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arti een entice eats DAVID SANCHEZ RUBIO Encantos € Desencantos dos Direitos Humanos DE EMANCIPAGOES, LIBERTAGOES E DOMINAGOES Capitulo I Desafios contemporaneos do direito: diversidade, complexidade e direitos humanos* 1. Introdugéo ‘Ao longo deste escrito, pretende-se abordar os desa- fios do direito frente aos diversos problemas que atualmen- te so colocados por mundo globalizado e, ocasionalmente, digitalizado. Dizia Oscar Wilde que apenas poderia falar de nada porque era 0 tinico que poderia falar um pouco. ‘Neste caso, nao se pretende, com tanta irdnica humildade, falar de nada, mas falar de algo, de um pouco mais sobre 0 direito moderno e sobre direitos humanos, iniciando de uma concreta intuicdo que, como premissa, pode servir como ponto de partida, que € o seguinte: o imaginério juri- dico e 0 paradigma juridico generalizado e oficial que predomina em nosso contexto cultural se assenta em alguns mitos, em ideias e conceitos que se colacam como grandes obsticulos¢ limites para solucionar os desafios da sociedade global que alguns gostam de chamar de “sociedade da informagio”. Inicialmente, destacam- -se, no minimo, trés obstéculos, impedimentos ou limites que se manifestam em forma de mal estar que compreen- der interativa e interrelacionalmente: a) epistemol6gico; b) axiolégico; c) culturais. 3 Teao onginalmente apresentado na abertura do XIX Congreso Nacional do CCONFEDI (Conselho Nacional de Pesquisa e Pos Graduacao em Direito Dest {ios da Contemporaneiade do Dire: desided, complexidade e Novas Tecolgits” ‘organizado em Florandpolis em 13 de outubro de 2010. incu e Devereaios dos Dirios Humanos S40 impostas tanto as concretitudes como as particularidades dos fenémenos, entendidos agora multidimensionalmente, e assim é afetada a subjetividade do observavel. Conceitos como atrativos, os fractais,* as estruturas ‘dissipativas e a resiliéncia, incidem e insistem na importancia de “apren- der a aprender” sabendo coordenar 0 murtdo do macro com 0 mundo do micro; o geral e as totalidades'icgm -ai particularidades. A estrutura do real se, interpretaia partit do sultiescalas, da interatividade, da incerteza, do azar e interrelacao entre ordem, desord i - tavel de todos seuselementos? A neguentropta ow negantropia, também chamada entropia negation o sintropa, de um sistema vivo, ém etroptr que o sistema exporta para tanter an eno. Bia bana; encontra-se na interest da entropia ea vida. A nequentropls pode-se lefinir como a tendéncia natural de que um sistema se modifique segundo sue estrotura ese realize em niveis que possiem os subsistemas dentro do mesmo. Yer om, citp://es:wikipediaorg/wiki/NepuentroptscADa>, acco em 3 Um facta 6 um objeto geométrico cuj estrutura bisa, lar se repete em diferentes esclas, Ver em . ‘Enado e Conaiigdo 15 36 DAVID SANCHEZ RUBIO lista quando permite que alguns seres humanos tratem os demais como objetos, surgindo distintas formas de humi- Ihaco, abandono, desprezo e subjulgagao. A cultura juridica e do mundo do direito em geral d vem incorporar este imperativo categérico contra as viti- mizag6es para saber distinguir os distintos processos que ocasionam as condigdes para sermos reconhecidos como sujeitos ou para ser reconhecido como objetos' fin tGdas esferas da significagao humana (de género, sexual, étriico, politico, cultural, racial...). Analisar e falar sobre proprieda- de intelectual, direito econémico, Lex mercatoria, mediacao, conciliagao, arbitragem, sociedade da informacao, direito laboral, direito urbanistico, direito bioenergético, direito tributério, ensino juridico, administracao e politicas publi- cas, direito internacional, direito penal, criminalizacao e pratica judicial, direito ambiental, direito do consumidor, direito da crianga e adolescente, direito do idoso (da tercei 1a