You are on page 1of 18
Dossié _Revolucéo Francesa Diderot, Penélope da Revolucao Roberto Romano sori RETR feng nce ern lo sonmscimeno# ore ds ‘ASparcas am oan a orden nde esbe hich Pa ‘Metamorfose. Esta foi a palavra usada por Goethe para concluir as referéncias de seu interlocutor sobre Diderot. O fiésoto seria um avatar da iteratura, brio anunciaco jo tempo de Luis XIV, incandescendo com D’Alembert, Beaumarchais, @ outros semelhantes. Proteu sublime, © esprit adquite a forma da alma, asas de borbolea livre e mulicolorda. Definicao perteita da es- rita e dos interesses de Diderot pelo mundo cultural e politic. De Goethe até hoje 0 julzo sobre o arquitlo da Enciclopédia varia, mas nota sempre © aspecto ondulatono de sua prosa, repousando sobre tudo e todos, no mundo do saber. Para nao cestacionar em nada, envoivida no’ préprio pneuma, nos turbihbes do vento, a pena de Diderot fompev mullas amarras. "Dispersé, supericiel, erraique, contradictoire, répétiit et réveur, ce logos spermatkos séme a tous les vents", diz, sobre Diderot, Elisabeth de Fontenay. CComparado @ Moniaigne\") com trequéncia, suspeito de plago tilosélico ~ apropria- ‘80 direta dos trabalhgs de Francis Bacon'®) ~ visto de forma prudente, por seu relacionamento Gireto com Catarina tI), 2 obra de Diderot tem sido esquadrinhada nos minimos detalhes histén- 00s, psicoligices, metatisicos, médicos, cientiices. Jean Thomas resume os componentes do es- pnt que vela em Diderot: recusa da metatisica, da teologia, das relgides positvas. Ademais, entu- siasmo pela ciéncia, amor do bem piblco, moral tundamentada pela natureza, tolerancia e cos~ ‘mopoliismo. Finalmente, abandono das regras, recurso a novas formas lerénas, sempre que OS géneros tradicionais eram insuficientes, amor pelas artes e técnicas ao mesmo tempo. © retrato é inverso, luminoso, do lacrimejante Rousseau. Os erticos mais pérlidos — que surgiram quando ele vvia ~ projetaram, dele, a ima- ‘gem de um sotista eciético, no rigoroso. Na historia da flosofa, 0 joto comumente usado pelos Imaiotes dn tea sane ain. O gun 8 visa. no caso em queso or clot “te Son pguve sous tle signe dela spontaneité et de linconérence, autrement dt de Fimprovisa- tion") Methor destino néo the reservaram os entusiaslas: ampliando sua figura romanticamente (textos corrasivos como o "Yogo de um vuiedo", € outros similes psicobgions para descrever sua arte) “is peignent et interprétent Diderot avec les traits épais de sa légende" © fervor anaifico @ académico diigu-se, sobretudo, rumo a discussao estética, mo- ‘2, cienttica, quando se trata deste fidsofo em novos tempos. Escasselam livros e artigos que tomatizem sua politica, igando-a ao cima espinual que resultou em 17891°), Na esteira de Sainto- Beuve, discute-se a importincia social de Diderot, ndo tanto pelo que ele pensou, mas por sua forma de agi. Sendo dos primeiros escritores a se promover na escala da “nova magistratura”, a a pena ~ que no século XIX conduziré, na expresso de Paul Benichou, ao Sacre de Fecrivain — deixando para ts 0 ideal arstocrético do “celui qui a des lettres”, trocando-o pelo “celui qui vit es lettres” (J. Thomas), Diderot foi posto na pele dos jornalistas, obrigados a entregar “leur copie quotidienne ov hebdomadaire: il représente da démocratisaton, lindusttiaisation