima relagdo criativa entre a letra poética ea miisica da can¢ao, o que tem levado muita gente a condenar uma abordagem dissociada, como a que empreendo aqui, sob alegagdes diversas, algumas até defensiveis, mas nao 0 bastante para invalidar tal procedimento, Considerando que, numa anélise textual, a musica integra 0 plano de expresso do poema, concordo, pot exemplo, que, numa anélise conjunta, os recursos musicais, como estimulo significante da estrutura verbal, ampliam o efeito de sentido, e vice-ver 4 que, de igual modo, numa anélise musical, a letra poética funciona como significante da estrutura melédica. Quando letra e musica nascem juntas, acredito que haja influéncia interativa reciproca entre as ditas, mas, conclui- daa criagio, so duas formas artisticas independes. 5 com aafirmagio de que néo podem ser estudadas separadamente como dois No concordo, por i \Wictentes sistemas signicos que sio, ou de que a dissociagao cause danos uma ou a outra, impedindo a interpretagao das duas linguagens ‘n seus respectivos campos discursivos, o musical e 0 verbal, Cada poema signo, vinculagao de uma unidade de expressio (0 significante) a uma ule de contetido (o significado), de modo que os elementos formais do jwucma (ima, métrica, matrizes sonoras, etc.) podem integrar os recursos Jniusieats na prosédia do poema, assimilados na construcao do significante lico, sem que isso impega estabelecer um paralelo entre eles. \iisticos \gumas consideragdes da nossa tradigao cultural recente sao im- povlantes para encaminhar o pensamento sobre a questo. Por exemplo, judo Chico Buarque musicou o poema “Morte e vida Severina”, de Joao (abril de Melo Neto, criou-se uma nova estrutura signica indissolivel |\We ImpGe a consideragao da estrutura melédica para o entendimento ¢ \ interpretagao da estrutura poética, invalidando as abordagens criticas \imociadas anteriores e posteriores? As letras de Manuel Bandeira para \)\sicas de Villa-Lobos invalidam a andlise musical sem considerar a le- |\, © vice-versa? Aconteceré 0 mesmo com poemas de Drummond mu- \culos por Paulo Diniz, de Gregério de Matos, Oswald de Andrade e (stro Alves por Caetano Veloso, ¢ de Vinicius por Tom Jobim ou por (version Conrad? E que dizer de uma miisica de Sivuca ou de Tom Jobim, Yn gravagdo instrumental independente, que depois ganham letra de Chico Buarque, ou de uma musica classica na qual um poeta poe uma lea? E-da gravagao instrumental de misicas de Chico Buarque com 0 wlio de Paulinho Nogueira ou com o piano de Camargo Mariano? E da publicagdo de letras de Chico e Caetano, por exemplo, sem as respecti- \» partituras, em antologias poéticas, alinhadas com poemas outros que jwwinea liveram misica? E 0 songbook reunindo letra e mitsica em volumes eparados? Os exemplos poderiam se multiplicar ao longo de dezenas de pipinas, arrolando diferentes musicos e poetas. Entendo que Chico Buarque, por uma compulsao criativa, retine num \inico ato de criagao artistica dois de seus talentos, 0 de miisico eo de poeta, ()|We ndo significa, rigorosamente, que nao possa utilizé-los separadamen- le Nao € 0 que ele faz quando cria uma letra para a musica de um parceiro 01) quando acontece, embora raramente, segundo ele, de fazer primeiro a e s6 depois completé-las, tornando-se parceiro de si mes- ‘io bastasse, ha um “Tema para Morte e vida Severina” sem Jotra ou a miisi mo? E, como sen letra e, também, hé os quase cinco mil versos da pega Gota Diégua, rimados e metrificados, mas nao musicados, Poesia € miisica nasceram juntas e constituiram, durante muito tem- po, uma s6 expressio artistica, inclusive com adigao da coreografia em tem- pos mais recuados. Na segunda época medieval, elas se separam e passam a constituir duas artes distintas, a muisica e a poesia. A poesia trovadoresca rene uma produgao de milhares de poemas, de centenas de autores, sem © correspondente musical da criagdo original, Ora, negar a impossibilidade da dissociagao de letra e miisica em Chico Buarque, certamente se negaria, sob essa mesma argumentacio, o reconhecimento dos trovadores e jograis, medievais como poetas e de suas respectivas cangSes como poesia, No caso brasileiro, a itivasdo da MPB por um grupo postico da geragio de 1960 proporcionou o reencontro de mtisica e poesia, que foi importante, sobretudo, para