idade), etc., a partir de légicas de incluso e rechagando a exclusdo, potencializaria o avanco para um mundo aten- to as diversas situac6es de injustiga e barbérie. Com a articulagao entre seres humanos, agdes, meios © mediagées, ha que se prestar atenc&o quando se reificam as produgdes humanas sobre os proprios seres humanos ou quando sao realmente os seres humanos 0 referente de qualquer emancipacao e libertagao. A partir do direito pode-se e deve-se lutar contra expresso de subintegracao ou subvaloracao das pessoas (por exemplo, eth matéria de subcidadania ou de migracao em situacdes, Meecdrias). Como juristas, devemos saber para que e para’ giiem'se in- terpreta e so utilizados os sistemas jurfdicbs ¢ dé que nor- ma protege ou enfrenta as desigualdades. No espaco onde se produzem relagdes de dominio ou hierarquica excludentes, ha que se visibilizar as estruturas de desigualdade e assimétricas nas que determinados cole- tivos ficam A mercé de grupos de poder e sistemas que so transformadas em idolos e fetiches endeusados que estao acima da condicéo humana. Particularmente, no capitalis- mo, grande parte da culpa é da racionalidade instrumental Encantos e Desencantos dos Direitos Humanos ‘de emancipagoes, libertagbes ¢ dominagdes: 37 meio-fim e a obtencao do maximo beneficio que, entre ou- tras coisa, produz e amplia uma sociedade global de ga- nhadores e perdedores. Tal como se antecipou, para que o ser humano possa produzir e reproduzir mundos, deve viver. Por esta razao, deve assumir e incorporar uma racionalidade e uma ética da vida e do vivo, uma ética que saiba resistir de forma sen- sivel e comprometida com o sofrimento humano. Todo ser humano deve viver sem ser sacrificado nem se morto por um valor, um ideal, uma instituigdo, enfim, uma produ- so ou criagéo humana. A vida humana néo sobrevive sem natureza. Muito podem-nos ensinar os povos indigenas e outras culturas ancestrais para que possamos aprender uma ecocultura epistemolégica (Solérzano Alfaro, 2010) e um biocentrismo antropolégico em que todos nés tenhamos a possibilidade de viver. A produgio, reproducdo e desenvolvimento da vida € um critério de realidade: para que o ser humano possa sentir, respirar, falar, comunicar, criar, recriar, significar e resignificar mundos, deve viver. Por esta razao, partimos da consideracao de que a vida humana é o fundamento interno da realidade. A vida humana (ndo abstratamente considerada) funciona como critério de julgamento de toda ago, tanto sobre a que a produz, reproduz e desenvolve como sobre a que a aniquila ou degrada. Nos referimos a ela como fim, ndo como um programa que se pode cumprir ou se fracassar. Trata-se mais de condic4o para qualquer coisa, ac&o ou evento que esté dentro dos marcos da reali- dade hist6rica do ser humano. Sem a vida dos sujeitos, nao hé discuss&o, nem razfio, nem valorago, nem sentimento (Hinkelamert y Mora, 2006)." Os ordenamentos juridicos ‘Sema intengfo de encorrer em unidimensional economicismo, para enfrentar a _maneira com que o capitalismo e a modernidade que 0 apoia, coordena a divisso Social do trabalho, produ distribui bens sociais (com todo seu aparato juridi- ‘estes autores defendem que somente se deve politizar e explicar a politica tem toda atividade economics para evitar que se esconda sob uma fasa atividade técnica, mag que também se deve recondusir o mundo da economia (assim como toda acio de qualquer poder sociopalftico e juridico) como forma de reconhe- cer as Condigdes de existencia de todos seres humanos (corporais em todas di- Senses) ea natureza que conforma tanto a humanidade como o planeta Terra, ‘Enado e Consttulgaa 15 38 DAVID SANCHEZ RUBIO e direitos humanos guardam relagao com A adiinistraca da vida e da morte de todas as ena do plan es om, oo mes € sobrenomes. Este ponto de consiruciodéliimna cién- cia e uma