de Tart” (R. Fayol). Diderot jornalista.. Prato feito para as vigens etemamente estéreis da ciéncia. Editor a Enciclopédia, proxeneta bem-sucedido das letras: a eficdcia violente de sua ago abafaria, ne- le, velecedes as profundezas especulativas. Comparada & de Jean-Jacques, sua obra seria ins ROBERTO ROMANO ¢ professor de Filosofia Poitica no Departamento de Filosofia do Instituto de Flosolia © Ciénoias ‘Humana da Unicamp @ autor de “Conservadoismo romentico (Grasitense - escotadd), “Corpoe ‘ital ~ Marx omni’ (Guanabara) e Lux in enebvis’ (Editora da Unicamp/Coner) ‘Shanaiseanee oan Troma (2 ama og ea ua ‘lon mhodiqee ela ature Pou! Yermre). 6 “ove! mawais tut ne joven neler sta ibe parole guane, a dre corse Gb fexvene nb orators co poner” (Casha Go Fenteney) Espinosa co Daniel, Georges: Le ste de Diora, lagunde ot cure. Gente, Dro, (5) Denil, Goores: 0. (© Tostos recones: 2) Fabre, Simone Goyer tbe planes do Margo, Abi eMeio1969 Revata [SSP - crn met oe yest Serer Soares See eee Peay Secrets See ‘matings Chul Jesoues “Let Imacines se. Didrot (ets potte tev des sions Noma 17 buon, Ratrs oan eri « Sroge weome. S80 Pave, Camps cers ato congenial, {fe Be um aga 9 mileconl are, a © hime nt {eo sev dopo, Rostsens 9 mane tretpordnalaimelctuat an er avernes de OMB, 981,615 (2) Ckado por Fontenay, E99. ot (9) "er invereesn gue is poate oe tecor'a‘eopiioa res 8 ae Stare gue a pepe ego prom. (4t"que 9 nowse ‘op 6 uma clea ‘mevessarie(-) No que io acres ar (Gerard. Laon cone Bie de Sennen, FO Dacia so Gasitoee, 183, apie Remnoesnse mear ss ouvir ‘Teocuper: Dao Teme ie oad In solonce ce ou ptsaae Besant Cauoe dete et sone, Pars,” AublerMeralgna, 1878 (0) ch, eben, Ms “Semaine gt rrecox srt someon oo Oe. Ion ae riyino (01) CL Bouck Alas Hoisegger ot Pane, POF, 408? pp. 28:28 (92) Ch, Un aue Osean. Le peo ho san langage. Pars, Vin (18) Ci. emGannd Parr-Asin, 0. et (04) Pentanenios motteces. Apna fe, cap. (waa, Appar Gh) Gaia st, Samior Pennarion For Faye, deur Pore! Todor do ‘ct Pai Momam, 972: tantanea - efémera - e supertcial. Textos come O sobrinho de Rameau ilustrariam a condigo ressentida de seus colegas menos afortunados(”), Autores “dialéticos” chegam a recolher Diderot nas malhas do “materialismo vulgar" do século XVIll. Leituras marxistas veriam nele, como ironiza, E. Fontenay, ou 0 superado metatisico, ou apenas 0 Joo Batista dialético: “Diderot ne mérite ni Cotte indignté ni cet excés d'honneur”. Certo, Marx, a0 enviar ao “segundo violino” uma c6pia de sobriftho de Rameau, escreve: “A obra-prima Gnica vai, novamente, te proporcionar prazer"(®), Logo, logo, os materialstas apresentaram a “obra-prima’” como triste catecumenato a O Capital pr6prio Diderot armou a cilada. Ela apanha os leitores que passam ao largo da complexidade existente na pele, na superficie. Acostumiados por Rousseau, e por seus émulos romanticos, ao charlatanismo das “profundezas"*), os hermeneutas desse tipo imaginam que um texto é 86... um texto, ignorando nele o resultado magnifico de todo 0 processo vita e intelectivo. ‘A face, a mascara: icones da propria cultura. Imagem ariequinal chela de formas des- continuas, muticoloridas. Diderot revela a sulileza do génio, a0 mostrar-se uno e mltiplo, tugindo da “auténtica” subjetividade, armadiiha em que