You are on page 1of 34
Revista Eletrénica da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) ISSN - 2448-3303 INTERCULTURALIDADE E DECOLONIALIDADE DO. PODER UM PENSAMENTO E POSICIONAMENTO "OUTRO" APARTIR DA DIFERENCA COLONIAL” INTERCULTURALITY AND DECOLONIALITY OF POWER. ANOTHER'THOUGHT AND POSITIONING FROM THE COLONIAL DIFFERENCE Catherine Walsh” ‘Sio necessarias novas formas de pensamento que, transcendendo a diferenga colonial, possam se construir sobre as fronteiras das cosmologias em eontlito, cuja a articulagdo atual se deve, consideravelmente, 3 colonialidade do poder sobre cujos pilares se ergueu © ‘mundo moderno/ colonial. Walter Mignolo Resumo * Tradugio sem fins lucrativos, com objetivos estritamente pedagogicos ¢ cientificos, do capitulo: WALSH, Catherine. Interculturalidad y colonialidad del poder. Un pensamiento y posicionamiento “otro” desde la diferencia colonial. In: CASTRO- GOMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramén (Comp.). EI giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica mis allé del capitalismo global, Bogots Siglo del Hombre Editores et al, 2007. 308p. (pp. 47 — 62). A permissdo para esta tradugZo e sua publicago académica sem fins comerciais foi concedida por escrito em 3 de julho de 2018 por Selma Marken Farley, gestora editorial, em nome de ‘quem as tradutoras agradecem imensamente a0 grupo Siglo del Hombre Editores. Website: , ‘Tradugio de Daniele da Silva Proenga (graduanda em Tradugo Portugués/Espanhol pela Universidade Federal de Pelotas), Andrea Cristiane Kahmann (Professora do Bacharelado em Letras - Tradugo Portugués/Espanhol e do Programa de Pés-Graduagdo em Letras da Universidade Federal de Pelotas, Doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Mércia Rodrigues Bertoldi (Professora da Faculdade de Dircito © lenadora do Programa de P6s-Graduagdo em Direito da UFPel, Doutora em Direito pelas Universidades Pompeu Fabra e Girona, Espana). Professora da Universidad Andina Simén Bolivar (UASB), Equador. Doutora em Educacdo, Sociolinguistica e Psicologia Cognitiva pela University of Massachusetts, Amberst, Estados Unidos. V. 05, N. 1, Jan.-Jul., 2019. Revista Eletrénica da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) ISSN - 2448-3303 texto que se presenta a seguir é uma tradugdo de “Interculturalidad y colonialidad del poder. Un pensamiento y posicionamiento “otro” desde la diferencia colonial”, de autoria de Catherine Walsh, publicado por primeira vez em Bogoté, em 2007, como capitulo da obra “EI giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica mis alla del capitalismo global” [0 giro decolonial: reflexes para uma diversidade epistémica para além do capitalismo global]. Dialogando com autores como Frantz Fanon, Anibal Quijano, Arturo scobar e Walter Mignolo, e trazendo experiéncias do movimento indigena equatoriano, como a Universidade Intercultural das Nacionalidades ¢ dos Povos Indigenas (UIN-PI), Walsh, neste texto, propée uma reflexdo “outra”, que ndo tenha a instituigdo académica ‘ou os centros geopoliticos de produgdo do conhecimento (0 norte global) como ponto de partida, mas que vise a uma construgio conjunta de saberes, praticas ¢ teorias. Para cumprir com essa proposta, Walsh divide este texto em trés pontos, a discutir: (1) Construgdo da interculturalidade politica, ideologica e epistémica dos movimentos indigenas; (2) Interculturalidade, multiculturalismo e diferenga colonial; (3) A “outra” dimensio da interculturalidade: descolonizagdo ¢ transformages sociopoliticas. A tradugdo deste texto a0 portugués brasileiro ¢ sua publicagdo nesta revista objetiva nao apenas oportunizar o acesso a esses conhecimentos aos que nao dominam 0 idioma espanhol, como também revitalizar esses debates ¢ posicionar-se como pratica politica, ao defender a escuta atenta do pensamento critico social proveniente do movimento indigena, Palavras-chave: Interculturalidade; Giro decolonial; Decolonialidade do poder; Movimentos indigenas; Catherine Walsh. Abstract The following text is a translation of "Interculturalidad y colonialidad del poder. Un pensamiento y posicionamiento "otro" desde la diferencia colonial" by Catherine Walsh, first published in Bogota in 2007 as a chapter of the work “EI giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica mas alla del capitalismo global" [The V. 05, N. 1, Jan.