cultura juridica responsavel que alia condigées de existéncia humana com a natureza. - Ainda, por sugestao de meu querido amigo Leonardo Wandelli, faco aqui quase uma tradusio literal do e-mail que me enviou comentando este trabalho, para projetar e visualizar melhor este principio de produ¢ao, reproducao ¢ desenvolvimento nao se pode deixar de lado a impor- tancia da tematica das necessidades e potencialidades que Possui esta categoria, apesar dos equivocos e riscos que carrega em si. Somos sujeitos necessitados e queremos realizar nossas necessidades e nos tornamos cada vez mais ricos em necessidades. Esta categoria, como assinala Wandel pode ser a que expresse melhor a mediacio entre os suj tos e bens reconhecidos a partir do’ ponto de vista juridi- co-normativo. Os direitos sao medicaméentos para os bens (incluindo objetos e relacées), que satisfazem as necessida- des individuais e coletivas. Talvez isto nos permifa superar © paradoxo do direito moderno sem fundamentg. A vida humana e o mundo natural em que esté inderid{sa0'0s fundamentos que limitam a margem de, pgssibilidade de formas de vida dignas. Nem tudo é possivel. Da vida como critério de realidade € que se extrai o principio de produ- sao, reprodugao e desenvolvimento da vida humana. A vida é 0 devido.” 3.3. O paradigma pluralista de direito Outro desafio para a cultura juridica é 0 de incorporar © paradigma do pluralismo jurfdico frente ao paradigma mete Sn peta Si ogc enn, Ques oo a atten ae came ev erm cont aos pan conden ‘cada pessoa é 0 suporte de todos demais. ee ™ Leonardo Wandelli, correio eletrénico recebido em janéiro de 2011. Eneantos e Desencantos dos Direitos Humanos 7 de emancipagtes, libertagdes e dominagées 39 do monismo juridico. J comentamos que a crescente com- plexidade do mundo contemporaneo est colocando em situagao de crise o Estado, o que afeta seu principal instru- mento de controle: o direito estatal. Sua soberania politica jurfdica est sendo ameacada e diminufda porque vai pro- gressivamente perdendo 0 controle da coeréncia sistémica de suas leis. O socidlogo e jusfildsofo brasilei tuar- do Faria assinala que o Estado nao possui mais como nao substituir as normas abstratas, genéricas e impessoais por ‘normas-pariculares, eopecificss "Wnallstas™ tendo aque “uber seu ortenamerto pando # competiacia de ow tros ordenamentos. E encontramo-nos em uma situacao de ‘poleentrismo ou polissistemica normativa de onde o di- reito estatal perde sua centralidade e concorre com justigas e normatividades paralelas, muitas das quais, porém nao tinicas, dominadas por uma légica financeira e mercantista do capitalismo (Faria, 2001). Neste sentido, as normas tradicionais assentadas em pretensdes de homogeneidade, promulgadas com base nos principios da impessoalidade, generalidade e abstracao e de rigor semantico, organizadas a partir de um sistema unitério, l6gico, fechado e hierarquizado, coerente, sem la- cunas e antinomias, sdo excessivamente simples para dar conta da pluralidade das situacées sociais, econdmicas e culturais cada vez mais diferenciadas. A complexidade so- cioeconémica e a crescente desigualdade dos conflitos, tan- to a nivel supranacional como infraestatal, como também no interior do préprio direito positivo estatal, mostram a perdida capacidade de regular e disciplinar nossas socie- dades e o surgimento de outras expressées de pluralidade juridica rompem 0 monopolio estatal. Novasfontesdedireito novossujeitoseatoresemtodas as escalas espaciais (locais, regionais, nacionais, globais) e novos direitos desafiam a unicidade e hegemonia do direito estatal, tornando-o insuficiente e deficiente. O surgimento, dentro do processo de globalizacao, de modelos hierérqui- cos de direito, evidencia a existéncia de formas diversas de pluralismo que toda anélise juridica deve perceber e ‘rtodo ¢ Consinigdo 