a poesia, primeiro por recuperar a oralidade do poema ¢, segundo, por utilizar um poderoso canal de comunicagio de massa. O canal grafico, via tradicional da comunicagao literdria, em que pese 0 aperfeigoa- mento das técnicas graficas, estd sensivelmente defasado se comparado 208 canais de comunicagao de massa, o sonoro e o visual, uma vez que a leitura continua sendo um ato solitério, Se no passado o grifico era o tinico canal de informagio, se quem nao soubesse ler era considerado cego, surdo e mudo, a crianga dispde hoje, antes mesmo de ser alfabetizada, de um acervo informa: tivo tal, que a escola se Ihe afigura uma instituigio ultrapassada O setor Musica Popular apresentava-se com todas as caracterfsti+ cas do lirismo paraliterario', de modo que as canges nao ingressavam no ‘campo da miisica erudita nem no campo da literatura, De um lado, a crf tica musical nao reconhecia qualidade na melodia, de outro lado, a critica literaria nao reconhecia qualidade na letra poética, Junte-se a isso 0 carter referencial ea linearidade da mensagem, a auséncia de tenso verbal eo néo questionamento da sua significagao, a emosio ficil e a sentimentalizagao como formas de evasio e alienagao, Em termos estruturais, a letra redupli- cava as estruturas liricas romanticas ja esgotadas, produzindo mensagens redundantes como convite a evasio das relagdes cotidianas. Reafirmava a perspectiva subjetiva diante das paixdes nao correspondidas e das traigdes sentimentais, Tecnicamente, utilizava canal de comunicago de massa, 0 56 we Ihe assegurava répida difusio. De acentuado carter comercial, sua va- \inayito, em termos de sucesso e consumo, dependia da consagragio publi- \,\lai 0s tragos simplificadores do produto, Nio se trata, portanto, de defender uma evolugio qualitativa da letra )iuotica dentro do setor Musica Popular, até atingir, em termos estruturais ¢ | |lulivos, 0 estatuto da manifestacdo literaria que a transformaria em poesia, le detender a invaséo do setor, por um grupo de poetas da geracao de 100, que elege a MPB e nao o livro como canal de comunicacao literdria, \ichro-me & presenga da poesia na MPB, que produziu o poema musicado, \h\o 4 produgdo paraliteraria propria do setor, A cangio é uma articulagao |r Jetta e miisica e, como tal, é possivel considerar uma separada da outra, {iis 80 néo vai alterar a natureza paralitéraria da obra, do mesmo modo \je. no poema musicado, a andlise da letra separada da miisica nao altera a \inhuneza postica do texto Nao vejo argumentagao critica ou teérica que invalide 0 estudo se- juvado da letra e da miisica, negando a elas a capacidade de gerarem os ‘leitus de sentido independentemente, introduzindo um elemento redutor \\) cleito poético no processo de criagdo de uma e de outra. Por isso, mes- uma anélise integrada de letra e miisica, é necessdrio reconhecer, ‘iin primeiro passo, a individualidade discursiva das duas obras para, em 1, comparar uma mesma motivaggo poética expressa em duas lin- \wijens diferentes, buscando uma correspondéncia entre as duas formas | produgao de sentido. A motivacao poética, em principio, independe da Ninyayem através da qual se manifesta, mas, uma vez. conformada & vin- Ushio signica indissolivel, assume a natureza dessa linguagem (seja ver- \\), musical, pictural, etc.) e confunde-se irremediayelmente com ela, Cada shia, conformada & elaboragao significante de uma linguagem, constitui \\)hs expressio artistica tnica, de modo que, na anélise do poema musica- \h, se « construgao do sentido se fizer a partir da letra, a melodia integraré » plino da expresso verbal, e vice-versa, ou entéo se constrdi o sentido em ‘ivlu un isoladamente, a partir dos recursos de expresso e conteiido que \hes sia proprios, e faz-se, depois, uma andlise comparada de dois objetos \nldticos distintos, Nesta tiltima hipétese, seria como, por exemplo, fazer \lises individualizadas de uma fuga de Bach e de um poema de Gén- 110-6, em seguida, uma aniilise comparada das duas obras. Para concluit, reafirmo que minhas consideragdes assinalam um mo- invasio poeta da y teceu anteriormente, ee ee HO percurso Hlerario br neciante ‘agdlo de 1960, mas isso ndo quer dizer que nunca acon + Sob novas injungées culturais, ou que, no faturo, nil venham a acontecer outras invasdes poéticas