-Jul., 2019. Revista Eletronica da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) ISSN - 2448-3303 decolonial turn: reflections on epistemic diversity beyond global capitalism]. Walsh dialogues with writers such as Frantz Fanon, Anibal Quijano, Arturo Escobar, and Walter Mignolo, and brings experiences of the indigenous movement in Ecuador, such as the Intercultural University of Nationalities and Indigenous Peoples (UIN- PI). In this text, she proposes a reflection on the “another,” which do not have academic institutions or geopolitical centers of knowledge production (the global north) as a starting point, but that aims a collaborative construction of knowledge, practice, and theory. To this end, Walsh divides this text into three items to be discussed: (1) The construction of political, ideological and epistemic interculturality of indigenous movements; (2) Interculturality, multiculturalism and colonial difference; (3) “Another” dimension of interculturality: decolonization and socio-political transformations. The translation of this text to Brazilian Portuguese and its publication in this journal aim not only to offer access to these information to those who are not proficient in Spanish, but also to revitalize these debates and to turn them into political practice, by arguing for a careful listening of the social critical thinking coming from the indigenous movement. Keywords: Interculturality; Decolonial turn; Decoloniality of power; Indigenous movements; Catherine Walsh. Sumario Introdugio. 1. Construgdo da interculturalidade politica, ideolégica ¢ epistémica dos movimentos indigenas. 2. Interculturalidade, multiculturalismo e diferenga colonial. 3. A “outra" dimensio da interculturalidade: descolonizagio © transformagées sociopoliticas. Referéncias. V. 05, N. 1, Jan.-Jul., 2019. Revista Eletrénica da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) ISSN - 2448-3303 Introdugio Na América Latina, ¢ particularmente no Equador, 0 conceito de Interculturalidade assume significado relacionado a geopoliticas de lugar espaco, desde a histérica e atual resistencia dos indigenas e dos negros, até suas construg s de um projeto social, cultural, politico, &tico © epistémico orientado em diregio a descolonializagio © a transforma: jo. Mais que a simples ideia de inter-relagio (ou comunicagao, como geralmente se entende no Canada, Europa e Estados Unidos), a interculturalidade aponta ¢ representa processos de construgio de um conhecimento outro, de uma pritica politica outra, de um poder social (¢ estatal) outro e de uma soci lade outra; uma outra forma de pensamento relacionada com e contra a modernidade/colonialidade, e um paradigma outro, que € pensado por meio da praxis politica Em contraste com os constructos teéricos criados dentro da academia para serem aplicados em certos objetos ou "casos" para analise, a interculturalidad tal como & apresentada e compreendida aqui, & um conceito formulado e carregado de sentido principalmente pelo movimento indigena equatoriano, conceito ao qual este movimento se refere até 1990 como "um principio ideolégico”. Como tal, essa configurago conceitual é, por si mesma, “outta”, Em primeiro lugar, porque provém de um movimento étnico-social mais do que de uma instituigdo académica; depois, porque reflete um pensamento que no se baseia nos legados coloniais eurocéntricos © nem nas perspectivas da modemidade; e, finalmente, porque no se V. 05, N. 1, Jan.