15 40 DAVID SANCHEZ RUBIO. analisar. A melhor maneira de visualizar o direitb manifes- to de policentrismo normative €6 paradigma do pluralis- mo juvidies. Defenclido por autores Bor sulorde come Antoni Carlos Wolkmer, Jesus Antonio de la Torre Rangel. Boaventura de Sousa Santos, Oscar Correas, Edgardo Ardila, German Palacios, Alejandro Médici, Alfonso de Julios Campuzano 0 proprio José Eduardo Faria, o contexto global manifesta suas especificidades regionais, como €0 caso da América Latina, territério periférico do capitalismo, Por esta razao, lerecem mengao especial hao apenas os dispositivos nor- mativos da lex mercatoria, mas também as nacdes e povos indigenas que, desde os tempos ancestrais, tém desenvol- vido seus préprios sistemas juridicos de regulacao social e, desde 1492, vém enfrentando o imaginério politico, econd- mico e cultural procedente da Europa e EE.UU."* A questao é que a estrutura normativa:do direito po- sitivo formal lerno no infcio do século XX pouco “Gficaz, sobretudo, pata salicionay e atemder- oe eBoee jemag, Telacionados a: idades especificas das we eiédades “mento do capitalismo e seu processo de expansao através de estratégias de dominacdo pelas nacdes mais poderosas. intensifica a sangria dos mercados dos paises mais frégeis pobres e, incrementa os niveis de desigualdade e contr: dicao social. Entre outras coisas, provoca uma crise de leg; timidade e funcionamento da justica baseada na primazia Sobre o tema do pluralismo juridico, Wolkmer, Antonio Carlos Pluralismo jue rico, Fundmentos de una nueva cultura del Derecho. Sevilla: MAD, 2006 (wade. ‘cin a cargo de David Sénchez Rubio); Wolkmer, Antonio Carlos; Verse Neto, Francisco Q.; Lixa, Ivene M. (orgs). Pliraismo juridico. Os novos cunintos da con. termi SP Sogn 2086, Corpuranoy Along en, Ct tucionalismo em tempos de globaizagao, Porto Alegre: Livraria do advogedo, 2009; ‘Correas, Oscar (coord ). Pluralism juridico, otros horizantes, México DF Edicion ‘nes Coyoacén/UNAM, 2007; Sousa Santos, Boaventura de. Sociologia jurdica cre fica, Para un nuevo sentido comiin en Derecho, Madrids Trotta/ILSA. 2009; Medici, Alejandro. Teoria constitucional y giro decolonial: narrativas y simbolismo as las constituciones. Reflexiones a propdsito de la experiencia de Bolivia y Beu dor, trabajo presentado en III Jornadas de Filosofia Politica, UNMaP (misnes); ¢ Torre Rangel, Jesus Antonio de la. El Derecho como arma de liberaciin on Amora Latina, Facultad de Derecho de la Universidad Autonome Sart Luis Rotost, 200 edo mesmo autor: Sociologia juridica y uso alternatioa del Derecho, Agus Instituto Cultural, 1997. : Encantos ¢ Desencantos dos Direitos Humanos oe OEP ‘de emancipagées, libetagbes ¢ dominagdes ear © exclusividade do modelo estatal de direito e nos valores individualistas liberais, crise que surgiu no inicio do século e afeta as nac6es indigenas. Da mesma forma que existem relacées sociais de eman- cipacaio e de dominacao, surgem expressoes do direito es- tatal e de direito nao estatal que absorvem estas mesmas légicas. Podemos nos deparar com normas juridicas esta- tais autoritdrias e discriminadoras e com normas juridicas comunitarias ou coletivas nao estatais com forte carga de violéncia despotica, mas também sao produzidas, em am- bos 0s casos, normas que reconhecem e garantem direitos humanos ou de espagos de dignidade. Além de saber ana- lisar qualquer expansao de pluraridade do direito, também hha que se desencantar com a recuperagao e consolidacao de toda manifestacao juridica, seja estatal ou nao movida por dinamicas emancipadoras. Esta é a linha defendida, por exemplo, por Antonio Carlos Wolkmer ao propor a busca de uma visao juridica mais plurali dog jue reflita melhor e dé conta do novo contex- tem que se encontram ¢ ‘05 paises latino-americanos e que atenda os coletivos cuja éxperiéncia