deliberadas no refetido selon cir, POESIA E CANGAO NA CORDA BAMBA ‘Mauro Santa Cecilia Una possivel reflexdo de minha parte sobre 0 entendimento acerca da Joni © da angio, e a relagio entre elas, nao se da pelo viés tedrico e sim sj) veda experiéncia prética como poeta e letrista, Quando pequeno, fui bom sii em redagio ginasiana, gostava de ler e escrever, mas nao cursei Letras ou \unicagaos formei-me em Direito, que nunca exerci, como muitos outros siitones, Na dcada de 1980, aos vinte e poucos anos, comecei a escrever mais Jyjularmente e dai veio a intengao de reunir os poemas em livro, No exercicio ly sinha escrita a poesia veio antes, como também costuma acontecer com inde parte dos jovens que se interessa por literatura, Publiquei dois livros de vesin, gaunhei um prémio, Entre um livro e outro, surgiu a oportunidade de jyvor letra de mtisica, Mais recentemente, publiquei meu primeiro romance. \ ora escrevo também crénicas em um jomnal, Sou, portanto, um curioso das \etnas, um fugador da palavra e dos géneros literérios. para os artistas da minha geragéo ~ os nascidos na década de 60 -, ale- ‘vu dle mdsica tem uma importéncia muito grande. Somos uma geragdo que se ‘int lendo os encartes dos discos de Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilber- Gil, como se livro fossem, No inicio dos 80 houve uma explosio do rock na- ional com Blitz, Paralamas do Sucesso, Titas e Bardo Vermelho, entre outros, € \ niisica preferida dos jovens brasileiros passou a ser a cantada em portugués, em bom portugues. Até ento, excetuando-se as honrosas e geniais presengas «le Mutantes, Rita Lee, Novos Baianos e Raul Seixas, rock no Brasil era cantado predominantemente em inglés ou no maximo em verses ~ ainda que a Jovem Guarda, notadamente Roberto e Erasmo Carlos, seja essencial para tudo que cio depois, Ocorre que a palavra cantada em inglés 6 muito mais propicia 20 tack (ow seria o rock mais adaptado & palavra inglesa?). A lingua inglesa é for- mada em geral por vocibulos mais curtos e isto facilita o casamento da letra coma melodia e a consequente sonoridade/agilidade da frase musical. Se isto torna mais drduo o trabalho dos letristas brasileiros, por outro © enriquece. Tivemos a possibilidade de contar, no inicio do rock nacional 59 ‘los anos 80, com verchudeites poetas que consolidaram ¢ enriqueceram, waco. como Cuzza, Renato Russo e Arnaldo Antunes, entre outros 1 rable er tantes, Foi transportada para 0 som que agradava em cheio pibien vam a edo au ‘em a miisica brasileira de belas letras, sea map ere ee Rose: Cartola ou Nelson Cavaquinho, seja na bossa nova ol 1p» de Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Chico Buarque, ou no Tropicali ‘mo, com Caetano Veloso ¢ Gilberto Gil a fuente. af Cazuza rasgou o verbo e chutou Amorosas em suas letras incandescent fami wm Rinbaud do "ck, “Mais uma dose & claro que eu estou Mipo Baca pests tem fim /Por que que agente & assim?": Como lider d Erie Dario Vermetho ou em carreira solo, um artista que nos joga na cara © tempo todo, a ferida aberta do amor ou da vida, Com excesso,lirism transcendéncia. Com poesia. “Van ir essa gente cet posit "Vamos pedir piedade / Senhor, piedade / Pa a hipocrisia das relagdes sociais es. Poeta em estado bruto. Um Ji is de sua auséncia, suas » seduzir um puiblico bem jovem. “Eduardo @ ‘Sent tornar-se-iam verdadeiras “miisicas da Iquer época vindoura, a partir do final d _ 0 q a partir do final do sé. i asad, Viraram hinos. A Legido Urbana, banda de Renato Russo, Tnizada por mobilizar multidées e por traduzir em suas letras o ins consciente coletivo da juventude: “Somos os fil 2 “S 108 da revoluca burgueses sem religiéo / Geracéo Coca-cola” oa Monica’, “Que pais & este?”, vide” para a garotada de qual ee malo Antunes aren na banda Titis, fundada por oito artist fantourse 9 initicos.Jouou-se depois na careraslo,recentemente Aa ee atisa Monte € Carlinhos Brown para fazer o bemsucedi do boiSt#s. E continua com sua carreira solo, que aponta com requin. tado bomgosto para muitas diresdes. Compde para artistas de estilos life rentes, como Jota Quest, Maria Bethania e Adriana Caleanhotto, E muit equisttado também para trilhas de filmes, comerciais, balés, It os leney 1m Tetrista 60 ~hyil, caxuto, preciso, muito influenciado pelo movimento concretista > \Hinios Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari. Um artista iidiviplinar, antenado com 0 mundo contemporineo. (uitios letristas que nfo poderia deixar de mencionar, que aparece- 1) hos meios de comunicagao nos anos 80 ou vieram depois, e que man- 1) sposar dle todas as aberragdes radiofonicas e dos modismos, um étimo alidade poético na misica pop brasileira: Jilio Barroso, Lobao, $0) Loc, Herbert Vianna, Antonio Cicero, Jorge Salomao, Chacal, Tavinho fo, Pula Toller, Fausto Fawcett, Alvin L, Leoni, Nei Lisboa, Dulce Quen- | |umberto Gessinger, Chico Science, Fred Zero Quatro, Marcelo Yuka, thico Amaral, Nando Reis, Marcelo Camelo. E por ai vai. Pivel ile (Quando me tomnei letrista, em 1998, miisica era ainda considerado negécio, até para os autores. Havia um mercado de vendas ¢ de iw das obras ainda forte, Hoje, com CDs muito caros e em propalada Wo, downloads gratuitos e a pirataria, vivemos uma época de transi- i: un modelo de mercado fonografico falido para um outro que nao se em como € o que seri, De certeza, apenas que a cango nfo vai aca- \), iwesmo com esta crise sem precedentes, E que, portanto, sera preciso \\contiar um meio de remunerar dignamente os eompositores. Pelo menos nga que resta, 8 exper \ minha experiéncia inaugural como letrista de mtisica deu-se atra- 4 cht poesia, Minha primeira letra, com efeito, é um poema. Jé havia pu- hicudo meu primeito livro de poesia e, por ter sido sempre um apaixonado ‘nitsica, acalentava o sonho de escutar algo de minha autoria tocar no hivlio, Ver um texto criado por mim num encarte de disco... As primeiras Jonlativas de mostrar a miisicos os escritos esbarraram em minha pouca onypreensao, na época, do que realmente diferencia uma letra de um poe- (nn, Assim, fui aprender a escrever letra de misica na pratica, fazendo, Mas, voltando & minha primefra letra de mitsica gravada: ela foi um joema, chamado “Por voce”, Depois de fazé-lo, procurei o guitarrista, can- lore compositor Roberto Frejat, do Bardo Vermelho, meu conhecido do ol colégio, e contei-lhe que tinha escrito “algo que poderia dar em letra miisica”, Ele disse para lhe mandar. Alguns dias depois ele me telefon afirmando que havia gostado e que iria fazer uma miisica, Passaram-se U seis meses até que ele ¢ o tecladista Mauricio Barros, também coautor, colocassem para ouvir, pelo telefone, as duas e meia da manha, a can pronta ¢ ja gravada para entrar no disco do Bardo Vermelho, “Puro Bxtas Confesso que nao segurei a emocio. Acabei tendo, neste mesmo disco citado (“Puro Extase’, Warn 1998), uma outra musica gravada, “Vou correndo até voce” (com Mauricl Barros e Fernando Magalhdes). A letra desta musica foi o resultado de um jungao de fragmentos escritos por mim e por Mauricio Barros. “Por vocé” transformou-se num grande sucesso popular. Tocou bay {ante no radio. Foi gravada por outros artistas, virou tema de comercial. fo uma miisica que fez um corte radical em mim mesmo e recolocou a vidi nos trilhos do sonho. Pude tornar-me um compositor de profissdo e come car a viver, ainda que na corda bamba, de direitos autorais. Letra de misic passou a ser a minha poesia possivel. Até hoje, “Por vocé” continua bet executada. A miisica, com sewalto teor roméntico, agradou em cheio casai pessoas carentes, apaixonados em geral. Segue abaixo o poema “Por voc! que possui versos que acabaram nao entrando na cangdo: Por vocé por voc8, eu limparia os trilhos do metré eu iria a pé do Rio a Salvador por voc8, eu roubaria uma velhinha eu dangaria tango no teto da cozinha por voct, ew adoraria a disciplina japonesa eu aprenderia a fazer cara de surpresa por voce, eu viajaria a prazo pro inferno ‘eu tomaria banho gelado no inverno por voc’, eu hoje até deixaria de beber ‘eu enfrentaria unt lutador de caraté por vocé, eu ficaria rico em um més cou dormiria de meta pra virar burgués 62 Jo) vac @ em 86 sentria essa febre fv cinseyuiia até ficar alegre Jo! vod en viveria em greve de fome wviaa grafia do meu nome Jor voet, eu pintaria o céu de vermelho \ (erin mais herdeiros que um eoelho voc’, ew acetaria a vida como ela é \slesjatia todo dia a mesma mulher (iv Olha Frenético, ed. Acroplano, Rio de Janeiro, 2005) Diepois de abandonar emprego fixo no Consulado do Japao, onde ga- Shyu bem e em délares, para tentar viver