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CIRCULO DO LIVRO S.A. ‘Caleapostal 7813 ust Sto Pt, Bras ico ioe Conyight © 1983 Bey Milas (0 gue & ame) copys © Lucia Castello Branco (© que € eosin) CConyrish 1884 lane Robert Morac e Sear Maria Lapaz (© que pomewa capa: G R Cran! Carballo venga extol para 0 Cicuo do Livo or sorta da Era Braslense S.A. ‘ends remit apenas aoe sin do Calo compat, inpesoeeneadenado elo Grelo do Livro S.A. 24esi097531 indice © que é amor Introdugao ‘A paixio do amor Os dizeres (© amor hoje A paixto do brinear ‘Anexo Indicagbes para Teitura © que é erotismo No rastro de Eros Eros pornografado Nos dominios de Tanaios Onde 0 corpo & corpus Um prazer ao pé da letra Um deus indomavel Indivagdes para leitura © que é pomnografia Mordendo a magd ......0..-. Vaseulhando 0 bas-fond da historia Acerca do pornosrafico: © que se fala, 0 que se cala Pornografia & bra © olho misico & Indicagdes para letura =... 002ecsccee Os autores e sua obra n 1B a1 39 2 4 a 65 0 B 85 2 100 103 109 us 130 rr 100 m 173 O que é erotismo Lucia Castello Branco “Bros. dose do omer erates pare tira ere Antara esol, Tre imovc Agora nd vida, api (toda Gra Antigo) No rastro de Eros Definir erotismo, traduzir e ordenar, de acordo com as Ieis da I6gica e da razfo, a linguagem ciftada de Eros, seria ‘caminhar em direso oposta a0 desejo, ao impulso erstico, ‘que percorre a «da Fugacidade edo caos, O cariterincapturavel do fenmeno erdtico no cabe em de- finigdes precisas erstalinas — os dominios de Eros sfo ne~ bulosos & movedicos. ‘Alguns dos obstinados que tentaram perseguir trilha ddo “deus” mergulharam na perplexidade, no deltio ou no sildncio. £ 9 easo de muitos mistcos ede alguns loucos. Ou- ‘os tentaram escapar do salto no escuro através de uma es- Lratégia cientifiesta, que de fato langou algumas luzes sobre 1s dominios imprecisos do desejo, mas que também desem- bocou, invariavelmente, na anglstia do indecifravel. O pr6- prio Reich, psicanalista alemao que se tornou famoso € rmorreu perseguido por suas ousadas descobertas na area da sexualidade, e que parece er dedicado sua vida a apreensio cientfica do fendmeno erdtico, erminaria por reconhecer ppermangncia do “enigma do amor” nas ttimas péginas de A Juncio do orgasm. Houve ainda aqueies que, menos torturados pela neces sidade de compreensio do fendmeno, voltaramse para a fru Se a eae arene, omer De ae Outros erotizaram o discurso. Entre poetas, sex6logos, ma- ‘laces e oportunistas reside um impulso comum: a necess. dade de verbalizar o erotismo, de eserever a linguagem do Aescjo, de decifraro “enigma do amor”, numa tentativa, tal- vez, de negat @ morte em que irremediavelmente nos langa- ‘mos ao trihar os caminhos de Eros, Nao € outro o impulso que me move quando tento e2- sminar no rastto desseestranho deus. Sei que a tentativa de 6 verbalizé-lo é absurda e, no entanto, fascinante, Talvez 0 fas- Cinjo provena exatamente do paradoxo em que consiste a tentativa de capturar o incapturdvel, de lapidar o siléncio Na lusao de evitar os desvios enganosos de Eros, nio ando ‘busca de uma definigao cabal do fenémeno erdtico, que me leve ao fim de seu percurso, Busco o préprio percurso, a tt- Tha efelica do deus, (0 mito grego nos diz que Eros & o deus do amor, que aproxima, mescla, une, multiplicae varia as espécies vivas. "AS sugestdes de movimento e de unio, j& presentes no mito, Vio se repetirna fala dos poetas, dos misicos e dos sexélo- os. A idia de unido no se resringe aqui apenas & nogao ‘corriqucira de unio sexual ou amorosa, que se efetua entre dois seres, mas se estende a idéia de conexto, implicita na palavra “eligare” (da qual deriva “rligito”) e que atinge ‘outa esferas: a conexao (ou re-unido) com a origem da vie da (e com o fim, a morte), a conexdo com o cosmo (ow com. Deus, para os religiosos), que produziriam sensagQes fuga- es, mas intensas, de completude e de totalidade ‘Vamos encontrar essa nogio do impulso erdtico como bbusca de conexdo e de re-unito desde a Antiguidade Cléssi- ca, O filésofo grego Platio, em O banquete, talves o mais antigo texto sobre o eratismo de que temos noticia no Oci- dente, j expressa claramente essa idéia. Arst6fanes, um dos convidados do banquete, conta que, antes do surgimento de Eros, a humanidade se compunha de trés sexos: 0 maseuli- no, 6 feminino eo andrégino. Os seres androginos eram re- ddondos e possufam quatro maos, quatro pernas, duas faces, dois genitais, quatro orelhas e uma cabesa. Esses seres, por ‘sua propria natureza, se tomaram muito poderosos e resol- ‘veram desaflar os deuses, sendo, por isso, castigados por Zeus, que decidiy corta-los em duas partes. Assim ees fi ram fracos