de vida é mais desigual (sa0.0s dominados, os Vitimizados, os “de baixo”). A partir de uma nova postura militante e comprometida, o autor aposta no projeto de um “novo” direito, transformiando-0, em instincia a servico da justica, da emancipacao e da dig. nificagao dos seres humanos (Wolkmer, 2003a). Sua pro- posta parte de uma nogao de pluralismo juridico, capaz de reconhecer e legitimar normas extras ¢ infraestatais, engendradas por caréncias e necessidades provenientes de novos atores sociais, e capaz de captar as representacdes legais de sociedades emergentes marcadas por estruturas de igualdades precirias e pulverizadas por espacos de conflito permanente (Wolkmer, 2003b). Na mesma linha do pluralismo emancipador, Jestis Antonio de La Torre Rangel assinala, dentro da dispu- ta pelo poder jurisdicional entre o Estado e outros atores sociais, a razdo dos povos indfgenas em sua luta pela re- cuperacao de sua meméria, pelo saber hist6rico de suas reivindicagdes @ coloca em marcha processos sociais que criam conceitos e realidades para a construgao de condi- des de dignidade humana significada a partir do indigena e do campesinato. O povo desenvolve em sua disputa e luta a capacidade de decisao de contrapoder capaz de produzit realidade. Autoafirmacao, autoconsciéncia e reivindicacao da identidade camponesa e indigena sintetizam tanto as Praticas juridico-libertadoras que produzem sclidariedade como conceito distinto do politico como servico.e abertura ao outro (De la Torre Rangel, 2010)."* Em fungao do considerado, a cultura deve'assimilar € incorporar 0 paradigma pluralista de direito por: duas razoes fundamentais: a) porque permite uma melhéi*in terpretacio da complexidade dos atuais acontecimté!itos que 0 contexto da globalizacao esta provocande sobre o mundo juridico; e b) porque em sua versio emancipado- ra, 0 direito tanto estatal como nao estatal pode ser instru- mento a servico dos coletivos mais desprotegidos e mais vulneraveis. Isto é, ha que se ter clareza de que nao existem instancias salvadoras que possam manter & margem as in- fluéncias das relacées de poder. As normas juridicas e 0 fenémeno juridico se encontram em um continuo proces- so de significacao e ressignificacao. A luta por nominé-lo e construé-lo de maneira emancipadora ou dominadora nao desaparece nunca. Mesmo assim, fazendo uma projecao de visao nor- mativa pluralista e de direito no campo das garantias de direitos humanos de forma libertadora e emancipadora, podemos nos encontrar na escala local, nacional, regional ¢ internacional e/ou global, com mecanismos de protecao juridicas estatais e mecanismos de protegio juridica nao estatal (por exemplo, através de sistemas de resolugao e reconhecimento do cardter indigena), e, além disso, com instrumentos de garantias de direitos humanos nao ju dicos, ou seja, de corte social, econdmico, cultural, éthj¢o, sexual-libidinal, etc. ativados por instancias que nao sao ex- clusivamente judiciais nem estatais (delineadas por lutas, * Referéncia emprestada de Torre de Lara, Oscar Arnulfo de la, “Tierra y Dere- ‘cho: la disputa inmemorial” (mimeo). ‘ado © Constiuigao 13 42 DAVID SANCHEZ RUBIO Eneantos e Deseneantos dos Direitos Humanos de emancipagées, lihertagdes e domnin 43 tramas ou conjunto de agées e relacdes humanas coletivas = movimentos sociais — e cotidianas — individuais e di- Arias — de reciprocidade e horizontalidades desenroladas em todos os espagos sociais). Ou seja, o que afirmamos é que existem mecanismos multiescalares de garantias de direitos humanos de caréter jurfdico estatal, juridico nao estatal e nao jurfdico (socioeconémico, cultural, sexual, po- Iftico...) como traga a linha de pensamento de Helio Gallar- do de que direitos humanos sao para todo momento e em todo lugar. 