tombara a maior parte dos roménticos. Diz ele a Sophie Volland: “Javais en une journée cent physionomies diverses, selon la chose dont jétais, affects". Como auto-representacao do escritr, trata-se de um bom antecedente para Fernando Pessoa... Deixemnos de lado todo 0 saber médica, suposto na teria das ates © da escrita de Diderot). Mesmo sem esta passagem ~ ela elatvizara a pretensa ingenuidade e dctanismo Go autor ~ poder lemorar a meticuosa tecnica expostva que, justo por ser poliacetada, poll nica, abarca com elegancia e briho problemas logos e lebricos & ature da “corente genial (Hegel) que define a filosofia. Evidentemente, para leturas miopes, que 56 peroebem igor” no agenciamento sis tomaico e gelado de termos univocos, produzidos por mica subjlvicade una, Diderot dena muito a desejar. Valo para ele 0 dio por Heidegger Sobre Plato, lambém recordando a flosoia medieval: "A possibitdade de um sistema no saber, a vontade de sistema (.) pertencer 8s ca Taciorsicas essenciis dos tempos modernos". Logo, corte Heidegger “o pensameio © a Corteza ele constitida lorar-se 0 melon eo créno da verdade”, Destes enunciados, doduz Alain Boutot: “A filosofia platénica nao é sistemética. Nem por isto, resume-se a uma reuniao des- Conera de Didlogos sobre assuntos dierentes, tendo poucos vincuos eves"). Quern dent fica "ngor” com um Ev transcendental (mesmo que este "Eu" sea um NOs, como om Hoge) ‘tdenando sistemalicaenteo mundo, ada reconheceré em Oxero, Hosoticamente Claro, semelhante “leitor” pouco aprendera com Plato, Montaigne e outros, inclusive posterores a Diderok como Nietzsche: ene as infiitas varacbes do universo, ea dentidade tel2 do ego classiticatério, eles ja escolheram. Mas sejamos ponderados. Diderot nao provoca em de- masia 0 possufdo pela voniade do sistoma? Tal exegeta, ouvinto, sea lé 0 que fr, se acomada bem coma lecnica exposiva cartesian, o relat. "Mais ne proposant cet Gur que comme une ristore, ov, si vous Taimez mieux, que comme une fable.” Descartes era menos epaixonado polo sistema do que os atuaiscartasianos. Mare também nao ora manxista Como enuncia, com justeza, Alain Cahné, Piere: “Quatio vezes, e sempre num géne- 10 expositvo diferente, Descartes buscou redigit as grandes etapas de seu itinerério intelectual (.)eslorgando-se por encontrar o esto justo, capaz de comever,Convencendo, ao mesmo tem- 0 0 sabio erudio © o horem do mundo"¥2). 14 uma enorme aistancia entre este Descartes, © 0 pensador que opera “segundo a ordem das razdes” suportando a escra ieréria apenas como pobre substituto das matemdticas. A heranca cartesiana é bem recolhida, nos seus dois iados, ‘num Diciondrio que explica, no verbete “Cartesian”: “Adj. derivado de cartesianismo. Funciona ‘como singnimo de racional, claro, I6gico,rigoroso, sbldo (..) Pejoraivamente: sem fantasia, sem imaginacéo: .. cartesianos como os bois (M. Aymé, Le confor intetectuel)"'S), 0 “eitor” mencionado aceitaia, também com algum estorgo, a proposta expostiva de Espinosa: "A primeira signficacao de verdadeio e falso parece ter origem nos relatos: diz-se ver- dadeira uma narragao quando 0 fato dito teria acontecido realmente: falso, quando ele nunca se deu. (..] As idéias indicam apenas relatos, ou histérias da natureza no espinio. Dai, chegou-se &

You might also like