e dels, porque seriam mais numerosos para ser virem aos deuses, ‘Apés essa divisto, os novos seres, mutilados e incom. pletos, passaram a procurar suas metades correspondentes “quando se encontraram, abracaram-se e se entrelacaram ‘num insopitével dosejo de novamente se unirem para sem- fre". E dai se originan Eros, o impulso para ‘‘recompor a fntiga natureza"” e “restaurat a. antiga perleigao” E certamente esta a nogio que transparece no discurso de Freud, quando ele define o impulso erdtico como “desejo de unido (Ser um) com os objetos do mundo”, que conduz 66 santa Teresa de Avila em sua paivto mistica (‘nos desa- pegarmos das craturas por amor de Deus, ¢ certissimo que fo mesmo Senior nos encherd de si") ¢ que é desenvolvida por Georges Bataille, em seu enssio “L'rotisme” Segundo esse eseritor,o ertismo se articla em torn0 de dois movimentos opostos a busca de continuidade dos se- ses humanos, a tentava de permanéncaalém de um momen- to fusez, versus 0 cardter mortal dos individuos, sua im- possibdade de superar a morte. Para Bataille, os indviguos fe lancariam nessa busea de permanéncia porque eles carre- ‘am consigo uma espécie de nostalgia da continuidade per ida, Ora, mais uma vez estamos diane da ideia de Eros como impuiso pera “ecompor a antiga natreza” to cla- ramente expressa na fala de Aristéfanes. dois aspects fundamentals, implicitos ao discurso de Aritofanes, que derivam dessa nogfo do ertismo como impalso em dresao & completude. Um dels se refere a0 e ‘remo poder srbuido a Eros, que & capa, ainda que por segundos, de “sesaurara antiga pefeicio™ ede repro sefes “andréginos” totais ¢ audacosos, que ousam desa ‘0s dees 0 utr aspecto reside na ida de “incomplets- ‘ee de debilidade dos sees bipartidos que, desprovidos da forea de Eros, ornam-sefracos eels agucls que detém 0 poder. Em torno desses dois polos, a forea de Eros ea fra Tdade dos sees “abandonades™ por Bros, articulam-se os mezanismos de repress sexual, que vém sendo to sofisti- Cadamente manipulades pelos agentes protetoes da ordem Social, sobretudo nos regimes autritrios. ‘Nao é de se estraar que, nas sociedades de governo totalitrio, a questio do erotizmo se cologue como funda- rental Sabemos, desde Plato, do poder desse deus incap- turivel. Pata formar cidadaos fragels e inseguros, € ‘epartélos, mutilos ransformslos em metades de mel des, sem nenhuma possiblidade de resomposigio. Iso s faz ‘i ésulos, através de inimeras esis modalidades de eon- trole do deseo, ede severa punides aos inatores da ordem. ‘Mas ¢ eurosa a fleiblidade de Bros. Com ste-onipre- senga de deus, ele consegue sempre estar em tod parte, ca- ‘uflado sob vatiados cstarces, mascaras sociais que Ihe gerantem olive trnsito, mesmo nos repiies mais autorité- Fios. Ness situacbes, ele sabe fazer-se ouvir de mancira frada, através de seus signos miltipos. 6 Hi alguns processos humanos.que se cireunscrever 0 doiinio de Eros e que se realizam como expresso dessa nos- tala de completude, deste desejo de conexio com o cosmo. Um deles, a que jé me refer aqut, € 0 misteismo, que, em sua origem, Se consltui em manifestagdo erStica, em ansia de fusio e de totaidade: “o Senhor nos encherd de s°", Ou- ‘wo desses processos — c tlvez o mais poderoso, poraue me- ros facilmente manipulivele, por isso, mais ameagador & ‘ordem social — é a arte. “A.expressio artistiea se realiza em fungio de um mesmo impulso para a totalidade do ser, para sua permanéncia além ‘de um instante fugaz e para sua uniéo com 0 universo. A co- Imunieagao que se estabelece entre a obra de ate co eitor/es- pectadior énitidamenteerdtica. O prazerdiante de uma obra exemplo, manual sobre a arte hindu iciao individuo em diversas tEenicas sexuais, co: mo a mordida erdtica”, 0s “boisedes e arranhBes com as uunhas”, as “diferentes maneiras de deitar no lei”, ou a8 “diferentes espécies de unio". Toda essa aprendizagem faz parte de uma educagao integral do individuo, que abrange ‘és modalidades: o dharma, obediéncia 20 mandamento dos shastra(escritura sagrada dos hindus); 0 artha, aprendiza ‘gem das artes, aquisigao da terra, ouro, gado, cacruagens, amigos; € 0 kama, que & 0 goz0 dos objetos acessivels aos Cinco sentidos e tem como objetivo méximo o prazer. Como se percebe, a socializacdo, o trabalho, a arte, a religiéo ¢ 0 erotismo devem se complementar de maneita a roduzir a harmonizagio do individuo que, ao fim de seu pe- Flodo de vida, constituido de varias reencarnapdes, podera finalmente aleangar 0 mosiha, «libertacao da alma. © fato de nao haver uma ciséo entre erotismo ereliio- sidade em algumas culturas do Oriente no quer dizer que

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