3.4. A pluridiversidade e multiculturalidade do mundo No que diz respeito a uma escala mundial, temos, no contexto ‘da globalizac4o, uma multiculturalidade muito clara. E ébvio e claro que existem diferentes tipos de so- ciedades multiculturais. E também um fato da factualida- de vida ou existéncia de uma pluralidade de culturas no mundo e na nossa propria drea geogrdfica. Isto tem conse- quéncias negativas (problemas e conflitos de identidade e de coexisténcia com base na distingao nés/eles ou outros), mas também positivas. E é neste espaco que a cultura ju- rfdica tem que saber como se mover. O fato multicultural deve tomar isso como desafio intercultural, ou seja, como tarefa ou programa, como exigéncia legal que flui a par- tir da realidade de nossa situacdo histérica e se concentra numa humanidade que deve caminhar junto para conquis- tar e reconhecer os direitos plenamente humanos e para todos, sem excesao. Este é o derradeiro desafio proposto para a imagina- Ao jurfdica: a incorporagao consciente e explicita do multi- culturalismo no mundo, sem incorrer em situagées idflicas ou idealistas. Os processos de globalizacao, acompanhados pelas novas tecnologias (internet, transportes, como avides, trens, carros e barcos, telefonia, etc.), a internacionalizacao do capital, o potencial para um maior intercambiodeideiase pessoas em interface, algumas em condi¢des mais precarias do que outras, é0 que conta para as diferentes expresses do ‘Ewa « Conatuigo 15 44 DAVID SANCHEZ RUBIO humano coexistirem na vida cotidiana, nao’ apenas a di tancia. Além disso, as sociedades latino-americanas sio sociedades pés-coloniais, nas quais coexistent diferentes visdes de mundo e direitos consuetudinarios ao lado dos ancestrais preservados por grupos indigenas, quilombolas, camponeses, seres urbanos, bem como com.diferentes'cul- turas. vi fie: Curiosamente, neste contexto latins i q esta acontecendo em i [os como Bolivia, Equador ypesar de adotar @ sehmutura juridico-politico constitucional e garante da tradigao europeia e “USAmerican” uma nova reviravolta Sena, Sendo produzido néo somente-o pluralismo juridi- co, mas também do multiculturalismo, Através do cons- fitucionalismo latino, a chamada Nova Americana se vé formada por multiestados com alguma afinidade, Sorém eo petepectivas politica diferentes. No caso do Brasil, também constitucionalizam-se direitos étnicos e coletivos, sendo assim reconhecida uma série de novos direitos re- lacionados com a dimens4o multinacional multiétnica e de sua sociedade. £ um proceso de mistura cultural ao lado do paradigma moderno que nao € 0 unico a estabe- a grupos indigenas coletivos e/ou de ascendéncia africana (por exemplo, o direito a terra, o direito a autodgtetihina- sao e autonomia, os direitos culturais, educacad, lingua, tradig6es e costumes) que sistematicamente foram subme. tidos a uma histéria tragica de resistencia, desapropriacio, genocidio e barbarie. Também o novo constitucionalismo latino-americano incorpora em seus institutos ambientais direitos que protegem a biodiversidade e 0 meio ambien- te, também estreitamente ligados a antigas culturas. Nesse sentido, na Constituigéo equatoriana, o meio ambiente é sujeito de direito e, como tal, deve ser garantido, protegido e mantido (Medici, 2010). Eneantos © Desencantos dos Dietos Humanos de emancipagies,iberages edominasoes 45 Além disso, os processos de globalizacao afetam mui- tos conceitos, instituicdes tradicionalmente associadas a propria concepgao de Estado Nacional dentro da tradi- 40 da modernidade: democracia, direitos humanos e 0 préprio conceito de cidadania. A explicacao do elemento multicultural faz um questionamento, uma critica e uma redefinicao destas instituiges ou conceitos. Um dos mais proeminentes desafio do pluralismo é a questao da imigragao. Este é um daqueles tfpicos processos globais que também coloca & prova todas as sociedades, em