de escrever, tive a sorte de co- sya) minha carreira de letrista com miisicos experientes e consagrados, 1 0» da banda Bardo Vermelho, que me ensinaram verdadeiramente a \jor, Meus parceiros Frejat ¢ Mauricio Barros fizeram um recorte no Vor vocé” para transformé-lo em letra de musica com refirio, parte \ especial, A partir da{ Cangao e Poesia tornaram-se indissocidveis para 1), spesar de cada vez mais nitidas suas diferencas, Nao ¢ obrigatério que seja assim, no existe uma forma fixa, mas, geral- jiente, a letra de mtisica tem as seguintes partes: A, B, Ce refrdo, O “A” pode ser \ilulivilido em A1, A2, A3.. e € 0 tronco, a base da canglo, representa como \ Jeli se desenvolve. O “B” & a ponte, faz a preparagio do “A” para o refiio. O \y1l06 pice, €ondea cangao deve explodir. Faz. sintese da ideia desenvolvi- “Especial’ éa parteem quea melodia ea harmonia sio diferentes, yule a mntisica pode dar uma entortada e a letra ganar outras diregoes.. Uma cangao pode até nao ter rima ou refrao, mas a letra ter4 sempre .aratrelada a uma melodia, A poesia, nao, Ela é totalmente livre, presa (onwentea sua logica interna e nada mais, [sso faz.com que a letra de misica, jor funcionas, tenha de casar-se com a melodia e a harmonia. © casamen- (wa Poesia € com ela mesma, A letra de miisica pode ser feita de trés modos distintos. No pri- rita em cima de uma melodia pré-existente. O letrista metro, a letra & sr 63 Precis encontrar as palavras certas para se acomodarem na frase mush cal. Nao adianta nada dar uma de poeta e eriar um verso inspitadissinn Se este no couber no desenho da melodia, Esta é a forma mais usual, preferida da maioria dos mtisicos. No segundo modo, a letra é escrita an tes da melodia. Neste caso, € necessdrio que o letrista desenvolva o text pensando a priori que os versos devem conter ritmo e musicalidade pag facilitar o trabalho do parceiro que faré melodia e harmonia, No ultimo, letra ¢ melodia sao feitas ao mesino tempo, juntas, ¢, neste caso, pela ne cessidade de solugées instantaneamente casadas, quase sempre © criado de ambas é 0 mesmo autor. Mas o que interessa de fato, independentemente do modo de como ¢ feita, € que a Cancao seja um corpo s6, e que letra e miisica estejam unidas de forma harménica, dando lugar a uma terceira coisa, que possa ser mals relevante ou expressiva do que suas partes em separado. Outra mtisica importante em minha carreira chama~ comegar’, também composta com Roberto Frejat e Mauricio Barros. Neste caso, partimos de um poema de outrem para que eu desenvolvesse a letra ¢ depois Frejat e Mauricio fizessem a musica propriamente, No momento em. ue os parceiros criam a melodia e a harmonia numa letra pré-existente, 6 comum que se facam ajustes no texto para que os versos se adaptem bem a0 fraseado musical. A letra foi inspirada num poema que circulou na in- ternet no inicio dos anos 2000, sendo atribuido a Victor Hugo. A misica foi @ faixa-titulo do primeiro disco-solo de Frejat (‘Amor pra Recomecar” Warner, 2001). Segue abaixo a letra: Amor pra recomegar (FREJAT / MAURICIO BARROS / MAURO STA. CECILIA) te desejo nde parar tao cedo, Pols toda idade tem prazer e medo Ecom os que erram feio e bastante ‘Que voce consiga ser tolerante Quando voce ficar triste ‘Que seja por um dia endo © ano inteiro 64 Mua ate rir de tudo & desespero evejo qe voc’ tenbaa quem amar 1 quando estiver bem eansado (® ‘Aina exista amor pra recomesar Hu te desejo muitos amigos ‘Mas que em um voc possa confiar 1 qe tenha até inimigos Pra voog nilo deixar de davidar ‘Quando voo ficar triste ‘Que seja por um dia ¢ nfo o ano inteiro 1 que voos descubra que rir é bom que rir de tudo € desespero desejo que vocé ganhe dinheiro ois é preciso viver também 1 que yoo diga a ele pelo menos uma vez. ‘Quem é mesmo 0 dono de quem Desejo que vooé tenha a quem amar 1: quando estiver bem cansado Aindaexteamorprarecomesar 4 i ges, de didlogo explicito Hé um outro caso, entre as minhas composigdes; de disloge nite a Poesia ¢ a Cangao. Trata-se da mtisica “Embriague-se’ reat! Me ‘ia, Ceeflia), gravada pelo Bardo Vermetho em 2004. Ela foi adaptada do p cvs em prose homénimo de Baca (in: “Pequenos poemas em pros’) Cimpre observar que no hé nenhuma garantia de que dara certo a adaptag 0 Je versos de um poeta ckissico, pois corre-se o sério