-Jul., 2019. Revista Eletronica da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) ISSN - 2448-3303 origina nos centros geopoliticos de produg3o do conhecimento académico, ou seja, do norte global. Este trabalho explora a significagdo da interculturalidade como uma perspectiva e pritica "outra", que encontra sustentagdo razdo de existéncia na colonialidade do poder. Nao se pretende reificar © conceito de interculturalidade ou de "pensamento indigena” com ela relacionado. Ao contrario, este trabalho busca chamar a atengo para a rela jo entre a interculturalidade e a colonialidade do poder com a diferenca colonial. E busca fazé-lo tal e como sio pensadas e praticadas particularmente pelo pensamento alternative produzido pelo movimento indigena, que se volta a classificagao étnico-racial, a dominagio estrutural ¢ & descolonizagao, assim como a contestagio A distingdo em relagdo a discussdes relativistas que se efetuam a partir da diferenga cultural e da multiculturalidade. Enfatizando particularmente a nogio de “interculturalidade epistémica" e posicionando-se como pratica politica, como contra- resposta & hegemonia geopolitica do conhecimento, este trabalho se organiza em torno a associago da interculturalidade com a politica cultural ou identitéria, por meio de configuragdes conceituais que ‘siria denotam outras formas de conhecimento, partindo da ne diferenga colonial rumo & construgio de um mundo diferente. Seu interesse consiste em, simultaneamente, esclarecer como essas configuragdes sio constitutivas do projeto do movimento indigena equatoriano © considerar suas implicagdes e possibilidad para o projeto participative do pensamento critico social, area que conta com um crescente nimero de pesquisadores intervinculados na América V. 05, N. 1, Jan.-Jul., 2019. 10 Revista Eletrénica da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) ISSN - 2448-3303 Latina e nos Estados Unidos, que se reflete neste livro.' Partindo desse objetivo, espero atuar aqui como uma espécie de mediadora, dialogando com o movimento indigena tanto quanto com alguns conceitos-chave que orientam o projeto do pensamento critico social - a0 que Escobar se refere como "programa de pesquisa sobre modernidade/colonialidade". Em particular, como uma demonstragio do que 0 projeto participative encerra, aproximo elementos para ampliar 0 didlogo que sustento com Walter Mignolo sobre interculturalidade na sua relagdo com a diferenga colonial, movimentos indigenas e colonialidade do poder. 1, Construsio da interculturalidade politica, ideolégica epistémica dos movimentos indigenas Na iiltima década, a agéncia dos movimentos indigenas do andinos (no Equador ¢ na Bolivia) ~ mudando a nogio e a prit Estado-nagao e construindo uma politica diferente — vem alterando a hegemonia branca-mestiga e, ao mesmo tempo, vem posicionando os povos indigenas local, regional ¢ transnacionalmente como atores sociais © politicos. As histérias (trans)locais © as ages desses movimentos confrontam os legados ¢ as relages do colonialismo interno — 0 que Rivera Cusicanqui (1993) chama de a larga durago do N. de T. A autora se refere a0 livro “El giro decolonial: reflexiones para una diversidad episiémica mas alld del capitalismo global", do qual 0 texto considerado fonte para esta tradugdo conforma um capitulo (pp. 47 = 62). A obra completa reine © trabalho de doze pesquisadores de diferentes nacionalidades e mais um prélogo . KHATIBI, Abdelkebir. Maghreb plural. In: MIGNOLO, Walter (Comp.. Capitalismo y geopolitica del conocimiento. El eurocentrismo y la filosofia de la liberacién en el debate intelectual contemporéneo. Buenos Aires: Signo, 2001. (pp. 71-92). KOWI, Ariruma, Democracia plural y politicas interculturales, Exposigdo apresentada no curso Interculturalidad y politicas culturales. Quito: Universidad Andina Simén Bolivar, margo de 2003 LEON pricticas de significacién para la construccién de una memoria Edizon, (Re)presentacién de lo negro desde lo negro. visual, Tesis de Maestria. Quito: Universidad Andina Simén Bolivar, 2003, V. 05, N. 1, Jan.-Jul., 2019. Revista Eletronica da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) ISSN - 2448-3303 MACAS AMBULUDI, Luis; LOZANO CASTRO, Alfredo. Reflexiones en torno al proceso colonizador y las caracteristicas de la educacién universitaria en el Ecuador, Boletin ICCI-Rimai, Quito, n. 19, 2001. Disponfvel em:

You might also like