particular, as de direito e democraticas. O movimento transfronteirico de pessoas, como um fato relacionado ao multiculturalismo, desafia nosso senso ético de convivén- cia e ideia de reconhecimento da dignidade humana. Faz com que a busca de uma concep¢ao coerente de cidadania se estenda aos direitos humanos. A imigragao evidencia as insuficiéncias e os limites de nossa cultura ocidental legal de direitos humanos e nogao de cidadania, propiciando uma gama de possibilidades e opcdes para construir um mundo mais justo. O ato de criar espacos de humanidade e de humanizacdo abertos a todos, respeitando as diferencas e sempre defendendo a vida vale sempre a pena em qual- quer ambiente social e cultural. Para isso, 0 direito pode se transformar em ferramenta de reconhecimento e segu- ranga. O imaginério legal deve promover propostas inter- culturais a partir de critérios de riqueza reconhecendo o agir humano. Todos devem ser capazes de dar significado &s suas proprias producées e possuir a capacidade de inte- ragir em suas relac6es a partir da diversidasde cultural, se- xual. étnica, politica, juridica, econémica, etc. Que melhor maneira de respeitar e garantir as diferencas, reconhecendo as semelhangas com a diversidade cultural. Hé um ditado em Chiapas que expressa isso muito bem: “cada um a sua maneira.” Os zapatistas deixam isso claro com a expresso “um mundo onde caibam muitos mundos”. Para promover tudo isso é interessante promover es- tudos juridicos e pluritépicos que possam abri-se ao outro, ‘Evade « Consinigdo 15 46 DAVID SANCHEZ RUBIO te ao diferente, em particular nos Estados que'se'dizémiiitilti nacionais (como Bolfvia, Equador e Brasil). Enibora’éxididin ... muitas propostas multiculturais, a defendida rieste traba- Iho € a que podemos chamar de interculturalidaite pliitiver- salismo de confluéncia ou sécio-historica, tal qual as linkias de pensamento definidas por Peter McLaren, Catherine Walsh e Herrera Joaquin Flores, um interculturalismo critico e de re- sisténcia (Herrera Flores, 2000; Walsh, 2010; McLaren, 2000). Trata-se de um compromisso com o fértil cruzamento en- tre culturas e diferentes formas de saber, considerando que todas as culturas séo incompletas, construfdas por signos, saberes e significagdes que permanentemente transfor- mam as relac6es sociais, culturais e institucionais, e nestas telagdes sao edificados os significados. Para este tipo de interculturalidade considera-se que cada cultura é impreg- nada por varias culturas e racionalidades, e que devemos defender a igualdade na diferenca, combinando ambos os princfpios em toda situacao que produza a desigualdade. Os dois imperativos categéricos que sintetizam bem 840 os indicados por Boaventura de Sousa Santos; a) temos © direito de sermos iguais quando a diferenca.ngs inferio- tiza, e b) temos 0 direito de sermos diferentes quandaa igualdade nos descaracteriza. sneha saitts tenorles, desafiam a oposicio igualdadiindi- ferenca €passam a del ler a complementaridade entre al desigualdade da dominaca ssimietria discriminatéria no modo de ser, fazer, no conhecimento e Ro estar. As controvérsias sao resolvidas buscando-se crité- tios de emancipacao que permitam um ess continuo, aberto, itinerante e em transito a partir das experiéncias ¢ contextos das pessoas (particularismos tensos de universalida- dé), principalmente aqueles em estio em condicdo de su: bordinack vulnerabilidade e vitimizaca: istis indo. liferenciando, por um lado, aquelas politicas de aber! ara a humanizacao e, por outro, as politi. le fe en- to (tendo em conta as di if ai lesuma- nizags0). Uma interculturalidade-multiculturalidade que (0 ignore as relacdes de poder ¢ as preténsSes de hege- Encantos ¢ Desencantos dos Diteitos Humanos . {de emancipagses, libertagdes e dominages 47 a te

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