risco de piorar, ou mes; ino estragar, 0 que jé era perfeito, Segue abaixo a letra em questiio: (Ry Embriague-se Tudo acaba nisso Ea tinica questio Embriagar-se é preciso Nao importa que horas s80 ra ndo ser escravo do tempo Nas escadarias de um palécio Na beira de um barranco Ou na solidio do quarto Embriague-se * Embriague-se de noite Ou ao meio-dia Embriague-se numa boa De vinho, virtude ou poesia (Ry ‘Tudo acaba nisso Ba tinica questio Embriagar-se 6 preciso ‘io importa que horas sio Pre quem foge, pra quem geme Pra quem fala, pra quem canta Pra nto ter medo da maldade Pra acordar toda a cidade Embriaguesse Embriague-se de noite O20 meio-dia Embriague-se noma boa De vinho, virtude ow poesia (RD No caso da adaptacio, esta pode ser feita nao apenas de um poema, may de um texto em prosa também, Como 60 caso da letra de “Carta pra nés” (Ro- drigo Santos / Mauro Sta. Cecilia / Betinho), que foi adaptada de uma carta que 0 socidlogo Herbert de Souza, o Betinho, escreveu para sua esposa quando es, tava perto da morte. Ao contrério do que pode parecer, a carta nao tem nada de triste; é sim, uma elegia & vida, e nos tocou profundamente, a mim ea Rodrigo, Tanto que foi gravada no primeiro disco solo do baixista do Bardo Vermelho, Rodrigo Santos (Ui poco mais de calma, Som Livre, 2007), 2 66 nt \ en los parceiros citados anteriormente, também tenho cangdes com iisicos do Bardo Vermelho, como Fernando Magalhaes e Guto Go- + vin artistas como Hyldon, Leoni, George Israel, Humberto Effe, Wilson ")o/9), Henrique Portugal, Sérgio Serra, Ezequiel Neves e Martha Medeiros. + s)\pue um prazer renovado ter uma misica inédita gravada, Ou compor ¥) jn yns talentos, como € 0 caso de Rodrigo Bittencourt, jovem muisico, es- sta carioca, Ainda que o mercado esteja extremamente refratério Jv mos em plena transiggo de paradigmas no que diz respeito as novas ‘sinus dle se onvir mtisica, Por isso, nesse momento, mais do que nunca, a “hilo compositor ou poeta é na corda bamba. Mas vale a pena, My speech was about the relationship and differences between Poetry »)y/ Lynies from my own experience and singular point view as a poet and \j)vtiter, T introduced that explanation referring to three great songwri- o/s ol my generation: Cazuza, Renato Russo and Arnaldo Antunes. Trabalho sujo il, agora tudo mudow houve uma pressio em Brasilia 1s verdade se dobrou em muitas Iecisei ler Darcy Ribeiro, ver no dvd Bob Dylan Vara entender que nio dé pra ser esperto e amar Hho ao mesmo tempo. Hvasil, como & que pode, vocé nao da esmola pequena (menos quando precisa ser muito bonzinho) (Crianga com nari escorrendo e pé descalgo Nao esculacha mais asta consciéneia: "Niio quero mendigo na porta da minha casa!” ‘Nilo quero rico roubando meu dinheiro!” Iasi, cade seus bigoddes, seus tamancos Sus azalejos e seus bacalhaus? (Que brasileiro nunca furow fila, nem sinal? livasil, suas verdes matas esto no e-mail Que me pedem pra assinar: Querem reduzir a Floresta Amazbnica em 70%, A morte de cada um em suspenso M6. préxima ilusto. sande Brasil, eassim a gente vai estar pa Afinal o gerundismo é hoje em di nt 67 Uni mal estremamente necessério ‘Como o telelone que faz tudo Como o tlanetinha que nio faz nada Como a corrupsao e 0 esquerdista pragmético ‘Mas, nao, néo vou terminar agui De uma manetra inviavel e ama Brasil Hove you so much Nio me interessam argumentos falsos Pelicidades reescritas Pois eu estou amassado ‘Em nossas expectativas, em minhas finangas Brasil, qual €0 sertio real? E preciso ter uma producio do BNDES? A tecnologia seré bem-vinda ‘Tanto quanto a combustio da ignorincia Oprazer desavergonhado uma sorte em Copacabana Depois da viagem E de todo o trabalho sujo Trabalho sujo Sujo AFLOR DA PELE: UMA LEITURA DA CANCAO“ELA E SUA JANELA’, DE CHICO BUARQUE Rinaldo de Fernandes ||) uma recorréncia bastante significativa, nas cangdes de Chico Bu- +e so tema.do desejo da mulher, Alids, pode-se afirmar, é 0 tema mais “splonudo pelo poeta quando este trata do universo feminino. As mulheres 1 ( hico sito, em varios casos, erotizadas ao extremo. Percebe-se, em cangoes “jun "Vue sua janela? (1966), “Barbara” (1972/73) e “O que seré (Abertu- 4) (1970), « presenga de um eu litico, quase sempre feminino, a dar voz & /))lo dla mulher. Mas essa voz canta sem recompensa, F. que; nessas cangoes, egra, hé uma tenséo: a da SATISFAGAO DA LIBIDO x uma FORCA #1 ADORA DA LIBIDO. Essa tensdo nao € resolvida no interior dos po- ©)» Sendo assim, a mulher deseja, mas nao encontra/satisfaz-se com 0 ab- jlo do seu desejo, Algo, em termos artisticos, bastante positivo, uma vez. que |, com isso, reflete/critica 0 que ainda agora est posto na sociedade, vicnos, na do Ocidente. B que essa sociedade, em tendendo a reconhecer » [lo (homem) como principal simbolo do desejo, e tendo a mulher como o ohjnlo desse desejo, dificulta a unigo erdtica de sujeitos do desejo. Mas, em Chico Buarque, 0 desejo da mulher nunca se realiza? Em como “Mar e lua” (1980) e “O meu amor” (1977/78), a mulher en- ‘ontia/satisfaz-se com 0 objeto do seu desejo. Em “Mar e lua’, por exemplo, \ (ono entre a SATISFAGAO DA LIBIDO x uma FORCA REFREADORA 1A LIBIDO ainda esté presente e se resolve em favor de uma simbélica juncio de corpos e/ou de destinos (“E foram correnteza abaixo/ Rolando ‘ho leito/ Engolindo 4gua/ Boiando com as algas/ Arrastando folhas/ Carre- yondo flores/ Ea se desmanchar”). E sé em “O meu amor” que essa tensio vi desaparecer. Aqui, caso tinico em Chico Buarque, todo o poema trata da SATISEAGAO DA LIBIDO da mulher (“Eu sou sua menina, viu?/ E ele é0 inew tapaz/ Meu corpo ¢ testemunha/ Do bem que ele me faz”). Antes de passarmos para a andlise de “Bla e sua janela’, é preciso ter en) mente 0 conceito de desejo que operaremos aqui. Trabalharemos, na 1 69 verdade, com 0 conceito de desejo sexual. Seguiremos a mesma linha de ra~ ciocinio do psicanalista Gérard Pommier, para quem hé, efetivamente, uma diferenca entre a nosdo de desejo e a de desejo sexual. Afirma Pommier: O desejo sempre desencarnado de Tantalo exerce uma pressio per- manente, desde 0 nascimento até a morte. O desejo sexual, 20 contrario, s6 se manifesta ocasionalmente e com maior ou menor forga. [..] Nao apenas o desejo parece ficar dessexualizado, como também se opse ferozmente a sexualidade: podemos comprovar isso considerando a atualizacéo da fantasia, Esta ultima é estimulada pelo desejo, mas algumas de suas sequéncias contradizem toda a vida sexual. O soldado que parte Para o ataque, provavelmente, em complementagéo a seu dever patristico, esta zelosamente executando uma sequ éncia de sua fantasia; no entanto, 0 que faz nada tem de sexual e mais toma partido de Tanatos que 0 de Eros. O apaixonado que cumula sua cleita de presentes, mas se proibe até mesmo de abragé-la, certamente realiza uma fantasia concernente 4 pureza. Contudo, © que faz contradiz qualquer erotismeo. [..] Alids, ndo é comum 0 objeto de amor em geral ser incompativel com © desejo sexual, embora parega talhado para se harmonizar com ele? E que © desejo amoroso se revela muito semelhante ao objeto da fantasia, e passa pelos mesmos apuros, pelo mesmo funcionamento inconstante deste tilti- mo, quando se trata da sexualidade. Nao convird, pois, optarmos por esta~ helecer uma distingao clara entre desejo ¢ desejo sexual, e imais, por carac- (erizar a especificidade do desejo sexual feminino e masculino? Portanto, repitamos, é 0 conceito de desejo sexual que aqui mais nos interessa. E, particularmente, 0 conceito de desejo sexual feminino. Existe, tle fato, algo de especial nesse desejo? Quais as caracteristicas, especificida- les, do desejo sexual da mulher? E sé a partir de respostas a essas questoes «ue poderemos avaliar as atitudes do eu lirico de “Ela e sua janela’, No mundo freudiano do pai, a mulher é definida por uma falta, a do mbolo e encarnagéo do desejo. Na teoria de Freud, o falo significa, ‘1 um s6 tempo, poder, diferenga e desejo. © caréter do feminino é deter- minado pela aceitagao da passividade sexual. Freud propde, mesmo, que a menina, de inicio, comporta-se sexualmente como o menino. E deseja, ati- ‘nle, a mae. Depois, na fase edipiana, a menina vai descobrir que ela ea filo, 70 ts \use estio faltosas de um falo, A menina torna-se feminina quando se volta «lh, mie para o pai, na tentativa de receber o falo ausente, Torna-se, assim, ubjeto do pai, passiva sexualmente.* Mas hé aqueles que discordam dessa posigao, Para a ensaista Jessica Ben- jonin, por exemplo, “nao éa anatomia, mas a totalidade do relacionamento da senna com o seu pai, num contexto de polaridade de generos e esponsabili- siledesigual de criagao, que explica a notada falta da mulher’? Isto significa liver que io as relagies objetivas entre homens mulheres, nas quais ainda liowe predomina (mesmo que silenciosamente) 0 patriarcalismo, que esto @ )njetar em nossas mentes essa imagem de falo - ¢, portanto, do homer ~ como simbolo principal nao sé do poder, mas igualmente do desejo. Portanto, em nossa cultura, 0 simbolo principal do desejo, ou o préprio ‘0,60 falofhomem. O corpo da mulher €0 objeto desse desejo, E como fica- ‘iain, em nossa cultura, aquelas imagens femininas (como a da chamada “mu- ther fatal”) que normalmente se contrapdem ao falo enquanto encarnacio do \Jescio? Para Jessica Benjamin, elas nao indicam, necessariamente, atividade: ‘A imagem alternativa da fernme fatale ndo significa uma subjetividade ativa. ‘A mulher sexy ~ uma imagem que intimida a5 mulheres, estando ou nfo lutando pata agir de acordo com esta imagem ~ é sensual, mas como objeto, no como su- jeito. Ela expressa ndo tanto o seu desejo quanto o seu prazer em ser desejada; 0 que cla aprecia€ sua capacidade de evocar desejo no outro, de atrat. © seu poder nio esti na sua pr6pria paixio, mas na sua qualidade extrema de ser desejivel. Nem 0 poder da mie nem aquele da mulher sexy podem, como no caso do pai, ser descri- tos como o poder de um sujeto sexual Ora, a agéncia sexual, igada historicamente & imagem do homem, pa- jece contribuir mesmo para a afirmagio deste enquanto detentor do poder «le comando, Ter poderes, nesta sociedade, é ser sexualmente ative. O dese- Jv 1atifica 0 dominio. Mas esse estado de coisas pode ser (ou jé vem sendo) ‘worientado, Dafa luta, j6 de algum tempo, pelo reconhecimento da mulher ennyuanto sujeito social, Nesse percurso, a igual luta pelo reconhecimento vhy ayéncia sexual da mulher torna-se, parece, politicamente importante. \yora, mais do que nunca, a mulher deseja ~ e isto precisa ser dito. Sf aninatin New Yate Paar a age eer ee a Vamos admitir a verdade parcial da triste viséo de Freud. A equi so de masculinidade com desejo, feminilidade com objeto de desej reflete a situacao existente; nio é simplesmente uma visio preconceiti Osa, A agencia sexual da mulher é frequentemente inibida ¢ seu desejo também muitas vezes expresso pela escolha da subordinagdo, Mas es situagdo nao ¢ inevitivel; ela existe através de forcas que nds pretende mos entender ¢ contrariar. Nés nio precisamos negar a contribuicio natureza ou anatomia para moldar as condicdes da feminilidade; nds temos somente de argumentar que a integragio psicolégica da realidad biolégica tem sido a fungao da cultura - cuja organizacéo social n6j podemos mudar ou dirigir.*° Eis ai a orientacdo de Jessica Benjamin, Portanto, parece que o im Portante agora a perspectiva nova de uma juncio de sujeitos do desejo, Homens e mulheres ~ agentes." B, para a formacdo de uma, por assim dizen nova ordem mundial do desejo, nio poderd a arte poética (que, num ca como o de Chico Buarque, ¢ essencialmente contra-ideoldgica) dar a sua contribuicao? Sim, sem diivida, Sendo assim, fica-nos uma questo. Como é que Chico Buarque val explorat; em suas cangoes, o tema do desejo da mulher? Jé nos dois primeitos Pardgrafos deste artigo antecipamos a resposta. Sim, a mulher, em Chico Bu arque, deseja. E sujeito, nao objeto. Em certos casos, no satisfaz 0 seu desejo; em outros, sim, Agora, como é que, em suas cangées, 0 poeta estrutura esse tema? F s6 com a andlise, a seguir, que poderemos dar uma resposta. A libido a Flor da Pele an 1966, Chico Buarque langa “Ela e sua janela O texto da cangao é: 1 Fla esua menina Ela e seu tried Hs esua jane, espiando Com tanta moga af 5 Narua seu amor S6 pode estar dangando Da sua janela Imagina ela Vor onde ele anda 108 ela vai talver Sair uma ver Na varanda Ha e um fogareiro Hae sew calor 15 Bla e sua janela, esperando Com tio pouco dinheiro neo seu amor Anda esta jogando 1a sua janela 20 Uma vagaestrela um pedaco de lua cla vai talvez Sair outra vez Na rua 25 Ela e seu castigo Ela e seu penar Hla e sua janela, querendo Com tanto velho amigo (© seu amor num bar 30 S6 pode estar bebendo ‘Mas outro moreno Joga um novo aceno uma jura fingida F cla vai talvez 35 Viver duma vez Avida nt 7B

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